Black Soul escrita por Beatriz S B


Capítulo 1
Five Minutes To Midnight


Notas iniciais do capítulo

Olá meu povo, espero de verdade que gostem dessa fic tanto quanto gostei de escrevê-la. Fazer uma oneshot era um sonho meu, já posso morrer feliz! Boa leitura e não molhem o teclado com as lágrimas, hein!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/527186/chapter/1

No fundo de um porão velho e empoeirado ela esperava pela morte. Sabia com certeza que há qualquer momento ela iria vir de chegar, mas não como a dos outros. Ela queria morrer velha de uma doença qualquer, comum em humanos sedentários norte-americanos. Talvez de infarto, diabetes... Morrer dormindo, ora, porque não? Seria claramente mais agradável do que iria a acontecer em poucos minutos.

Este é o fim

Segure a respiração e conte até dez

Sinta a Terra se mexer e então

Ouça meu coração explodir novamente

Pois este é o fim

Eu me afoguei e sonhei este momento

Tão atrasado, eu devo a eles

Emocionada, fui levada

Ela gostaria com todas as forças de ser normal, mesmo que por apenas um segundo. Já que ela nunca havia de fato sido ou se sentido normal. Talvez por sua esperteza; sempre a primeira da turma, as redações diariamente premiadas, o vocabulário riquíssimo, a pilha de livros que já havia lido poderia chegar às nuvens. No entanto, sempre deslocada entre os outros, desajustada, tentando de todas as maneiras ser normal de alguma forma. Vestir roupas normais, falar de forma mais natural, agir mais normalmente.

Queria, e como queria. Mas por mais que tentasse, não conseguia deixar de pensar que aquela mascara que tanto ansiava colocar acabaria de certa forma deformando seu rosto. Como ela seria ela mesma, se estava vivendo exatamente como os outros. Miseravelmente como os outros, aprisionada entre encontros furtivos e desgastantes com a galera. Ser literalmente, empurrada por uma amiga boba e vulgar para beijar um garoto chato e burro de quem nem gostava tanto assim, na verdade, nem um pouco.

Então, passou a vida sendo ela mesma, e como já era de se imaginar, quebrou, num numero incontável de vezes, a cara. Sempre a nerd. A esquisita. A estranha. A queridinha dos professores. A quietinha. A santinha. A desleixada. Amargurada e sem graça, sem sal, sem tempero. Essa é apenas uma pequenina parte da enorme lista de sinônimos para ela.

Ela? Seu nome era, infelizmente, Ashley. Do que lhe adiantava possuir um nome de patricinha, sendo que malmente saberia usa-lo. Portanto, que a chamem de Ash. Sim, assim ela achou melhor. Um apelido estranho, e geralmente masculino, mas, oque ela tinha a perder agora? A bateriam menos na escola se não se chamasse Ash? As garotas a perseguiriam e a xingariam de nomes horríveis, porém burros, menos se ela se denominasse com um apelido menos estranho? Não! Oh, com certeza, não!

Ela era órfã, como se não bastasse. Cresceu num orfanato, um orfanato de freiras. Freiras particularmente más e cruéis. Seus pais a largaram na porta do orfanato, pelo menos foi isso que elas disseram quando ousou questionar sobre sua origem. Os pais não a queriam, mas ela nunca os culpou, quem iria querer uma aberração como ela? Um monstro, que apenas se diferenciava dos animais por andar de pé e possuir polegares opositores. Isso foi uma das coisas que uma das freiras lhe disse assustadoramente quando tinha apenas cinco anos.

Uma aberração, por quê? Ah, como ela quis saber. Mas acabou por descobrir apenas agora. No seu leito de morte. Ela é oque as pessoas carinhosamente chamam de “Anticristo”, uma prole de humano e demônio. Um corpo macio e quentinho, uma alma negra e gosmenta. Ela já fora normal? Algum dia? De certo que sim. Quando era bebê, talvez? Quando ainda estava no ventre de sua mãe humana? Quando ainda era um inocente e insignificante feto? Quando ainda nem havia cogitado a possibilidade de existir? Sim. Ela esperava que sim, porque se assim de fato fosse. Ela haveria realizado seu maior desejo sem saber. Havia sido normal, mesmo que por um milésimo de segundo.

Deixe o céu cair

Quando desmoronar

Estaremos de pé, orgulhosos

E iremos encarar a tudo

Juntos

Deixe o céu cair

Quando desmoronar

Estaremos de pé, orgulhosos

E iremos encarar a tudo juntos

Ao cair do céu

Ao cair do céu

Ela foleava os livros sobre monstros, talvez encontra-se algo sobre Anticristos, mas apenas o de sempre. Demônios, Lobisomens, Wendigos, Fantasmas, Metamorfos... Todas essas maluquices que durante um bom tempo ela pensou serem monstros, mas quem era ela para julgar agora?! Tentava ao máximo se recordar do dia em que ela soube que eles existiam, o dia que três caçadores, um homem impetuoso, um jovem desinibido e um garoto meigo e sonhador. Seus nomes? John, Dean e Sam Winchester. O pai protetor, o irmão mais velho brincalhão e cheio de si, o caçula desajustado e inteligente. Ele sim tinha muito haver com Ash.

Numa noite chuvosa, tempestuosa na verdade. Um demônio invadiu seu quarto enquanto ela dormia e tentou leva-la pela janela. Mas John a salvou, atirou no homem possuído, porém um dos tiros acabou acertando Ash acidentalmente.

Eles cuidaram dela, a tiraram daquele orfanato maldito e a ajudaram, lhe mostraram a verdade, oque havia de fato no escuro. Ela também se recordava vagamente de gritos, aparentemente das vozes de John e Sam. Eles discutiam sobre verdade naquela noite, contar a verdade a alguém. Pelo pouco que ouviu John queria contar a verdade sobre oque alguém realmente era, porém Sam relutava. Dizia que iria magoar e ferir, que não permitiria. Mas ela estava com um corte realmente profundo na barriga, a bala havia pego apenas de raspão, mas mesmo assim. Para quem não estava costumado com levar tiros durante a madrugada enquanto um demônio tenta te raptar... É difícil se manter acordado, então ela adormeceu.

Não foi como ela queria que fosse, como se alguma coisa já houvesse sido. Ela passou seis meses com eles. John fez questão de que o corte estivesse de fato cicatrizado, então a ensinou oque eles sabiam. Mostrou a ela oque deveria saber sobre caçada, mas apenas lhe encobriu o maior segredo de sua vida, ela era filha de um demônio. Sabia que John não a queria, sabia que não queria uma garota no radar dos demônios perto dele e de seus filhos.

Depois de seis meses de “treinamento”, ele a deixou na casa de um velho amigo, Bobby Singer. E lá ela passou os últimos anos de sua vida, sempre se escondendo dos demônios, tomando Bobby como um pai e John como um tio chato e ranzinza. Mas que ela amava. E como poderia não ama-los? Cada um deles. A acolheram, lhe deram uma família. Uma família postiça e torta, mas ainda sim uma família.

Onde você vai, eu vou

O que você vê, eu vejo

Sei que nunca serei eu

Sem a segurança

De seus braços amorosos

Me mantendo longe do perigo

Coloque sua mão na minha

E estaremos de pé

Ela nunca se considerou uma caçadora de fato, já matou muita coisa ruim, acredite! Mas nunca quis ser aquilo, nunca quis tanto algo que poderia abrir mão de sua vida para uma causa maior como os caçadores. Vingança? De que? Pra que? Ela sempre pensou assim. Bobby, John... Algo muito obscuro manchou seus passados, oque deixou uma marca, uma marca sombria. Ela conhecia perfeitamente esse sentimento, mas se apegar a ele como os dois fizeram? Nunca. Ela não, aquilo, aquela vida, nunca foi pra ela.

E ela compartilhava essa sensação com Sam. Como muitas outras, eles se sentiam praticamente igual sobre muitas coisas. Ser os estranhos, os desleixados, deslocados... Queriam ser normais, queriam uma vida normal. Sam nunca quis ser caçador, nunca foi seu sonho. Ele queria estudar, fazer faculdade algum dia, quem sabe. Ele era um ótimo aluno, sempre disse que nunca chegou aos pés de Ash, e que não conseguia compreender como ela traduzia tudo que John mandava e passava com notas tão altas. Sim, com o tempo ela virou a tradutora deles.

Mas também pudera. Passara tantas horas a fio na biblioteca do orfanato e da escola, já havia lido de tudo. Em diversas línguas. Em incontáveis sessões diferentes, com temas distintos. Sempre se interessou por livros, histórias, filmes... Eram o único refugio que tinha de sua vida “deslumbrante”. Sabia Latim, naturalmente. Espanhol, Grego, Alemão... Entre outras diversas línguas, não era de se gabar de nada. Após ouvir de tantas pessoas que ela não passava de lixo e que só poderia se comparar a ele, tinha que admitir que por muitos anos, acreditou nisso também. Mas gostava de se gabar para Sam que arranhava no Português.

Ele a cobria de elogios, em relação a quase tudo. E ela não sabia ao certo porque, sempre que percebia que ele olhava pra ela sentia o olhar de admiração e deslumbramento sobre si. Nunca na vida se achou bonita, e tinha total certeza de que não iria começar agora. Garotos já lhe pediram em namoro conforme as cidades iam passando no tempo que ela esteve com eles. Nas escolas principalmente. Ela não sabia quando começou a acontecer, talvez quando fez quatorze. Ela não fazia ideia de como dizer “não”. Eles não eram feios, definitivamente. Mas eles sempre iam embora da cidade assim que John resolvia o caso, do que adiantava começar a gostar de um garoto já que ele jamais ficaria ao seu lado por mais de duas ou no máximo três semanas?! Mas isso também não importava, dizer sim ou não. Dean fazia questão de espantar “todos os urubus de perto de sua irmãzinha”, ela gostava de ser chamada assim por ele. Sentir que era da família, que pertencia a uma, que não era a rejeitada como sempre se sentiu.

Não sabia oque sentia por Sam exatamente, eles se tornaram melhores amigos e companheiros de pesquisa bem depressa. Ela o ajudava a traduzir e ele com a pratica. Ela nunca soube manusear de forma correta as facas e armas antes de completar quinze. Claro que não falava com ele com tanta frequência depois de que foi pra casa do Bobby, mas eles sempre voltavam pra lá, sempre. Às vezes quando John queria resolver um caso sozinho, outras quando precisavam traduzir algo, com ela ou com Bobby. Bobby sabia muito mais coisas do que Ash, naturalmente. Então eles passavam por lá pelo menos uma vez em um ou dois meses...

No porão ela lia uma de suas traduções do Latim para o Inglês mais antiga, se recordava de quando a havia feito. Estava com seus quinze anos e meio. Lembrava-se daquele dia, foi um dia normal como qualquer outro, a não ser por uma coisa.

#Flashback On

18/10/2000

– Ash! – Dean exclamou entrando pela porta da casa de Bobby com uma mochila aparentemente pesada em suas costas. Ela estava lendo sentada na mesa da sala, pra variar.

– Dean! – Ela exclamou também entusiasmada. O loiro jogou a mochila no sofá enquanto Sam adentrava porta sorridente atrás dele. Ash marcou a pagina do livro e o largou em cima da mesa indo rapidamente em direção a Dean e lhe dando um abraço caloroso. – Que saudade de vocês! – Ela disse saindo de dentro dos braços do garoto e o fitando sorridente.

– Não dá pra evitar ter saudade de mim! – Ele brincou convencido e ela riu.

– Pensei que não voltariam nunca mais! – Ela brincou ainda entusiasmada e sorridente indo até Sam e lhe dando outro abraço caloroso.

– E como poderíamos?! O Sam fala de você o tempo todo. “Eu quero ir ver a Ash!” “Quando vamos à casa do Bobby de novo ver a Ash?!” “Faz tempo que não vamos à casa do tio Bobby!” Cara, é isso o dia todo, “Ash, Ash, Ash!” – Dean brincava imitando a voz de Sam enquanto se jogava no sofá – Deixa todo mundo pirado!

– Cala a boca, Dean! – Sam disse chateado, envergonhado e corado. Tudo ao mesmo tempo.

– Eu estou mesmo impressionada com você, Sam! – Ash exclamou e Sam a olhou confuso – Toda vez que vem aqui cresceu mais um pouco, isso não para nunca! Ele vai ficar maior que você, Dean, se é que já não esta! – Ash brincou e Sam riu atrás dela.

– É, mas eu vou continuar sendo o mais velho e mais... Incrível! – Dean brincou apontando pra eles do sofá.

#Flashback Off

Sentia saudade daquilo. Daquela leveza no ar. Sempre se preocupou com oque era, com oque todos disseram dela. Mas perto deles, de sua família, sabia que poderia ser ela mesma. E ainda sim ser amada, ser respeitada. Poder brincar e debochar de si mesma. Queria amigas, sempre quis. Mas aprendeu que garotas nunca seriam tão legais com outras garotas. Na verdade aprendeu que crianças eram genuinamente cruéis, mas após conhecer Sam; o primeiro garoto da sua idade que não foi cruel com ela. Percebeu que crianças não são cruéis, e sim que certas crianças são cruéis.

Notou que a maldade e a crueldade nunca nascem com ninguém, muito menos as pessoas vão desenvolvendo essa doença ao longo da vida. Aprendeu que apenas os que querem ser maus são, ou até, muitas vezes, são maus sem perceber. Ela nunca foi má, com ninguém, nem mesmo com os que mereciam. Achava que ela simplesmente era uma pessoa genuinamente boa. Mas agora estava começando a cogitar outra possibilidade.

Talvez no fundo sempre soube que era oque era. Um monstro, uma aberração. E que fora por isso que a trataram daquela maneira toda a infância. Talvez sempre sentisse que escondia um lado escuro, um lado que desconhecia, e que nunca fez questão de conhecer. Até o dia de hoje. Ela vai morrer hoje. Em poucos, realmente poucos minutos. Queria morrer normalmente, não havia necessidade de ser de uma doença silenciosa e que lhe proporcionaria uma ida rápida. Poderia morrer baleada, esfaqueada, devorada por monstros... Como qualquer outro caçador morto que conheceu. Agora via isso claramente. De certo que essa seria uma morte melhor e mais digna do que a que estava por vir.

Deixe o céu cair

Quando desmoronar

Estaremos de pé, orgulhosos

E iremos encarar a tudo

Juntos

Ao cair do céu

Ela ouvia o som dos machados destruindo a casa de Bobby lá em cima, tentando incessantemente achar o saco de ervas que em minutos a faria ser levada deste mundo. Deste mundo cruel e desumano. Nunca ocorreu a ela que esta palavra não possuísse significado como agora. “Desumano”, ela gostaria de ser humana, mas não uma humana como os outros. Os humanos queimam, matam, saqueiam e destroem em nome de uma causa, que quase sempre é fútil e ignorante. Queria poder ser humana, para estar sempre ao lado dos humanos que valem a pena. Como os heróis que salvam vidas todo dia, os heróis que ela fez prometer uma hora atrás que não tentariam a salvar. Mas que por sinal mentiram descaradamente.

Queria morrer talvez ao lado do único garoto que gostou de verdade. Sam. Eles nunca falaram sobre aquela noite antes, talvez porque os dois tiveram vergonha demais para dizer oque realmente sentiam... Ela pensava diferente agora, certamente por saber que iria morrer. Queria poder ter dito a ele pra não ir, para ficar ao seu lado. Ele próprio a havia dito isso, que ficaria, mas apenas se ela pedisse. Porém ela foi fraca e burra, deixou o único e verdadeiro amor escorregar por entre seus dedos. Mas isso foi oque sempre fez em relação a tudo que queria, lutava com unhas e destes pelos sonhos, mas não por seus sonhos. Pelos sonhos dos outros, pelas realizações dos outros. Talvez por isso seja tão fraca...

#Flashback On

16/11/2002

Ashley havia ido num caso com John já que Bobby tinha viajado e Ash nunca podia ficar sozinha. Não sabia ao certo o porquê disso, talvez por ser a caçadora menos experiente entre eles, mas não poder passar duas semanas sozinha em casa por medo de que algum monstro aparecesse e tentasse estourar seus miolos? Não, ai já é muita superproteção! Ela pensava.

Estava no banheiro de um quarto de motel, ela ouvia nitidamente os gritos de Sam e John. Sam queria ir para Stanford, cursar direito. John queria que o filho ficasse, jamais abandonasse a família. Ash sentia as lagrimas encherem seus olhos. Não queria chorar trancada no banheiro para que todos ouvissem. Ela abriu a porta e saiu do quarto de motel rapidamente. Percebeu a discussão parando por um segundo enquanto ela passava correndo por eles.

Fechou a porta com força atrás dela. Ouvia ainda oque eles diziam, Dean tentava de todas as formas parar a briga, mas eles simplesmente o ignoravam e continuavam gritando. Estava frio lá fora, os primeiros flocos de neve começavam a cair. Ash cobriu os próprios braços com as mãos, tentando não congelar já que estava apenas de pijama naquela noite congelante. Ouviu os últimos gritos sendo ditos: – Se sair por esta porta, não volte nunca mais! – John gritava para Sam e o mesmo simplesmente saiu por ela a deixando escancarada. John foi até a porta e a fechou com tudo.

Sam fitou a porta fechada crente de que era o fim. Até que percebeu Ash ali, o fitando sorridente e simpática como sempre fazia.

– Já vai? – Ela perguntou doce, com um sorriso meigo no rosto.

– Sim. Já vou. – Ele disse cabisbaixo e em seguida fitando os olhos castanhos da garota e percebendo que estavam um tanto vermelhos e marejados. – Com frio? – Ele a perguntou chegando mais perto e lhe cedendo seu casaco, que ela aceitou sem muita escolha.

– Te desejo, toda sorte do mundo em Stanford. Embora eu e o Dean nunca iremos parar de te zuar quando você virar um doutor pomposo de terno! – Ela brincou cabisbaixa, tentando esconder a face claramente triste. – Não sei se consigo te imaginar como um advogado, mas acho que posso tentar! – Ela brincou finalmente o fitando, e sendo surpreendida por um pequeno beijo roubado dele.

– Ashley, se você disser que não quer que eu vá, eu fico. Eu fico aqui com você, só basta me dizer pra ficar. – Sam soou decidido como Ash nunca o havia ouvido antes.

– Sam, eu já não posso mentir pra você há muito tempo. Não quero que vá! – Ela disse e ele abriu um sorriso esperançoso – Mas não posso pedir que fique. – Ele a lançou um olhar confuso e ela sorriu pra ele de volta – Eu gostaria de ir com você, estudar direito, me tornar ainda mais chata do que já sou...

– Então venha comigo, poderíamos ser ainda mais chatos juntos. – Ele disse ainda esperançoso. Ele a amava, via isso claramente agora.

– Eu não posso, esse é o seu sonho, não o meu. Eu não posso deixar o Bobby, o John ou o Dean. Não posso abandona-los. Estudar, virar um advogado. É o seu sonho, Sam. Acredite, eu quero muito ser normal, mas sei que não sou nem posso ser. Tenho que pelo menos ficar com a família que me aceita. Sam, eu amo você, mas acho que essa aventura eu vou ter passar. – Ela o fitava nos olhos enquanto as lagrimas percorriam seu rosto – É muito difícil me despedir de você! – Ela riu de lado limpando rapidamente as lagrimas e se recompondo a sua postura simpática e sorridente. – Sempre que fazemos isso sabemos que nos veremos de novo em alguns meses, mas dessa vez podem durar anos, então... – Ela se estivou de leve para poder lhe dar outro beijo, esse mais demorado e apaixonado, talvez porque sabiam que essa era de fato uma despedida – Adeus, Sam! – Ela disse antes de entrar pela porta do quarto de motel o deixando seguir seu caminho.

#Flashback Off

Se si arrependia? Por um lado sim, mas por outro... Ela estava certa, não poderia pedir a ele para ficar e abandonar seus sonhos, e se isso significava que ela o amava, não poderia descordar. Ele havia chegado há seis horas, dirigiu a noite toda após Bobby lhe ligar e contar a ele que um demônio tinha escondido um saco de ervas na casa e ela com certeza morreria. Não adiantava mais ela sair de lá, o feitiço apenas viajaria com ela.

Ainda era possível ouvir os machados quebrando as paredes e o assoalho, ela sabia que não iria adiantar. Se perguntava o motivo pelo qual resolveu que passaria suas últimas horas no porão sujo da casa de Bobby, talvez por ter de certa forma crescido aqui. Ou pelo fato de que os livros e memorias que mais amava estavam entocados naquele cômodo.

Ser um Anticristo é ser amaldiçoado pelo sangue que corre em suas veias. Há qualquer momento seus poderes poderiam vir à tona, talvez devesse se suicidar, seria mais digno do que morrer dolorosamente porque seu maldito pai de olhos pretos havia colocado um saco de bruxa em sua casa. Mas acabaria por fazer todo o trabalho dele ser em vão. Afinal, é realmente difícil um demônio entrar na casa de Bobby Singer.

Se deparou com uma foto familiar, uma daquelas que ela mesma tinha obrigado todos a tirar. Bobby forçava um sorriso amarelo, John estava serio e com a cara um tanto amarrada como sempre. Dean sorria sedutor, tirando sarro da ridicularidade daquele ato. Sam também sorria amarelo, tentando não gargalhar na cara de todos e Ashley sorria simpática como sempre. Com cara de sem graça como sempre.

Sam talvez nem se recordasse daquela noite, daquela noite especial. Já tinha muito tempo, ele já tinha ido para Stanford. Certamente tinha uma namorada por lá, uma garota pacata e normal. Que jamais imaginou atirar com uma bala de prata no coração de um metamorfo, ou exorcizar um demônio, queimar um wendigo vivo... Com certeza não se lembrava daquilo, afinal, por muito tempo. Ash tentou esquecer.

#Flashback On

18/10/2000

Sam e Ash pesquisavam sobre seu ultimo caso. Estava dando dor de cabeça em todos já que nunca ouviram falar de um fantasma que é imune a sal. Estavam na sala da casa de Bobby, Sam estava lendo no sofá e Ash na cadeira. Dean, John e Bobby haviam saído para investigar a vida da ultima vitima.

– E ai? Oque você tem? – Sam perguntou passando a mão no rosto. Já estava tarde e eles não descansavam já fazia um bom tempo.

– Bom... Pela milésima vez, nada! – Ash exclamou fechando o livro com força. Também estava realmente cansada.

– Disseram que as vitimas tiveram as extremidades cortadas, não é? – Sam perguntou.

– Isso. – Ash respondeu fazendo um coque de qualquer jeito no cabelo.

– Olha só, eu acho que achei alguma coisa! – Sam exclamou e ela arregalou os olhos entusiasmada e foi até o sofá se sentando ao seu lado.

– Oque? – Ela perguntou olhando fixamente pra o livro aberto nas mãos de Sam.

Ele parou por um segundo percebendo o quanto perto dele ela estava. Ele tinha começado a sentir algo por ela recentemente, não sabia direito oque era, mas sabia que era forte e que essa proximidade que ela criou entre eles estava um tanto desconfortável. Respirou fundo e retomou seu raciocínio.

– As vitimas tem uma coisa em comum, todas conheciam Jeffrey Stuart. Ele é o filho da camareira da casa, as testemunhas disseram que nenhuma das vitimas se davam bem com o garoto.

– Mas isso não quer dizer que ele invocaria o espirito pra matar as pessoas, é só um menino! – Ash exclamou fitando Sam agora.

– Eu sei, não acho que ele invocou o fantasma, é sobre isso que estava lendo. Às vezes os poltergeists não se aprisionam em casas e sim em pessoas, nas emoções reprimidas dessas pessoas, talvez o Jeffrey tivesse esse desejo de vingança reprimido e um fantasma na casa se aprisionou a eles. Oque faz sentido já que aquela mansão onde as vitimas moravam era velha, de uma família de varias gerações. E houve um assassinato na casa também! – Ele disse tirando alguns papeis de dentro do livro e entregando a Ash – Richard Benson, encontraram ele deitado em sua própria cama sem os braços e pés, ele morreu de perda excessiva de sangue!

– Oque bate com a forma que os outros morreram. – Ash disse sorrindo de canto de boca e deixando de olhar para papel e fitando Sam – Eu nunca pensaria nisso! Eu acho que finalmente descobrimos, Sammy! – Ela gargalhou, Sam não gostava que ela o chamasse assim, porém ela adorava chama-lo assim – Vamos ligar pro John?

– Tá. – Sam respondeu. Ash pegou o celular no bolso do short.

– Qual é o novo número, mesmo? – Ela perguntou olhando para o celular em suas mãos, em seguida pôs o cabelo rebelde atrás da orelha e voltou a olhar para Sam esperando uma resposta. Mas ele nada disse, apenas ficou lá parado a olhando deslumbrado por um segundo – Sam, oque foi? – Ela perguntou abrindo um sorriso um pouco envergonhado – Porque tá olhando assim pra mim? – Ela perguntou mantendo seu sorriso.

Ele a olhava de uma forma diferente, queria simplesmente lhe roubar um beijo e que se danassem as consequências, mas e se ela não gostasse dele? Estava perdido nos olhos caramelados de Ash tentando muito lhe dizer algo e deixar de parecer um retardado. Porém percebeu que ela se aproximou dele, o bastante para fazer com ele sentisse seu hálito em sua face, pensava em todos os tipos de explicações pelas quais ela estivesse fazendo isso. Mas nenhuma lhe pareceu plausível.

Ela chegou bem perto dele, o fitou profundamente nos olhos. Passou os dedos por entre os fios de seu cabelo e o beijou. Um beijo apaixonado e ardente, como um desejo contido durante anos. Sam relutou por alguns instantes, oque esta acontecendo? Isso é real? Ele se perguntava. Todo o tempo em que passou estando apaixonado por Ash, uma parte de si se deprimia por saber que este sentimento não era reciproco. Mas agora, enquanto sentia o gosto doce dos lábios dela, se perguntava se iria ter forças pra solta-la.

Segurou com força sua cintura a puxando mais pra perto dele, aprofundando o beijo. Explorando cada centímetro de sua boca e tendo a certeza de que aquela era a melhor sensação que sentiria por toda a vida. E por mais estranho que parecesse beijar a garota que era como parte de sua família, não a tinha como uma estranha em seus braços. Ela continuava sendo a Ash, a garota pela qual se apaixonou em segredo, namorou e beijou centenas de vezes em pensamento. A menina doce e meiga que preferia muito mais a companhia de um livro do que a de pessoas fúteis e ignorantes.

Eles se deitaram no sofá sem desconectar seus lábios. Num movimento rápido Sam jogou os livros e papeis pra fora do sofá os deixando caídos no chão. Pararam de se beijar e encostaram suas testas, sentindo as respirações ofegantes. Sorriram um pro outro. Sam a beijou novamente, entrelaçando os dedos em seus cabelos que agora já haviam se soltado.

Eles se despiram rapidamente, deixando o desejo incontrolável tomar conta. Sentindo o cheiro um do outro, sem se importar com nada. Sem se dar conta de nada, das horas. Afinal, aquela noite era deles, exclusivamente deles. Ambos sabiam que nunca esqueceriam, que sempre iriam recorrer aquelas memorias para se lembrar um do outro. Dos sentimentos incontáveis que sentiam nos braços um do outro. Portanto, a noite foi longa. Graças a Deus a noite foi longa. Pois cada segundo havia de ser memorizado por eles, para que sempre soubessem que dividiram a alma aquela noite.

#Flashback Off

Na queda do céu é onde começamos

Separados por mil milhas e pólos

Onde mundos colidem e dias são escuros

Pode ter meu número

Pode tirar meu nome

Mas você nunca terá meu coração

“Talvez nunca houvesse de fato conhecido o amor, talvez mesmo que o colocassem em sua frente ela seria incapaz de reconhecê-lo.” Já tinha lido isso em algum lugar. Se recordava de que havia gostado de tal frase, talvez por ter se identificado. Mas que diferença isso tinha agora? Amar ou não. Pra ela, definitivamente, muita. Sabia que poucos no mundo a haviam amado, realmente poucos. Apenas sua família postiça, seu pai, Bobby; quem diria que depois de tudo que passou com sua falecida esposa, iria acabar “adotando” Ashley. Seu tio, John; jamais lhe ocorreu que o amava tanto, que era tão grata pelo que ele havia feito por ela. Seu irmão mais velho, Dean; que a protegeria de tudo e de todos, disso ela tinha certeza e... Seu... Ela ainda não sabia como tratar Sam, mesmo sabendo que nesse exato momento ele estava lá em cima ajudando a destruir a casa de Bobby.

Não saber como tratar Sam em seu leito de morte, isso era realmente ultrajante pra ela. Resolveu que o iria reconhecer de amor, e que se dane, ela iria morrer mesmo. Pensava em seu pai biológico também, de certo que não queria pensar nele, mas era inevitável. Porque ele queria mata-la? Porque faria isso, afinal, é um pouco burro! Engravidar sua mãe humana, fazer espera-la por nove meses, deixa-la a jogar num orfanato e pra que? Pra depois de vinte anos a matar?

Ela foi despertada de seus próprios questionamentos e crises existenciais quando percebeu alguém atrás dela no porão. Se virou rapidamente para fitar um rosto conhecido que já a alguns poucos anos queria muito mesmo rever. Era Sam, mais alto com certeza, mas ainda sim seria impossível não reconhece-lo. Os olhos dele estavam muito vermelhos e cheios de lagrimas, algumas que já haviam escorrido por sua face. E que pareciam escorrer ainda mais quando ele a olhou nos olhos.

– Sam! – Ela disse sorrindo. Estava muito feliz em vê-lo, sabia que ele estava aqui, mas ainda não o havia visto. Depois de uma briga feia com Bobby por ter ligado pra ele, desceu para o porão para esperar pela morte inevitável. – Como vai em Stanford?! – Ela engoliu seco, tentando não vê-lo chorar, sabia que choraria também se o fizesse.

– Pode parar, ok?! – Ele exclamou – Não vou te deixar morrer!

– Bom, acho que você não tem muita escolha. – Ela brincou. Sabia que parecia uma cretina falando assim da própria vida, mas era sua vida. E ela não queria choro ou tristeza, queria que honrassem a vida triste que teve com alegria.

– Pare de falar assim! – Ele disse mandão. Parecia genuinamente inconformado. – Você não vai morrer, eu não vou permitir. – Ele disse antes de Ash tombar a cabeça pra baixo, sentindo as lagrimas começarem a escorrer por seu rosto. – Você não!

– E oque pretende fazer, Sam?! – Ela disse levantando a face e lhe deixando claro sua tristeza. Ela não queria morrer, não tão jovem, não tão irrealizada – Me salvar, como?! Caçar o demônio que vai me matar pelo resto da vida?! Que por sinal é meu pai, sabia? A perai, você sabia sim! Des do dia que me conheceu! – Ela berrou deixando ele ainda mais deprimido, com uma pitada de remorso – Acha mesmo que foi melhor assim?!

– Não. Mas na época eu achava, achava que você não precisava saber, que ficaria melhor e mais segura sem saber...

– Que eu sou um monstro! – Ela perguntou o deixando com um olhar incrédulo – Que eu sou uma aberração, a filha de um demônio?! – Ela continuava berrando, enraivada como ele nunca a via visto.

– Como pode dizer isso?! – Ele berrou também num tom ainda mais alto, sua face transparecia sua descrença. – Como pode dizer que eu te acho um monstro?! Ash, de todas as pessoas... – Ele não completou a frase, apenas soltou um suspiro – Eu nunca pensaria isso de você, de você não. – Ele disse num tom mais baixo e ela suspirou, deixando claro que não aguentava mais se manter na defensiva. Foi até uma das mesas velhas do cômodo e se encostou a ela.

– Eu não posso morrer sem perguntar isso. – Ela disse limpando as lagrimas e soltando um sorriso bobo – Você tem uma namorada na faculdade, garanhão?! – Ela disse num tom brincalhão e ele foi até a mesa se encostando ao seu lado.

– Sim. Jessica. – Ele respondeu sem muita emoção.

– Jessica, é? – Ela perguntou desconfiada e ele riu. – Eu juro por Deus que se ela machucar o seu doce coraçãozinho, eu volto do inferno pra puxar o pé dela! – Ela brincou de novo rindo de si mesma. Sam fechou a cara e a olhou melancólico novamente.

– Você não vai pro inferno! – Sam disse convicto.

– Vamos dizer que eu não tenho uma alma muito pura, né Sam?! – Ela brincou de novo, porém Sam mantéu sua face tristonha. – Deve ser por isso que o papai quer me matar, eu viro um demônio e todo mundo fica feliz! – Ela riu e ele bateu sua mão com força na mesa, enraivado.

– Você não vai morrer, você não pode morrer! – Ele disse inconformado deixando mais lagrimas escorrerem por seu rosto, ela o olhou ficando triste também, foi até ele chegando perto, limpou as lagrimas de sua face.

– Sam, eu te amo. – Ela disse olhando profundamente em seus olhos – Não posso morrer sem dizer que sinto muito. Sinto muito por não ter te dito que não queria que você fosse pra Stanford, sinto muito por ter medo de ir com você. E sinto muito por não poder viver o suficiente para estar ao seu lado até o dia de sua morte. – Ela disse se levantando levemente e lhe dando um beijo. Um beijo que nenhum dos dois jamais esqueceria, um beijo molhado devido às lagrimas de ambos, um beijo que deixou claro para os dois que eles ainda eram e sempre seriam companheiros de alma.

Sam a segurou pela cintura, querendo imensamente que aquele beijo jamais acabasse. Mas então sentiu que ela já não o beijava mais, sentiu seu corpo mole e sem movimento. A olhou nos olhos e percebeu que ela já não estava mais viva. A deitou no chão lentamente, deixando suas infinitas lágrimas molharem seu corpo sem vida. Seus olhos fechados sutilmente lhe diziam que ela já não o poderia olhar docemente, seus lábios entreabertos já não mais tão avermelhados lhe deixavam claro que ele jamais a beijaria de novo. Sua face calma e serena lhe fazia achar que ela talvez houvesse ido para um lugar melhor.

Respire fundo a penumbra

Veja as luzes se apagarem em cada quarto

Bons compositores olham para baixo e lamentam

Energia inútil gasta em mais um dia

Amantes apaixonados lutam como um só

Homem solitário chora por amor e não tem nenhum

Nova mãe pega e amamenta seu filho

Cidadãos idosos desejam ser mais jovens

Esfera insensível comanda a noite

Remove as cores de nossa visão

Vermelho é cinza e amarelo é branco

E nós decidimos o que é certo

E o que é certo é uma ilusão


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Quero muito que me digam oque acharam, de verdade sinto muita pena da Ash. Favoritem a fic e comentem, a autora ficará imensamente feliz, beijos meus amores!

Músicas (traduzidas) usadas ao decorrer da história:
1ª Skyfall – Adele
2ª Nights In White Satin – The Moody Blues



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Black Soul" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.