Candidatos a Deuses escrita por Eycharistisi
Elpída foi lentamente caminhando pelo jardim, com um ramo grosso na mão, batendo com ele nos troncos das árvores e nos seus ramos enquanto avançava na direção de uma grande rocha que existia na margem do charco. A sua vontade era explodir com tudo. Com as árvores, as rochas, as paredes da escola, o chão… tudo. Exceto uma figurinha alta, loira, bonita e masculina. Para esse rapaz “de ouro” tinha outro destino guardado. Um destino que envolvia coisas muito dolorosas e a longo prazo. Já o teria amarrado nas masmorras e estaria a partir-lhe as rótulas com aquele ramo não fosse Hisui estar com ele. Ou Hisui estar nele, porque, pelo modo como eles estavam enrolados, pela força com que se abraçavam e pela sofreguidão com que se beijavam, mais parecia que eles queriam cair para dentro do peito um do outro. Tornar-se um só…
Elpída atirou o pau para longe com toda a força, soltando um gemido raivoso enquanto apertava a cabeça entre as mãos. Ainda conseguia ouvir as respirações apressadas daqueles dois na sua cabeça, a de Hisui completamente feliz e satisfeita, a de Ouro absolutamente vitoriosa e possessiva. Se eles não estivessem no interior de uma pequena sala de estar, sujeitos a serem apanhados, e se tivessem um pouco menos de roupa sobre o corpo, Elpída até pensaria que eles estavam a fazer outra coisa. Mas ela recusava-se a pensar nessa hipótese. Recusava-se a pensar que, indubitavelmente, eles acabariam por fazer aquilo, sem lhe dar oportunidade de provar a Hisui que ela, Elpída, é que era a sua alma gémea.
Atirou a cabeça para trás, inspirando fundo, tentando acalmar-se. Ela precisava de muita calma naquele momento. Virou o seu olhar para a rocha junto ao charco, que pareceu mesmo encolher-se sob o olhar furibundo de Elpída. Não durou muito essa impressão, uma vez que não demorou quase tempo nenhuma até a pedra explodir, pedaços do tamanho de punhos voando por todo o lado.
– Autch! – exclamou uma voz alegre por trás dela – Cuidado aí com essas pedras voadoras!
Elpída virou-se e os seus olhos estreitaram-se quando viu Tech aproximar-se, sorridente e saltitante, com os cabelos azuis atirados para trás pela velocidade dos seus passos e pela brisa que soprava.
– Ias-me acertando com uma pedra na testa – disse ele, quando se aproximou.
– Tu – constatou ela.
– Eu – disse Tech, apontando para o seu próprio peito com os polegares, fazendo um sorriso amoroso antes de se sentar na relva com um pequeno salto – Vamos falar, Elpída – convidou ele, dando uma palmadinha na relva a seu lado – Já é tempo disso.
– Não estou com disposição para conversa – negou Elpída, virando o rosto para outro lado.
– Bem, achas que eu tenho? – perguntou ele, mais sério – Acabei de ler uma carta de despedida dos meus pais, que eles deixaram para mim e para o Dest antes de morrer. Achas que isso é fácil de digerir?
– Era isso que estava na caixa? – perguntou Elpída, interessada.
– Sim – confirmou Tech – Uma carta para cada deus da profecia. Mas vamos parar de falar nisso, ou vou começar a deprimir outra vez. Vá, senta-te aqui – insistiu, voltando a dar palmadinhas na relva.
Elpída hesitou, mas acabou por ceder, sentando-se ao lado de Tech, os dois olhando para o ondular da água do charco enquanto ouviam os pássaros cantar nas árvores à sua volta.
– Não sei se sabes – começou Tech – mas eu tenho o poder de saber certas coisas sobre a vida de cada um. Sobre a vida amorosa em especial.
– Sim – disse Elpída, acenando – A Hisui contou-me há pouco. E, sobre isso…
– Sim? – insistiu Tech, curioso, inclinando ligeiramente a cabeça para o lado enquanto fazia um sorriso adorável.
– A Hisui… ela está a namorar com o Ouro.
– A sério? – admirou-se Tech – Mas isso é ótimo!
– É? – perguntou Elpída, a voz quebrando-se com a tristeza – Isso quer dizer que eles são… almas gémeas?
Tech acenou alegremente.
– Eles os dois foram completamente feitos um para o outro – disse ele – Farinha do mesmo saco.
– Ah – fez Elpída, num misto de soluço com gemido.
– Porquê? – perguntou Tech, estranhando a reação da rapariga.
Ela abanou rapidamente a cabeça.
– Por nada – negou.
Tech observou-a alguns instantes.
– Começaste a gostar do Ouro?
– Não, claro que não! – negou Elpída, lançando-lhe um olhar zangado – Eu odeio-o! Odeio-o completamente!
– Então… era a Hisui? – arriscou Tech, confuso.
Elpída ficou petrificada, dando-se conta do que fizera. Ao reagir assim quando falara em Ouro, não deixara dúvidas quanto aos ciúmes que tinha dele.
– A Hisui não é a tua alma gémea – disse Tech, num tom suave, desistindo de esperar por uma reação da parte de Elpída.
– E tu lá sabes – bufou Elpída, revirando os olhos.
– Aí está, Elpída! – exclamou Tech – É justamente isso que eu sei! É justamente isso que o meu poder me permite saber! Cada pessoa nasceu para outra e se alguém se meter no meio e os atrapalhar, irá destruir uma data de vidas. Se te meteres entre a Hisui e o Ouro, não será só a vida deles que estarás a destruir. Será a tua também, por teimares em que te manter junto de uma pessoa que, na verdade, tu não amas.
– Eu amo a Hisui! – gritou Elpída, começando a chorar – Amo-a mais do que tudo…
– Isso não é verdade – insistiu Tech – Poderá parecer-te assim agora e irás sofrer durante algum tempo. Durante o tempo em que achares que é com ela que deves estar. Mas não é, Elpída. Não é. A Hisui não foi feita para ti, nem tu para ela. A Hisui foi feita para o Ouro. E tu foste feita para… outra pessoa.
– Que outra pessoa? – perguntou Elpída, com maus modos, em jeito de desafio – Não há mais ninguém que eu queira para além dela.
– Claro, é fácil dizeres isso quando andas sempre atrás dela – disse Tech – Diz-me, Elpída: com quantas pessoas falaste, para além da Hisui, desde que saíste da tua prisão?
Elpída ficou a olhar para Tech. A verdade era que ele tinha razão, ela não falara com muitas outras pessoas para além de Hisui. Dirigira-lhes uma ou outra palavra, mas nunca numa verdadeira conversa.
– Estou a falar contigo, agora – disse ela, recusando-se a admitir que o rapazinho a apanhara.
– Estarias a falar comigo se a Hisui te tivesse aceitado? – perguntou Tech – Ou estarias enrolada com ela, como tenho a certeza de que ela enrolada agora com o Ouro, aí num canto qualquer?
Elpída cerrou os punhos e os maxilares, tentada a espetar um soco em Tech. Porque é que… ele não se calava?
– Quem é a outra pessoa? – perguntou Elpída, por entre os dentes cerrados.
– Nem penses que te vou dizer – disse Tech, levantando-se – Pelo modo como me perguntaste, tremo só de pensar no que lhe farias. Além disso, no teu atual estado de negação, com certeza que te recusarias a aceitar aquela pessoa como sendo a tua alma gémea. Estás melhor sem saber. Assim essa pessoa poderá aproximar-se de ti, fazer com que te apaixones por ele sem sequer te dares contar.
– Ele? – repetiu Elpída – A minha alma gémea é um rapaz?
– Ah…! – gemeu Tech, coçando a nuca com uma mão, dando conta de que falara demasiado – Pois…
– Quem é ele?! – exigiu Elpída saber.
– Não te posso contar – disse Tech – E além disso… – olhou rapidamente para o relógio no visor do telemóvel – Olha para as horas! Já está na hora de almoçar. Vá, vamos. Vamos… almoçar.
E afastou-se rapidamente, quase a correr, deixando uma Elpída muito chateada para trás.
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