Amor Vincit Omnia escrita por fancyfrills


Capítulo 2
Parte 2




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“Sua teoria pode estar incorreta,” Sherlock disse simplesmente, de seu canto no banco de passageiros do táxi.

“Não acredito que você ainda está chateado por não ter percebido a pista. Vamos lá, eu tenho que deduzir alguma coisa de vez em quando, para não ser um peso morto.”

“Você não é um peso morto, francamente, John!” o detetive respondeu, vagamente escandalizado. “De qualquer forma, não deveríamos tomar como garantido que o tema do atual feriado tem algo a ver com o crime.”

“Se você diz...” John deu de ombros. “Nós podemos apostar.”

“O que?”

“Veja bem,” o médico disse, “Eu vou pensar em alguma coisa, mas você terá que me pagar se eu estiver certo. Se eu estiver errado, você não ganha nada, porque isso já é esperado.”

“É aqui, pode parar!” Sherlock gritou para o taxista, não respondendo ao amigo. Ele saltou do táxi, deixando John para trás para pagar a tarifa.

oOo

O arquiteto vivia em um charmoso apartamento de estilo georgiano, não muito diferente da rua Baker. Sem muita dificuldade, Sherlock convenceu o senhorio que eles estavam com a polícia e precisavam dar uma olhada no apartamento.

“Brenon Frederik, 38 anos, foi encontrado morto quatro dias atrás em sua sala de estar.” John leu as informações do relatório disponibilizado por Lestrade. “Seu peito havia sido perfurado por uma flecha profissional, de especificações tais e tais, para uso olímpico.”

A voz do médico vacilou um pouco no trecho seguinte. Ele já havia lido antes, mas em voz alta ficava muito mais difícil manter uma distância profissional de algo tão semelhante ao que sua ex-esposa havia feito a Sherlock.

“O projétil, arremessado do telhado do prédio em frente à casa do Sr. Frederik,” John pulou um trecho mais técnico do relatório, “atingiu-lhe com grande precisão no coração, causando óbito instantâneo.”

Fazendo um aceno sutil com a cabeça, Sherlock demonstrou que havia escutado. Pelo menos nisso ele estava melhorando, John pensou.

Os dois homens vasculharam o apartamento em busca de pistas. Sherlock descobriu que Frederik tinha um namorado (algumas meias, camisas e roupas de baixo masculinas de marca e tamanho diferentes das usadas pelo arquiteto, uma pulseira de borracha para a pista VIP de um clube gay conhecido e uma página recortada de uma revista voltada para o público LGBT em que Frederik havia sido citado como uma inspiração de carreira e negócios) que ele via raramente, pois estava constantemente viajando (gaveta cheia de canhotos de passagens de avião para vários países europeus, uma coleção de cartões postais comprados em aeroportos, a cama estava arrumada de maneira quase militar, e havia até mesmo um único livro caprichosamente colocado sobre o travesseiro). O estilo da decoração era minimalista, exceto pela área de trabalho do arquiteto, que era um pouco mais bagunçada que o resto do apartamento, mas ainda assim com todos os equipamentos separados e categorizados. As obras da vítima, pelo que descobriram ao examinar o portfólio do homem, eram voltadas para a área de arquitetura conceitual, particularmente de estética modernista. Ele havia projetado designs de estações de metrô, teatros e algumas esculturas em várias localidades. Uma busca rápida no celular e no notebook do homem mostraram que ele não tinha o menor conhecimento sobre as outras vítimas, parecendo indicar que haviam sido escolhidas de maneira aleatória.

“Algum detalhe, John. Sempre há algum detalhe...” Sherlock murmurou, seus olhos oblíquos perscrutando o pequeno apartamento. Por alguns instantes, John esqueceu totalmente do caso, observando aquela maravilha física e mental que era Sherlock funcionando em seu ambiente. Não sem uma certa culpa, o médico viu-se desejando que sempre houvessem muitos mistérios escabrosos ao redor dos dois, para que ele sempre pudesse ver Sherlock Holmes tão contente, sua mente vicejando gloriosamente enquanto resolvia um novo enigma.

Sentindo a face corar, John sentou no sofá da sala.Não ficava bem ter a reação de um adolescente em meio à cena do crime, pensou. Tentou distrair-se observando o apartamento, embora o exterior fosse semelhante ao lugar onde viviam, aquela casa era completamente diferente. Linhas retas, organização impecável, não havia uma sujeira à vista, exceto pela fina linha de poeira que havia acumulado-se desde a morte do morador. Nem mesmo livros haviam lá, Frederik parecia preferir ter tudo em cópias eletrônicas, que pudesse levar consigo em suas viagens.

“Sherlock...” John chamou. O detetive arqueou as sobrancelhas para John, ele havia passado os últimos minutos elucubrando sobre os últimos dias de vida de Frederik. “Você reparou que não tem nenhum livro aqui? Nenhuma prateleira, nem nada? Ele é um intelectual, mas prefere e-books.”

O detetive encarou John por alguns instantes, a boca em forma de arco de cupido formando uma graciosa letra “o”. Ele correu para o quarto, voltando com o livro que haviam visto sobre a cama do arquiteto.

“Chiaroescuro: O Poder da Luz e Trevas na obra de Caravaggio,” Sherlock leu o título, sua voz grave dando um tom de desdém ao título pretencioso, “E uma deticatória, escrita em um papel à parte e colocado dentro do livro, mas não escrito no próprio livro, pois ele não quis estragá-lo. É um presente para o namorado artista, que ele conheceu na faculdade de belas-artes.”

“Mais alguma coisa?” John perguntou.

Sherlock revirou o encadernado de páginas amareladas, em busca de detalhes.

“Trata-se de uma publicação rara, é uma edição original de um estudo definitivo sobre o trabalho desse pintor. Não foi barata, já teve pelos menos dois donos anteriores e passou por um processo de restauração. Segundo o carimbo na contra-capa, foi comprado no sebo T. & Lyndor, aqui em Londres.”

Sherlock fechou o livro e guardou dentro do bolso do sobretudo.

“Vamos à casa do músico,” ele anunciou.



A mãe de Lewis C. Dawson, o músico assassinado, abriu a porta do sobrado de classe média em que viviam, em uma região mais afastada do caótico centro londrino. Ela era muito parecida com o filho, sendo uma mulher de meia-idade, morena e com uma longa trança de cabelos grisalhos. Sua aparência era de quem estava chorando copiosamente e ela procurou se aprumar ao ver os dois homens diante de sua porta.

“Ratna Chimayi Dawson,” ela se apresentou, quando John explicou da maneira mais gentil o possível que estavam com a polícia e tentando descobrir quem havia assassinado seu filho. Ela fez um sinal positivo, e deixou que os dois entrassem.

“Eu e meu marido somos advogados,” Ratna explicou, secando as lágrimas com um lenço. “Lewis nunca quis essa carreira, ele queria ser músico e, você sabe, ele era um excelente menino, praticava desde criança. Uma coisa dessas bem na nossa casa? A polícia disse que devemos ir para casa de nossos parentes, para nossa segurança, mas não consigo sair daqui!”

“Está tudo bem.” John disse, olhando de esguelha para Sherlock, alertando-o com um olhar para que ele não falasse nada indelicado. “Você sabe se ele tinha algum inimigo, alguma coisa... envolvimento com drogas?

Ratna olhou para John de maneira ofendida e antes que ela pudesse responder, Sherlock interpôs-se na discussão.

“Ele era straight-edge,” Sherlock explicou, ignorando o olhar confuso de John. “Entre as tatuagens do rapaz, reconheci um X preto. Trata-se de uma subcultura na cena punk e alternativa, também popular entre vegans. São jovens que se abstêm de comportamento destrutivo, como álcool, sexo desprotegido, cigarros e drogas. Aparentemente Lewis deixava isso bem claro para os pais advogados, que em contra partida aceitavam seu estilo de vida não-conformista. Trivial.”

“Oh, eu realmente sinto muito!” John disse para Ratna.

“Senhora,” o detetive continuou, “Não temos tempo a perder, quem quer que tenha machucado seu filho, ainda está por aí, nós precisamos ver o local onde o crime ocorreu.”

A mulher concordou e conduziu os dois pelo corredor até o quarto de Lewis, que estava cercado pela fita amarela que a equipe de Lestrade devia ter deixado lá mais cedo. John considerou que estava passando tempo demais com o detetive, e vice-versa, considerando que haviam invertido de papéis ao menos duas vezes ao longo desse caso.

O quarto de Lewis havia sido convertido em um uma espécie de estúdio musical caseiro. O rapaz tinha colado placas de isolamento acústico na parede e tinha um equipamento de som de primeira, além de duas guitarras, um teclado e uma linda vitrola vintage. Ele tinha uma coleção de discos e livros bastante variada, além de uma pilha de zines vegans ao lado da impressora do computador. As roupas do rapaz estava todas guardadas em um baú indiano, que devia tratar-se de uma lembrança de família. Ainda havia uma mancha de sangue no chão e John sentiu uma onda de empatia, lamentando pela morte de uma pessoa tão jovem e cheia de vida. Entrar naquele quarto transbordando de cultura jovem fez o médico sentir-se de repente muito velho.

“Olha, igual à nossa.” John apontou uma almofada com a bandeira da União no pé da cama de Lewis.

Sherlock contraiu os lábios para a almofada. Ele estava examinando as últimas coisas impressas pelo dono do quarto.

“Aparentemente a banda de Dawson estava prestes a fechar um contrato com uma gravadora independente,” ele explicou, retirando uma folha de papel da pilha de zines. Sem maiores escrúpulos, Sherlock ligou o computador do rapaz e deduziu a senha após duas tentativas e uma olhada na coleção de fotos pregadas em uma placa de cortiça.

“Nome do animal de estimação, sempre funciona.” Sherlock murmurou, falando mais consigo mesmo do que com o amigo.

Examinado o histórico de mensagens no facebook de Lewis, descobriram que o jovem não passava muito tempo na internet, vagamente marcando encontros com amigos ou paquerando uma ou outra garota. Ele era solteiro, e parecia ser muito dedicado à banda. Havia entrado em uma ou outra discussão política, mas nada realmente sério. Ainda não havia nenhuma mensagem avisando os amigos sobre sua morte, o que causou um novo aperto desconfortável no peito de John. Sherlock olhou para o médico de maneira indefinível por alguns instantes, então selecionou uma das músicas que o jovem havia remixado em seu próprio computador.

Era um som moderno, que John não sabia diferenciar muito bem de outras bandas contemporâneas, embora fosse visível a influência de clássicos do rock britânico e jazz. Na verdade, quanto mais o som progredia, era possível se sentir influenciado pelo estilo dançante da música, intercalado por repetições de um baixo seco e eletrônico. A letra falava sobre uma garota que havia partido, mas que ainda estava presente nas fantasias do autor, o vocalista do grupo. “Love conquers all... in the end...!” cantava o refrão.

“Eu já ouvi isso antes,” John disse, “Não essa música, mas a frase. Não me é estranha.”

“Interessante.” Sherlock respondeu, entrelaçando os dedos enluvados e apoiando o queixo sobre eles, entrando em seu modo pensativo.

John olhou ao redor, sabendo que não conseguiria arrancar nenhuma palavra de Sherlock enquanto este vagava pelo palácio mental. Parecia que Lewis voltaria a qualquer instante, seus tênis virados debaixo da cama e um pacote de salgadinhos de soja sobre a mesinha da cabeceira. John acendeu a lâmpada do abajur, para observar melhor o que havia na mesinha. Um relógio despertador a pilha, um conjunto de chaves, preservativos e documentos dentro da gaveta. Três livros. O médico folheou rapidamente por eles. Um guia de viagem para a Alemanha (fazia sentido, uma das paqueras de Lewis era alemã), um livro de receitas vegetarianas e uma edição de bolso do Grande Gatsby.

“John!” o detetive chamou de modo repentino. “Deixa eu ver esse livro.”

Sherlock deu uma olhada rápida pela edição envelhecida. “Assinado pelo próprio Fitzgerald.”

“O que? Isso deve valer uma fortuna, não é possível que ele tenha comprado. Você acha que...”

“Sebo T. & Lyndor.” Sherlock leu o carimbo, em seguida voltando sua atenção para o computador do jovem, checando outras redes sociais e programas de troca de mensagens. Finalmente ele encontrou uma conversa através dos Hangouts do google com outro rapaz:

Você não acredita, eu fui num sebo e esse cara ficou conversando comigo, então me deu uma cópia do Grande Gatsby que vale mais de 60 mil libras,” Sherlock leu a mensagem em voz alta, “Olha só esse site de leilões, caramba, acho que ele me deu o livro errado, eu devolvo isso ou não?

Ele pulou a resposta do amigo de Lewis, pois tratava-se de um xingamento.

Vá você! Até amanhã eu decido o que eu faço,” dizia a última mensagem.

John estreitou os olhos para ler a data miúda sobre a mensagem. Lewis fora assassinado no dia seguinte.

“E agora?” o ex-militar perguntou.

Um sorriso arteiro adornou a face do detetive.

“Tenho pelo menos seis teorias diferentes, precisamos de mais evidência para eliminar pistas falsas.”

“E a minha ideia inicial?” John perguntou.

“Ainda não foi completamente descartada. Vamos nos apressar!”


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