Silent Hill: The Artifact escrita por Walter


Capítulo 19
A Ordem


Notas iniciais do capítulo

"Existem certas ocasiões em que um homem tem de revelar metade do seu segredo para manter oculto o resto." - Philip Chesterfield



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–Então... Quando vai ser? – Pergunto.

Continuamos no mesmo lugar, sentados em cima do container. A névoa continua recobrindo a cidade e o cheiro da coisa queimada ainda permanece no ar desnorteando meus sentidos. Chang parece preocupado com o que vai falar, o que me deixa com mais medo do que seja. Se ele tiver coisas piores a me contar sobre esse lugar, coisas piores do que já vivenciei, nem sei o que fazer. E se ele souber alguma coisa sobre Mateus ou sobre Anette?

Chang respira fundo.

–Okay, mas por favor... Não me mate!

–Certo, não o farei.

–Bem... Eu nasci aqui, em Silent Hill.

–Sério? Ainda nascem pessoas aqui?

–Sim Matt. Ainda existem pessoas morando nesse lugar, pessoas que acreditam em algo...

–Pessoas que acreditam em quê?

–Ah Matt, seja esperto! – Ele aumenta o tom de voz. – Você não pode ser tão idiota a ponto de não perceber, de não conhecer as coisas profundas dessa cidade! Eu sei muito bem que você não veio parar aqui por acaso, diferente de Anette... Eu vi sua carta!

–Okay! Eu sei mais o menos o que está acontecendo aqui. Eu tive uma aula disso, foi isso que me fez vir até aqui.

–Então... Foi Thompsom que te deu essa aula?

–Sim. Foi ele.

–Ah, agora sim tudo faz sentido.

Começo a sentir certa irritação.

–Chang, dá pra me explicar logo? Estou cansado de ser o único a não saber o que se passa nessa droga de lugar.

–Você nunca ouviu os rumores de Silent Hill Matt? Por favor! Não se faça de idiota.

–Tá... Sei que cultuam um deus antigo aqui, que esse deus requer sacrifícios, que ele quer renascer e que essa outra realidade tem alguma coisa a ver com isso, mas não sei fazer relações tão profundas. Sei que houve uma miscigenação de religiões aqui e que tem uma tal de Ordem que quer fazer um deus renascer e talz... Mas não sei muita coisa.

–Matt... Eu faço parte da Ordem.

–O quê?!

–A essa altura do campeonato não posso mais esconder. É exatamente isso, Matthew. Eu nasci aqui, meus pais faziam parte da Ordem antes de morrerem.

–Mas... Mas... Como se pode viver em uma cidade como essa?

–Dizem que Silent Hill é uma cidade abandonada... Esse lugar nunca foi abandonado, Matthew! Além das pessoas que moram aqui, existem outras que chegam aqui por alguma razão, por algum motivo... Chegamos a vê-las, mas não nos é permitido interagir com elas.

–Não, espera aí... Então esse lugar... – Olho em volta, vejo pouca coisa com a forte névoa que recobre tudo – não é abandonado?

–Exatamente.

–Então... Porque ninguém sai daqui? Quem suportaria viver em uma situação dessas?

–Como eu te disse, acreditamos em algo.

–Mas... Você saiu!

–Eu sei... Mas eu saí exatamente porque era meu dever... Eu deveria encontrar alguém.

–Alguém?

–Sim. Isso não vem ao caso agora.

–Chang, me conta agora!

–Eu vou falar sobre coisas que você precisa saber antes de continuarmos. Eu andei observando essa cidade e consegui encontrar alguns padrões. Bem, eu sou da Ordem e acredito em Lobsel Vith, ou Yellow god. Já ouviu falar?

–Acho que sim... Encontrei alguns artigos na internet antes de vir pra cá.

–Certo. Nós em Silent Hill vivemos aqui na esperança de que deus renascerá e que trará o paraíso de volta, que mudará esse lugar para sempre e aqueles que forem fieis a ele poderão desfrutar disso junto com ele.

–Bem, não consigo entender a crença de vocês, mas...

–Claro, sejamos céticos! Ignore tudo o que você viu até agora!

Decido ficar calado. Acreditar que um deus é o motivo de tudo isso estar acontecendo pode ser a única explicação. Sinceramente, não tem evidência alguma que consiga explicar o porquê de tudo isso acontecer nesse lugar.

–Então – ele continua a falar – acreditamos nisso e que o sofrimento é um preço que pagaremos até que o paraíso chegue. Sabemos que deus usa dos sofrimentos para nos purificar dos nossos pecados. Acreditamos nisso, nos ensinamentos de Cláudia...

–Espera... Você é Carl Thomas?

–Não... Como sabe sobre Carl?

–Eu... Encontrei o diário dele.

Abro a mochila e retiro o caderninho trancado com cadeado para Chang, que olha atentamente e depois me devolve.

–Não quer ler?

–Não agora.

–Certo.

Guardo de volta dentro da mochila.

–Carl é o nosso novo sucessor. Depois da triste morte de Cláudia, ele que nos guia e é o principal sacerdote da ordem. Ele é o responsável por encontrar a Mãe Sagrada e fazer o Ritual das Chamas.

–Ritual de quê?

–Ritual das chamas. Não sei se esse nome é o certo, mas nós atualmente o chamamos assim, pois acreditamos que deus nascerá das chamas. Sabe, muita coisa se perdeu depois da morte de Claudia. Não sei se as coisas estão sendo levadas tão a sério assim...

–Hm... Estranho.

–Eu sei, pode parecer estranho pra você, Matt. Mas pra nós isso faz todo o sentido. Eu sei que deus deve nascer pra reestabelecer o paraíso. Sei também que o sofrimento deve ser suportado, pois temos esperança de que deus vai mudar tudo isso quando nascer e estabelecer seu paraíso, onde apenas os fieis vão morar com ele. O nosso pecado Matt, só é purificado mediante o sofrimento. É por isso que acontece o que acontece nessa cidade, pois deus está pra nascer.

–Então quer dizer que eu sou um pecador por estar passando por tudo isso?

–Matt... Eu não sei. Sei que enxergo um padrão nessa cidade e todos que pecaram morreram aqui. Das pessoas que chegam aqui sem nenhuma razão específica, percebo certo padecer delas por provavelmente seus erros. Inclusive, Matt, você mesmo disse que essa cidade imprimia coisas da sua mente.

Começo a ponderar nas coisas que Chang disse. Se essa cidade realmente faz com que soframos nossos pecados, porque que estou aqui afinal? Eu fui a vítima, sempre fui. Vítima do meu pai. Eu, minha mãe, todos nós. Meu pai, que destruiu o meu passado, que destruiu a minha infância, a minha vida. Nunca consegui perdoá-lo, mesmo tendo o desejado de volta por causa dos problemas financeiros que levaram minha mãe à morte. Era pra aquele idiota estar aqui se fosse por isso, nada mais.

–Mas... Mas... Eu vim aqui por conta própria! Eu não vim aqui pra pagar por pecado nenhum!

–Matthew, é o que todos dizem ao passar por aqui. E não estou alegando isso, apenas te falando sobre um padrão que andei percebendo neste lugar... Acredite, passei muitos anos da minha vida nesse lugar e só tive real liberdade quando meus pais morreram. Mesmo assim, não apostatei das minhas crenças, mas continuei servindo a deus com tudo o que tinha e continuo fazendo com o que sou e o que posso.

–Tudo o que você está falando aqui é besteira!

–Besteira? Então me explique às criaturas, me explique o chão gradeado, me explique o cheiro de sangue, as coisas repugnantes que aparecem aqui!

–Se tudo isso foi coisa desse deus aí, então já estamos condenados. Isso parece mais um inferno!

–Matt, depois de toda a tempestade sempre vem o sol. Todo esse sofrimento é para que sejamos purificados dos nossos erros e estejamos dignos de deus.

–E quanto à Angela? Ein? Quanto a Angela? Ela morreu! Não vejo purificação na morte dela!

–Angela... Ela esteve aqui por muito tempo, Matt. Lembro dela em vários momentos nesse lugar, inclusive essa foi a primeira vez que ela me viu. Angela fez uma coisa horrível e pagou por isso nesse lugar por anos. Nada como a sua morte para livrá-la da sua dor.

–Legal, seu deus é ótimo. Ele faz as pessoas padecerem pelo que ele julga de erros e depois as mata... Poxa vida, que legal!

–Não vou discutir a vontade de deus, Matt, não com você.

–Desculpe-me, Chang. Deixei minhas emoções à flor da pele. Prossiga.

–Bem, quando eu nasci aqui em Silent Hill, a cidade já estava assim como nós a vemos. Meu pai sempre me contou que esse lugar já foi bonito um dia, que não era banhado por essa névoa... Um dia, quando os homens não eram tão pecadores como são hoje. Então, a cidade se corrompeu, as pessoas se corromperam e a consequência disso foi tudo o que aconteceu, todos os rumores que você já ouviu falar. A expulsão dos nativos, a prisão de Silent Hill e as execuções brutais, a explosão da mina de carvão... Tudo isso demonstrava o quão corrompido o homem estava e precisava de deus. Então, ele decidiu renascer, pois tínhamos essa promessa desde que o mundo foi criado por ele. Bem, o ritual para trazê-lo deu errado, pois os seres humanos estavam tão corrompidos que não queriam mais que deus nascesse... Claudia tentou clamar para que deus nascesse novamente, mas não se sabe o que ocorreu até hoje, pois algo parecido com deus foi encontrado no santuário morto e Claudia sumiu, sendo considerada como morta. De qualquer forma, deus pode nascer quantas vezes quiser. E ele quer nascer para estabelecer o paraíso nesse lugar. Carl está cuidando disso, e eu sou seu seguidor. Tudo que eu quero é ver minha cidade natal em seus dias de glória, é desfrutar do que nos foi prometido, Matt.

Por um momento sinto compaixão de Chang. Ele parece realmente se importar com o bem, com coisas boas... Mas seu modo de ver um deus que se alegra do sofrimento, que purifica o mal das pessoas com sofrimento é no mínimo estranho. Como ele pode aceitar um sofrimento ao nível do que se passa nessa cidade na esperança de que algo melhor aconteça?

–Espero que você entenda isso.

–Entender eu entendo Chang, agora... Porque que você tinha que me contar isso?

–Porque eu suspeito que Carl tenha encontrado a Mãe Sagrada e pretenda fazer o ritual o mais rápido possível.

–Mas... Ela ficará bem, certo?

–Matt, é o que eu não sei. O último ritual que Carl tentou, a mulher morreu queimada. Como lhe disse, é o ritual das chamas! E embora eu queira que deus nasça, eu não quero que ela passe por isso.

–Mas quem é ela?

Eu demoro mais alguns segundos para perceber que a pessoa a quem Chang estava se referindo era alguém mais próximo do que eu poderia imaginar. Era alguém que já estava passando pelo processo do sofrimento para ser purificada, era a mulher a quem Carl se referiu no seu diário que precisaria passar por Sofrimento, Dor e Fogo e eu sabia exatamente quem era ela, pois já havia passado pelas duas primeiras coisas. Meu coração acelera e sinto o nervosismo tomar conta de mim. Chang estava certo, eu iria me desesperar se soubesse, eu sairia pela cidade como um louco pra impedir qualquer possibilidade de morte dela, Anette.

–Droga...

–Eu suspeito que Carl tenha subornado Don... Ele a trouxe pra cá, tem um santuário abaixo onde Carl pretende fazer o ritual e trazer deus de volta. Sério, eu apoiaria isto se não fosse com ela.

Tudo faz sentido. Anette foi trazida pra cá, viu seu pai ser torturado diante dela e isso provocou dor e sofrimento, pois nunca havia visto a garota chorar. Ela também havia nascido aqui em Silent Hill, então provavelmente fosse de fato uma pessoa apta a dar a luz a esse deus... E agora só lhe faltava o fogo.

–Eu não posso acreditar... Chang, precisamos impedir isso!

–Sim Matt, mas não vamos nos desesperar, certo?

–Como você pode me pedir uma idiotice dessas? Que droga! Eu não acredito...

Sinto uma forte dor de cabeça e percebo Chang sentir o mesmo. Um alto barulho de sirene invade os meus ouvidos e vejo diante dos meus olhos o chão começar a cair, nos mantendo em pé grades suspensas no ar. Tudo começa a escurecer e tento acender minha lanterna enquanto a puxo da mochila, obtendo sucesso. Um forte cheiro de enxofre misturado com sangue toma conta das minhas narinas e vejo Chang passar pelo mesmo. O lugar é cercado por grades e parte da montanha russa desaparece. Em algumas grades vejo coisas parecidas como corpos pendurados por arames farpados, corpos em decomposição e alguns com os membros cortados.

–Chang, eu não fiz isso.

Ele abre um sorriso de loucura.

–Er... Eu sei.

–Como chegamos nesse santuário? Eu preciso salvá-la!

–Nós vamos salvá-la. Mas se o ritual estiver concretizado, eu não vou fazer nada pra mudar.

–Tem como mudar?

–Nem se tentasse.

–Okay, vamos não deixar acontecer.

–Certo!

Caminhamos até a porta oposta a que tínhamos entrado para nos proteger da criatura. A porta abre com facilidade depois que uso o canivete. Precisamos ser rápidos, não quero ver Anette morta ou pior, se houver algo pior que isso. Respiro fundo, mas me arrependo de ter feito depois de ter o nariz recheado por enxofre e sangue. Empurro a porta com toda a minha força.


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