Meus dias sombrios escrita por Clarice


Capítulo 19
Último capítulo.


Notas iniciais do capítulo

Pois é, agora nos despedimos.
Muito obrigada por lerem até aqui, me sinto muitíssimo lisonjeada!
Não tenho muito mais o que dizer, então...
Boa Leitura, e até a próxima, minha gente!



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Eu voltei para casa dirigindo. Não ficava bêbada havia bastante tempo. Matheus me devolvera minhas chaves. Era ótima aquela sensação de autonomia. Eu a experimentei aos poucos, e talvez agora, quando a tinha plena novamente, tinha um sabor ainda maior. Cheguei a casa, jantei tomei um banho e entrei nas cobertas. Estava tão quente e aconchegante que dormi em um segundo. Sábado eu geralmente dava uma geral na casa ouvindo música no último volume. Eu estava sozinha e relaxada.

Passei pano na casa, lavei o banheiro e a cozinha, varri a sacada. Lavei roupa, lavei o cabelo. E fui fazer uma limpa no meu guarda-roupa, jogar fora ou dar pra alguém roupas velhas e coisas que ocupam muito espaço. Como bolsas e coisas assim. No fundo do meu armário eu encontrei uma coisa que eu nem se quer imaginei que poderia encontrar. Eu fiquei totalmente sem palavras. Meus olhos começaram a escorrer e eu notei que estava chorando copiosamente. Soluçava, até. Eu o aproximei do nariz e suguei com tanta força. Lá no finzinho o ursinho azul-claro ainda tinha o cheiro dela. Vanessa não fora um sonho. Eu queria berrar de felicidade, era como se os grilhões que me prendessem estivessem soltos de mim. Era como estar livre. Era como voltar a acreditar em si mesma. Como ter certeza de que não está louca, nunca esteve ou estará.

Eu não era esquizofrênica. Nunca seria. Eu abracei aquele bichinho com tanta força. Deus, eu precisava falar com Natália. Liguei para ela.

–Eu encontrei uma coisa que prova que ela existiu. -Eu chorava muito. -Mas não é uma prova que eu possa usar com o resto do mundo. É uma prova pra mim.

–O que é?

–Quando fomos ao circo ela acertou o pato e ganhou esse ursinho. Eu acabei esquecendo no carro e ela lavou e deixou com seu perfume.

–Isso realmente não prova muita coisa. Você sabe que...

–Eu sei. É como eu disse. É uma prova pra mim, eu acho. -Ela respirou fundo.

–Você sabe que acreditar que Vanessa existiu cria um problema, não é?

–Sim. Onde será que ela está? -Eu falei, mas só então percebi o que aquilo significava. Vanessa havia desaparecido;

–E, além do mais, também significa dizer que antes de você ser internada, ela estava em casa. E que depois que Matheus a procurou, ela desapareceu.

–Você está insinuando que...

–Eu estou cogitando as possibilidades. Você precisa conversar com ele, Lu. É coisa séria. Já pensou se ele te fez parecer louca de propósito? E que fim não terá dado nessa mulher? -Fiquei terrivelmente escandalizada. Meu coração acelerou, minhas mãos começaram a tremer.

–Eu vou conversar com ele, Natália.

–Se cuida, Lu. Eu espero que tudo acabe bem. -Eu desliguei o telefone sem responder. Precisava conversar com o Matheus.

Minha cabeça estava a mil. Meus pensamentos estavam confusos, eu não conseguia pensar claramente, juntar lé com cré. Não parava de chorar um instante, abraçando aquele ursinho. Deus, onde é que estava a Vanessa? Quem era esse homem com quem eu estava casada? Quem eu era? Quem eu fui? Eu me sentia tão cansada, tão incapaz. Tremia inteira, tinha quase dificuldade em respirar. Queria focar meus pensamentos, mas minha mente estava um turbilhão, eu sentia que estava prestes a ter outro ataque ou sei lá o que eu tinha tido um ano e meio atrás que voltei sem memória dos últimos meses. Peguei minha bolsa, coloquei o ursinho nela e sai correndo de casa. Desci até o estacionamento, dei partida no carro e comecei a dirigir sem saber pra onde ia. Meu coração batia tão forte que parecia se sentir preso, ele queria sair do meu peito, queria explodir. Eu chorava tanto que não conseguia ver direito, e pra melhorar começou a chover.

Acabei dirigindo até a praia. Eu não sabia o que diabos estava fazendo ali. Devia ser umas quatro e meia, o sol começava a se por. Ventava tanto, eu arranjei um lugar pra estacionar, não sabia nem se era local proibido. Sentei na beira da calçada. Havia tanta gente andando, mas eu parecia invisível a eles. Continuava chorando, com o ursinho nas mãos. Eu o abracei tanto. Havia uma dor, uma aflição muito grande dentro de mim. Era maior do que eu aquela angústia. Nunca tinha sentido nada parecido na vida. Meu celular começou a vibrar dentro da bolsa que estava do meu lado. Eu tentei limpar o rosto com as costas da mão para atender.

–Alô?

–Lu? -Era o meu marido.

–Liguei pra avisar que vou ter que emendar e fazer outro plantão.

–Tudo bem. -Eu chorava tanto que não conseguia falar direito, respirava ofegante e soluçava muito.

–Luísa, você está bem?

–Você mentiu pra mim, Matheus. Você sabia que ela era real e mentiu pra mim esse tempo todo. -Minha voz era mais engrolada que a de uma bêbada.

–Como assim, do que você está falando?

–Pare com isso! Pare de mentir um segundo só, pelo amor de deus! -Eu berrava ao telefone, e ele ainda parecia calmo.

–Luísa... Você estava se recuperando tão bem... Meu amor, eu não acredito que tudo está sendo em vão...

–Matheus eu tenho uma prova. Depois de tanto tempo arranjei uma prova de que ela existia! Você desapareceu com ela; Onde Vanessa está?

–Eu estou indo para casa, a gente vai conversar. -O tom dele mudou absolutamente. Era absurdamente outro. Parecia seco. Parecia frio. Eu queria saber da verdade, me acertar com ele. Eu precisava. Andei até o carro e ele estava com uma multa. Não me importava. Dei partida e fui pra casa. Cheguei em casa e ele estava sentado no sofá.

–Onde ela está?

–Qual a prova que você tem?

–Me responda primeiro. -Bati o pé. Não queria mais chorar, queria a verdade.

–Ela estava em casa quando a fui ver. Me atendeu, deixou subir e tudo. A gente teve uma conversa esclarecedora.

–Onde ela está?

–Calma, já vou chegar lá. -Havia uma astúcia maligna em sua voz e em seu olhar. Eu nunca o imaginaria daquele jeito. -Ela era exatamente como você, Luísa. Era ingênua, egocêntrica, emocionalmente instável. Eu pude ver isso só com uma passada de olho.

–Eu não acredito que você...

–Cale a boca e me deixe continuar! -Ele dizia, fazendo festa. -O plano dela era ir mesmo em frente com isso. Dá pra acreditar? Chega em meu casamento, seduz minha frágil esposa e acha que vai sair barato? Ela disse na minha cara que te amava e iria ficar com você.

Eu fui lembrar só bem depois de como era doentio o seu ciúme no início de nosso casamento. Na verdade eu acabei achando que só nos mantemos casados porque eu perdi a memória.

–Era absolutamente ridículo. Só eu sei cuidar de você, meu amor, só eu te amo acima de tudo. Eu sei arranjar as coisas. Vocês duas iriam meter os pés pelas mãos.

–Onde ela está! -Berrava. -Não me interessa o que você acha, me diz onde ela está!

–Ela resistiu mesmo quando eu a ameacei. Disse que era bom não ficar na cidade, era bom se mudar por uns tempos. Mudar seu diagnóstico para esquizofrenia não ia mudar muito a nossa vida não, meu amor. Principalmente porque não contei a quase ninguém. Era um preço baixo a se pagar... E...

–Um preço baixo? E quanto a mim? -Eu não podia acreditar.

–Cale a boca! Ainda não acabei! -Veias saltavam de sua garganta de tão forte que ele gritava. -Ela até que era bem bonita. E tinha braços tão magros.

–O que você fez com ela, Matheus? -Voltei a chorar.

–Eu a enforquei, vi a vida deixar seus olhos lentamente enquanto ela fazia aquela cara de apavorada. Não foi difícil. Eu faria muito mais do que isso por você. Tanto que estou te dizendo isso para que aprenda de uma vez. Acho que depois disso vai ter que passar outra temporada na casa de repouso. Porque com certeza vai querer espalhar essa história. Você vai soar ainda mais louca quando eu sair por aí te procurando, dizendo que te amo. É triste, quando a única pessoa que acredita em você é uma ex-usuária de drogas. Eu deixei vocês seguirem o caminho das pistas que eu tinha tirado. Era melhor que visse com seus próprios olhos. -Em algum momento eu tentei me erguer para atacá-lo, mas não havia força nenhuma dentro de mim. -Você sempre busca a verdade com tanta fome, mas não é forte o suficiente para encará-la. -Ele nunca tirava os olhos dos meus.

Eu pensei em me levantar, juntar as coisas fazer uma mala e me instalar num hotel. Contar tudo a Natália. Ligar para o meu advogado para dar início ao processo de separação, passar uns tempos em casa de mamãe, sair um pouco com meu irmão e ficar bêbada; Conhecer outras pessoas. Voltar para a empresa e nunca mais sair de lá. Ter uma nova vida. Mas eu me mantinha ali, sentada, com aquele rio descendo de meus olhos. Eu estava imóvel, não tinha forças para me mover. Matheus me abraçou e eu nem sequer resisti. Eu estava quebrada. De todas as possibilidades que eu cogitava enquanto fazia aquela busca, eu nunca pensei que Vanessa pudesse estar morta. Para mim seria menos doloroso que ela nunca tivesse existido. Por que no fim, de alguma forma eu era responsável por sua morte.

–Vai ficar tudo bem, meu amor. -Ele repetia, fazendo carinho em minha cabeça enquanto me abraçava. -Vai ficar tudo bem.

Ele me colocou para dormir. Acordei no meio da noite sem sono nenhum. Estava mortalmente cansada, com a mente sobrecarregada. Muita dor de cabeça. Matheus dormia com os braços em torno de mim, eu os tirei e me desvencilhei. Pensei em matá-lo. Pegar uma faca na cozinha, afiá-la. Enfiá-la em sua barriga e rasgá-la. Cortar sua garganta. Sufocá-lo. Eu pensei em fazer tanta coisa, mas tudo o que fiz foi pegar minha bolsa e sair de casa.

Me instalei num hotel. Desde então tenho me dedicado a escrever. No começo eu me perguntava porque não me matava logo. Afinal, quem além de mim se importaria com a minha versão dos fatos? Quem se importaria em questionar o santo e são Matheus Lages? Ninguém. Eu tinha certeza de que todos preferiam ir dormir sobre as doces palavras dele. Todos preferiam ouvir mentiras lavadas e postas pra secar ao sol. Mas, por mais que eu quisesse findar minha própria existência, a sensação de inquietude me tomava a todo instante. Era eu tirar os olhos de minha carta/relato, e eu queria sair e ir atrás dele, fazer algo. Berrar no meio da rua. Meu celular eu deixava desligado, mas na última vez em que o liguei, havia milhares de ligações de Matheus. Ele está me caçando. E eu não sei o que fará quando me encontrar.

De qualquer forma, eu continuei vivendo e escrevendo. Mas passadas algumas semanas, dores incríveis me acometiam. Sentia tonturas e vomitava muito. Paguei o hotel três meses adiantado, com o dinheiro do depósito que eu tenho com meu marido. Liguei para o meu advogado para entrar com o processo de separação. E falei muito com o Alex. Deixei prescrições bem restritas. Vou passar um tempo fora. E nesse tempo, pretendo continuar trabalhando. Eu não preciso ir lá para ser uma chefe presente. Não preciso.

Raramente sinto vontade de ir à rua. Mas ultimamente um medo terrível de estar grávida tem me assolado, e mais cedo tive de ir à drogaria. Comprei três exames e todos deram positivo. Liguei a minha mãe e a Camila, liguei a Natália. Avisei e pedi que mantivessem segredo por enquanto. Nunca dizia onde eu tinha ido parar e nem pra onde eu pretendia ir. Passei muito tempo sozinha, entre as minhas reflexões e decidi sumir do mapa por uns tempos. Saber que tenho um filho é ao mesmo tempo uma nova chance, e uma responsabilidade enorme. Essa cidade me oprime e eu não quero continuar aqui. Não agora. Poderia ir a casa de minha mãe, mas eu tinha certeza de que Matheus estaria me esperando lá.

Vai demorar bastante tempo para eu aparecer na vida das pessoas que amo. Mas eu não deixei de existir. Só estou esperando enquanto minhas feridas cicatrizam. Pode demorar. Para finalizar, quero que deem valor a esse manuscrito. Não o joguem fora sem questionar. Não me tirem por louca tão fácil. Há muita gente por aí que finge ser o que não é. E faz vítimas. Mas em todo caso, eu os amo muito. Não teria me dado ao trabalho de me explicar se não os amasse tanto, e achasse tal coisa tão importante. Enfim, é isso. Adeus.


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Notas finais do capítulo

Au Revoir!



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