Somebody To You escrita por CarolHust


Capítulo 18
O Caso de Erza Scarlet. - Você de novo. - Parte 2.


Notas iniciais do capítulo

T-T
Boa leitura. (vocês vão entender).



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– J-Jellal?

O garoto tinha malas em mãos, casaco de marca e cabelos arrumados. E estava maior e mais bonito do que me lembrava.

– Olá Erza.

– O que você faz aqui?! – eu estava completamente exasperada.

Ele, que observava o chão, voltou-se para mim, com um misto de seu antigo sorriso compreensivo e um olhar de dor.

– Achei que te devia algumas explicações. – ele fez menção de entrar no apartamento.

Sem reação, eu apenas deixei que ele passasse, observando-o, para então pará-lo no balcão da cozinha.

Jellal Fernandes havia ido embora antes mesmo que eu entrasse na puberdade. O que significava, naquele momento, que eu tinha dificuldade em reconhecer nele o garoto de anos atrás. A sua característica mais marcante se mantinha, no entanto: a marca de nascença vermelha descia pelo lado direito da face. Fora isso, o resto me era estranho. Como o fato dele, que antes tinha a minha altura, estar extremamente maior. Ou aparentemente mais musculoso. Ou emitir uma estranha aura de sofisticação.

Meu coração bateu mais rápido. O suficiente para doer.

– Erza...?

O-o que... você faz aqui? De verdade, dessa vez. – eu me segurava para prender o choro, tremendo.

Ele largou as malas no chão, segurou meus ombros e me conduziu ao sofá. O que quer que ele fosse dizer, eu esperava que tivesse um mínimo sentido. O suficiente para eu não expulsá-lo de uma vez.

– Eu... sei que passei muito tempo fora, e sei que fui egoísta ao ir embora e deixa-los sem onde morar, mas...

Tirei de meu ombro a mão que ele lá colocara.

Foi egoísta? Jellal, você magoou demais... Você destruiu a família que nós tínhamos construído... você...

Ele enxugou a lágrima que começara a cair. Pareceu perceber que eu não desejava que ele me tocasse ou que ficasse perto de mim. Afastou-se para o outro lado da sala, em uma das poltronas individuais, e esperou que eu me acalmasse.

Lembrei-me que havia algo ali que eu não desejava que ele visse. Não naquele momento. Nunca. Mas quando o olhei, ele já tinha a fotografia em mãos. Aquela na qual eu, Shou, Wally, Milliana, ele e Simon aparecíamos. Antes de toda a crise se instaurar.

– Não sabia que você ainda tinha isso...

Tomei a fotografia de suas mãos. Ele não tinha o direito.

– Você tem a mínima noção do que aconteceu depois de você ir para o exterior? Procurou saber? Sabe o que aconteceu com o vovô Rob e com ele?

Jellal ficou calado.

Seus ombros pareciam pesados, e o moral baixo, algo que quase não se via quando ele morava em Magnólia. Isto era, quando a Construtora Fernandes estava em pleno funcionamento.

A empresa de seu pai, Zeref, era grande o suficiente para sustentar uma cidade inteira. Eles viviam em uma mansão, e, talvez por ser filho único e não ter mãe, Jellal era muito solitário quando criança. Mesmo com as dezenas de criados, mesmo que houvesse brinquedos à vontade e professores particulares. Acredito que por isso, seu pai permitiu que, quando o garoto tinha dez anos, alguns de seus empregados trouxessem filhos e parentes mais jovens para lá morar. Eram os únicos amigos que ele permitia ao garoto ter.

Rob era o jardineiro, e, por ser de extrema confiança do patrão, pôde levar algumas das crianças que tinha adotado para lá. Entre elas, estava eu. Minha tia, que antes me criava, era uma grande amiga do velho, e quando ela adoeceu, ele se ofereceu para me sustentar. Vovô Rob passou a ser o divertimento das crianças que ali moravam. Era o tipo de pessoa que não poderia ver alguém necessitado sem ajudar.

Durante cerca de três anos, vivemos na mansão, e um grupo de amigos foi se formando. Wally e Milliana, sempre juntos, se aproximaram de mim, Jellal e Shou, que nos demos bem ao nos conhecermos. Simon veio depois, era o mais silencioso de todos. Fazia o possível para não incomodar, mas sua admiração por Jellal era notável.

Nada era perfeito, e sempre havia a questão do azulado ser o “jovem mestre”, mas cada dia era vivido com imensa alegria. Periodicamente, ajudávamos Rob com algumas das tarefas – quando não estávamos estudando ou brincando.

Jellal estava ao meu lado quase sempre. Em certo ponto, ele nos protegia dos ataques de instabilidade de seu pai, que considerava nos despejar de tempos em tempo. Sendo três anos mais velho, a maioria de nós o enxergava como um exemplo a ser seguido. Ele foi gentil ao ponto em que não me imaginava vivendo sem ele. Ao se ouvir isso de uma criança, pode parecer pura ingenuidade, mas acredito que o que eu sentia poderia um dia se transformar em algo muito maior, algo que nos aproximaria mais ainda. Se nada daquilo tivesse acontecido.

No ano da minha quarta série, algo estranho começou a acontecer. Zeref saía durante as noites sem aviso prévio, voltando bêbado, muitas vezes machucado. Pessoas inesperadas e misteriosas o visitavam. Ninguém entendeu muito bem o que se passava, e Rob avisou que não deveríamos nos aproximar do patrão mais do que o necessário. Os ataques se tornaram mais frequentes.

“- Ele nunca teve uma alma ruim, sabem crianças? Mas está vivendo alguma situação difícil, tem vivido em sofrimento desde a morte da senhora. Vocês não a conheceram, mas era uma bela mulher. Agora, acho melhor esperarmos ele se acalmar.” – nos disse ele uma vez.

Nessa mesma época, Simon começou a se comportar estranhamente, também. Não era incomum ele se revirar durante a noite, ou chamar Jellal para conversar secretamente. As olheiras em seus olhos começaram a se aprofundar, e a cada dia ele parecia mais fraco.

“Parece que a família dele está precisando de dinheiro, Er-chan. E o patrão não quer emprestar.” – Milianna cochichara em meu ouvido, quando considerei ir confortá-lo.

O salário da maioria dos funcionários foi minguando, e a falta de dinheiro levou Rob a priorizar as necessidades de “seus filhos” em detrimento dos medicamentos, o que o levou a uma crise de asma, entre outras complicações.

Certa tarde, Jellal aparecera, chorando, e passara a noite conosco. Ele não explicou o porquê da tristeza repentina, e entregou a Rob um envelope lacrado. Chamou-me em um dos cantos da casa de empregados.

“ - Estou indo embora, Erza.

– Como?! – eu o segurei pelo braço.

– Meu pai... – ele contorceu o rosto, para então apresentar uma feição indiferente.

Parecia outra pessoa. Ele me empurrou para um canto, e eu perdi a paciência.

– Jellal, do que você está falando? Sei que tem algo diferente acontecendo, mas... Nós precisamos da sua ajuda. Você não vê como o vovô Rob está? E ao que parece Simon vai no mesmo caminho!

Ele riu em escárnio.

– Erza, você achava mesmo que eu me importava com tudo isso aqui? Com Simon? Sinto muito, mas... tenho muito mais para ver e viver, do que simplesmente ficar enclausurado nesse mundinho limitado. Adeus.”

Três dias depois ele foi embora com o pai. Levaram Shou. Nós fomos expulsos do terreno. Milliana tinha família, que ajudou Wally e os levou para o outro lado do país. Simon e eu fomos os únicos que ficamos. Para enfrentar o pior.

Eu, Simon e seu pai, moramos com Rob, que não estava mais em condições de trabalhar. Tentamos encontrar empregos, mas ninguém queria contratar duas crianças ilegalmente. Ainda mais quando Simon se tornava cada dia mais fraco. O salário do pai dele era o suficiente para o básico, mas não tínhamos o suficiente para os medicamentos - precisávamos deles mais do que eu poderia prever. Evitar o indesejado parecia impossível.

“- Agora somos só nós dois, Erza. – Simon segurava uma de minhas mãos enquanto observávamos o céu, no telhado do compartimento em que costumávamos morar.

Eu olhava as estrelas, imaginando onde Jellal estaria naquele momento.

– Hun, mas você tem família, não? – perguntei.

– Minha mãe e irmã moram longe, e não tem como ajudar. Mas tudo bem. Temos um ao outro, não é mesmo? – ele se virou para mim, esperançoso.

Forcei um sorriso.”

A situação em nada melhorou depois disso.

...

– Vá embora. – eu sussurrei.

Jellal estivera apenas me observava enquanto eu batia o pé no chão nervosamente, prendendo as lágrimas, e relembrava tudo.

– Deixe-me falar alguma coisa, pelo menos. – ele se levantou.

E eu também.

Eu não quero ouvir! Qualquer que seja a porcaria que você queira me contar! –minha voz estava completamente embargada, e parecia um urro de dor. – Não estou nem aí para o porquê você voltou, sabe qual a razão?!

Ele acenou com a cabeça, pronto para ouvir.

Porque vovô Rob morreu.

Desabei, chorando.

– Erza... – ele se abaixou para tentar me levantar, me puxando por um dos braços.

Ele parecia prestes a chorar também. Para mim, aquilo não passava de falsidade.

– É só isso que tem a dizer?! Eu quero que você vá se ferrar! Ele morreu por que ninguém o ajudou! Você não sabe como é ver a pessoa definhar mais a cada dia! – tentei me soltar dos seus braços, empurrando-o.

Ele me abraçou à força. Colocou minha cabeça sobre seu ombro direito. Alisou meus cabelos e beijou minha cabeça, como fazia quando ainda éramos crianças. Pelas lembranças dos dias bons, e de como ele costumava ser, me permiti ficar naquela posição. Ou era o que eu dizia para mim mesma.

– Por que você é tão gentil comigo? – eu lamentava.

O Fernandes não respondeu.

– Ao menos sobre o Rob eu sabia. E sinto muito. – ele encostou seu queijo no topo da minha cabeça, e pude sentir uma lágrima escorrer de lá de cima. – De verdade. Mas não tinha... As razões pelas quais eu me mudei me impediram de fazer qualquer coisa.

– E quais fora elas? – me afastei minimamente.

Ele respirou fundo.

– Lembra quando algumas pessoas estranhas vinham visitar o meu pai? Naquela época das recaídas?

– Uhum.

– Então... eu também não sabia de nada disso, mas ele se envolvia com o “submundo”. Drogas, clubes, e, o pior de todos e que destruiu a empresa: jogos de azar.

Levantei meu rosto para observá-lo. Ele mantinha os olhos fixos nos meus.

– Em alguns meses ele perdeu o suficiente para dar saldo negativo para a empresa. Ainda por cima, foi descoberto. A maioria do dinheiro que até então ele usava para nos sustentar provinha dos negócios ilegais. Nossos bens foram bloqueados, assim como quase todo o dinheiro. Naquela noite em que falei com você, ele havia decidido me contar a maioria das coisas, e foi bem violento ao me avisar que teríamos de deixar tudo para trás. Falar do Rob ou do Simon... Eu até tentei, mas Zeref não tinha paciência nem de onde tirar esses recursos. Levar Shou conosco foi a única coisa que consegui. Então, fugimos. Logo ele foi pego e preso. Tivemos de viver dos restos.

Eu não tinha o que dizer. O que ele dizia significava basicamente... que eu estivera errada o tempo inteiro? Que aquele Jellal nunca deixara de existir? Que...

– Mas por que... você agiu daquele modo conosco? Por que não nos contou sobre a sua situação? – permiti que ele apertasse o abraço.

– Rob sabia o tempo todo. Eu expliquei tudo naquele envelope, e deixei ali todo o dinheiro que consegui achar. Com vocês... preferi manter uma lembrança ruim, que desejassem apagar, do que ficarem se lamentando pela minha ida. Já tinham muito a enfrentar.

Então ele nos ajudara sem eu saber. Era incrível como parte do meu sofrimento, de toda a minha vida, se mostravam apenas uma falsidade. O alívio e a compreensão se misturavam dentro de mim. Abracei-o de volta e chorei em seu peito.

Depois de alguns minutos me confortando, ele colou sua testa na minha.

– Eu não quero dificultar as coisas, mas... e o Simon? O que aconteceu?

Eu engoli as lágrimas que tendiam a voltar.

– Eu... não sei. Não quis saber. Ele estava doente também, e foi embora um ano depois de você. Para onde a mãe morava. Só a imaginação foi o suficiente para mim.

Ele concordou, parecendo me compreender. Me soltou, limpando os olhos.

– Você tem todo o direito de me odiar agora. Eu poderia ter feito mais.

– Como... eu posso te odiar depois disso? Jellal. – eu o chamei, inutilmente.

Ele parecia ter pressa para ir. Suas costas estavam tensas, como se doesse ficar mais. E era verdade: a atmosfera era muito melancólica.

– Por que você está com todas as suas malas aqui? Vai morar por perto? – eu parei, junto às suas costas.

Ele riu forçadamente, de um modo desesperançoso.

– Ainda tenho que achar onde ficar. Pretendo assumir a empresa, quero desfazer toda a baboseira que meu pai fez. Mas não antes de terminar a faculdade. Até lá, meu orçamento é limitado, e é outra pessoa que está assumindo o cargo de presidente. As roupas e perfumes são só para passar a impressão que ainda estou muito bem de vida. Mas sou como qualquer outro estudante.

Então, eu disse as palavras que meu coração berrava, mas que minha mente me avisava para não pronunciar:

– Pode ficar aqui.

Ele se virou de súbito, e o alívio preenchia suas feições. A minha aceitação tinha o afetado profundamente. Imaginava se iria me arrepender.

Sem muitas palavras, ajudei-o a desempacotar as coisas, preparamos o jantar e comemos. Apenas daquela vez, me permiti negligenciar a todos os meus conceitos de comportamento, independência e firmeza.

Enquanto nos sentávamos próximos à TV, confortamos um ao outro pela provável perda do nosso amigo de infância.


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Notas finais do capítulo

TTTTT-TTTTTT dessa vez eu chorei de verdade.
Não sei se consegui passar toda a emoção que imaginei, mas espero que tenha tocado vocês tanto quanto a mim mesma.

Ai...

Sobre os especiais, vou esperar para ver se surgem novas sugestões. Obrigada a todos que comentaram, e, mais do que nunca, por favor digam se gostaram.

PS: me diga se eu consegui te fazer chorar, Mih. Todos vocês, na verdade.