Dia XX/XX/18XX

Não demorou tanto quanto eu esperava e elas voltaram com suas faces rosadas por causa do frio que fazia. Para a minha sorte, estavam cansadas por causa da viagem e me ignoraram completamente e eu apenas continuei o meu dia normalmente.

Quando a noite surgiu, elas já estavam dispostas o suficiente para começar seus jogos. Não sei de onde elas tiram essas ideias “criativas” que elas têm.

–Cinderela! Venha já no meu quarto! –Anna gritou do segundo andar.

Subi as escadas rapidamente quase tropeçando no meu próprio vestido e me apressei para entrar no quarto de Anna. Ao entrar, Anna não estava sozinha como eu pensei, Hellen estava sentada na penteadeira escovando os enormes fios loiros e ambas estavam rindo. Como se eu sentisse o perigo próximo tive uma súbita vontade de correr e me congelei na entrada da porta fiquei observando as irmãs com aquela expressão de diversão.

–Entre Cinderela... -Dessa vez era Hellen que falava esculpindo um sorriso angelical no rosto, mas eu sabia que se eu entrasse naquele quarto seria presa fácil daquelas duas.

–Entre!-Hellen falou num tom imperativo desfazendo seu sorriso rapidamente.

Senti-me incapaz de fazer qualquer coisa contra elas e entrei no quarto lentamente.

–Oque vocês querem?-Tentei esboçar naturalidade e esconder meu medo.

Anna levantou-se da sua cama e fechou a porta atrás de mim, agora eu estava no meio daqueles dois demônios em forma de humano.

–Queremos jogar um jogo. –Anna falava sorrindo e olhou para a irmã que sorriu de volta. Elas me guiaram até a penteadeira e me colocaram sentada de frente para o espelho. Elas me deram um chá estranho e me forçaram a bebê-lo, tossi repetidas vezes e minha visão ficou um pouco turva. Não a ponto de desmaiar, mas fiquei fraca e indefessa. Olhei para elas com um olhar de fúria.

–O que vocês fizeram...?

Elas riram e gritaram animadas: “Funcionou! Funcionou!”

–Já ouviu falar em boneca vodoo? – Hellen sussurrou em meu ouvido- Você será a nossa! E quem vai ser a nossa vitima...?- Ela riu e me beijou na bochecha.

Meio mole me virei tentando levantar, mas cai da cadeira de cara para o chão o que foi motivo para que elas pudessem rir mais. Com um pedaço de pano enrolado na mão Anna quebrou o espelho da penteadeira e segurou um pedaço pontiagudo dando-o para a irmã e pegou outro no meio dos outros estilhaços.

Com um movimento firme elas começaram a cortar meu braço superficialmente, mas não era de uma maneira fatal. Elas queriam brincar com meu corpo até eu implorar por misericórdia e enquanto eu estivesse viva nunca faria. Hellen se abaixou ficando do meu lado e falou baixinho:

–A gente ia usar agulhas só que eu acho que seria muito sem graça não acha?

Eu cuspi na cara dela enquanto tentava pôr-me em pé e vi brotar fogo em seus olhos. Ela segurou o caco do espelho com mais força em sua mão até um fino fio de sangue brotar e o enfiou com força em meu olho que já havia sido arrancado antes, perfurando as ataduras e causando uma dor infernal. Eu gritei com força até meus pulmões arderem e a empurrei o que surtiu quase efeito nenhum. Encolhi-me no chão para diminuir a dor, minha cabeça latejava e com a pouca visão que eu tinha por causa da tontura quase não percebi o que havia próximo de mim.

Um pedaço pequeno do espelho, mas afiado o suficiente para poder me defender peguei-o rapidamente e enfiei-o na mão de Hellen que soltou o espelho rapidamente e começou a gritar de dor. Um grito fino e desesperado que fez com que Anna ficasse imóvel por alguns segundos. Aproveitei o momento de distração e me arrastei para a porta. Eu estava assustada. Nunca tinha revidado nada.

Cambaleando levantei e a abri, a luz forte que vinha da sala me causou mais tontura que antes e me encostei-me à parede para não cair, respirei fundo e continuei andando até passar pelo espelho que ficava perto das escadas e vi que o caco ainda estava enfincado no meu olho. Com uma puxada forte o arranquei de uma vez fazendo cair no chão pedaços de atadura e sangue coagulado. Apoiei-me como pude no corrimão e desci o mais rápido que pude. Minhas pernas ainda não me pertenciam.

Meu coração deu um pulo no meu peito ao ver quem vinha ao sentido contrario da escada.

Madame Claire.

Mas por mais estranho que fosse ela não dirigiu se quer o olhar para mim, provavelmente escutou os gritos agonizados de Hellen no quarto.

Definitivamente, estarei morta depois disso.

[...]