Dentro do Espelho escrita por Banshee


Capítulo 5
Queimem as Bruxas


Notas iniciais do capítulo

Oe de novo gente, espero que estejam curtindo a trama. Bem, a emoção e o clímax ainda não chegou, mas espero que gostem da escrita. Até mais, abraços.



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Nifred Thade é o único colégio da cidade. Uma construção arquitetônica de 120 anos fundada por um padre, inicialmente pra ser uma espécie de catedral e acabou se assemelhando a um palácio, dependendo do seu ponto de vista. Feita completamente de tijolos e sem reboco, dando cada vez mais a impressão de idade já que está quase caindo aos pedaços. Tem capacidade para alojar 400 alunos, o que é basicamente a população juvenil-adolescente de Nerfoni.
Entrei pelo portão principal dando passos rápidos e longos em direção ao meu armário que continuava sendo o número 45, do trigésimo corredor no quarto andar. Apressei-me, pois o sino para a troca de sala estava prestes a bater e eu não estava com nenhuma vontade de me deparar com um determinado grupo.
As Princesas, um grupinho de garotas populares, ricas, lindas e magras da cidade. Ah, e elas me odeiam. Odeiam qualquer uma que julguem serem ameaçadoras ou inferiores a elas e, sinceramente, não sei em qual categoria me encaixo.
–– Ora, ora, ora o que temos aqui?
Meu sangue gelou. Deveria ser um dos orientadores que vigiam o corredor, e eu sabia que me daria uma advertência pra depois perguntar pra minha mãe o porquê de eu me atrasar. Ela me perguntaria e teria que contar sobre Faith. Tudo menos isso.
–– Vire-se, por favor. –– Ele disse.
Engoli a saliva e me virei lentamente, me deparando com os olhos verdes que sempre amei. O encarei por dois minutos antes de avançar em seu pescoço.
–– Desgraçado! –– Exclamei –– Você quase me matou do coração, seu idiota!
Anthony deixou sair sua risada doce e melodiosa. Sim, a mesma risada que sempre amei.
–– Como foram as férias? –– Perguntou beijando minha testa –– Espero que não tenha se divertido muito sem mim.
–– Me divertido? –– Exclamei –– Foi exatamente a mesma coisa das férias anteriores: Absolutamente nada. Sem sair de casa ou fazer qualquer coisa considerada pecaminosa. Tranquei-me no quarto e fiquei ouvindo Dark Side da Kelly enquanto caia de cara nos meus livros. E como foi com sua família na Alemanha?
–– No natal a tia Beatrice ficou bêbada e começou a contar sobre suas aventuras sexuais. Foi bem bizarro!
Gargalhamos juntos enquanto subíamos as escadas.
–– E sua mãe? –– Perguntou ele, mudando imediatamente seu tom para o sério.
Pensei bem na resposta. Tony nunca gostara da minha mãe e tinha seus motivos.
––Está bem, obrigada por perguntar. –– Respondi, mesmo sabendo que não era aquilo que queria.
––
Não use de sarcasmo comigo Srta. Skye Marie Delevingne. Você sabe o que eu quero saber.
–– Primeiro: Não pronuncie meu nome completo em voz alta de novo Sr. Antony Sohn Gottes. –– Digo exasperada –– Segundo: Não, eu não sei do que você está falando.
O garoto me fuzila com o olhar, deixando claro que se não fossemos amigos deceparia minha cabeça como em Dungeons & Dragons.
–– Ela continua fazendo aquele mesmo ritual escroto com você?
Não respondo, mas isso já é o suficiente pra ele.
–– Meu Deus! Skye! –– Exclama –– Quando você vai parar? Quanto tempo vai demorar até que note que esse “ritual de purificação” é um ato de tortura desumano!? Você deveria contatar a policia!
–– Para! –– Ordeno.
Já tivemos essa conversa inúmeras vezes. Estava acostumada com seus argumentos... E ele com os meus, não fazia sentido agora.
–– Não é assim e você não sabe! Ela só quer meu bem! – Pode ser uma vadia, megera e desumana, mas me quer bem.
–– Seu bem? –– Diz com sarcasmo –– Desde quando obrigar a própria filha a rezar sobre cacos de vidro é querer o bem? Sua mãe é doente, Sky. Precisa de ajuda profissional!
Ele não sabia. Ninguém sabia. Minha mãe não era uma pessoa má... Não poderia ser. Ela cria em um Deus bom. Num Deus único, do qual tenho muito medo, mas que é o melhor pra mim. Tessa era tudo o que eu tinha, e se nós a apunhalássemos, o que mais eu teria?
Ele se aproximou e me envolveu em seu abraço. Desde que criança sempre foi assim: eu o protegia, e ele fazia o mesmo por mim.
–– Qual sua primeira aula? –– Pergunta.
–– História. –– Respondo no instante em que o sino toca.
Nos separamos rapidamente enquanto o corredor era invadido por outros alunos trocando de sala.
–– Me disseram que a Sra. Smith se aposentou. Não conheci o novo professor ainda. ––– Disse ele, abrindo um sorriso e fingindo que o diálogo nunca rolou –– Tenho que ir agora. Aula de química com o Sr. Kowalsky, você sabe como ele é.
Sorrio e aceno, observando a leveza de seus passos enquanto caminha. Não queria que ele fosse. Tony, com seus cabelos negros bagunçados e uma pele pálida, com rosto cheio de espinhas seria um dos garotos mais lindos do colégio, se não fosse a sua nerdisse e os óculos fundo de garrafa na frente de lindos olhos. E estava apaixonada por ele. Apaixonada desde nossos oito anos, quando brincávamos com os cãesinhos da Sra. Budller. Mas nada poderia acontecer entre nós. Tony era meu melhor amigo.

Uma vantagem de estudar em Nifred Thade era que as salas nunca mudavam de lugar. Até onde eu sei a sala de história ainda é a mesma há 10 anos, isso não permite que alguém diga que se perdeu pelos corredores.
Era exatamente igual a todas as outras do colégio: Um calabouço de um castelo britânico do século XVII, só que com janelas e alguns itens de história espalhados em cantos estratégicos, como um mapa mundi antes de Primeira Guerra, um esqueleto vestido de Napoleão que chamamos de Nápito e um quadro negro decrépito mais velho que a Madonna .
Sentei-me na ultima carteira da fileira próxima da janela onde poderia me esconder atrás da cortina... Ou pular por ela.
Em instantes a sala ia sendo preenchida por vários formandos. Os grupinhos se reuniam em áreas selecionadas da sala, e pelas suas roupas e lugares, poderiam ser facilmente identificados. Os nerds com seus óculos fundo-de-garrafa e pilhas de livros de ficção cientifica e gibis da Marvel, sempre sentavam nas primeiras carteiras. Os jogadores do time de futebol eram identificados com seus casacos com o nome do time do colégio, The Demons of Nifred, eram a famosa “turma do fundão”. Os hippies exalavam o cheiro da “erva da paz”, usando roupas multicoloridas e as Patricinhas eram anoréxicas, com cheiro de cadelas no cio.
A sala já estava cheia e o professor ainda não havia chegando.
–– Ei, é verdade que a Srt. Smith morreu? –– Perguntou Scar Calist, o líder do grupinho hippie.
–– Na verdade, de acordo com minha mãe, ela se aposentou – Respondeu Dorothy Smilian.
–– Será que vamos ficar sem professor de história? – Perguntou Charlotte Castellan, apavorando o grupo dos nerds.
–– Não seja patética, Castellan – Disse Raven Enders , a pseudo satânica do colégio –– Você acha que o diretor permitiria isso?
–– Não me chame de patética, sua bruxa idiota.
Fiquei quieta e esperando que as duas se atracassem ali mesmo, mas a porta se abriu abruptamente e um senhor entra na sala.
Imediatamente a turma se cala enquanto o homem coloca sua bolsa na mesa, pega um giz e escreve no quadro negro.
Sr. Pholberg, professor de historia.
O novo professor se vira e nos fuzila com olhar.
Sua baixa estatura o colocava como 1,60 de altura, meio calvo e com um nariz enorme que era equivalente a sua barriga. Era o que gosto de chamar de Professor SOS: Só o Olho Salva, pois eram tão azuis quanto os da Zooey Deschanel. Usava uma cópia barata de um Ermenegildo Zegna, combinando com seu All Star cinza e óculos que deveriam ser um Vecchio da década de oitenta, talvez.
–– Bom dia, crianças. –– Pholberg acabara de ganhar o ódio de metade da turma que detestava ser chamada de criança –– Como escrito no quadro, sou o Sr. Pholberg e irei substituir a Srta. Smith, que se aposentou no fim do ano passado.
Seus olhos extremamente azuis varriam toda a sala como um cão selvagem caçando um coelho, farejando sua presa. Eles pararam em mim por um breve momento, fazendo com que meu coração pulasse do peito antes que continuasse sua varredura atrás de algo que não sei bem o que era. Por um instante senti como se faíscas voassem enquanto nos olhávamos. Quase como o clímax.
–– Então turma, quero que abram seus livros na página 160 para darmos inicio ao conteúdo.
Peguei meu livro de história e fui dedilhando lentamente, podendo verificar as gravuras, descobrir qual seria o assunto desse bimestre. Pg. 130, Guerra de Tróia; Pg. 140, A Queda do Egito; Pg. 150, Guerras Árabes; Pg 160... O Massacre das Bruxas de Salem.
Pude ouvir uma pequena risada vinda de Raven, quase como se estivesse satisfeita.
–– Crianças ­–– Prosseguiu o Sr. Pholberg –– O assunto do ano todo irá envolver a ligação entre religião e guerra. Alguém sabe me dizer o que foi o Massacre das Bruxas de Salen?
–– Refere-se ao episódio gerado pela superstição e pela credulidade que levaram, na América do Norte, aos últimos julgamentos por bruxaria na pequena povoação de Salém, Massachusetts, numa noite de outubro de1692. –– Raven respondeu..
– Ah, é claro que a satânica saberia sobre isso. – Debochou Liz Devonne, ganhando risos do seu grupinho de paty’s.
–– Meus parabéns Srta. Enders. ­– Prosseguiu o professor, me fazendo perguntar como ele sabia o sobrenome dela. – Durante o século XVII, várias mulheres e alguns homens foram mortos na cidade de Salém devido a um credo ridículo sobre bruxaria.
Um massacre de bruxas, uma conversa bem legal de se ter com alguém como eu.
–– Alguém sabe me dizer quais eram os requerimentos para alguém ser considerada uma bruxa? –– Perguntou.
Essa eu sabia. Sabia, pois cresci ouvindo aquele tipo de frase, aqueles pensamentos que nunca haviam feito sentido na minha cabeça de pecadora. Ergui minha mão.
–– Ruivos, heterocrômicos, pessoas que não fossem católicas, canhotos, alguns negros, pessoas de íris totalmente escuras e principalmente aqueles que criavam gatos pretos. – Respondi.
O professor olhou-me mais uma vez, e pude notar que me analisava dos pés a cabeça como uma escrava que estivesse prestes a comprar.
–– Qual seu nome, criança? –– Perguntou.
Engoli em seco a parte do “criança”, sentindo que meu coração estava prestes a sair pela garganta.
–– Skye... Sky Delevingne. – Respondi.
Seus olhos brilharam mais intensamente, como um Garnet sendo invadido por luz solar. Seriam lindos, se não fosse por aquele ar malicioso que exalavam.
–– Delevingne? Por um acaso, você não seria parente de Claws Delavigne, seria?
Claus? Eu nunca conheci um parente meu chamado Claus. Na realidade, eu nunca conheci outro parente além dos meus pais.
–– Não que eu me lembre, senhor. – Respondi.
Aquele homem não tirava os olhos de mim, como se fosse um velho tarado. Queria algo, eu sei. Talvez seja essa minha mania de perseguição, mas aquele homem me assustava mesmo.
–– Ah... Que pena. –– Disse assim que o sino tocou –– Crianças, estão dispensadas. Até a próxima.
Saí em disparada um pouco atordoada por seu olhar, mas não entendia como a aula havia passado tão rápido.
–– Ruivos, heterocrômicos, pessoas que não fossem católicas – Disse alguém, numa tentativa frustrada de copiar minha voz – Canhotos, alguns negros, pessoas de íris totalmente escuras e principalmente aqueles que criavam gatos pretos. Você é patética sabia?
Reconheci a voz, mas virei-me só para ter certeza.
–– Oiee, Sky, há quanto tempo, não é? – Disse ela, com certo cinismo que, tenho que confessar, me fascinava às vezes.
–– Olá, Liz. As portas do Inferno ficaram trancadas e você não pode mais sair, daí perdemos contato, lembra? –– Respondi.
Liz Devonne é simplesmente a “Perfect Bitch” da escola, e me atrevo a dizer, da cidade. Com seus 1,55 de altura distribuída perfeitamente por um corpo negro e anoréxico e lentes de contato verde, essa garota me inferniza desde a primeira série. Filha de um político com uma ex-garota de programa, Liz não poderia ser um bom fruto. Hoje, esta usando um vestido Danseuse de Cabaret púrpura para destacar seus cabelos pintados de Dark Orchid, estilo Kelly Osbourne. Com sua maquiagem pesadíssima composta por um batom Venetian red e muito lápis, destacando sua Teardrop tattoo abaixo do olho esquerdo, em homenagem a Amy Winehouse.Suas unhas sempre em caviar negra, combinando perfeitamente com seus Dark Stilettos quinze centímetros. Ela me enojava.
–– Oh, Delevinge, você não deveria falar assim com a filha do futuro prefeito de Nerfoni. –– Debochou e ganhou aplausos de suas seguidoras.
–– Quer que eu me ajoelhe à filha do “futuro” prefeito de uma cidade fudida que nem se encontra no mapa? –– Retruquei, arrasando no sarcasmo – É sério isso?
As outras “Princesas” riram, o que deixou Liz visivelmente irritada.
–– Escuta aqui, Delevingne, quando meu pai for eleito prefeito da cidade eu garanto que irei te expulsar daqui como um padre faz com um demônio na igreja. –– Ruminou.
–– Devonne, entenda que se o seu pai se tornar prefeito você não poderia fazer isso, pois ainda vai continuar sendo uma nada. Segundo: Nem o seu pai poderia fazer isso, pois isso não é uma monarchie tyrannique, não que você saiba o que isso significa. Terceiro: Eu espero mesmo que ele não ganhe essa eleição. –– Digo sorrindo.
Quase posso ver o sangue subindo para seus olhos, sua têmpora latejando. Sua expressão de ódio foi substituída por um sorriso maldoso.
–– Falando em pai, como vai o seu?
Vadia.
–– Aposto que ele está super bem junto com seu irmão não é?
Puta.
–– Ah, e sua mãe? Ela anda bem, não é?
Baixa.
–– Me responde uma coisa, Céu: Qual a média de exorcismos mal sucedidos que sua mãe faz por semana?
Desgraçada.
–– Ah, todos morrem ou sobram alguns com sequelas pra contar a história? –– Liz debocha.
Não havia nenhum argumento que eu pudesse usar. Nenhum som. Eu estava completamente humilhada, afinal, quando pessoas baixas entram num debate, sempre abusam da chantagem emocional. Mas o que posso fazer se ela estava certa?
–– Foi o que eu disse: Você é patética. –– A garota derrubou meus livros e saindo desfilando, aplaudida por suas laçais risonhas.
Relutante, coloquei-me de joelhos, fazendo com que uma dor quase insuportável subisse por eles. Comecei a recolher meus livros, esforçando-me para não chorar. Eu não ia ser fraca. Pelo menos não agora.
Havia só começado a recolhê-los quando uma mão feminina tocou minha recém-aquisição de Convergente.
––Convergente - uma escolha vai te definir” –– Disse Gabriella. –– Parece legal.
–– Vai pro Inferno você também. –– Exclamei sem olha em seus olhos.
–– Apenas quero ajudar, ok?
Gabriella Barros era o capacho das Princesas e minha ex melhor amiga. Éramos inseparáveis até a sexta série, quando Liz decidiu criar seu grupinho. Naquele mesmo ano, a Srta. Devonne passou uma lista para que as garotas mais lindas da escola colocassem seus nomes... As mais “Tops” iriam compor a turminha que se autodenominavam As Princesas. Gaby se inscreveu, e mesmo sendo gordinha loira e com olhos castanhos, foi aprovada... Liz só queria me atingir no final das contas.
–– Como você está? –– Perguntou.
–– E você se importa com isso desde quando?
–– Você nunca vai me perdoar, não é mesmo?
–– Você me apunhalou, Gabriella! O meu irmão acabara de desaparecer e eu não tinha mais nada! Você me apunhalou e eu não vou te perdoar por isso!
Coloquei-me em pé, peguei meus livros, virei às costas e saí andando, fingindo que estava calma. Na realidade, só queria sumir.
Gabriella é a prova de que sempre que um anjo é seduzido pela vaidade, se torna um demônio.
Escutei os seus passos e as risadas de suas iguais. Obviamente havia dito que me humilhou ou algo do gênero, mas eu não importava. Pessoas sem esperanças não se importam.
Andei ouvindo os ecos dos meus passos. Andei, pois não tinha nada o que poderia dizer presa em Pensamentos.
Mas, naquela tarde de fevereiro de 2017, eu tinha a impressão de que tudo mudaria. Naquela tarde de fevereiro tudo seria diferente.
Passei por um espelho no corredor, dando-me de cara com uma estranha que era exatamente igual a mim.
Naquela tarde de fevereiro eu estava criando esperança.
Naquela tarde de fevereiro a dor desapareceria.
Naquela tarde de fevereiro eu tinha a impressão de estar sendo observada.


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