Meus dias sombrios escrita por Clarice


Capítulo 2
Capítulo Primeiro


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal!
Vi que já tem gente acompanhando a história, isso muito me anima! (Minha fé no Nyah é falha, confesso)
Enfim, vou só passar um recado: a história começa meio lenta, ambientando e apresentando personagens, mas a ação vem daqui a pouco. Fiquem atentos!
Boa leitura ;)



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Capítulo primeiro

Tudo começou naquela noite em que eu tinha chegado tarde em casa. Na verdade, não é possível precisar exatamente o começo de tudo. Mas como preciso começar de algum ponto, ei-lo: Minhas botas novas estavam sujas de lama, e meu casaco estava úmido. Meu cabelo uma palha, terrível. Terrível. Sem contar a dor de cabeça. E ela já me vinha fazia uns meses. Meu marido coitado, estava dormitando no sofá. Esperando por mim, aposto. Ou ficou com sono depois de um tempo vendo algum filme chato. Esses canais de filme nunca passam nada do gosto dele. Estava com os óculos amassando o rosto, apoiado na borda do sofá. Estava todo esparramado, a perna vazando fora do sofá e o cabelo grisalho bagunçado. A televisão, ligada num volume bem baixinho. Baixíssimo. Não quis acordá-lo de pronto.

Peguei na bolsa um comprimido pra dor e fui pra cozinha caçar um copo d’água. Cristo, minha dor de cabeça e estresse estavam custando caro. Fora as horas preciosas que eu perdia com o homem que eu mais amava no mundo. Percebi que a situação estava ficando insustentável quando reparei que minha mão direita, já com o copo meio cheio na mão, estava tremendo insistentemente. E eu não conseguia evitar. Tomei o comprimido e respirei fundo. Devia estar com terríveis pés de galinha. Tirei os sapatos, e fui andando mansa até a sala. Desliguei a televisão e o acordei com um beijo na bochecha. Sua barba já estava despontando, ele sorriu meio tonto, com sono. Abriu os olhos vagarosamente enquanto eu lhe dizia o quanto eu o amava. E como eu o amava! Dei-lhe um beijo e o ajudei a ficar de pé. E fomos cambaleantes para a cama.

Acho que o sono que ele estava acabou chegando a mim, como por osmose. Ou fosse cansaço acumulado, algo assim. O fato é que no segundo em que nos posicionamos na cama, cobertos pelo lençol, era como se eu estivesse na porta do mundo dos sonhos. Ao invés de dar o primeiro passo, eu mergulhei lá dentro e só fui acordar no dia seguinte.

O despertador tocava enquanto eu notava que meu pescoço doía pelo mal jeito. A coluna também, meu corpo estava todo rígido. Matheus já tinha ido trabalhar. Eu tenho folga aos sábados e ele não. O bom era que eu tinha um dia só para mim em casa. Por mais que eu o ame, eu sinto que esse tempo só meu é essencial. Às vezes nem tanto só parar ficar sozinha. Mais para eu me sentir como se eu fosse mais dona de mim mesma, ou algo do tipo. Fui tomar um banho e lembrei que eu havia dormido com aquela roupa úmida. Matheus deve ter passado frio a noite toda por minha causa, coitado. De repente eu me sentia a pior mulher do mundo. Nem para tirar o casaco molhado, Luísa, nem pra isso? De qualquer forma ele não estava mais comigo, mas no chão do banheiro. Ele e o resto daquelas roupas cansadas.

Eu estava redescobrindo como um bom banho pode ser santo e acolhedor. Relaxante. Minha semana tinha sido um caos. Tanto trabalho, tanto. Talvez a pior semana do ano. Talvez a pior semana da minha vida... Mal tive tempo de dar atenção ao Matheus. Ou a Camila. E ao gato, coitado do pobre do gato! Ontem quando cheguei nem o vi. Nem vi se tinha comida, água, tudo certinho. Saí do banho renovada, e cheia de fome. Peguei o celular na bolsa e vi que estava com um pontinho só de bateria. Coloquei para carregar e fui para a cozinha tomar o meu café. No caminho passei na sala e liguei o rádio, coloquei meu CD do Whitesnake, que eu não ouvia devia fazer uns vinte anos. Estava precisando de mais Rock na minha vida. Rock na minha alma. Deixei tocando enquanto comia umas torradas e bebia um chá.

Quando voltei ao quarto depois de escovar os dentes vi que o celular estava com uma mensagem do Matheus. Ele dizia que um amigo acabou faltando e que ele teria de emendar de novo. Fazer outro plantão, mesmo que tivesse acabado de sair do último. Eu fiquei mais chateada por ele próprio do que por mim. Coitado, ele precisava ser recompensado. Eu, naquele instante olhando a mensagem vi que precisava fazer algo. Liguei o computador e comprei para o próximo fim de semana uma viagem para a Serra. Só nós dois. Um hotel mais ou menos barato, um friozinho delicioso e tempo para descansar dessa vida que a gente vem levando. A minha de empresária tentando se estabelecer, e a dele, de médico de um grande hospital em frangalhos. Se havia alguém nesse mundo que conhecia estresse, éramos nós. Éramos tão íntimos, como se ele fosse a terceira parte desse casamento.

Fui dar uma olhada na comida e na água do gato. Coloquei mais ração no vasilhame e troquei a água. Depois que o gato ficou adulto eu dificilmente o via. Matheus era que ficara muito preocupado, achando que ele estava no teto dos vizinhos, que os vizinhos iriam colocar veneno pra ele, que ele iria brigar com gatos de rua, pegar doenças, ser atropelado, cair do telhado, ficar preso numa árvore... Qualé, nosso bairro nem é arborizado! Deixa o gato viver! Fazer suas próprias escolhas e o escambal. No meu celular chegou uma mensagem de Camila enquanto eu conjecturava sobre a vida louca do gato. Camila estava grávida de sete meses, estava cheia de espinhas na cara e com um humor muitíssimo variável. E mais do que nunca: desesperada por atenção. Não a culpo, liguei pra ela e ficamos umas horas conversando. O namorido dela também trabalhava aos sábados. Na verdade partilhamos muitos sábados juntas, era quase como se voltássemos a ser adolescentes. Com a diferença e não ter minha mãe gritando enquanto arrumava a casa, e bem, a Camila não estava trinta quilos maior.

Eu amava mesmo aquele CD. Ele ecoava pelas paredes do apartamento me fazendo sentir tão bem que dei uma arrumada na casa. Acabei lá pelas quatro da tarde. Limpei o chão, passei pano, arrumei a cozinha, lavei o banheiro, aguei as plantas da sacada do quarto, lavei as roupas minhas e do Matheus... No fim estava me arrastando de cansada. Tomei outro banho e me joguei na cama. Estava precisando comprar umas coisas no mercado, mas a preguiça consumia todo o meu ser. Acabei adormecendo por duas horas. Quando acordei já tinha anoitecido. Liguei a televisão do quarto e fiquei assistindo filmes. Custei dormir sem a presença de Matheus ao meu lado, me abraçando. Era como se faltasse um pedaço de mim. Hesitei muitas vezes, pensando em mandar uma mensagem pra ele. Acabei não mandando, só iria atrapalhar. Uma hora dessas ele devia estar com olheiras profundas, com quase nada no estômago, a barba crescendo no rosto e o cabelo atrapalhado. Doido por uma cama e dormir profundamente. Uma mensagem melosa minha só atrapalharia ainda mais. Deixei pra lá e fiquei me revirando até pegar no sono.

Duas horas da manhã meu celular estava tocando. Eu atendi meio desnorteada, achando que era o Matheus:

–Oi amor, aconteceu alguma coisa? –Eu nem mesmo tinha lido o nome da pessoa que estava ligando. Só de pensar em olhar a luz do celular meus olhos já doíam.

–Oi Lu, é a Natália. Estava esperando ser outra pessoa? –E caiu na gargalhada. Eu não estava acreditando que era aquela garota.

–Sim, poderia ser o meu marido, que por um acaso é médico e está de plantão hoje! –Minha voz soou exatamente como eu queria: sem paciência e brava.

–Desculpa, calma aí. Desculpa por te acordar... É... Você ainda mora no Centro? Eu acabei perdendo a minha carona e...

–Você não está pensando em dormir aqui né? E nem que eu te leve pra casa... Arranja um ônibus, um taxi. Não conhece mais ninguém por aqui? –Era uma estagiária, garota muito espaçosa. Mas eu não estava exatamente podendo dispensar pessoal. Na verdade eu nem sei como ela foi ter o meu número.

–Não, juro que não! Se tivesse como eu ligava para outra pessoa, mas... Tudo bem. Desculpa mesmo. Desculpa, Lu. Eu não, juro que... –Estava caindo em si. Devia estar muito bêbada para me chamar de Lu daquele jeito. Me senti culpada.

–Eu vou aí te buscar, onde você está? Não tem mãe não, garota? –Ela riu do outro lado.

Acabei saindo da cama. Havia perdido o sono de vez. Peguei um casaco sobretudo e joguei em cima da camisola. Calcei os chinelos e fui descer pra portaria, esperando ela chegar. A garota demorou quase quarenta minutos, o frio da madrugada naquela portaria, aquele porteiro tarado me olhando de rabo de olho, puxando papo mesmo morto de sono. Oferecendo café: “Você está esperando o Doutor, é, dona Luciana?” Não sabia nem o meu nome. Eu só balançava a cabeça concordando e tentava não dar trela. A garota apareceu. Eu a puxei para o elevador logo que a vi no portão. O fedor de vodca empesteava o moletom largo que ela vestia. Com certeza não era dela. O lápis de olho marcado e borrado, a calça preta marcada de tachinhas. Eu me perguntava o que havia de errado com essa garota. Eu nunca tive uma fase assim na vida. Ela ria de tudo, e mal conseguia ficar de pé sozinha. Eu mal acreditava que estava mesmo fazendo aquilo.

Subimos o elevador e então chegamos ao meu nono andar. Enquanto ela estava caída no sofá eu passava um café, procurava umas roupas pra ela vestir. Dei um copo d’água que ela não queria beber. Ordenei-lhe que não vomitasse no meu sofá, ou no tapete. Ou na minha casa. Ela riu, e quanto eu voltei estava fazendo carinho no gato.

–Qual é o nome dele, mesmo?

–A gente não deu um nome ainda. Chamamos de gato e só.

–Ainda? –Ela pareceu achar aquilo divertidíssimo. -Vão dar quando? Ele já é adulto; Sabe que não vai reconhecer, se colocar um nome agora, não é?

–Não importa mais. E acho que ele não liga de ser chamado de gato. –Levei o café até ela. –Toma, bebe. –A garota fez cara feia, mas bebeu. –Vem, vou te levar até o banheiro.

–Eu não estou com vontade de fazer... –Eu a interrompi dizendo que era para ela tomar banho. Eu já até tinha separado uma toalha e roupas limpas do lado de fora do Box. –É só pra você não dormir com essa roupa nojenta e fria. –Ela não concordou muito, se levantou como se o próprio corpo fosse uma Maria-mole, e ainda a Maria-mole mais pesada de todas, era difícil mantê-la de pé, e em equilíbrio. Seus olhos eram meio baços, foi para o banheiro e eu fechei a porta com ela lá dentro. O que aconteceria lá não me interessava. A garota saiu do banheiro tentando colocar a calça do pijama que eu deixei lá. Era tão engraçado que eu comecei a rir, ela foi rir também e acabou caindo de bunda no chão, com a calça no meio das pernas. Eu a ajudei a terminar de colocar, e então a blusa de frio que fazia parte do conjunto. Fechei a água do chuveiro, e tentei secar o cabelo dela.

–Você vai dormir no sofá. –Os olhos ainda estavam muito marcados de preto, ela era como uma ovelha negra pintada de branco com aquele pijama de menina. Não era convincente.

–Tudo bem. –Eu lhe trouxe uma colcha e um travesseiro.

–Você está com fome, Natália? Quer alguma coisa? Mais café?

–Uma boa noite de sono vai me curar muito bem. –Ela respondeu enquanto tentava se colocar ali de forma confortável. –Muito obrigada por tudo, Lu.

–Garota, quantos anos você tem?

–Eu tenho vinte e um, Sim senhora. –Disse, e acho que foi depois disso que ela caiu no limiar que existe entre estar acordado e morto. Que é o estado de sono profundo. Eu fui para o quarto querendo esganá-la pela tamanha intromissão na minha vida. Pela falta de educação, por me chamar de Lu, e por mais um monte de coisas. Mas eu não consegui evitar, ter ido para a cama com a satisfação de trabalho comprido. Eu cuido dos meus, depois de tudo.

Quando acordei me assustei por Matheus não estar ao meu lado, e então me lembrei do plantão. Ele só devia chegar lá pelas quatro da tarde, quando iriam rendê-lo. E era justamente isso o que estava escrito na mensagem que ele me mandou pela manhã. Eu sorri e disse que o amava. Ele não respondeu. Deveria estar muito ocupado. Quase tomei um susto com a Natália deitada no meu sofá. E então a noite de ontem caiu sobre mim como uma rajada de vento, quase me fazendo voar longe. Lembrei de tudo e então vi que ela tinha vomitado na colcha, no sofá, em si mesma e no meu tapete. E estava dormindo de boca aberta, como se o mundo fosse um lugar muitíssimo bonito. Eu me controlava para manter-me quieta, mas depois de tomar meu café constatei que era minha casa e que eu tinha sim o poder de acordá-la.

Ela acordou, pediu mil desculpas. Sóbria era mais sensata. Disse que se não estivesse muito bêbada e desamparada nunca teria me ligado, e que aquilo nunca se repetiria, pois ela sabia qual era o lugar dela. Eu não quis soar como a patroa má. Falei que a situação era incomum, lhe ofereci um desjejum. Ela se foi lá pelas onze da manhã, novamente pedindo muitas desculpas. Vestiu as roupas de ontem e eu tive de deixar de molho meu pijama com vômito. Mas a situação não foi tão fácil com meu tapete, meu sofá, e minha vida. Fiquei horas tentando eliminar aquele cheiro. Quanto Matheus chegou, sentiu logo.

–Andou passando mal, Lu? –Perguntou logo, com a feição dividida entre cansaço e preocupação.

–Não, não. –Neguei o abraçando, pegando a mochila das costas dele e o conduzindo para dentro de casa. -É uma longa história, vai comer algo. Tomar um banho e dormir, depois a gente conversa. –Ele obedeceu como se estivesse no automático. Concordava com a cabeça. Dormiu profundamente, logo que se encostou na cama. Eu fiquei olhando. Mal podia esperar por aquele fim de semana.


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Notas finais do capítulo

Bom, até amanhã.
Vou tentar postar um capítulo por dia e é isso ae.
vlw flw