Deusa Estelar escrita por Carlos Abraham Duarte


Capítulo 8
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

O de praxe: capítulo sendo postado (digitado) aos poucos, o que demandará vários dias. Agradeço desde já a compreensão dos eventuais leitores ("fantasmas" ou não), inclusive o amigo Nell (se porventura ainda estiver acompanhando e lendo).



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"Dez sephirot do nada.

Sua medida é dez

Que não têm fim.

A profundidade do princípio,

A profundidade do fim,

A profundidade do bem,

A profundidade do mal,

A profundidade do acima,

A profundidade do abaixo,

A profundidade do leste,

A profundidade do oeste,

A profundidade do norte,

A profundidade do sul,

O Mestre Único,

Deus, Rei fiel,

Domina todas elas

Desde sua Santa morada

Até a eternidade das eternidades."

Sepher Yetzirah (capítulo 1, Mishnah 4)

"Só é homem aquele que conquista o Universo não com armas mortíferas, mas subjugando a matéria com o poder de seu espírito."

Sermões do Rabino Menachem Mendel Diesendruck

 

(Ponte de comando da Majorum, Sistema Kepler-78, AGORA)

Diário pessoal do Capitão

Data Estelar 92102.208

"Por ordem do Almirantado da Frota Estelar, a Majorum permanece circulando em torno da estrela Kepler-78, nos limites da astrosfera do sistema, ao aguardo da chegada da força-tarefa encarregada do bloqueio do setor estelar 246, à qual deverá se juntar. Entrementes, algo extraordinário está acontecendo com a gigantesca nave interuniversal a que chamamos 'Cosmoarca' estacionada no interior do sistema estelar."

— Ela está se transformando! - exclamou a Tenente Jhirr Pfhueh, que mantinha seus oblíquos olhos dourado-esverdeados de pupilas em fenda como de um gato (que podiam enxergar em baixa luminosidade, ou escuridão parcial, como se fosse de dia) na interface de toque holográfico do console de navegação e leme, soltando um rosnado sibilante, um sinal de grande excitação num indivíduo de raça ektosi.

— O que está acontecendo? - Togo quis saber, sem rodeios. O imediato da Majorum aproximou-se do console de navegação, e - conquanto sua voz se mantivesse controlada e fria - seu forte rosto moreno deixava transparecer alguma ansiedade.

— A Cosmoarca está ficando cada vez menor. Está encolhendo em diâmetro, sem perder o seu formato original esférico... que nem um plasmoide ou zeroide Kululalay — a piloto felinoide falava cada vez mais depressa, com um sotaque ronronante que fazia "Kululalay" soar como "Kurrrurrrarrray", com um forte r enrolado e meio gutural, ao passo que seu longo apêndice caudal pintalgado chicoteava de um lado para o outro. - Quer que amplie a imagem na tela, comandante?

— Sim - disse Togo.

A grande tela holográfica à sua frente cintilou, e subitamente o ponto de luz prateado no centro da mesma agigantou-se, tornando-se uma grande bola fluídica que parecia feita de mercúrio, ou liga polimimética, cingida no equador por uma forma anelar giratória, prismática, girando em velocidade alucinante.

Embora aparentemente parada no espaço (mas orbitando ao redor da estrela Kepler-78), a grande esfera prateada diminuía exponencialmente de tamanho. Estava, por assim dizer, encolhendo a olhos vistos.

Sinjoro Dal, confirme - disse o imediato, dirigindo-se ao enorme e maciço quodariano sentado (em sua poltrona superdimensionada) num dos consoles do posto de Ciências.

— Sensores e nanodrones de sondagem confirmam que a Cosmoarca está se contraindo e diminuindo de diâmetro à razão constante de três mil metros por microciclo - Dal Gahud reportou os dados exibidos em sua holointerface.

Ghowrid, que até então acompanhava tudo em silêncio, resolveu intervir. - Sinjoro Dal, verifique com as nanossondas se o perímetro do ultraescudo de energia em redor da Cosmoarca se mantém inalterado, ou se, pelo contrário, está se comprimindo junto com o corpo da nave.

— Sim, capitão - disse Gahud. Dali a alguns microciclos, veio a resposta precisa: - As sondagens atestam que o perímetro do campo de energia hexadimensional que rodeia a Cosmoarca está diminuindo e se contraindo, amoldando-se à fuselagem da embarcação esférica gigante que encolhe exponencialmente, como que compartilhando do mesmo processo de redução de tamanho. Não obstante, continua tão impenetrável quanto antes.

— Será que isso, esse encolhimento da "cibernave", implica em que ASENA pode modificar e controlar a constante de Planck de modo a aumentar ou diminuir de tamanho à vontade? Como aquela raça robótica de Andrômeda V?

— Não tenho dados suficientes para confirmar ou refutar essa hipótese, capitão.

— Capitão Ghowrid, a ideia de se alterar a constante de Planck para assim encolher pessoas e objetos, e os aumentar de volta para seus tamanhos originais, não passa de pura fantasia científica - afirmou em tom condescendente o Almirante Scott, que se achava holopresente na ponte, juntamente com o Comodoro Lima, o Tenente-Comandante Lewz e o Dr. Sklar, embora todos permanecessem fisicamente em suas respectivas cabines.

Ghowrid virou-se para o avatar holográfico do velho oficial e replicou em tom forme: - Com todo respeito, almirante, isso não é verdade e tive a prova incontestável na galáxia-satélite M-32 de Andrômeda. Estou falando de uma raça de robôs de uma outra galáxia-satélite, Andrômeda V, que têm a capacidade de reduzir o seu próprio tamanho e massa em bilhões e bilhões de vezes, até as dimensões de uma bactéria, de um vírus, de um átomo... Como? Microminiaturizando seus átomos, microminiaturizando a própria constante de Planck, de tal forma que o robô fica contido dentro de um campo onde o padrão atômico é fantasticamente menor que o do universo normal. Inacreditável? Sem dúvida. Não me pergunte como, mas se uma raça de máquinas superinteligentes acima de A20 em uma galáxia remota pôde chegar tão longe em tecnologia de miniaturização, por que não uma hipercivilização no inimaginável patamar do A24, com vários milhões de stanrevs à nossa frente em evolução? Uma hipercivilização que criou uma entidade como essa aí... - Ele apontou para a grande tela holográfica. A bola prateada da Cosmoarca encolhia progressivamente enquanto ia flutuando no espaço , dentro do círculo dos seus feéricos anéis prismáticos (cujo perímetro também se reduzia).

— Parece uma bola de borracha, cheia de ar, que se contrai ao ser colocada dentro de uma câmara frigorífica - comentou Alxxyn Lewz, evocando memórias herdadas de sua matriz originária do primitivo século XX A.D.T.T., ou século I d.V., as quais eram incompreensíveis para alguém nascido e criado nessa nova era de ultratecnologia. (Não obstante, a mera ideia de que seu amigo Karl Dharz pudesse literalmente mergulhar no mundo subatômico fazia-o sentir calafrios de horror.)

— O que não deve nos surpreender, porquanto as paredes do casco da Cosmoarca não são feitas de durânio, tritânio ou uma outra liga metálica qualquer, mas sim de pura energia lumínica compactada, de estrutura variável, comportando-se como matéria - observou o holograma 3-D do velho Almirante Scott. - Luz solidificada que se amolda segundo a vontade da inteligência artificial autoconsciente que controla a grande nave.

— ASENA - Ghowrid retrucou em voz baixa.

— Sim, ASENA. Só podemos conjecturar que essa I.A.A. avançada e poderosa em um nível jamais visto na Galáxia tenha controle completo sobre a estrutura de energia plástica ou energia de forma que constitui o seu corpo, quero dizer, o corpo da Cosmoarca que "elea" habita, a ponto de permitir-lhe alterar à sua vontade o tamanho e a forma do construto de energia sólida. Sem precisar mexer com a constante de Planck! Quanto ao porquê "delea" de repente resolver se autoencolher... ou como faz isso... Santa Galáxia, não tenho a menor ideia!

— Talvez seja simplesmente uma questão de poupar energia - opinou Lewz. - Não sou nenhum especialista em energia de forma, mas, mesmo com a mais avançada tecnologia, manter uma forma esférica com trinta quilômetros de diâmetro deve ser um grande gasto de força para os projetores que dão estabilidade à estrutura energética da Cosmoarca.

— Não se estiverem sendo alimentados por um gerador de módulo de ponto zero - objetou o almirante. O Módulo de Ponto Zero, ou ZPM, era um dos sonhos mais ambiciosos dos engenheiros da Frota Estelar, extraindo energia virtualmente eterna do hiperespaço, "espaço absoluto" ou "bolométrico" (como o tradicional Cochrane de Alpha Centauri gostava de chamá-lo). Contudo, a construção de um ZPM exigia um domínio técnico do espaço pentadimensional que estava além da capacidade tecnológica da Federação e dos impérios rivais da Via Láctea (embora se suspeitasse que Éticos, Céticos, cylons e certas raças da Comunidade Tri-Galáctica detinham o segredo desta fantástica tecnologia criada há um milhão de stanrevs pelos anunnakis ou mal'ek'ak, a primeira evolução da Humanidade Cósmica).

— A esfera gigante parou de encolher - informou Gahud alguns centiciclos mais tarde. - Agora a Cosmoarca mede exatamente mil e quinhentos metros de diâmetro e encontra-se completamente estável.

— Pode ter atingido seu limite de encolhimento - arriscou o Comodoro Lima.

Em sua cabine, Alxxyn Lewz deixou escapar um suspiro de alívio, no que foi instantaneamente imitado por seu holoavatar na ponte. Nada de Dharz encolhendo até desaparecer no alucinante mundo submicroscópico de átomos e fótons.

"Menos mal assim."

— Nessas condições, o que terá sido feito do Dr. Dharz? - lembrou a oficial de ciências/assistente Maayylloo, que tinha uma preocupação genuína estampada no rosto jovem de tez verde. - Será que o núcleo central da Cosmoarca, sua central de comando consiste de um globo sólido de plasteel ou outro material, envolto por camadas sucessivas de "energia sólida" pura, podendo aumentar e diminuir de tamanho, e que o Dr. Dharz e quaisquer outros seres vivos estão no interior desse ponto central?

— É, logicamente faz sentido - concordou Lewz. - As espaçonaves clorzes, da Federação Unnarcleon, são assim. Pelo menos é o que diz o Serviço Secreto. Uma série de camadas concêntricas de campos de força, de energia materialmente estabilizada, envolvendo uma célula central feita de uma liga de água, lítio e hidrogênio metálico, onde ficam as instalações dos projetores que dão estabilidade à estrutura energética da nave. Desligam-se os projetores e a nave do tamanho de um Cubo Borg encolhe, até não sobrar nada além de uma sólida bola oca de hidrolítio do tamanho de uma Agneyastra.

— Conheço as grandes naves estelares dos respiradores de hidrogênio e metano da Federação Unnarcleon - Líria Lemos interveio em um tom falsamente despretensioso. - Já penetrei nelas em projeções de psicossoma e de mentalsoma. Mas não creio que ASENA seja desse tipo de nave, modelo "cascas de cebola". Para usar uma expressão da sua época, Comandante Lewz.

"Com base na sua própria experiência de levar safanões no plano extrafísico ao tentar penetrar os campos energéticos da Cosmoarca, Conselheira Lemos?", Lewz pensou sarcasticamente, sem se dar ao trabalho de disfarçar seus pensamentos, pois queria que estes fossem auscultados pela jovem húbrida psi-gamma, que podia ler pensamentos à distância apenas se concentrando durante alguns microciclos.

Em algum recanto do cérebro de Lewz, ouviu-se a risadinha telepática de Líria.

— Há uma possibilidade a ser seriamente considerada e que nenhum dos senhores ou senhoras mencionou - o taciturno vulcaniano Sklar observou friamente. - Dada a origem transdimensional da Cosmoarca é lógico pressupor que em seu interior o espaço seja modificado, em razão do fenômeno das pregas dimensionais ou superfícies de Riemann, fazendo com que sua forma e tamanho interiores sejam diferentes dos exteriores. Em outras palavras, o interior da Cosmoarca existiria em uma dimensão ou espaço-tempo diferente do continuum espaço-tempo exterior, o que poderia fazer com que a mesma parecesse ser muito maior por dentro do que por fora. Por conseguinte, independentemente de quão extremas sejam as variações de forma e tamanho externos, o seu espaço interno permaneceria inalterado, podendo ser virtualmente infinito. Vale recordar que essa inversão topológica do continuum espaço-tempo não é desconhecida em nosso Multiverso, conforme atestam, por exemplo, as "hipernaves" dos Éticos que servem ao Supremo Comando Galáctico originário de uma linha temporal futura de um outro universo.

— Hipernaves - o Comodoro Lima repetiu num resmungo. - Os relatos que falam delas têm todos a aparência de lendas. Ouvi dizer, por exemplo, que por dominarem a tecnologia das dobraduras do espaço-tempo, são muito maiores pelo lado de dentro do que pelo lado de fora; e que por dentro possuem várias dimensões, pelo menos até a oitava ou nona dimensão.

— É, tipo a T.A.R.D.I.S. do Doctor Who - Lewz comentou de um jeito casual e quase irônico. Diante dos olhares interrogativos dos presentes ao vivo ou pela holorrede virtual (Sklar arqueou significativamente uma das sobrancelhas enviesadas), o terrano exibiu um desses sorrisos de que só a pessoa tem o segredo. Aqueles sofisticadíssimos seres interestelares com certeza nunca ouviram falar em algo tão primitivo e limitado como televisão, muito menos em seriados de TV escapistas. Um pensamento ocorreu-lhe: Dharz seria o único a entender a referência, e sorrido dela.

Então ele complementou dizendo: - Se pensarmos direitinho, nossos holodeques e holossuítes também criam "mundos" holográficos virtuais que são maiores que seu espaço físico, onde inclusive podemos nos deslocar indefinidamente.

— Capitão! Todos vocês! - de repente, a voz infantil de Líria subiu uma oitava. - Estou recebendo uma comunicação telepática de ASENA.

Todos (presentes física ou holograficamente) na ponte ficaram pasmos.

Shraathaa zh'Vraazdi tinha suas antenas retesadas, apontando direto para cima, o que, em um indivíduo de raça andoriana, significava extrema surpresa e curiosidade, ao passo que sua face azul-clara aureolada de cabelos branco-prateados estava impassível. Igualmente fleumático mostrava-se o semblante de tonalidade verde-azeitonada de Sklar (ou melhor, de seu avatar holográfico), como prezava o estereótipo vulcaniano; porém, um observador mais atento notaria que, por um instante, sua boca caíra um milímetro, seu primeiro sinal visível de emoção em décadas.

No console de armamentos e posto tático atrás de Ghowrid, Luna Lyang falou para a Tenente Shraathaa (subvocalizando as palavras) através de seu complante: - Os últimos dezesseis centiciclos trouxeram algumas surpresas e reviravoltas inesperadas. - A subchefe de segurança, ao virar-se para a MecOrgan, baixou suas antenas azuis em um gesto de concordância tipicamente andoriano (equivalente a balançar a cabeça para cima e para baixo).


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