Silent Hill: The Artifact escrita por Walter


Capítulo 22
O Vórtice


Notas iniciais do capítulo

"Das habilidades que o mundo sabe, essa é a que ele ainda faz melhor: dar voltas!" - José Saramago



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–Chaaang!!

Nada. O silêncio prevalece enquanto sou envolvido por um frio descomunal. Começo a achar que Chang morreu no corredor do laser e eu não fiz absolutamente nada para tentar salvá-lo, pelo contrário. Se Chang estiver morto, então terei que encontrar Anette sozinho além de ter mais um peso na consciência, já que deixei Mateus morrer e Angela se matar. Agora, Chang talvez esteja morto e Anette para morrer, se é que já não está morta. Me sinto um idiota, um grande e imbecil idiota. Já fazem vinte minutos que Chang não saiu, e eu aqui fora. Mas não vou entrar novamente ali, de forma alguma. Seria pior se eu entrasse e o encontrasse morto, sendo morto logo em seguida pelo laser. Talvez ele preferisse que eu salvasse Anette, não ele... Anette. Porque fui deixa-la sozinha com aquele outro imbecil do Don? Ser subornado para sacrificar a vida dela? Ah, isso me enoja. Anette... Queria estar com ela agora, protegendo-a... – Anette... – penso enquanto minha mente é preenchida pela imagem da garota loira. Talvez não devesse ter dito aquelas coisas, a última impressão que ela teve de mim, a de um idiota que é capaz de qualquer coisa pra realizar seus desejos egoístas... Eu não quero que ela pense assim, não quero que me veja assim, eu quero que...

–Matt... – ouço uma voz chamando meu nome. Olho para frente e vejo um vulto, um vulto baixo e que talvez eu desse praticamente tudo pra revê-lo... Mateus

–Mateus! Você... Você está aqui...

A garoto está em pé diante de mim. Não consigo entender se é uma visão ou se é real. Ele se aproxima mais de mim, seu sorriso parece radiante diante da baixa iluminação de um dos postes do parque que se acende fracamente próximo a ele. Seu rosto parece um pouco arranhado, como se ele estivesse lutando contra algo. Ele continua sorrindo.

–Matt... Sou eu, Mateus!

Meu coração é tomado por uma velocidade descomunal. Me sinto feliz ao vê-lo, me sinto feliz ao ver que sua morte não aconteceu, que ele está vivo. Ele continua andando até mim, mas parece nunca chegar. Fico me perguntando se ele realmente está andando em minha direção.

–Mateus?

–Venha me buscar, Matthew! Ou vai me deixar morrer também?

–O quê?

Ele começa a correr em minha direção, mas não sai do lugar. Começo a correr em direção a ele, mas ele não chega até mim. Quanto mais eu corro, mas ele vai ficando distante. Vejo um forte brilho vermelho iluminar tudo de repente, Mateus está sendo puxado em direção a ele.

–Mateus!!!

Começo a correr ainda mais rápido enquanto o garoto corre em minha direção, mas de alguma forma muito estranha é puxado de costas para o sentido oposto. Ele começa a gritar, gritar como nunca e seus gritos invadem minha mente, me deixando atordoado.

–Mateeeeeeuuus!!!

Quando mais corro, mas a distância entre nós aumenta. Sinto coimo se estivesse em alguma espécie de túnel, vendo como única claridade alguma luz vermelha atrás dele. Eu corro, mas não saio do lugar. Meu coração está a mil, mas meus pés não me movem pra frente...

–Mateeeeuuus!

–Matt... Você vai me deixar morrer de novo?

De repente todo o tempo para como se alguém estivesse apertando o botão de pause em um vídeo de tv. Então, todo o lugar começa a se distorcer e a luz vermelha, agora um pouco mais enegrecida forma uma espécie de vórtice atrás de Mateus. O garoto desaparece em meio a ela e aquela coisa começa a sugar tudo pra dentro, sinto-me puxado na direção dela e não sei o que devo fazer, a não ser correr. Penso em Mateus, mas uma hora dessas já nem sei mais o que fazer a não ser correr. A coisa começa a me seguir ganhando um pouco de velocidade e consigo sentir a força com que aquilo tenta me puxar pra dentro, junto com tudo mais ao redor. Começo a correr, enquanto a luz vermelha parece iluminar tudo enquanto atrai as coisas para dentro de si. Consigo ouvir gritos vindos de dentro dela, gritos de uma criança, de uma mulher de um homem, todos ao mesmo tempo. Começo a ficar desesperado. Entro em um beco feito por paredes de madeira e continuo correndo enquanto a coisa me persegue. Quanto mais corro, mas minha mente me engana me mostrando flashes do dia em que meu pai me jogou da escada. Os gritos eram meus, eram de minha mãe e do meu pai, todos ao mesmo tempo.

–Socoorroooo!!! Chaaang!!!

Chang ficou dentro da mansão assombrada e não pode me ajudar, eu tão pouco tentei ajuda-lo... O vórtice se aproxima mais e tento correr, minha pele agora parece descascar e os pedaços são puxados para dentro do vórtice. Sinto como se brasas em chamas tivessem caído em cima dos meus braços e grito. A coisa continua e continuo correndo. Vejo alguns foguetes girando agora, eles começam a se descascarem também e os pedaços voam para dentro do vórtice. Me abaixo e por pouco um deles não acerta minha cabeça. O lugar se distorce e corro até o portão, iluminado pela forte luz vermelha do vórtice que gira e suga tudo para dentro de si. O portão está fechado e o vórtice se aproxima, tento bater, tento abrir... Não consigo. A porcaria simplesmente não abre e não estou com Chang nem com tempo suficiente para abrir essa coisa. Começo a subir pelas grades, mas a mesma começa a se retorcer tanto com o meu peso como pela força de atração do vórtice.

–Drooogaaa!!

Finalmente a grade cai e consigo atravessar pro outro lado. Agora vejo outro brinquedo, algumas xícaras de chá que giram incessantemente. O vórtice continua atrás de mim, girando a atraindo tudo para si.

–Mas que merda!

Continuo correndo, mas não sei como fazê-lo. Está escuro e preciso aproveitar a luz do vórtice, mas também não posso ficar próximo demais, porque ele vai sugar minha pele. Que porcaria de cidade! Tudo já não era anormal suficiente? A luz do vórtice ilumina mais um portão, corro até ele e para a minha sorte está aberto. Me jogo contra ele abrindo-o rapidamente e me esquivando da droga do vórtice. Olho para trás e vejo o gradeado se retorcer e ser sugado para dentro da coisa como se fosse isopor. Meu coração dispara. Vejo uma pequena construção à frente, corro em direção a ela e abro a porta conseguida certa vantagem em relação àquela coisa. Olho em volta, vejo duas estátuas, uma segurando uma cabeça e outra com o sapato vermelho logo abaixo do seu pé... – Contos de fadas? – penso. Procuro por alguma saída e vejo alguns trilhos mais à frente. Com duas portas nas extremidades, talvez houvesse algum passeio de trenzinho no parque. Tento a da direita mais está trancada. Em frente a porta em que entrei, vejo o vórtice começar a se formar de novo, sugando as coisas dentro da sala para dentro dele.

–Não, não, não, nãããããããããoooo!!!

Corro para a porta da outra extremidade e está aberta. Entro rapidamente e o vórtice me persegue, absorvendo a porta junto. Minha pele começa a descascar de novo e sinto a mesma sensação, me fazendo gritar. Continuo correndo por um túnel com trilhos e quanto mais corro, mas ele parece mais distante, se projetando pra frente toda vez que chego em determinado ponto. Me desespero mais ainda.

–QUE PORCARIA É ESSA??!!

Continuo correndo e o túnel continua se projetando, até que finalmente chego à outra porta, na verdade, duas. O vórtice continua a me perseguir e eu me jogo conta a porta lateral, que não continua no túnel do trenzinho. Para a minha sorte, ela também está aberta. Caio no chão gradeado e sinto gosto de sangue, provavelmente devo ter cortado a boca por dentro. O vórtice continua atrás de mim e eu me levanto rapidamente e continuo correndo. Agora ele está mais perto, e minha pele está sendo absorvida. Não consigo mais correr tão rápido, pois a coisa me atrai. Passo por um pequeno beco e vejo outro portão mais à frente, não sei ao certo o que é. O vórtice continua atrás de mim e minha única esperança é chegar até o portão e retardar a coisa. Meus passos não estão tão rápidos e me sinto ser sugado pra dentro da coisa. Um cheiro podre de enxofre emana da coisa junto com um calor infernal. Se essa coisa me pegar, certamente estarei morto. Continuo correndo e finalmente chego ao portão, jogando meu corpo contra ele com tanta forca que, nem preciso usar a maçaneta. O portão se abre e caio mais uma vez no chão de cara. Então, como que por mágica, a luz vermelha se dissipa e tudo volta a ficar completamente escuro. Não sinto mais nenhuma força me atrair para trás, e nem calor infernal, apenas o conhecido cheiro de sangue e ferrugem o qual já estou acostumado. De repente, uma forte luz branca ilumina meu rosto.

–Matthew! Pensei que você estivesse morto! Ainda bem que estou te vendo novamente!

Eu conheço essa voz, é Chang. Ele chegou aqui primeiro que eu, mas como? E o vórtice estranho? Ele não o viu?

–Deixe-me ajuda-lo!

Seguro a mão dele e sou puxado pra cima. Ele nos ilumina. Está tudo escuro e não consigo ver muita coisa sem que ele ilumine com a lanterna.

–Chang... Como chegou aqui?

–Você saiu correndo... Eu vim pra cá, não consegui encontrar você... Procurei nesse parque por você, mas não encontrei, então supus que você chegou ao santuário.

–Mas... Eu nem sei como chegar! E você não viu nada de anormal, nenhuma luz vermelha seguindo as coisas?

–Você está falando daquela coisa da mansão? Ah, aquilo é apenas uma luz comum, não faz mal. É só pra apavorar mesmo.

–NÃO! ESTOU FALANDO DE UMA LUZ QUE PARECE UM REDEMOINHO!! QUE PUXA AS COISAS PRA DENTRO DE SI!

–Er... Não Matt. Não vi nada parecido.

Respiro fundo. Era já de se imaginar. Afinal, ele não viu a minha casa, não viu os espelhos, não viu absolutamente nada. Pra ele, essa porcaria dessa cidade está mais normal do que pra mim. Mas por quê? Nada faz sentido. Porque tudo parece mais perturbador pra mim? E se Chang tiver razão? E se eu tiver alguma coisa que deva me arrepender e por isso essa droga de cidade está fazendo isso comigo? E se tudo aqui não passar de uma punição? Mas... Não pode ser! Eu não sou culpado de nada, eu sou a vítima, sempre fui à vítima da história. O cara que não tinha amigos na escola, o cara que foi espancado pelos pais, o cara que sempre era o rejeitado, o excluído, o anormal até mesmo na faculdade, o cara louco que saia atrás dos mitos, das lendas, do sobrenatural. Sempre fui a vítima a minha vida inteira! Então agora existe punição pra uma vítima? Estou em Silent Hill por ser a vítima? Chang que é da religião dos malucos que sacrificam pessoas, e eu que sou punido? Sou apenas mais uma vítima dessa droga de cidade também!

–Okay Chang... Como faremos pra chegar até Anette?

–Simples – disse ele apontando com a lanterna para algo que parecia um carrossel – usaremos esse elevador!

–Elevador?

–Sim... Esse carrossel é uma passagem secreta para o santuário. Se usarmos ele, chegaremos até lá. Eu só preciso me lembrar do botão que aciona...

–Certo.

Chang vai procurar na parte de controle do brinquedo e eu vou até o carrossel, mesmo enxergando pouca coisa. Dou uma olhada nos cavalos, que parecem estranhamente de verdade. Chang aperta algum botão e vejo as luzes do brinquedo se acenderem. Então olho novamente para os cavalos.

–Chang... Essas coisas... Estão vivas...

Os cavalos de verdade estão presos por enormes ganchos que perfuram sua pele e carne e se estendem para o teto do brinquedo. Os cavalos parecem respirar, e alguns até relincham. Vejo aquelas coisas ensopadas de sangue, vivas e cegas, em estado de podridão. Eu não consigo segurar e vomito no chão, vomito praticamente qualquer coisa que havia no meu estômago.

–Matt... Fique calmo, por favor...

Eu continuo vomitando. Chang vai até o pilar central do brinquedo e abre uma pequena tampa, pressionando um botão logo em seguida. O brinquedo começa a tocar uma musiquinha infantil e começa a girar, ao mesmo tempo que o sinto descer. Agora faz sentido o “elevador” de Chang. Continuo vomitando enquanto o mecanismo nos puxa pra baixo, aumentando agora a velocidade. Chang coloca as mãos nas minhas costas enquanto eu continuo vomitando sem parar. A coisa ganha ainda mais velocidade e o balanço me deixa tonto, o que faz com que eu vomite ainda mais.

O brinquedo gira, a música infantil e todo o contexto me faz lembrar de quando vinha à Silent Hill, quando minha tia me trazia aqui... Não havia uma pessoa sequer na cidade, mas ela me fazia brincar no carrossel com um dos meus primos, alguém de quem não conseguia mais lembrar o nome, afinal, era horrível vir aqui com eles dois. Meu primo, de quem eu não me recordava, muito menos da minha tia que havia morrido de câncer, dois anos depois da morte da minha mãe. Apenas soube da sua morte porque me falaram, uma ligação que recebi... Silent Hill... Esse lugar não parece mais tão incomum pra mim, na verdade, até parece que tenho alguma ligação com todo esse lugar... Se eu conseguisse me lembrar de tudo, de tudo que passei... Sei o quanto é doloroso, mas lembrar talvez seja a melhor coisa que devo fazer, talvez seja a raiz de eu estar aqui, passando por tudo isso. De repente, a velocidade do brinquedo aumenta descomunalmente e começo a ver imagens, imagens de um carro, imagens de uma criança de casaco verde e cabelo cacheado, Mateus? Ele desce de um carro e pega na mão de uma mulher... Eles estão no mesmo ponto onde desci do carro quando vim pra cá. Ele segura um ursinho de pelúcia e não parece nem um pouco animado. Eles continuam andando até desaparecerem na pequena trilha ao lado do parapeito.

Um baque muito forte para a imagem. Chang está iluminando meu rosto com uma lanterna, com uma expressão estranha no rosto. Provavelmente, eu tive mais uma “alucinação” pra ele. Levanto e me recomponho, limpando um pouco de vômito que ainda resta no meu rosto com a mão direita. Saímos do carrossel e entramos numa espécie de túnel, o longo corredor que atravessamos. A porta seguinte dá em outro longo corredor, este iluminado por algumas luzes pregadas na parede. Continuamos andando até vermos uma enorme escadaria que parece levar pra cima. Nós nos entreolhamos e colocamos o pé no primeiro degrau.


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