Dentro do Espelho escrita por Banshee


Capítulo 27
Cheshire


Notas iniciais do capítulo

Oe gente, desculpem a demora, acabei tendo uns probleminhas (vulgo, preguiça e provas bimestrais), bem, amanhã é minha ultima semana de aulas e isso quer dizer que terei mais tempo para escrever... Ou dormir.
Digam-me o que acharam, okay? Beijos de luz.



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Batidas nas portas continuavam, não iriam abrir. Com janelas trancadas, perpetrava ursinhos de companhia. Escuridão assombrava-me, cobertas de seda chinesa não me aqueciam, lâmpadas não iluminavam, talvez por que não fossem pra isso.
Glamour, beleza e consumo... Era a isso que a vida se resumia?
Ele vencera as eleições pra prefeito, e era eu a queridinha da cidade de agora em diante, todos aguardavam meu retorno, mas eu não queria, não poderia. O cheiro voltou, sentia que eles retornavam... Gatos regressaram, borboletas estavam por toda parte e meu Piet se fora. Não havia mais chão sobre meus pés, eu deveria encontrar meu lugar. Sentia que estava despencando do topo de uma nuvem de vidro.
–– Ela está morta! Ele está morto! Todos estão. –– Jaziam me assombrando, vozes negavam-se a correr.
Ontem encontrei um gato morto no meu quarto... Repetia-se desde que a deixei partir.
Tínhamos que ajuda-la, mas algo deu errado. Uma força sem proporções surgiu, um terremoto abalando estalagmites, despencando estalactites.
Demônios.
–– A culpa é sua, somente é sua. Apenas sua.
–– Saiam! Saiam daqui!
Alastrei um dos ursos contra a parede, arrebatei o pescoço da minha boneca preferida, mas continuavam falando. Era uma legião de demônios que se negavam a calarem a boca, que se negavam e perpetuavam o pecado funesto.
–– Liz! Abra, por favor! –– Gritava a vadia do outro lado, ouvi murros contra as portas do quarto, entretanto eram pesadas demais para serem abertas dessa forma.
Apanhei um dos meus brinquedos, a Boneca Jessica. Seus olhos castanhos me fitavam e seu sorriso sarcástico me repremia, suas bochechas rosadas como se tivesse sido espancada.
–– A culpa é sua Marlize Devonne! –– Disse a boneca.
Deixei-a cair e abati seu crânio plástico.
Não compreendo de onde elas surgiam, mas estavam se multiplicando como uma praga. Bonecas de plástico brotando das paredes, caindo do forro, repetindo em coro as mesmas frases de uma sinfonia de horrores.
–– A culpa é sua! Somente sua.
Assustada, andando em círculos. Estou debaixo da terra. Eu caio, sim, estou caindo.

Uma delas ficou de pé e rasgou meu ursinho de pelúcia, minha mãe chutava a porta, mas ela não cedia. Uma força sobrenatural a selava.

–– Liz! Liz abra, abra! –– Batia descontroladamente.
Um forte vento nasceu, derrubou meus lençóis e me fez desabar ao chão. Bonecas subiam em meu corpo como formigas em balas, dilaceravam-me e o sangue dos pulsos jorrava. O lustre explodiu e ursinhos eram lançados pelo ar.
–– Eu tenho medo, mamãe! Eu tenho medo de bonecas! –– Gritei com toda força, mas do que meus pulmões poderiam aguentar.
–– A culpa é sua, somente sua.
Vi Maquiavel, meu gato, em cima da cama observando-nos. Seus enormes olhos ultramarinos que se destacavam com a pouca claridade me davam frêmitos.
–– Amasse as bonecas, Liz. Elas são tão irritantes! –– Dizia ele.
Uma delas subiu pelo meu rosto e abocanhou uma das minhas orelhas, a dor lactante subiu meu corpo quando a arrancou.
–– A culpa é sua! –– As bonecas cantavam.
–– Amasse as bonecas! Elas são tão irritantes! –– Gritava o gato.
Pulmões perdiam o oxigênio, uma delas abriu minhas pernas e arrancando meus tendões, outras puxavam minhas veias como fios de eletricidade em tomadas, enquanto gritava mais que minha garganta poderia o vento arrebatava tudo o que via pela frente.
E doía, dói, ainda dói.
–– Amasse as bonecas, Liz! –– Ele gritava como todos os outros gatos quando as via –– Elas são tão irritantes!
Estou enlouquecendo, onde eu estou agora? De cabeça pra baixo.

–– A culpa é sua! Diane está morta e a culpa é sua! –– Gritavam elas.
Imagine seu corpo sendo perfurados por pregos, seus olhos sendo arrancados juntos com seus dentes. Pois bem, elas faziam isso.
Meu olho esquerdo havia saído de sua orbita por uma delas e senti três dentes sendo amoldados.
–– As amasse!
Lâmpadas piscavam e uma a uma estouravam-se em nuvens de faíscas. O lustre balançava com o vento, ameaçando despencar.
–– Diane! Você deveria salvá-la! –– Gritavam os brinquedos –– Assuma! Assuma seus pesadelos Devonne!
Não! Não! Isso não está acontecendo. Os gatos me disseram que elas poderiam me matar, mas só se eu pecasse. Eu pequei? Sim, pequei com Piet, pequei com Di, pequei com Skie.
Não posso parar isso agora. Isso não pode me parar agora.

–– Assuma seus pesadelos! –– Disseram elas.
O lustre balançou mais uma vez e o vi despencando, indo direto a mim. Em dois segundos estaria morta, soterrada pelo vidro se a porta não tivesse se aberto e minha mãe entrasse.
Gritou meu nome, mas senti que minha consciência era arrebatada. O lustre parou no meio da queda junto com seus cacos, como numa Matrix. As bonecas foram lançadas para as divisórias como se alguém rebobinasse um filme, sendo engolidas pelo papel de parede. Ursinhos retornavam aos seus lugares nas estantes e o grande lustre flutuava ao seu lugar, minhas veias retornaram ao corpo junto com tendões e o olho esquerdo. Independente disso parecia que minha mãe não se importava.
–– Marlize Anne Devonne, eu não irei aceitar que tenha seus ataques no dia da vitória do seu pai. –– Ela se aprontou e recolhia os ursinhos que continuavam caídos no chão –– O que houve por aqui? Esses ursos te atacaram? Saia daí bichano! –– Disse ela expulsando Maquiavel –– Agora levante- se desse chão sujo e recomponha-se. Saímos daqui à meia hora.
Lembro-me até hoje da cena de minha mãe fechando a porta atrás de si, deixando-me só mais uma vez. Sozinha, como sempre me senti em relação a ela. Não ligou para meus gritos, não ligou para minhas alucinações. Não ligou, não liga, não ligará, não, não, não...
Eu vou vencer, vou sobreviver quando o mundo estiver se partindo.

Dei-me ao luxo de permanecer sentada, encolhida em posição fetal, esperando que as bonecas retornassem, porém não aconteceu. Balancei-me lentamente de um lado para o outro até que não pude mais suportar... Simplesmente chorei.
Costumo dizer que a vida é uma enorme mentira composta de mentiras menores. Nada é real, tudo não passa de uma ilusão e cabe a nós escolhermos quais das falsidades é que nos fará melhor. A vida é uma merda, somente escolhemos as moscas que nos deixam confortáveis.
Seja bela e consumista, era algo que aprendi com uma jovem escritora. Entretanto, isso me parecia uma ideologia tão patética agora que estava de frente ao Sinistro.
Entre prantos observei meu gato caminhar soturnamente até mim e se deitar ao meu lado querendo atenção.

–– O que você sabe que não sei Maquiavel? Por que você não fala algo? –– Perguntei colocando-o em meu colo –– Por que bonecas? Por que Diane? Por que eu? Não consigo entender, simplesmente não consigo.
Amparei minha cabeça entre seus pelos macios esperando que o sono viesse, mas estava abismada demais para dormir agora. Foda-se a festa de comemoração, minha vida estava em jogo.
Dirigi-me ao interfone e liguei para qualquer empregado que estivesse no primeiro andar. Não se passaram três toques e alguém já havia atendido.
–– Boa noite senhorita Devonne, em que posso ajudar? –– Deveria ser uma das várias faxineiras da casa.
–– Mande o motorista se arranjar. Desço daqui a quinze minutos.
Desliguei e me despir. Maquiavel havia desaparecido novamente, algo bem comum quando se referia a ele.
Fui à suíte e liguei o chuveiro, tirei minha camiseta e depois o sutiã. Coloquei-me de costas em frente ao grande espelho para ver o enorme desenho. Todos os dias, durante seis meses, acordei e ia direto verificar se continuava lá, se não havia sido um sonho, contudo continuava ali e estava bem desperta.
Imensos olhos azuis ultramarinos, um sorriso grande e diabólico com orelhas pontiagudas e abissais, seu rosto era cinza, mas parecia preto. Pesquisei durante muito tempo, fui à internet, em blogs de tatuagens e em todos os tatuadores e livros até encontrar seu nome: O Gato de Cheshire, como se chamava um dos personagens da obra de Lewis Carrol.
Numa hora estava acordada, caminhei, balanceei e tudo escureceu... Na manhã seguinte acordei no jardim usando roupas de uma nobre britânica do século XIX. Quando um dos empregados me encontrou, disse que não falava coisa com coisa e que a tatuagem já estava ali. Tive que molhar a mão do canalha para não dizer aos meus pais, mas com sorte, seu corpo fora encontrado entre as rosas do pomar duas semanas depois do ocorrido. Em sua boca havia uma flor branca desconhecida e um bilhete escrito “Somos todos loucos por aqui”. Papai abafou o caso, mas agora tudo vinha à tona. Tudo fazia sentido, um sentido macabro, porém com a razão.
Debaixo do chuveiro, senti a água quente cair sobre minha pele de pêssego negro. O cheiro do sabonete de petúnias inundava minhas narinas fazendo-me relaxar, mar não era o suficiente. Precisava sair dali e aquela musica não parava de bulir na minha cabeça.
Quando eu finalmente atingir o chão, irei me virar. Não tente me parar.
Após isso os gatos apareceram. Em todo lugar que ia havia um felino de grandes olhos brilhantes me esperando, jamais pensei que existissem tantos gatos numa cidade só, mas existiam. A coisa passou de mal a pior quando um deles falou comigo.
–– Amasse as bonecas, Liz. Elas são tão irritantes! –– Disse ele.
Durante o resto da semana pensei que estava enlouquecendo, contudo em todo lugar que via uma boneca tinha a impressão que ela me encarava.
Descartei toda minha coleção. As mandei para a caridade e apenas deixei meus ursinhos, mas coisas estranhas passaram a jorrar dali pra frente... Toda manhã, quando abria meus olhos, lá estão elas. Todas estão no mesmo lugar.
Cogitei seriamente hipóteses de chamar exorcistas, porém Gaby me sugeriu gravar o que acontecia durante meu sono... Tive muito alarme de que minha vida se tornasse uma versão holandesa de Atividade Paranormal, mas o fiz. Coloquei a Tekpix (filmadora mais vendida no Brasil) na frente do espelho e deixei o abajur ligado durante meu sono.
Eu vi o que não precisava ser visto.
Todas as noites, as exatas 03h01min da matina, meu corpo se deslocava como um sonâmbulo, colocava- me de pé e me trocava. Ia ao armário e alocava meu vestido de formatura da oitava série, um vestido roxo médio repleto de babados, calçava luvas que iam até meus cotovelos e um enorme laço de cabelo violeta para depois sair e voltar com meu saco cheio de bonecas e distribuí-las pelas minhas estantes. Cada uma, milimetricamente em seu devido lugar.
Não vou chorar!
Saí do chuveiro às pressas e me vesti com a primeira peça que me apareceu. Desci ao primeiro andar, acenei para as visitas que me davam os parabéns pela vitória de meu pai e me dirigi ao carro onde Alfred, meu motorista, me esperava.
–– Para onde, senhorita? –– Perguntou o senhor.
–– Para a casa dos Gottes, Alfred. –– Respondi.
–– Senhorita Devonne, já disse que meu é Isaque. –– Disse o homem.
–– Tanto faz Alfred.
Eu estou no país das maravilhas de pé novamente. Isso é real? É fingimento? Vou me defender até o fim.
Era um momento inoportuno, eu sei. Entretanto não havia mais nada que poderia fazer, sabia que Diane estava morta devido a Hope, Skie desapareceu e sua família cria que estava enlouquecendo.
Mas eu trazia as respostas que nem Faith possuía.


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Notas finais do capítulo

Sempre tem um lerdinho, mas se não entenderam, o capitulo é narrado pela Liz (Ahhhh)