Silent Hill: The Artifact escrita por Walter


Capítulo 24
... Reiniciando ...


Notas iniciais do capítulo

"Por fora, já desistiu. Por dentro, sempre descobre alguma desculpa para recomeçar." - Fabrício Carpinejar



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Fecho a porta do banheiro e respiro fundo mais uma vez. Estou livre, livre de tudo. Mas... E quanto às outras pessoas? E quanto a Anette? Estou confuso. Acordar do nada em minha cama faz com que eu pense que tudo foi um sonho, e na verdade, é o que estou torcendo pra ser. Torcendo para encontrar Anette e Thompson na aula, torcer pra que tudo não tenha passado apenas de ilusões do meu cérebro. Estou com uma sensação horrível, mas independente do que tenha acontecido, eu não porei meus pés em Silent Hill por motivo algum, está definido. Vou até a porta e pego a mochila, estando cinco minutos depois de frente pro meu carro, estacionado na mesma vaga de sempre, o que reforça a ideia de tudo não ter passado de um sonho. Abro a porta com facilidade e então me lembro de que estou sem a chave.

–Droga!

Dou uma olhada por dentro e vejo que, estranhamente, a chave repousa encaixada à ignição. Talvez eu a tenha esquecido depois da aula de ontem... Mas o que aconteceu? Quantos dias se passaram? Olho então para o relógio no painel do carro, que marca estranhamente 88h e 88min. Meu coração acelera isso só pode ser brincadeira. Talvez esteja quebrado.

–Ok Matthew... Tudo foi um sonho. O relógio quebrou só isso.

Giro a chave sendo reconfortado pelo conhecido barulho do motor. Pressiono o botão do rádio, pronto pra ouvir minha música favorita de Owl City, porém não é o que sai dos fones. Um barulho muito estranho, como se fosse de metal sendo retorcido somado a um forte chiado saem quase rompendo meus tímpanos.

–Mas que PORCARIA É ESSA?!!

Giro o botão baixando o volume o máximo que posso e coloco na frequência das ondas de rádio. Tento sintonizar alguma coisa, girando o botão para esquerda ou direita. Então consigo captar alguma coisa:

– ... Matthew... sou eu... você... abandonou... aqui. Volte... venha me buscar... socorro...

Não poderia ser essa voz... Desligo o rádio no mesmo instante. Não, Mateus não existe, não... Ele era fruto dos meus sonhos e nada mais. Sem contar que... ELE ESTÁ MORTO! Isso, isso não faz sentido... Talvez Chang tenha razão e eu esteja ficando louco... Mas que Chang? Não, Chang não tem razão de nada! Eu nunca fui à Silent Hill, eu nunca tive nenhum momento com Chang lá! Respiro fundo, sabendo que preciso me controlar, que preciso fazer alguma coisa ou vou enlouquecer de vez, se é que já não estou louco.

–Okay Matt, você consegue!

Acelero o carro e entro na rua principal da universidade, seguindo em direção ao departamento onde vou assistir a minha próxima aula do dia... Aula de Mitologia e Lendas com o professor Thompson. O carro vai ganhando velocidade e vejo vários outros carros passando em ambos os sentidos. Alguns alunos correm pela calçada, calçada que começa a se deteriorar diante dos meus olhos. Tudo começa a escurecer como se o sol não existisse mais.

–Droga droga droga droga DROOOOOGAAAAAA!!!

O rádio começa a emitir o som de uma sirene e de repente todo o asfalto cai em alguma espécie de abismo, se transformando em grades enferrujadas e podres. Os outros carros somem do nada e meu nariz é invadido pelo cheiro podre, o cheiro do meu sonho. Meus olhos não conseguem acreditar no que estou vendo e a universidade se transforma em um inferno. Acelero o carro na tentativa de sair dali o mais rápido possível, mas em cada rua que eu entro, a situação é a mesma. O farol do carro ilumina uma forte névoa, que recobre toda a frente. Entro em uma rua aparentemente comprida e acelero o carro o máximo que posso. Então, como que se estivesse atravessando a rua, um garoto vestido de camisa verde e jeans se coloca bem no meio, como se quisesse ser atropelado pelo carro. Eu reconheceria aquele garoto em qualquer lugar, é Mateus.

–NÃÃÃO!!

Piso com toda a minha força no freio fazendo o carro cantar o pneu em meio aquelas grades no chão. Meu corpo é jogado pra frente e por pouco não bato com a cabeça no volante do carro, mas o meu pescoço é quem paga por isso. Não sei o que pensar, a droga da cidade parece ter vindo até mim e Mateus junto com ela. Então ouço um barulho muito alto vindo da parte detrás do carro e olho imediatamente pelo vidro traseiro. Há outro carro branco buzinando como se eu o estivesse bloqueando. Olho para frente e não vejo mais o garoto, na verdade, não vejo mais nada do que estava vendo antes. Tudo parece estar completamente normal, o asfalto, os prédios, o sol... Estão nos seus devidos lugares. Meu carro está parado bem no meio da pista, bloqueando assim as duas faixas. Acelero novamente pela rua e sigo para o meu local de aulas. Não posso estar louco, não posso. Mas não estar louco é admitir que... Que eu realmente fui aquele lugar. E se tudo isso realmente aconteceu, então estou perdido porque Anette foi queimada, Chang é um traidor e eu deixei Mateus morrer. Eu continuo dirigindo e sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Tudo está muito confuso, não consigo compreender mais nada.

–Deus... Porque tudo isso agora?

Paro o carro no estacionamento e coloco a mochila nas costas. A mochila a qual eu não queria olhar, na verdade, não quero. Não consigo nem imaginar se... se... se encontrar coisas aí dentro. Eu já não estou louco suficiente? Desço do carro e entro no departamento. Corro até a porta da sala a4 e bato na porta. Ninguém responde, então tento abrir, mas a porta está trancada. É então que vejo algo que deixei passar despercebido, um aviso na porta:

“Caros alunos de Mitologia e Lendas, precisei fazer uma viagem de urgência. Volto daqui a algumas semanas e trarei novidades para as nossas próximas aulas. Atenciosamente, Professor Doutor Carl T. Thompson.”.

–Carl T. Thompson... Só pode ser brincadeira!

Não consigo acreditar. Se tudo aquilo fosse realmente verdade... Eu não vou voltar pra Silent Hill novamente, não vou de jeito nenhum! Volto pelo corredor e então vejo o muro de aviso. Me aproximo e tem dois cartazes com fotos e com a palavra “desaparecido” escrito embaixo da foto. O primeiro eu reconheço muito bem: meu próprio rosto. O segundo mostra Anette, que também não tenho muitas dificuldades para reconhecer. Embaixo das duas fotos, está escrito: “Matthew, visto pela última vez saindo de carro. Anette, vista pala ultima vez no departamento de história. Minha mente se confunde. Se tudo tinha sido um sonho, porque então está tudo aqui? Porque a universidade escureceu? Porque o aviso na porta da sala? Porque esses cartazes aqui? E porque Mateus apareceu na minha frente? De todos os questionamentos, esse é de longe o mais perturbador. Se Mateus existiu e está morto, porque continua aparecendo? E aqui? Apenas restava comprovar em uma coisa: a mochila.

Corro em direção ao meu carro. Não porque eu esteja com pressa de descobrir – na verdade, se eu pudesse, não descobriria nunca – mas porque me sinto desesperado e não sei muito que fazer se tudo tiver realmente acontecido. Eu não quero ter que voltar em Silent Hill, e até mesmo nem tenha motivos para voltar. Sento no banco do motorista e então coloco a mochila em cima das minhas pernas e a abro. A princípio, não vejo nada demais. Continuo vasculhando e então meus dedos tocam algo sólido e eu puxo. Para a minha surpresa e decepção, vejo uma chave inglesa um tanto pesada e suja de sangue seco. Meu coração acelera... Tudo foi verdade.

–Não não não não não não...

Tiro uma arma, uma 9mm. A arma que Angela havia descarregado naquela coisa em forma de cama... Se foi um sonho, porque haviam coisas reais e sólidas e memórias tão fortes? Por fim, puxo um caderninho com capa dura, escrito na frente e mostrando que era o diário de Sir. Carl Thomas, o mesmo cara que queimou Anette, que matou o seu pai: O professor Thompson! Sinto raiva só em pensar nesse cara vivo e solto por aí... O que pode estar fazendo com... É mesmo! Anette estava viva! Chang gritou que ela continuava viva! Mas com tantos ferimentos? Não é lucro voltar àquela cidade...

–Vai me abandonar mesmo, Matthew? – a conhecida voz pronuncia do rádio.

–Mateus?

–Matt... Você prometeu que encontraria o meu pai ou me ajudaria a sair daqui. Eu estou aqui, preciso de você.

–Mateus...

Ouço um alto chiado e o rádio aparenta quebrar. Sei que é em vão falar qualquer coisa, mas... Eu não vou voltar pra Silent Hill. Continuo vasculhando a bolsa e encontro o canivete que usei para abrir as portas... Abro o pequeno cadeado do diário e procuro alguma coisa que possa revelar mais.

“Finalmente encontrei ela, a Mãe Sagrada. Como suspeitava, ela tem o mesmo potencial que Alessa Gillespie, a mesma adorada por todos nós, que morreu e levou consigo d.Claudia. Ah, eu sinto tanta falta dela, principalmente quando me lembro do meu papel como sacerdote. Mas não tem problema, eu prometi seguir seus passos e é o que vou fazer, continuar o trabalho de d. Claudia até que deus nasça de novo.”;

“Ela nasceu... Mas parece um bebezinho humano. A Mãe Sagrada está morta, morreu queimada, o que não era pra acontecer, eu acho... D. Claudia sempre falava que Alessa passou muito tempo viva mesmo completamente queimada e essa daqui já morreu no ritual. Mas ela deve ter dado a luz a deus, provavelmente. Ela está aos cuidados da família Liward.”.

–Minha... Tia?

“Yana Liward... Será o próximo sacrifício a deus. Ela precisará pagar por ter deixado a bebezinha ser levada. Ela não deveria ter sido arrancada daqui, ela era a futura Mãe Sagrada que daria a luz a deus! Droga... Essa mulher deixou o meu trabalho bem mais difícil. Estamos nos preparativos, vamos sacrificar essa mulher.”;

“Tyler veio aqui ontem. Ele me convenceu a não sacrificar Yana, mas... Ainda acho que a presença dessa mulher aqui faz a cidade ficar pior do que já é. Yana deveria morrer, ser sacrificada a deus... Se Tyler não tivesse vindo à tempo, ela estaria sendo purificada pelo fogo nesse exato momento. Mas deus sabe das coisas, ela pode ser importante mais tarde.”.

–Meu... meu... Tyler Liward? – continuo lendo, absorvendo cada palavra. Como pude pular todas aquelas página do diário? Minha tia e meu pai, envolvidos com essa, essa coisa? Agora tudo faz sentido, as palavras de Thompson, dizendo que eu era muito envolvido com aquele lugar...

“Ontem Chang e eu fomos ao lugar sagrado de deus. Ela continua imóvel, morta como uma pedra, infelizmente. Continuamos acendendo velas e fazendo orações para ela, na esperança que ela volte à vida. Chang ainda é muito novo, mas logo entenderá o que estamos fazendo.”;

“Consegui entrar na mesma faculdade que a Mãe Sagrada estuda. Se tiver sorte, talvez seja até professor dela. Embora Aldebras seja muito longe de Silent Hill, eu sei que preciso encontra-la. Trazer para cá e então realizar o ritual que deveria ter sido feito a anos atrás com sua mãe.”;

“Chang encontrou o protetor sagrado. Ele está na mesma faculdade que ela. Disse a ele para pedir transferência para Aldebras, assim poderemos trabalhar juntos. Daremos um jeito de levar os dois à Silent Hill, e então realizaremos o ritual e deus nascerá!”.

Começo a folear várias páginas em branco. Tudo faz sentido, o fato de Chang saber andar pela cidade, do meu pai ter alguma coisa, Anette... Ela é a Mãe Sagrada e se for como Alessa, pode sobreviver por tempos. Voltar lá para busca-la seria uma ideia legal, se não fosse pelo fato de ser Silent Hill. Tudo que vivenciei naquele lugar me fez não querer voltar mais de modo algum. Seria burrice, idiotice... Mas ainda há algo estranho nisso tudo: Mateus. Quem é ele afinal? Está vivo? Ele se parece tanto comigo quando criança... Porque ele continua insistindo para que eu volte? Ou estou realmente louco e precisando de um hospício?

Viro a ultima folha do caderninho e vejo uma chave em forma de estrela com um quadrado de metal preso, formando um chaveiro. Pego a chave e vejo escrito na parte de metal: Minha sala, Aldebras. Seria uma sala da faculdade? Qual é a sala do professor Thompson? Coloco a chave no bolso e corro em direção ao departamento, indo direto para a diretoria.

–Ei, você é o cara que desapareceu!

–Er... Bom dia.

–Que bom que você está bem. Por onde esteve? Tem alguma notícia daquela outra garota que veio outro dia com você aqui?

–Está... Se lembrando do dia da aula? – começo a me perguntar quanto tempo fazia que estava ali.

–Sim. A rauraor dias atrás.

–Quantos?

–Rauraor dias atrás.

–Mas que língua é essa?

–Anh?

As coisas estavam mais estranhas. Porque que nada me dá mais informação do tempo? Relógio, nada... Até a língua dela se enrola ao dizer. Começo a ficar desesperado e a querer fazer tudo de uma vez.

–Vocês vieram aqui perguntar rauraor dias atrás perguntar sobre a aula de vocês.

–Eer... Okay. Você poderia me dizer onde é a sala do professor Thompson?

–Sim, fica no último andar. Mas ele não está.

–Faz quanto tempo que ele não está?

–Uns rauraor dias!

Respiro fundo. Tudo está ficando cada vez mais estranho. Talvez o que eu tenha que fazer é voltar mesmo a Silent Hill e torcer pra que consiga fazer o que devo. Afinal, Chang falou que a cidade era um lugar onde as pessoas pagavam por coisas erradas que faziam... Se eu tiver feito alguma coisa e saído antes do tempo, seria no mínimo normal esperar que a cidade quisesse me arrastar de volta. Ou então eu fiquei louco de vez.

–Okay, obrigado.

Corro em direção às escadas e subo até o último andar. Vejo um longo corredor com várias portas. De repente, o chão começa a cair e tudo fica escuro. As grades substituem tudo novamente, as paredes pulsam embebidas de sangue. Não consigo ver quase nada, a não ser um pouco das coisas por causa de uma lâmpada piscando fracamente no final do corredor. Ali, o mesmo garoto de antes me espera cabisbaixo: Mateus.

–Droga, de novo não...

–Matt... Porque me abandonou?

–Eu... Eu não abandonei você – começo enquanto caminho até ele – você está morto.

–Você me deixou morrer... – ele começa a chorar – se redima, por favor... Venha me buscar. Estou em Silent Hill à sua espera.

A luz pisca mais uma vez e tudo fica escuro. Então, uma por uma, as luzes do corredor vão se acendendo, revelando o mesmo corredor de antes, intacto. Me redimir? Eu fiz o que pude... Chego ao lugar onde ele estava e, para a minha surpresa, há uma porta ao lado direito com o nome do professor Thompson em uma pequena placa. Respiro fundo. Tiro a chave do bolso e abro a porta. Então, vejo uma grande pilha de livros em cima de uma escrivaninha. Alguns tinham títulos em um idioma estranho, mas consegui ler outros que estavam em inglês. Um deles me chamou atenção e eu decidi pegar. O título do livro é: A Ordem.


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Notas finais do capítulo

Trecho correspondente à história de Chang.

"Sentando-se a mesa da biblioteca, Chang observa atentamente a ficha do rapaz. Ele é da família Liward, os antigos responsáveis por cuidar da pequena bebezinha ao nascer e até que ela estivesse pronta para o ritual das chamas. Era dali que deveria vir o protetor sagrado. Como Carl costumava dizer, o novo Harry Mason. Encontrar ele não havia sido tarefa fácil, e por isso Chang está muito feliz. O tempo de espera chegou ao fim. 17 anos de espera, 17 anos em um mundo de tristeza e solidão, de medo, de angústia... Chegou ao fim. Foram encontrados, tanto o protetor como a Mãe e ambos estão no mesmo lugar. Para Chang, aquilo é claramente algo de deus. Talvez ela tenha tido misericórdia dele.

Ele se levanta, colocando os papeis de volta do envelope branco. Já havia pedido transferência e estava se preparando para encontrar com seu tutor, Carl T. Thompson. Se tudo corresse como o planejado, não demoraria muito em que voltasse para Silent Hill, a cidade onde nascera e então veria novamente a sua irmã, a irmã que tanto amava a única pessoa que lhe restava, a única pessoa que fazia com que ele continuasse vivendo. Era o motivo da sua vida e se deus fosse misericordiosa, ele a veria e viveria de novo com ela.
...
O taxi finalmente chega ao aeroporto e ele desce se sentindo um pouco nervoso. Agora, ele sabia que abriria mão de tudo, da faculdade, dos estudos... Mas valeria à pena quando o paraíso se estabelecesse na terra e então ele pudesse ver sua irmã novamente. Afinal, tudo isso era passageiro mesmo – ele pensa. Chang entra no aeroporto com as malas na mão, dando adeus aquela cidade que lhe acolheu e partindo rumo à Aldebras, e depois à Silent Hill, onde ficaria para sempre."



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