'Til We Die escrita por Mrs Jones


Capítulo 24
A Festa do Krueger & Mamãe Monstro


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, pessoas lindas! Mais uma vez peço desculpas e espero não ser espancada. Não quero que pensem que abandonei a fic ou que não estou dando a devida atenção a ela. Ela é difícil de escrever e você sabem que não gosto de fazer trabalho malfeito só pra dizer que postei. Esse semestre foi complicado e além de não estar com a criatividade funcionando foi difícil arrumar tempo pra escrever. Enfim, pra compensar, fiz esse capítulo gigante de 19.000 palavras, acho que foi o maior até agora kkkkk Atendendo a pedidos, coloquei o povão todo no aniversário do Killy e por causa disso tive que repensar o capítulo todo, saiu completamente diferente de como seria e muito maior do que seria, porque eu aproveitei pra falar um pouco dos personagens sumidos e desenvolvê-los. Bom, acabei tendo que dividir em duas partes, já que enfiei tanta coisa num capítulo só e não deu tempo de colocar a caçada, que deixei para o próximo. Enfim, nem sempre vou conseguir colocar os personagens que vocês gostam e me pedem, porque é muito trabalhoso, muita gente pra aparecer e, consequentemente, uns ficam mais apagados que os outros. Espero que me perdoem com esse capítulo gigante e espero que tenha ficado aceitável (só sei que me diverti muito escrevendo).
Muita gente ama a Regina e diz que ama a personalidade dela nessa fic, já me perguntaram de onde eu tirei uma personagem tão doente mental kkkk. Eu me inspirei um pouquinho na própria Lana, não sei se já notaram, mas ela tem um parafuso a menos e é muito cômica.
Quero agradecer a todas que me acompanham e dedicar esse capítulo a todas vocês. Um agradecimento especial a Fer Matile e QueenofVampires, que colaboraram muito pra esse capítulo e que estão representando, respectivamente, a Ísis e a Zoe. Fer, espero que possa ler esse capítulo muito em breve! Lembrando que ainda dá tempo de vocês participarem como personagens da fic, nesta temporada, na próxima ou no spin off. É só me dizer nos comentários, me lembrem se eu esqueci alguém que já tinha pedido.
Caso o Nyah fique de palhaçada e os links não funcionem, podem imaginar o Jeffrey com a aparência do Adam Harrington (que não tem relação com o personagem dele em Supernatural, ele é outra pessoa aqui), a Alexa com a aparência da Karine Vanasse, Ísis como Megan Fox, Madame Olzon como Annete Olzon do Nightwish, e Zoe como Rachelle Lefreve.
Acho que é isso! Boa leitura!



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Quando o brilho alaranjado do sol esvaneceu, um deslocamento de ar repentino se fez sentir. Estremeci ante a surpresa, Gancho me puxando pela mão conforme atravessávamos o corredor de corpos que se formara em frente às barracas de comida. 

— Isso foi o que eu penso que foi? – questionei, mas Killian estava desatento demais para me ouvir. Tagarelando animadamente, expressava sua felicidade em comemorar o aniversário num lugar que representava sua infância.

— ...ele mandava o motorista nos despachar aqui, pra que não notássemos sua falta enquanto ele e mamãe davam a vida pelo trabalho. Vínhamos mais de uma vez por mês, era nosso lugar favorito em todo o mundo. É claro que, na época, não se parecia com o que se parece hoje, não era um parque de horror... Oh! Balões, Ruby-Loob!

Rolei os olhos, rindo de sua agitação.

— Killian, já não está muito grandinho para comprar balões de gás?  

— Ah, não é pra mim, é pro bebê!

E foi com essa desculpa que Freddy Krueger comprou um enorme balão em forma de morcego, que agitava as asas quando pego pelo vento. Chegava a ser cômico vê-lo desfilando com aquela coisa amarrada no pulso, mas ele realmente não se importava com o que podiam estar pensando dele.

— É uma pena que não fabriquem mais balões da Dora Aventureira... – comentou ele, frustrado.

— Huuuuum, que cheiro maravilhoso é esse?

Paramos por um segundo, apurando nossos narizes para o odor adocicado que serpenteava pelo ar, seduzindo estômagos famintos.

— Torta de abóbora! – guinchamos juntos e, feito criancinhas esfomeadas, saímos em desabalada carreira à procura da barraca de tortas.  

Como era de se esperar, havia uma aglomeração ao redor da mesma, pessoas se acotovelando por uma chance de tomar a frente na fila. Uma senhorinha usando chapeu pontudo se apressava em cortar grandes pedaços de torta, que em questão de segundos eram devorados pelas bocas famintas de adultos sem um pingo de educação. Quando finalmente consegui me esgueirar por entre um bando de adolescentes, comprei para mim e Gancho dois enormes pedaços recém saídos do forno e salpicados de nozes picadas. Comemos sentados a um banquinho em formato de caixão.

— Huuuum, chega a ser melhor que a da mamãe! – exclamou Killian, suspirando em êxtase.

— Olha, a fila do cachorro quente diminuiu consideravelmente. Quer terminar meu pedaço?

— Ruby-Loob, Ruby-Loob, vai acabar passando mal... – ele balançou a cabeça, aceitando os restos de torta que eu lhe oferecia – Huuum, o seu pedaço está mais saboroso!

 A caminho do carrinho de cachorro-quente, topei com um homem alto que vinha da direção oposta, a força do baque por pouco não me lançando ao chão. Gancho agarrou meu braço impedindo a queda e derrubando restos da torta com a manobra. 

— Não olha por onde anda, não?! – gritou para o homem, que não era outro senão o Reitor Jeffrey Lee Harris.

— Senhorita Lucas! Mil perdões! – O Reitor, que largara os ternos de alta costura para assumir uma elaborada fantasia de Exterminador do Futuro (que sequer combinava com ele), arregalou os olhos para mim. Agarrando minha mão livre, se desfez em desculpas, seus gélidos olhos enviando arrepios por minha espinha. - Que ignorância a minha! Não tive a intenção de agredi-la de tal maneira.

— Não tem problema! – respondi, livrando-me de seu toque, que muito me incomodava – Como vai o senhor?

— Muito bem, obrigado! Imagine que eu estava correndo para alcançar meu filho e na pressa não vi a senhorita. Também, este lugar está incrivelmente abarrotado! Foi bom vê-la! Dê-me licença, preciso mesmo ir atrás daquele irresponsável.

E desapareceu tão rápido quanto surgira.

— Quem é esse? – questionou Gancho, de braços cruzados e muitíssimo enciumado.

— O novo Reitor!

— Hum. E já estão bem íntimos, ao que parece.

— Ora, minha recém adquirida fama me permite alguns privilégios, como ser conhecida pelo corpo docente universitário. E não me olhe assim, até parece que eu ia trocar um gatão de 31 por um coroa de 50!

Ele riu, murmurando um “Vai saber...”. Virei o pescoço tentando ver para onde o homem fora, mas ele sumira feito fumaça, largando para trás sua evidente energia negativa. Killian nada notara de anormal, como de costume. E, muito embora meu coração palpitasse descontroladamente, não demonstrei meu desconforto.

— Não é engraçado como esses encontros inesperados acontecem nos mais improváveis lugares? –comentava Gancho, passando um braço por minha cintura - Eu não me surpreenderia se topássemos com o excêntrico do laquê e sua filha sinistra.

— Killian! Não fale assim da menina! E bata nessa sua boca antes que...

— Ora, ora, ora, Freddy Krueger e sua bruxinha. Que casal harmônico!

Gold nos assustou com sua aparição repentina. Sorria largamente, mastigando uma fatia de torta de rins. Seu cabelo grisalho se erguia para cima, em tufos desiguais e ressecados. Ele usava uma prótese curva e comprida no nariz, que parecia ter sido feita por ele mesmo, visto o mau acabamento em que se encontrava. Sua vestimenta, um terno cinza de aparência batida e lustrosos sapatos negros, não dava pistas de que personagem ele representava, mas pra mim ele se parecia muito com um duende do Gringotts, o banco dos bruxos em Harry Potter.   

— Querida, é impressão minha ou Gold está debochando da gente? – perguntou Gancho, olhando o cunhado de cima a baixo. Como não conseguisse se conter, desatou a rir, fato que sequer incomodou Gold – Que fantasia ridícula é essa?

— Conde Olaf! – respondeu ele, orgulhoso, girando em volta de si mesmo para que pudéssemos apreciar o look. Suspirou então, ante a expressão questionadora de Gancho – Nunca leu Desventuras em Série? Ah, era de se esperar, esse povo sem cultura...

Alguém nos assustou por trás, produzindo um alto estampido que nos fez pular. Baelfire, ou melhor, Beetlejuice, que tinha em mãos uma caixa de estalinhos.

— Bae! – ralharam Gold e Killian ao mesmo tempo, este último com uma mão no peito.

Com um riso maroto, o garoto esvaziou o restante da caixa, os estalinhos soltando faíscas aos explodir sobre nossos pés. Ri das expressões indignadas dos dois homens, ao mesmo tempo em que bagunçava os cabelos do menino, que, como os do pai, estavam arrepiados para cima e para os lados.  

— Bae não, Beetlejuice! E a partir de hoje podem me chamar de Beetle, vou adotar essa aparência para o resto da vida! – Seria até engraçado, ele estava uma gracinha com aquele terno listrado em preto e branco.

— Esse garoto tá esquisito! – resmungou Killian, arqueando uma sobrancelha – Cada dia mais lelé!

— É o que acontece quando se convive com a Regina. – falou Gold.

— O que tem eu? – Rê brotou às nossas costas, as mãos na cintura e uma expressão de desconfiança.

— Ora, se não é a boneca Annabelle. Diga-me, onde é que está seu noivo Chuky? – debochou Gold, engasgando-se com a massa da torta ao segurar o riso.

— Há há há, muito engraçado, Rumplestiltskin! Pro seu governo, a noiva do Chucky se chama Tiffany, não Annabelle.

— E que coisa é essa nas suas bochechas? Por acaso engoliu chumaços de algodão?

— É um efeito de maquiagem! E você veio do quê? Duende do Gringotts?

— Conde Olaf! É de esperar que não o conheça dos livros...

— Pois não é Conde Olaf nem aqui nem na puta que pariu! Acho que esse negócio de caçar pererecas no brejo afetou seu bom senso. Onde já se viu? Não há Conde Olaf melhor que o Jim Carrey!

— Claro que há! O Neil Patrick Harris na versão da Netflix!

E continuaram a discutir aos berros.

Fui comprar cachorros-quentes com Beetle, que elogiava minha fantasia. No caminho topamos com a Mulher de Branco, agora também conhecida como Senhora Gold, ou, mais precisamente, Belle. Confesso que fiquei impressionada com a qualidade de sua maquiagem: ela simulara um corte no pescoço que chegava a me dar asco de tão aprimorado.

— Que história foi essa de se casarem às escondidas? – perguntei, muitíssimo chateada (bem queria ter sido convidada para madrinha) – Pensei que fosse sua amiga! Você podia ter me contado...

— Eu não sabia! Rumple me pegou de surpresa. Bastou eu dizer “sim” pra ele me arrastar até um cartório e oficializar a união.

— Esse é o jeito dele, foi o mesmo com a mamãe – Bae atacava um cachorro-quente, o molho picante escorrendo pelos lados do pão. - Em todo caso, eu os convenci a dar uma festa rave, como a Rê queria.

Parei em meio ao ato de mastigar.

— Rumplestiltskin vai dar uma festa rave?! Só pode ser brincadeira!

E não era.

O grupo ficou completo com a chegada de Gepeto, August e Archie, fantasiados de mágico, Flash e cientista maluco, respectivamente. Como era de se esperar, após uma longa discussão acerca de nossos trajes, ficou definido que o de Graham era o mais tosco e que o de Gold era o mais sem noção. Regina ganhou o troféu abacaxi de maquiagem mais bizarra, enquanto que Branca, Gancho e Belle ficaram empatados no quesito “maquiagem realista”. Embora a Rê estivesse chateada, não deixou de presentear as crianças com guloseimas, recusando-se a escolher entre a Noiva Cadavér, Edward Mãos de Tesoura e Beetlejuice como melhor fantasia.

Depois, conforme a lotação do parque tivesse aumentado, o grupo tornou a se dividir, todos correndo para garantir uma vaga às filas.  Killian guinchou escandalosamente quando nos afastamos em direção às atrações mais procuradas: avistara uma pista de patinação.  Os irmãos Jones passaram a maior parte da infância e adolescência patinando, ele me contara. Milah até fizera parte de uma equipe de patinação sincronizada, chegando a participar de alguns campeonatos no México e no Canadá.

— Ela teria até participado das Olímpiadas de 2020 em Tóquio, se não tivesse largado a carreira esportiva pelas caçadas – Killian comentou, ajustando os patins.

Me equilibrava em August, que, incrivelmente, também era muito bom naquilo. Depois de umas voltas pelo gelo fino, já era capaz de fazer uns giros simples e até arrisquei uns saltos, que acabaram comigo e Gancho embolados um em cima do outro. Até Gepeto viera viver aquela experiência, o que foi engraçadíssimo, porque ele parecia um espantalho deslizante.

— Nunca me senti tão jovem – comentou ele aos risos, quando seguimos para a atração seguinte.

— Até que para um velho você é bastante enérgico – observou August, que suava em seu uniforme justo de Flash – Estou meio enferrujado, trombei duas vezes com um cara fantasiado de Coringa.

Minutos mais tarde, já atacava um algodão-doce cor de rosa tão grande quanto um balão de gás. Killian precisou me arrastar para longe das barracas de comida quando fiz menção de comprar uma maçã banhada em chocolate.

— Não fique aí se empanturrando! Liam deve estar procurando por nós.

Com a expressão deformada por uma careta, um Ian pirracento teimava em querer ir num brinquedo que Alexa considerava perigoso demais para uma criança: a montanha-russa. Observei os vagões fazendo curvas a alta velocidade e virando de ponta cabeça a trinta metros de altura. A fila estava coalhada de criancinhas, que mediam sua altura numa fita métrica segura por um Frankestein gigante. 

— Qual o problema de as crianças irem na montanha-russa? – questionou Gancho, revirando os olhos – É perfeitamente seguro, há travas automáticas nos assentos.

— Exatamente! – retrucou Alexa, histérica – Travas podem falhar e carros podem descarrilar, ocasionando mortes terríveis e...

— Chega, mulher! Que dramática! – Killian pegou um sobrinho em cada mão – Vamos, crianças, eu levo vocês!

— De jeito nenhum! Eu sou a mãe deles e o proíbo de...

— Alexa, querida, não precisa gritar! – Liam olhava para os lados, envergonhado pelos olhares que lançaram em nossa direção – As crianças vão estar perfeitamente seguras, eu irei junto.

Levou bem uns cinco minutos para convencê-la de que todos retornariam sãos e salvos. Como nenhuma de nós duas quisesse dar uma volta no brinquedo, nos limitamos a nos sentar num banquinho, de onde assistíamos a movimentação.

— Também tem pavor de montanha-russa? – perguntou ela, bebericando água de uma garrafa. Neguei com a cabeça.

 - Trauma, na verdade... Da última vez que fui a uma montanha-russa, vi meu avô enfartar do meu lado. A culpa foi minha... eu devia saber... quero dizer, foi muito forte pra ele...

Ele se rendera a um capricho meu. Fizera para agradar uma neta birrenta que não tinha altura suficiente para dar uma volta num brinquedo sem um acompanhante. Ainda me lembrava da agitação quando chegamos ao chão, vovô falecendo antes mesmo de apear do assento. Foi minha primeira vez numa ambulância.

— Não se culpe! Foi um acidente! Sinto muito por você. – ela me deu batidinhas confortantes na mão.

Só que acidentes não acontecem acidentalmente, diria Dean Winchester.

— AÍ ESTÃO VOCÊS! PROCUREI POR VOCÊS EM TODA PARTE! VOCÊS PRECISAM VIR COMIGO, EU DESCOBRI UM LUGAR INCRÍVEL!

Desconfiava que, a essa altura, Regina estivesse completamente bêbada, porque cismou em nos levar até onde Judas perdera as botas, onde ela descobrira um barzinho com karaokê. Apesar dos protestos de Alexa, que se recusava a deixar as crianças para trás, fomos arrastadas por uma Annabelle descabelada e que cheirava a cachaça. Abrindo caminho entre a multidão que se aglomerava pelo parque, andamos por quase cinco minutos até alcançar uma casinha antiquada de madeira, da qual vinha uma batida muito alta. O nome do bar se encontrava num letreiro acima da porta: Drac’s. Embora o exterior tivesse aparência de casa mal-assombrada, por dentro o clima era bem diferente: globos de luz giravam esquizofrenicamente, bartenders faziam malabares com garrafas e um bando de monstros dançava ao redor de uma mesa, em cima da qual um super-heroi e um avatar faziam coreografia.

— ... and now you won’t stop calling me I’m kind of busy cantava um Graham esganiçado, afinando a voz para fazer graça. Ele girava o rabo de plástico, subindo e descendo num rebolado enérgico e desajeitado. August e as outras pessoas no estabelecimento fizeram coro no refrão, com Graham instigando todo mundo a imitar sua dancinha.

— Stop calling, stop calling, I don't wanna think anymore/I left my head and my heart on the dance floor

Eles acenaram ao nos ver. Regina assanhou-se toda e, sem um pingo de vergonha na cara, lascou um beijo num garçom bonitão que ia passando. Alexa, boquiaberta e de olhos arregalados, caiu sentada numa cadeira, não sabendo mais o que fazer. Arrastei-a até a pista de dança, a música despertando a baladeira que há em mim.  Ela olhou para os lados, como que para verificar se não havia por perto quem pudesse julgá-la, então, animando-se, soltou o corpo e começou a chacoalhar loucamente.  

— Eh, eh, eh, eh, eh, eh, stop telephoning me, eh, eh, eh, eh, eh, eh — August cantava com voz de Beyonce bêbada, balançando o traseiro desavergonhadamente e mandando beijinhos. Ele e Grammy começaram a fazer movimentos sincronizados, quase como se tivessem ensaiado antes.

Notei Gepeto e Archie a um canto, os dois dançando valsa, tão bêbados que mal conseguiam ficar de pé. Alguém passou um braço por minha cintura e me sussurrou uma cantada cafajeste. Me virei no mesmo momento, arrancando a máscara de um Batman ao lhe dar um tabefe na cara. Ele cambaleou e arregalou os olhos pra mim.

— Ruby?

— Dean! Francamente!  

— Não te reconheci com toda essa maquiagem – ele justificou, esfregando o rosto onde eu batera. A voz pastosa denunciava o quanto estava bêbado.

— E achou que eu fosse uma de suas vagabundas? Francamente!

Ele deu de ombros. Me olhou de cima a baixo, sorrindo sacana.

— Oh, não me culpe, você se encaixa no padrão.

— Ora, seu... – ergui a mão para esbofetea-lo outra vez, mas fui impedida por Regina, que agarrou meu braço.

— Não gaste energia com esse aí. Vaza, meu filho!

Dean a fitou incrivelmente sério, como quem faz cálculos complicados. Depois fez um ruído com a boca, segurando o riso.

— Você está mais feia do que um Wendigo, já te disseram isso?

Precisei segurar a Regis antes que ela matasse o infeliz do Winchester a pancadas. Não sei como, mas, dois minutos depois, acabamos os três sentados no bar, Regina tagarelando alegremente, Dean balançando a cabeça ao som de AC/DC e eu decidindo se era uma boa ideia tomar uma dose de vodka estando grávida.

— Onde é que estão o velho e o paspalhão? – Regina girou o pescoço, esquadrinhou o ambiente à procura de Gepeto e Archie e quase caiu do assento com a manobra – Ainda estão valseando pelo salão! Sempre soube que eram afeminados, mas não fazia ideia de que formavam um casal... Ei, August! August! Quer me explicar como é que você nasceu?

August vinha em nossa direção, ajeitando a fantasia, que grudara em seu traseiro.

— Como assim, você não sabe? – ele franziu a testa, mas estava rindo – Bom, acontece que o meu pai e a minha mãe fizeram...

— Não, seu idiota! Eu quero saber como é que você existe, já que seu pai e Archie formam um casal.

— Meu pai e Archie? – confuso, ele percorreu o salão com os olhos, avistando os dois valseadores. Gepeto apoiara a cabeça no ombro de Archie e, muito embora as caixas de som quase explodissem com um rock pesado, os dois dançavam em ritmo lento. O rosto de August se contraiu numa expressão desgostosa e ele correu a separar os dois – Papai! Pelo amor de Deus!

— Eu não acredito nisso! – Grammy se sentou ao meu lado, bufando. Atirou sua cauda fake de Avatar em cima do balcão – Arrancaram meu rabo! Já não respeitam Avatares como antigamente.

Regina soltou um guincho fino que me assustou.  

— Graaaaammyyyyy! Olha lá! Olha lá! Um grupo de bichos azuis! São seus parentes?!

Um bando de babacas tagarelas travestidos de Smurfs acabara de entrar no estabelecimento. Grammy lançou a Regina um olhar frio.

— Há, há, muito engraçado! E quem era aquele babaca que você estava agarrando?

— Não é da sua conta! A não ser... oooooh, o Grammyzinho está com ciuminho?

— Claro que não! Só queria dar parabéns ao cara, tem que ter muita coragem pra beijar uma demônia mais feia do que... do que...

— ...do que um Wendigo! – completou Dean Winchester, sorvendo um gole de sua cerveja.

Regina apenas riu, não dando importância ao comentário.

— Gente ingrata é assim mesmo, cospe no prato que comeu! Ou melhor, no corpo! Ei, moço, me vê mais uma rodada!

— É pra já, moça! – um bartender vestido de vampiro piscou pra ela.

— Moça? Essa mulher tem idade pra ser nossa avó!

— Cala a boca, Grammy, ninguém pediu a opinião de um Smurf! Olha lá, sua família está bem se divertindo sem você...

De fato, os Smurfs tinham se dado as mãos, fazendo um círculo, e agora giravam na pista de dança fazendo uh, uh, uh. E lá vinha August arrastando Gepeto e Archie e ralhando com eles.

— ...francamente, papai! Deviam era ter vergonha de dançar valsa agarradinhos. O que é que as pessoas vão pensar? Vão pensar que vocês são um casal e que eu sou adotado. Já é ruim o bastante eu ser órfão de mãe!

— August! – exclamou Grammy, profundamente assustado – Eu não sabia que você era adotado! Amigo, você é como eu! – e puxou o outro para um abraço desajeitado, sua voz embargada pela emoção – Não se preocupe, você não é o único! Também não conheci mamãe e papai!

— Pelo amor de Deus! Eu não sou adotado!

— Ué... mas você acabou de dizer...

— Eu acho que Grammy já bebeu o suficiente hoje – fiz menção de tirar a cerveja dele, mas ele a apertou contra o peito. – Aliás, eu acho que vocês todos já beberam o suficiente!

De fato! Gepeto era o que estava em pior estado, já que agora tombara a cabeça para um lado e observava fixamente uma mariposa que se debatia, presa sob seu copo vazio. Archie balançava no lugar, de olhos fechados, sorrindo como uma criancinha que ganha um picolé. August olhava de um para o outro, perguntando-se o que fizera para merecer aquilo.

— Não, não, não, não, não, não! Eu estou mui...muitississississiiiimo bem, ouviu, Rubyzinha? – Grammy virou o resto do conteúdo da garrafa, depois bateu com ela na mesa – August! August? Aug? Hey, Aug! AUG!

— Que foi, porra?

— Eu não sabia que você era adotado!

— Grammy, eu não sou adotado!

— Mas Archie e o velho...

— Não chame papai de velho, caramba!

— Archie e Gepeto são um casal!

— O caralho!

— Eu e Gepeto um casal – Archie desatou a soltar risinhos – Ai, ai... só o que me faltava...

— Então onde é que está sua mamãe, Aug?

— No céu, a pobrezinha... – August ergueu os olhos para cima, balançando a cabeça – Morreu tragicamente... assassinada... por um cortador de grama possuído... – e caiu no choro, assoando o nariz escandalosamente num guardanapo – Pobrezinha! Quase não sobraram partes para enterrar...

Gepeto suspirou, sua voz parecia vir de muito longe, como se ele estivesse dentro de um buraco.

— Na verdade, foi essa a história que eu te contei, meu filho, mas não foi assim que aconteceu... Sabe... – outro suspiro – Na verdade, eu te achei no lixo, num terreno baldio lá perto de casa... Você estava embalado numa... numa embalagem de pão de forma... sua família era muito pobre, presumo...

— Papai, não brinque!

— Não estou brincando, não, não, não... – ele sacudiu o dedo indicador, balançando a cabeça para dar ênfase à negação. Suspirou outra vez – Eu vi aquela sua cara de morto de fome e resolvi te levar comigo...  porque, afinal, eu não tinha mais o que fazer além de alimentar minhas galinhas... desde aquele dia eu soube... eu soube... “Esse menino vai ser gay e ladrão!”, eu pensei... E agora o tempo passou e você cresceu... E gay não é, com certeza, mas é ladrão! Ladrão e mentiroso! E dou graças a Deus por você não ser sangue do meu sangue, porque, você sabe, eu vou ter cirrose aos setenta e cinco anos, como o meu pai e o pai dele e o pai do pai dele e o pai do pai do pai...

E terminou com August correndo para o banheiro aos berros (“MINHA VIDA É UMA MENTIRA!”), Regina caindo do assento (e quase molhando as calças de tanto gargalhar), Grammy saindo aos pulos para alcançar o amigo (“Não chore, Aug!”), Archie dando risinhos (“Embalado em pão de forma... hi,hi,hi”), Gepeto observando a mariposa que se debatia e Dean Winchester de olho grande no decote de uma diabinha que ia passando.  

— O que eu perdi? – Alexa tomou o assento desocupado por Grammy. Seu rosto estava vermelho e sua peruca comprida despencava da cabeça. Ela a arrancou, revelando os cabelos curtinhos de um loiro escuro.

— Nada demais! – eu tentava erguer Regina, que não parava de rir e tornava a cair sempre que a puxava para cima – Eu diria que você soltou a franga lá na pista!

— Céus, eu não me divertia assim há séculos! As crianças não me deixam, sabe... Oh, as crianças! Pelo amor de Deus, preciso buscá-las!

— Relaxe! Estão sãs e salvas, tomando sorvete com Liam e a família Gold. – ergui meus olhos para um Krueger que nos encarava embabascado – Que diabos aconteceu aqui?

— Você não vai querer saber. – respondi – Uma ajudinha?

Ele levantou Regina com a facilidade de quem ergue uma taça.

— Eu diria que estão todos bêbados, a julgar o acesso de risos de Archie. O que o velho faz com uma mariposa presa no copo?

— Só Deus sabe...

— Ora, perguntem a ele – Regina se desvencilhou dos braços de Gancho e, caminhando desengonçada, foi cutucar Gepeto, que a encarou sem expressão – Ei, velhinho, por que tanto observa essa mariposa?

— Shhhh, é uma fada disfarçada! Assim que ela se cansar de tentar fugir, vai voltar à forma original... e aí vai ter que conceder três desejos em troca de eu libertá-la... e eu vou pedir... primeiro eu vou pedir... na verdade eu não sei o que eu vou pedir, mas eu descubro quando a hora chegar e agora sai, sai, sai daqui, você está me tirando a concentração!

— Arre, velho! Vou te jogar uma maldição!

— Regina! – ralhou Gancho, olhando para Alexa, que, é claro, não sabia que éramos caçadores, que monstros existem e, muito menos, que Regina e Mary eram bruxas.

— Tá, ta, desculpe... MEU DEUS DO CÉU! OLHEM, OLHEM, OLHEM! GRAMMY SE JUNTOU AOS BICHOS AZUIS!

Ele estava girando em círculos com os Smurfs e parecia muitíssimo feliz, em minha opinião. Já August, deprimido, enchia a cara e desabafava com o dono do bar, um esquisitão que se vestia como Drácula e que afirmava ser encarnação do mesmo (daí o nome do bar e a decoração gótica e exagerada). Gepeto observou a mariposa por longos minutos, até que, esgotada, a coitada caiu de pernas para cima e morreu. Archie dormiu com a cabeça apoiada no balcão, zonzo que estava com as quatro cervejas que tomara. Dean Winchester sumiu de vista. Alexa e Regina se juntaram a Grammy e os Smurfs. E eu e Gancho... bom, continuamos a ser Ruby e Killian, tão normais quanto podíamos ser.

Demos umas voltas pelos outros brinquedos. O carrossel de monstros era para criancinhas, mas convencemos o funcionário responsável pelo funcionamento a nos deixar dar uma volta. Gancho montou num lobisomem e eu numa cabeça de múmia, e as crianças nos encaravam com um ar divertido, provavelmente perguntando-se o que um casal esquisito daqueles tinha na cabeça. Depois Killian avistou um enorme tobogã, ladeado por cabeças esculpidas de monstros. Encantado, Branca, Gold e Belle se uniram a nós e descemos pelo tobogã apostando corrida de casais. Branca e Encantado ganharam. Seguiu-se uma disputa no carrinho bate-bate (os carrinhos, é óbvio, representavam monstros) e Gancho e eu mandamos o carro dos Gold para cima do de David e Mary, abrindo caminho para uma fuga alucinada (Gancho manobrava o carro como se estivéssemos numa pista de corrida). Depois, mais uma roda gigante, só que essa emitia ruídos para assustar as pessoas e os assentos ficavam dentro de gaiolas giratórias, que vez ou outra fingiam que iam cair (gritei tanto que fiquei meio rouca).

— Droga, fiquei enjoada! – reclamei, apoiando-me a uma feia estátua de cadáver.

— Eu disse que ia passar mal – falou Killian, com um suspiro. – Venha, vou lhe comprar água.

A agitação nas barracas de comida nunca diminuía, as pessoas consumiam cada vez mais, como que incapazes de conter as próprias bocas. Me vi desejosa de mais uma pedaço de torta, mais um cachorro-quente, mais uma maçã do amor, mais...

— Huuum, Killian, eu quero castanhas assadas!

— Ruby! Chega de comer! Que coisa, quer tudo o que vê.

— Ah, meu amor, o cheiro está tão convidativo!

— Eu não quero que você vomite castanhas!

— E não vou! Se você não me der, seu filho vai nascer com cara de castanha.

Ele riu.

— Já está nessa de desejos? Tá bem, vamos! Viu como eu te amo? Vou lhe comprar castanhas mesmo sabendo que você vai vomitá-las depois.

— Eu não vou vomitar, Killian!

Aquilo lá estava um pandemônio! As pessoas pareciam nunca ter visto castanhas assadas. Também, quem é que podia julgá-las? O cheiro se alastrara pelo parque, conquistando olfatos que, como o meu, também estavam famintos. Bem, meu olfato estava faminto, desesperado por um cheiro doce e atraente. Mas meu estômago estava saciado, muito bem, obrigado. Então é óbvio que Gancho estava certo: eu ia vomitar.

 - Tome! – ele me passou um pacote de papel, do qual saía um vaporzinho. Roubou uma castanha – Não diga que não lhe avisei.

Inspirei o aroma que escapava do pacote. Saciei meu desejo olfativo. Mastiguei uma castanha, suspirando prazerosamente. Aquilo estava divino! Divino! Aí, em meio ao meu prazer olfativo-paladativo (paladativo... essa palavra existe?), veio o desprazer que me fez arregalar os olhos, engasgar e quase morrer sufocada por um pedaço de castanha.

Ele estava lá.

O chapeleiro.

— Ruby! – Gancho deu tapinhas em minhas costas, enquanto eu tossia e tossia, tentando libertar meu esôfago. Ele passou a dar tapas mais fortes, conforme a coisa foi ficando preta. Alguém parou para perguntar o que estava acontecendo, as pessoas que estavam por perto nos encaravam – Ela engasgou com um pedaço de castanha! Tome água!

Meus olhos lacrimejavam e minha garganta ardia, o vômito subindo por ela, querendo sair. Mas não vomitei. Apenas tossi e tossi, até que o maldito pedaço de castanha se soltou e, voando numa nuvem de perdigotos, foi aterrissar aos pés de Jefferson. Ele nem notou. Estava ocupado demais observando o movimento.

— Que diabos! – exclamou Killian, alisando minhas costas, trêmulo feito gelatina – Quer me matar do coração? Eu disse que essas castanhas não eram boa ideia... Ruby, o que foi?

Ele não notara o chapeleiro. Sua reação foi de desagrado, ao seguir meu olhar.

Ele estava lá, de pé entre o trem-fantasma e a barraca de milho. Deixara de lado os ternos de grife, os chapéus feitos por ele mesmo, os cachecóis que lhe davam um ar elegante e esnobe. Hoje se fantasiara de Coringa, uma maquiagem impecável, sem sequer um borrão. O sorriso que se estendia por seu semblante desagradável, as sombras escuras ao redor de seus gélidos olhos, tudo perfeitamente acabado. Nem um borrão sequer. E no terno roxo, nem um único vinco de amarrotado. Seus sapatos, que surpresa, até brilhavam de tão lustrados. E ele simplesmente ficou lá, entre o trem-fantasma e a barraca de milho, mastigando castanhas assadas e observando a movimentação.

— O que ele faz aqui? – perguntou Gancho, expressando seu desagrado numa careta.

— D-deve ter achado que ia me encontrar. Não se esqueça, ele sabe de todos os nossos passos.

— De fato. Ele não pode nos ver, lembra? – disse gentilmente, acariciando minhas costas. Só então notei que tremia feito varal ao vento.

— Eu sei... mas eu tenho medo dele...

— Não tenha, ele não pode nos fazer mal.

Jefferson desviou os olhos da agitação, apalpou a parte de dentro do paletó e tirou um saquinho de jujubas de um bolso. Então virou as jujubas no saco de castanhas, misturando as duas coisas.

— Que gosto esquisito o dele, jujubas e castanhas – comentou Killian – Será que ele não trouxe a menina?

— Vai ver ela está em um dos brinquedos. Vamos sair daqui, não tenho certeza de que o feitiço funciona em Grace.

— Funciona. Fui bem específico com Joanna.

Mesmo assim nos afastamos. A visão daquele homem me dava arrepios. Pior ainda, despertava em mim sintomas que eu nunca tivera antes, nem nos momentos mais desesperadores. Meu coração palpitava e parecia grande demais para caber no peito. De repente, todo o ar do mundo não me pareceu suficiente. Senti minha visão nublar até escurecer, minha cabeça pesando, o céu girando, e girando, e girando. E de repente não havia solo, eu estava no ar, caindo, caindo, caindo...

— Respire! – a voz de Gancho veio distante, feito um buraco muito fundo. Ele me esfregava os pulsos, oferecendo-me algo líquido para engolir. Apenas água. E então percebi a secura em minha garganta, que queimava como se eu tivesse engolido um carvão em chamas. – Respire, Ruby-Loob!

Mas respirar era difícil e doloroso. Minhas narinas ardiam e o ar era inspirado e expirado muito rapidamente. Doía-me o peito e meu coração batia descompassado. Ouvi vozes longínquas me chamando e então senti contato com algo sólido. Um banco. Sentada ali, recobrei os sentidos antes de cair na escuridão de um desmaio. Abri os olhos, recuei ante o susto de ver duas íris verdes me encarando. Mary.

— Tudo bem? – ela piscou, massageava meus pulsos – Killian foi comprar mais água.

— Estou bem, eu acho...

— Deite-se! – comandou David, sentado ao meu lado e batendo nas próprias coxas.

— Eu to bem!

— Não ta não! – e, gentil como ele era, me puxou por um braço, forçando-me a deitar em seu colo. Mary ralhou com ele, claro. – Não há tempo para gentilezas. Eu vi uma ambulância perto das montanhas-russas.

Uma ambulância.

— Não quero entrar numa ambulância, porque estou bem.

— Você não tem que querer nada.

Depois de tudo que eu já passei nessa vida, merecia mesmo ser carregada até uma ambulância? Contra a minha vontade? Ah, as coisas que sou obrigada a passar...

— Me tirem daqui, pelo amor de Deus! – recusava-me a permanecer na maca, a inspirar aquele cheiro característico, uma mistura de medicamentos, formol e morte. Vi vultos em branco, os vultos que ainda assombravam meus pesadelos. Ouvi vozes me pedindo para me acalmar, ficar quieta. – Não! Eu não quero! Eu não posso! Me deixem sair!

— Ruby, está tudo bem! – Mary depositou uma mão sobre a minha.

— Não, não, me deixem sair, me deixem sair!

David me impediu quando me levantei e tentei saltar do veículo. Empurrou-me de volta para a maca, ameaçando me amarrar nela se eu não obedecesse.

— ME DEIXE SAIR! EU NÃO QUERO!

O som do desfibrilador estava lá. Era real e doloroso. Reativava as memórias cruelmente, forçando-me a reviver a culpa. Ele estava lá, o rosto branco, o corpo inerte. A garotinha no banco ao lado, sangrando as mãos com as próprias unhas, que se afundavam na carne em desespero. O ruído da coisa sendo carregada, depois o solavanco no peito desnudo do velho, que não fez nada além de ficar lá, entorpecido, sem vida.

— DEIXEM ELA SAIR!

Quando dei por mim, estava agarrada a Gancho. Ele sabia da história, eu contara a ele. De uns tempos pra cá, dera para sonhar com meu avô. Revivia a dolorosa lembrança de sua morte, em que eu tivera culpa. Depois vinha Peter, nós dois naquele carro sob a tempestade. E mais uma vez, eu revivia sua morte, em que eu tivera culpa.

— Não chore! Está tudo bem!

— Eu não entendo – Mary me acariciava os cabelos – O que realmente ela tem?

— Seus idiotas, uma ambulância é o último lugar em que ela devia entrar! – censurou Gancho, lançando um olhar raivoso aos outros dois.

— Desculpe, eu não sabia... – disse Mary.

— Ora, quanta frescura! – resmungou Encantado – Se me dão licença, vou tomar um sorvete! Não estou sendo pago para aturar mimimi.

Mary balançou a cabeça.

— Ah, com quem fui me casar... Coloque-a sentada naquele banco, Gancho. Não ligue, Ruby, David é mesmo um animal. Será que vocês podem me explicar do que se trata isso tudo?

Soltei um suspiro choroso, tentando afastar as lágrimas, que teimavam em querer sair.

— É que... – e no fim das contas não consegui falar. 

— Ela tem um trauma envolvendo ambulâncias... – e Gancho explicou por mim, enquanto Mary balançava a cabeça, compreensiva – Só não entendo o que foi que causou todo esse mal-estar. Você viu, ela por pouco desmaiou.

— O que foi que aconteceu, Ruby?

— Bom, primeiro eu vi o chapeleiro... e ele... ah, Mary, eu tenho medo dele... eu... sinto coisas quando ele está por perto, como se... eu não sei, mas parece que...

— Que ele tem uma aura muito ruim. Não é? – ela me fitava sem expressão, mas de alguma forma eu sabia que ela sabia de alguma coisa sobre o chapeleiro. Alguma coisa que talvez ela não fosse contar. Alguma coisa que, como Regina, ela quisesse abafar com um travesseiro. – Ele é uma pessoa muito ruim, Ruby, você sabe disso. Não é nenhuma surpresa ele causar esses sentimentos em você. Ele é... obscuro. E espero que você saiba, somos afetados pelas energias negativas das pessoas. É por isso que ele a afeta tanto.

— Eu sei, Mary, mas é insano! Eu quero dizer... como é que pode, ele aparece por uns instantes e eu sinto como se meu coração fosse saltar do peito. Eu não sei explicar, eu só... eu percebo a vibração das pessoas às vezes. Tipo... tipo os médiuns, sabe? Então, vocês acham...

— Que você é uma médium?! – Killian arqueou a sobrancelha e olhou de mim para Mary, como que esperando que ela soubesse responder aquela pergunta.

— Bom, eu acho que é possível – Mary assentiu, me fitando como se pudesse me ler só de olhar – Mas não dá pra ter certeza, eu não sou especialista, é claro. Talvez a Regina possa orientá-la melhor.

— Joanna disse que isso é coisa da cabeça dela – informou Gancho – É psicológico! Eu mesmo me sinto mal perto daquele...

Balancei a cabeça, o que fez meus ouvidos zunirem e minha cabeça latejar.

— Não, Killian, você não entende! Não é só com o chapeleiro, eu também sinto com o Reitor Jeffrey Lee Harris. Não com tanto vigor, mas há alguma coisa, eu sei que há algo de terrível a respeito daquele homem.

    Demos o assunto por encerrado. Nenhum dos dois queria admitir, mas eu sabia que dera a eles algo em que pensar. Uma médium. É, eu estava convicta de que era uma. Que mais poderia ser?

Levei mais alguns minutos para me recuperar. Minhas pernas ainda estavam bambas quando fui com Mary ao banheiro. Era mesmo uma sorte ela ter levado a maleta de maquiagem, porque a minha borrara com todo aquele choro.  Estava parecendo um panda de cabelo eriçado e vestido amarrotado.

— Eu não sabia que você gostava de maquiagem – ri, fechando os olhos pra que ela me aplicasse uma sombra roxa.

— Ora, eu ainda sou mulher, apesar de caçadora. – ela sussurrou, porque havia outras mulheres no recinto. Depois assumiu seu tom de voz normal – Eu sempre gostei, desde pequena. Usava as pinturas de mamãe quando ela não estava olhando, depois passei a usar com freqüência no colegial. Bom, no pouquíssimo tempo em que David e eu freqüentamos o colegial. Não pisque!

— Desculpe, é incômodo! Será que eu posso perguntar... sobre aquele seu lance de família?

— Ah... eu estou evoluíndo, sabe. – ela tornou a sussurrar – Tomei umas aulinhas com as Beauchamp e quase desisti depois de mandar Wendy voando por cima do telhado. Pensei que tivesse matado a coitada. Fiquei uns tempos longe dessas... coisas, mas você sabe como é a Regina, ela vive me atormentando, dizendo que a gente não pode negar o que é. Eu ainda não sei controlar bem, sabe, então é bem provável que continue explodindo coisas e atirando gatos por cima dos telhados.

— E o que David acha disso tudo?

— Ah, ele acha sexy! – ela riu, enrubescendo – Eu não sou tão boa quanto a Rê, ela é muito centrada. Mas de qualquer forma, David acha sexy. Acho que ele tem uma tara por me ver explodindo coisas e lançando objetos pelo ar.

— E eu achando que Killian fosse estranho com o fetiche que ele tem por orelhas. Ou que eu fosse estranha com meu fetiche por homens de peito peludo.   

Rimos descontroladamente, atraindo olhares.

— Mary?

— Hum?

— Eu queria te contar uma coisa, mas estou com medo da sua reação.

Ela parou com a máscara de cílios no ar.

— Seja lá o que for, é melhor você desembuchar logo! Pelo amor de Deus, não me coloque mais preocupada do que já estou.

— Por que está preocupada?

— Por causa daquele homem horrível que te persegue, é óbvio. Mas conte logo o que você tem a contar.

— É...

— Ruby! Você tocou no assunto, agora fale.

— Você promete que não vai ficar brava? Que não vai contar pra ninguém? Os outros não sabem, só o Grammy.

— Ah Ruby, eu não posso prometer nada. O que é que eu posso esperar, vindo de você? Que você e Gancho tenham descoberto que são almas gêmeas, o que não seria nenhuma surpresa, já que vivem se agarrando pelos cantos, e que resolveram se casar? Ou, sei lá, que de repente vocês decidiram largar essa vida pra ir catar mariscos no Caribe? Ou ainda que foram dois imbecis, não usaram proteção e agora você está grávida de gêmeos?

Ela estava brincando e não contava com minha cara de culpa quando fez a última sugestão. Arregalou os olhos, me fitando boquiaberta, como quem vê fantasma.

— Você está grávida! Você está... São gêmeos?!

— Claro que não, Mary, ainda não dá pra saber! – tive que rir, não esperava por essa. Acariciei minha barriga – Ele ainda é menor que um grão de arroz. – e contei como se dera a descoberta.

— Pelo amor de Deus, você podia ter me contado, não é? Pensei que fosse sua amiga! E Grammy foi o primeiro a saber!

— Ele descobriu sozinho. Em todo caso, estávamos com medo.

— Ora, Ruby, você sabe que pode contar comigo pra qualquer coisa. A verdade é que eu ia adorar um bebê, mas você sabe, não com essa vida que levamos. Vocês devem se preocupar em como contar aos outros. David com certeza vai querer matá-los, enquanto que Gold vai querer espancá-los com um atiçador de lareira. E a Regina... bom, ela é imprevisível, talvez  fique de boa, talvez queira transformar vocês dois em lhamas...

— Lhamas?

— Ela não está muito boa da cabeça, sabe. Nunca foi, na verdade, mas tem piorado desde que descobriu a feitiçaria no sangue. Acredita que agora ela inventou que quer um tatu de estimação?

Eu amava como Regina podia ser autêntica.

Findado meu ataque histérico, voltei a agir como se nada tivesse acontecido. Gancho ainda me lançou olhares preocupados, mas nada disse, e o chapeleiro não foi mais visto. Desconfiava que Mary tivesse me lançado algum feitiço calmante ou algo do tipo, mas ela apenas fez cara de desentedida e correu a comprar salsichas no palito. Aproveitando que estávamos sozinhos, Killian me pegou pela mão e me arrastou até um canto escondido, onde me beijou como se não houvesse amanhã, borrando todo meu batom.

— Odeio vê-la assustada. – disse – Foi mesmo uma péssima ideia termos vindo. Podemos ir embora de táxi se quiser.

Recusei terminantemente. Não permitiria que a noite dele acabasse desse jeito e, afinal, só estávamos no parque há umas três horas. Ele então passou um braço por meu ombro e me puxou até as barracas de jogos, onde surpreendeu os outros jogadores com sua pontaria. Ora, era de se esperar que um caçador tivesse uma mira perfeita, mas Gancho extrapolava os limites da perfeição. Além de marcar 180 pontos no tiro ao alvo, também fez quatro cestas no basquete das aranhas (em que a pessoa devia atirar uma imensa aranha de pelúcia numa cesta em forma de teia) e arrancou aplausos ao estourar dezessete balões em trinta segundos, atirando dardos neles. Saí de lá carregada com chaveirinhos e dois monstrinhos de pelúcia (que mais tarde dei às crianças).

Contornando as barraquinhas, demos com um estranho tapete, que, ladeado por grades de proteção, se estendia por uns cinqüenta metros até chegar à lateral de um palco. A um exame mais atento, chegamos à conclusão de que o tapete era feito de pequenos ossos, o que me deixou ligeiramente arrepiada, até Gancho colher um dos ossos e anunciar que eram de galinha.

— Me parece que alguém vai caminhar por esse tapete para chegar ao palco – ele disse, atirando o ossinho de volta ao chão.

— Jura? Eu não tinha percebido! – ironizei – Quem será que vai cantar aí?

— Ah eu vi uma sósia de Gwen Stefani chegando ao camarim – Alexa veio de mãos dadas com as crianças, a peruca torta na cabeça e o batom vermelho ligeiramente borrado nos cantos da boca.

— É muita proteção pra uma sósia, olhem a quantidade de seguranças – Liam apontou para um grupo de seis homens fortes que se postavam em frente a uma porta ao lado do palco. Uma limusine preta estava estacionada lá perto e o local também estava cercado por grades – Deve ser alguém famoso.

— E se for a Gwen Stefani de verdade? – os olhinhos de Killian se iluminaram.

— Não vá me dizer que é fã dela também! – arqueei uma sombrancelha.

Liam riu.  

— Tá brincando? Ele cantava Make Me Like You na frente do espelho quando era criança.

— Gwen era minha diva inspiradora da infância, depois da Madonna, é claro. – explicou Gancho, ajeitando sua luva de Freddy Krueger – Mas atualmente, como vocês sabem, minha diva inspiradora é a Gaga. Bom, depois da Ruby-Loob, é claro!

— Você está meio pálida, Ruby – notou Alexa, me examinando atentamente – Está se sentindo bem?

— Ah, eu me senti mal há uns minutos, mas já passou. Pra falar a verdade estou um pouquinho enjoada.

— De novo? Tem se sentido assim com freqüência? – ela pareceu desconfiada, então Gancho a enlaçou por um braço, enquanto enlaçava Liam com o outro. 

— Eu sei aonde quer chegar e que bom que perguntou, querida cunhada, porque nós temos uma notícia maravilhosa: vocês vão ser titios!

— Mesmo?! – os dois se espantaram.

— Ah que gracinha! – Alexa me sufocou num abraço – Vai ser uma criança linda!

— Ora, por essa eu não esperava! – Liam era todo sorrisos – Sempre quis que você formasse uma família, Killy. Você sabe, temos que continuar o legado Jones.

Killian concordou com a cabeça.

— De fato. Por falar nisso, depois tenho que lhe contar a respeito de nosso querido primo Finnian. Sabia que agora ele trabalha no SeattOnline?

As crianças correram a explorar um navio fantasma que prometia dar sustos e deixar todos de cabelo em pé. Gancho, crianção como era, não queria perder de ver Alexa dando gritinhos e só por isso concordou que eu os esperasse do lado de fora. Não estava em clima de tomar sustos presa num lugar abafado.

Observando a movimentação, avistei uma tenda roxa montada uns metros mais à frente, meio escondida num canto mais escuro. Havia uma placa ao lado dela: Madame Olzon – vidência, previsões para o futuro, tarô, mapa astral, baralho cigano, sinastria amorosa, horóscopo, numerologia, runas, interpretação de sonhos e cristalomancia. A tenda tinha jeito de cabana de bruxa, com patuás de proteção pendurados do lado de fora, um gato branco estendido perto da entrada e uma gárgula assustadora semi enterrada no chão de cascalho. Talvez eu desperdiçasse meu dinheiro, mas se a tal Madame fosse uma bruxa, poderia me dizer o que estava me acontecendo.

— Não custa tentar – pensei alto, marchando em direção à tenda.

Estava a poucos passos de entrar na cabana quando alguém passou do meu lado, roçando o braço em mim. A pessoa, sentindo o contato, parou e virou o pescoço. Jefferson. Como não pudesse me ver, franziu a testa e espremeu os olhos, como se assim pudesse enxergar o invisível. Sequer ousei respirar, tendo a certeza de que ele poderia me escutar, e rapidamente me afastei para o lado quando ele tateou o ar. Inspirando profundamente, abriu um imenso sorriso.

— Ruby? É você, não é? Eu sei que sim, reconheceria esse perfume em qualquer lugar – e inspirou novamente, sua expressão se transfigurando numa máscara de dor. – Meu amor, por que se escondeu de mim? Você sabe que eu jamais lhe faria mal...

Seguindo o aroma do perfume, ele se aproximou de onde eu estava, sua mão passando a centímetros de meu rosto. Fui salva pela voz que veio de dentro da cabana.

— Entre, meu querido, estou esperando!

— Seja lá o que tenha feito, não pense que me venceu! – ele me disse, antes de girar nos calcanhares e entrar na tenda.

Soltei o ar, meu coração batendo descompassado. Trêmula, fui postar-me perto da porta, tentando normalizar minha respiração. Felizmente, não tive um ataque histérico tão sério quanto o outro: Mary me ensinara a manter a calma e o controle em situações críticas.

 Falavam em voz baixa lá dentro da tenda. A consulta demorou cerca de dez minutos e eu não pude ouvir mais do que algumas palavras da conversa, abafada pela música alta que ecoava pelo parque. Ela com certeza tirara as cartas de tarô para Jefferson, pensei, porque assim como eu, ele esperava respostas sobre o futuro. As coisas pareciam ter saído do controle, no entanto, porque ele elevou a voz, irado.

— Essas porcarias de cartas não sabem de nada! Ou melhor, você que é uma péssima feiticeira! Impostora, devolva meu dinheiro!

— As cartas nunca mentem, meu senhor! – replicou ela – Está escrito nas estrelas! O seu amor por ela nunca será correspondido, mas o senhor há de encontrar outro amor verdadeiro e ele não está longe de aparecer.

— Suas cartas estão erradas, madame, e eu não vou tolerar as lorotas de uma vagabunda ardilosa! Agora devolva-me o que lhe foi pago ou tratarei de bani-la deste país!

A mulher gargalhou escandalosamente.

— Pensa que um mago de meia tigela como o senhor tem poder para me exilar? Pois saia imediatamente, antes que eu o amaldiçoe!

Um mago?! Jefferson, um mago?! PELO AMOR DE TODOS OS SANTOS, ERA SÓ O QUE ME FALTAVA!

Houve o som brusco de um punho sendo batido em madeira e Madame Olzon guinchou assustada.

— DEVOLVA-ME MEU DINHEIRO! – berrou Jefferson pausadamente – Não sabe do que sou capaz, não me force a machucá-la!

Alguma coisa caiu e se espatifou. A Madame berrou.

— COMO OUSA DESFERIR SUA MALEVOLÊNCIA CONTRA MIM?! JAMAIS TORNE A ERGUER A MÃO CONTRA UMA FEITICEIRA, CRÁPULA MESTIÇO! FORA DAQUI!

Uma ventania brotou de dentro da tenda, sacudindo-a com uma força que poderia tê-la mandado voando pelos ares. Jefferson fugiu porta afora, um enxame de insetos em seu encalço. Fui pega por uma intensa crise de risos quando, no meio de sua fuga alucinada, ele caiu de joelhos e gritou em desespero. Gafanhotos se prenderam às suas roupas, abelhas voaram ao redor de sua cabeça e grandes mariposas tentaram lhe entrar nos ouvidos. Madame Olzon saiu da tenda, gargalhando satisfatoriamente.

— DESSA VEZ O TIRO SAIU PELA CULATRA, HEIN? – e então ergueu a mão direita, fez o gesto de fechá-la e no mesmo os insetos. – NÃO TORNE A APARECER AQUI, OU UMA NUVEM DE INSETOS VAI SER FICHINHA PERTO DO QUE LHE FAREI!

Jefferson se ergueu envergonhadíssimo, ajeitou o terno, cuspiu no chão e foi se embora pisando duro. A mulher gargalhou uma última vez, então se dirigiu a mim.

— Entre, querida!

Lá dentro era incrivelmente arejado, apesar de a única entrada de ar ser pelo rasgo que era a porta. Havia uma mesinha redonda, rodeada por quatro cadeiras e coberta por um forro de crochê em forma de mandala. Sob a mesa, um tapete felpudo também em formato de mandala. E um armarinho a um canto, sobre o qual havia uma infinidade de objetos esotéricos. Um incenso queimava, empesteando o ambiente com o aroma de sândalo, e a única fonte de luz vinha de um candelabro grande, no qual bolinhas nebulosas brilhavam.

— Veja o que ele me fez fazer! – resmungava Madame Olzon, balançando a cabeça para as cartas e cacos de vidro espalhados pelo chão – E ainda quebrou minha bola de cristal decorativa! Sente-se, querida!

Assim o fiz e ela agarrou meu rosto, cravando seus olhos cinzentos nos meus. Fiquei um pouquinho arrepiada, captando uma aura energética que era muito diferente da de Jefferson. Eu podia dizer, sem saber como, que aquela mulher era muito pura, poderosa e competente. Ela se demorou uns instantes me avaliando. Era morena de cabelos cacheados e aparentava estar na faixa dos trinta e cinco anos. Vestia-se inteiramente de preto, seu vestido arrastando-se pelo chão.

— Ora se não é um poderoso feitiço de proteção! – ela disse finalmente – Eu sabia, é por isso que ele não é capaz de vê-la. E foi Joanna Beauchamp quem produziu este feitiço!

— Como sabe?!

— Feiticeiras deixam suas marcas quando produzem feitiços como este. É extremamente difícil esconder as marcas, apenas bruxas incrivelmente poderosas conseguem. Não sei por que Joanna deixou essa marca à vista, ela poderia tê-la ocultado, ainda que isso lhe exigisse um grande gasto de energia. Ouvi dizer que ela é a mais poderosa do clã Beauchamp.

— Então não a conhece as Beauchamp pessoalmente?

Ela catou os cacos da bola de cristal, deu a volta à mesa e se sentou à minha frente. Então começou a juntar os cacos, consertando a bola.

— Ainda não tive essa honra! Mas conheço a história delas de cor e salteado, é claro. Não há neste país um feiticeiro que não tenha ouvido falar no clã Beauchamp. Elas eram princesas de Asgard, ora essa!  

— Você também veio de Asgard?

— Ah sim, como a maioria dos feiticeiros que habitam este mundo. – ela alisou a bola de cristal e os cacos se recolaram perfeitamente – Mas que é que posso fazer por você, senhorita Lucas? Sua demanda não ficou clara o bastante para que eu pudesse percebê-la em sua aura.

— Bem... digamos que eu esteja preocupada com as coisas que venho sentindo. Jefferson desperta sensações estranhas em mim e eu precisava falar com alguém realmente entendido do assunto.

— Hum, então veio ao lugar certo. Aquele homem é carregado negativamente em todos os aspectos. Você só percebe isso com mais facilidade do que o seu namorado, por exemplo. – ela riu quando me surpreendi – Minha querida, eu sei de tudo! As pessoas normais não me levam a sério, sabe, mas só porque o que eu digo a elas se trata da mais pura verdade.

— Então você também sabe que eu me sinto mal na presença de Jeffrey Lee Harris. Eu não entendo! Por que isso? Sou médium ou não sou?

Ela agarrou minhas mãos sem aviso e levou mais uns instantes me analisando. Por fim me soltou, balançando a cabeça em negação.

— Não, você não é médium, mas há algo de especial em você, algo que eu não sei dizer o que é. Estranho... há partes da sua aura que eu não consigo ler. Acho... provavelmente lhe colocaram um feitiço ocultativo tão poderoso que feiticeiro nenhum é capaz de ler o que está escondido.

Perdi o ar.

— Por que Joanna me colocaria uma coisa dessas?!

— Oh, não foi Joanna. Ela é extremamente talentosa, ah se é, mas um feitiço desses exige um poder inigualável. Entenda, até Joanna tem seus limites. Não, esse feitiço foi feito por uma Suprema!

— E o que é uma Suprema? – franzi a testa.

— É a mais alta classe de feiticeiras existentes. Cada clã é regido por um Supremo ou Suprema. São feiticeiros poderosíssimos, capazes de feitos apenas imagináveis pelos feiticeiros comuns. Quem lhe colocou esse feitiço tinha uma razão muito boa para fazê-lo.

— E você saberia dizer há quanto tempo ele foi feito?

— Ah não, eu lhe disse, feitiços ocultativos são muito poderosos, não deixam rastros. Eu sinto muito, não posso fazer muita coisa por você. Mas eu sei de uma Suprema em ascenção com a qual você tem convivido muito nos últimos meses...

— Regina?!

Ela se levantou para acender mais incensos, porque o outro já fora completamente consumido.

— É claro! Após a morte de Cora Mills, que era uma Suprema, o legado passou para Regina. Ela não contou para ninguém, nem para a própria prima. Sabe, esta é uma posição muito ambicionada no meio bruxo, então, é claro, Supremos em ascenção correm muitos riscos.

Precisei raciocinar por uns instantes.

— Espere, deixe ver se eu entendi. Com a morte de um Supremo, o legado passa para outro do mesmo clã. – ela assentiu – E, sendo assim, o novo legado apresenta riscos para o Supremo em ascenção. Você quer dizer que um feiticeiro comum pode assumir o lugar do Supremo se matá-lo?

Ela assentiu com veemência, estalando os dedos e acendendo três incensos de uma vez.

— Exatamente! Regina e Mary são as últimas restantes de seu clã, o que não representa tantos riscos porque, muito provavelmente, Mary não mataria a própria prima para assumir o que é dela de direito. Mas a coisa é realmente séria em clãs maiores. O meu clã, por exemplo, foi quase extinto depois da matança desenfreada de Supremos.

A Madame se abaixou para apanhar as cartas que haviam caído sob a mesa. Me deixei hipnotizar pelo brilho fosco das bolas nebulosas, enquanto meus neurônios quase se fundiam de tanto pensar.  

— Bem, então Regina pode ter me lançado esse feitiço, o que não faz sentido. – falei, mordendo o lábio em nervosismo – Por que ela iria querer esconder alguma coisa da minha aura?

— Não sei, sinto muito, você terá de perguntar a ela. Mas tenha a certeza de que a pessoa que lhe lançou esse feitiço queria protegê-la. – ela tornou a se sentar, embaralhando as cartas de tarô com espantosa rapidez e habilidade – Então, quer perguntar a elas?

Assenti. Esperava que as cartas pudessem me dar as respostas que Madame Olzon não pudera. Ela as embaralhou mais algumas vezes, então retirou a primeira, depositando-a no centro da mesa. Era a carta da Lua, cujo significado eu já sabia.

— Este é seu problema central – explicou ela, batendo o indicador na carta – Você está sendo enganada! O que parece ser, não é! Há uma nébula diante de seus olhos, estão lhe escondendo algo grande, algo de muita importância para seu desenvolvimento pessoal. Você deve ir atrás da verdade!

Abri a boca para fazer perguntas, mas ela já tirava a carta seguinte: O Mago. Depositou-a atravessada sobre A Lua, formando uma cruz.

— O que te atravessa – apontou para a carta – Deve se preparar para as mudanças que estão por vir, deve harmonizar os aspectos de sua vida para lidar com tais mudanças. Amor, emoções, finanças e até sua moral serão influenciadas. Deve começar a preparar-se desde já!

— Que tipo de mudanças? Grandes? Arriscadas?

— De grande importância, com certeza! – ela assentiu. Assumira um tom de voz teatral, o que me deixava arrepiada – Há riscos, certamente, mas o que o destino lhe reservou é muito mais doloroso do que arriscado. – e suspirou, balançando a cabeça tristemente – Você vai sofrer, minha querida...

A carta seguinte foi A Roda da Fortuna. Ela a colocou a sul das duas primeiras.

— Esta representa o que está abaixo. Ah sim, eu vejo! Seu destino vai ajudá-la e transformará seu caminho. Não vai ser fácil e, como eu lhe disse, você vai sofrer. Nada poderá fazer para alterar o destino, porém, porque ele não lhe pertence neste momento: se encontra nas mãos de outra pessoa!

— Quem?!

— Alguém que não quer se revelar... – Ela retirou a próxima carta, A Morte, que colocou a esquerda das duas cartas em cruz. – Esta representa o que está atrás. Seu passado. – Levou cerca de um minuto com os olhos fixos na carta, expressão confusa e pensativa. – Estranhamente, seu passado não está muito claro, mas vejo que houve muita agitação no aspecto sentimental de sua vida. Você passou por dolorosas separações, uma recusa às mudanças e uma depressão passageira. No entanto, este seu passado me intriga... há um segredo tão bem escondido que nem as cartas são capazes de revelá-lo!

— Me deixe adivinhar: é algo que me causará dor e sofrimento?

— Com certeza! No entanto... – ela retirou mais uma carta, O Diabo. Estremeci, observando-a colocar a cartas a norte das duas cartas em cruz – Não tenha medo, esta representa o que está acima, as possibilidades. Este é o símbolo de redescoberta de seu eu mais profundo! Você será pega por um intenso ímpeto de agir, uma intensa necessidade de fazer-se útil. E... ora, muito em breve, um falso amigo se revelará, pois será traída.

Devo ter empalidecido, porque ela segurou minhas mãos carinhosamente.

— Não se preocupe, são apenas possibilidades. Você provavelmente está pensando que a pessoa que a trai é um certo homem de olhos azuis e cabelos negros, não é mesmo? Pois não temas, minha querida. Killian Jones é seu presente e futuro!

Respirei aliviada, mas essa revelação não me fez menos preocupada. E se houvesse um traidor em nosso núcleo de amigos? Não tive muito tempo para pensar nisso, porém, porque ela já tirava a última carta. A Papisa. Ela a depositou à direita das cartas em cruz.

— Esta representa o que está à frente, seu futuro! A Papisa! Fico feliz por ser este o seu destino. Você usará sua intuição e deverá confiar nela para guiar-se pelo longo caminho à frente. Ao mesmo tempo, não aceitará as coisas pela aparência. Como disse, o que aparenta ser, não é! Muito em breve, a névoa que a cega se dissipará e segredos serão revelados. Use sua intuição, mais do que a lógica! A lógica é para os intelectuais e você, minha querida, é regida pelo seu coração.

Encarei a Madame  por alguns instantes, absorvendo tudo o que me fora revelado desde o momento em que entrara naquela tenda. Percebendo o estado em que me encontrava, ela me deu alguns minutos, em que se ocupou em embaralhar as cartas.

— Seu celular vai tocar em cinco segundos – disse ela, repentinamente – Você disse a seu namorado que o esperaria perto do navio fantasma...

De fato, Gancho me ligou segundos depois, queria saber onde eu estava.

Que diabos! — Oh, ele estava muito bravo, imaginei que estivesse pegando fogo – Você disse que ia esperar aqui, onde é que você está?

— Mande ele esperar perto da barraca de milho – cochichou Madame Olzon.

— Vá me esperar perto da barraca de milho! Estou ocupada no momento.

Com o quê? COM QUEM?!

— Killian, não é momento para ataque de ciúmes. – rolei os olhos, impaciente – Vá me esperar perto da barraca de milho!

Eu não vou se você não me disser o que está acontecendo!

— Me deixe falar com ele! – Madame Olzon ergueu a mão e meu celular voou até ela. Já vira Regina e as Beauchamp fazerem coisas do tipo, mas sempre ficava encantada quando bruxas talentosas cruzavam meu caminho – Olá, Killian Jones, aqui quem fala é Madame Olzon, feiticeira do clã Olzon de Asgard. A senhorita Lucas veio se consultar comigo em minha tenda e ainda temos assuntos pendentes, então sugiro que vá à barraca de milho e compre uma espiga besuntada de molho... Sim, querido, acabei de tirar as cartas de tarô e vocês dois terão muito a conversar! Mas não mude de assunto, dirija-se à barraca de milho, por favor... Porque estou mandando, ora essa! Garoto, não brinque com uma feiticeira! Estou lhe guiando, não percebe? Uma vez que comprar sua espiga de milho, esconda-se por trás da estátua de Drácula saindo do caixão e fique por lá até terminar sua refeição. Depois, atire a espiga vazia à sua esquerda e aguarde. É só isso, querido, aproveite seu milho! Oh, e feliz aniversário!

— O que exatamente vai acontecer? – indaguei, divertida com toda essa história envolvendo milho.

— Revelações! – ela anunciou, em ar de mistério. Depois suspirou e me encarou com aqueles olhos muito cinzentos – Há algo mais que você quer saber...

Assenti, curiosíssima.

— Ouvi você dizer que Jefferson é um mago. Um mago de meia tigela, você disse. E o que foi que ele quis dizer quando ameaçou bani-la? Ah e você o chamou de crápula mestiço, o que quis dizer com esse mestiço?

— De todas as pessoas que já entraram nesta tenda, você é a mais curiosa! – riu-se a Madame, recostando-se folgadamente ao encosto de sua cadeira. Ela cruzou as pernas, subindo o vestido ao fazê-lo, e vi que usava meias listradas e sapatos vermelhos – Vamos lá! Ele é mesmo um mago de meia tigela, porque não é um mago completo. É mestiço! O pai dele é um mago que descende de uma linhagem de feiticeiros muito competentes, enquanto que a mãe não passa de uma humana comum. Jefferson é capaz de produzir feitiços simples, mas nada que cause muito dano. Ele tentou me machucar com um feitiço nocauteador, mas eu o bloqueei. Sabe, nem sempre ele óbtem sucesso quando tenta produzir alguma magia, então, claro, não teria força suficiente para me banir dessa cidade, muito menos do país – ela riu – Ora, nem mesmo um Supremo teria poder para me banir do país!

— Banir seria mandar para longe, de forma que você não pudesse voltar?

— Exatamente! Quando se bane um feiticeiro, ele fica incapaz de encontrar determinado lugar. Então, mesmo que procure num mapa, não será capaz de ver a região que está procurando, permanecerá rodando em círculos, a não ser que o feiticeiro que o baniu desfaça o feitiço. Mais alguma coisa?

— A filha dele, Grace, também é capaz de fazer magia?

— Bem, eu teria de ler a aura da garota para ter certeza, mas diria que ela tem pelo menos 25% de sangue mágico, já que descendentes de feiticeiros herdam metade do dom dos pais.

Ora, não é que Killian estava certo ao achar a menina sinistra? Será que fora Grace a responsável por meu desconforto quando estivera meses antes na casa de Regina? E se fora a menina que, inconscientemente, fizera os aparelhos da casa se descontrolarem?

Resolvi pensar nisso depois.

— Que foi que Jefferson tirou nas cartas? – indaguei.

A Madame se mexeu desconfortavelmente na cadeira.

— Nós normalmente não revelamos o que as cartas predizem a outras pessoas, mas neste caso... – ela fez um gesto rápido com a mão e as cartas de tarô se agitaram, voando acima de nossas cabeças, então seis delas caíram sobre a mesa, enquanto as outras tornaram a formar o baralho. Os Enamorados estava no centro, com A Temperança atravessada sobre ela. O Carro estava a norte, O Imperador a sul, O Mundo a leste e A Força a oeste. – O problema central dele é você, já que ele a ama e não é correspondido. Essa paixão abrasadora que ele tem por você cria dificuldades na vida dele, já que ele não sabe que caminho tomar. Por outro lado, A Temperança indica que ele deve estudar essa situação cuidadosamente, para que não acabe prejudicando a senhorita e a ele mesmo, o que tem ligação direta com o Imperador, que indica que ele está em conflito consigo mesmo e com seus métodos, mas ainda assim é suficientemente capaz de vencer os obstáculos e alterar sua atual situação. O Mundo indica o êxito que ele obteve em todas as áreas da vida, o que significa que ele fez escolhas certas no passado. O Carro indica a possibilidade de vitória, ele está certo de que vencerá Killian Jones e de que conquistará o amor da senhorita. Foi aí que ele se irritou, porque as cartas foram claras e ele não obterá êxito nesse aspecto, mas ele está convicto de que é questão de tempo até que a senhorita caia de amores por ele. E ele foi embora antes que eu pudesse lhe dizer que A Força representa a paciência, persistência e confiança e que não há necessidade de se preocupar, porque ele está destinado a alcançar a maioria de seus objetivos.

— E que objetivos são esses, além de me conquistar?

— Não sei dizer, querida.

— Pensei que tivesse dito que sabe de tudo.

— Tudo o que não está escondido! – ela anunciou teatralmente – Muito bem, mais alguma coisa?   

— Quanto é que eu lhe devo?

Ela se ergueu e agarrou minhas mãos, que acariciou com os dedões.

— De você eu cobraria dez paus pela leitura do tarô e mais uns quarenta pela quantidade de perguntas que me fez responder. Mas, por alguma estranha razão, sinto que lhe devia isso e, sendo assim, não irei cobrar. Por ora, trate de relaxar e cuide bem desse bebezinho no seu ventre. – e ela ainda acariciou meu rosto.

Foi então que, num ato inconciente, me adiantei e abracei a mulher. Senti uma estranha conexão energética com aquela Madame que usava meias listradas e sapatos vermelhos por baixo do vestido e poderia dizer que ela sentira o mesmo.

— Eu vou te ver de novo? Onde a encontro se precisar?

— Oh, não se preocupe, querida, eu a encontrarei. Cabrobró, acompanhe a senhorita Lucas! – o gato branco entrou, roçou minhas pernas e, após espreguiçar-se, saiu porta afora, miando pra que eu o seguisse – Até algum dia, Ruby!

Virei-me para olhá-la uma última vez, mas a tenda, a gárgula e a placa haviam sumido. Cabrobró me acompanhou até que eu alcançasse a entrada do navio fantasma, então, com um miado de despedida, desapareceu. 

***

Encaminhava-me à barraca de milho quando alguém gritou meu nome. No segundo seguinte, me vi sufocada por um abraço de urso e, em meio a uma cabeleira ruiva, reconheci minha amiga Zoe.

— Onde é que você se meteu?! – ela me lançou um olhar de censura, cruzando os braços – Estão todos procurando por você, enquanto Gancho se entope de milho grelhado!

— Ah eu fui me consultar com uma feiticeira e...

— Que feiticeira?! Há outras feiticeiras aqui além de Regina, Mary e eu?

— Há a Madame... VOCÊ É UMA...

— Não grite! E sim... eu sou...

Agora só faltava eu descobrir que Gepeto era uma fada e que Gancho era um leprechaun. Minha boca se entreabiu, enquanto meus olhos ficaram do tamanho de bolas de pingue pongue. Por que é que as pessoas ao meu redor estavam se revelando possuidoras de sangue mágico?

— Ah, não me olhe assim, já me basta o Dean e o olhar julgador dele! – ela enlaçou um braço ao meu e partimos em direção às barracas de comida.

— Desculpe, é que eu ainda fico chocada quando descubro essas coisas. Há quanto tempo você sabe da sua... condição?    

— Desde que me entendo por gente e isso faz muito tempo! Em todo caso, só agora eu tive a coragem de contar aos boys e a coisa não acabou bem. Você provavelmente não sabe, mas Dean odeia bruxas. Acredita que aquele filho da puta escroto teve a coragem de insinuar que eu tinha feito um pacto com o lá de baixo?

— Hum, e você não fez... não é? – questionei em ar de dúvida.

— Claro que não! – Pelo tom de voz dela, eu podia dizer que estava irada e com vontade de matar alguém a pancadas. Achei melhor não irritá-la ainda mais, a última coisa de que precisava era de uma bruxa zangada na minha cola – Sou descendente do clã Ellard de Asgard, prima em trigésimo grau das Beauchamp e em qüinquagésimo sexto de Regina e Mary, mas elas ainda não sabem disso. Sabe, a minha árvore genealógica irradia para todos os lados, daqui a pouco descubro que sou parenta do demônio Crowley. Em todo caso, aquele loiro ridículo, imbecil, teimoso das pernas tortas, veio jogar na minha cara todas as trocentas vezes em que quase morremos e eu não usei meus poderes à nossa vantagem. É claro, isso foi depois de insinuar que eu vendi minha alma ao demo. Só sei que não estamos mais nos falando, porque aquele birrento resolveu que eu não valho o chão que piso, já que escondi a verdade por tantos anos.

— Isso explica o fato de ele estar bebendo sozinho no bar do Drácula. – comentei, sentindo água na boca ao passar por um trailer de comida mexicana. – Eu não sabia que seu tio Bobby era bruxo.

— Ah ele não é! – ela ajeitava o cabelão ruivo a todo momento. Ele estava mais comprido do que a última vez que a vira – Ele é um aborto, foi o único Singer a nascer como um humano normal. Negou a bruxaria por muitos anos, sabe, tinha raiva por não ser especial como o resto da família. Um dia eu bati na porta daquele rabugento pedindo abrigo e por pena ele me aceitou. Bom, na verdade foi a mulher dele, aquela santa! Foi quando meus pais morreram, sabe. Eu me sinto meio Harry Potter às vezes, sobrevivi a uns bruxos das trevas que tentaram me matar.  

Ela estava ainda mais tagarela do que de costume, parecia desesperada em desabafar as frustrações com alguém. Quando finalmente alcançamos as barracas de comida, Regina e Mary me sufocaram num abraço, ralhando comigo por ter sumido sem dizer nada. Já Gancho atacava um milho fumegante com queijo derretido em cima e estava parecendo muitíssimo feliz e satisfeito.

— Ruby, você tem que experimentar esse milho! Já estou no terceiro! – ele exclamou de boca cheia, diante dos olhares indignados das outras três – Vocês três cacem o que fazer, Ruby e eu temos muito a conversar!

— Ah eu preciso mesmo ter uma conversinha com vocês duas – Zoe puxou cada uma por um braço – Vocês não vão acreditar, mas somos primas em qüinquagésimo sexto grau...

Comprei para mim um milho igual ao de Gancho e, sentados perto da mansão mal assombrada, contei a ele meu encontro com Jefferson e tudo o que ocorrera na tenda de Madame Olzon. Ouvindo atentamente, ele teve todas as reações que eu tivera, principalmente ao descobrir que Jefferson era um semi mago. Foi quando eu mencionei o feitiço ocultativo lançado em mim, porém, que ele teve a reação mais estranha. Não sei não, me parecia que ele sabia de alguma coisa.

— Por que fez essa cara? – questionei, desconfiada.

— Que cara?

— Essa cara de quem tem culpa no cartório! Do que você sabe?!

Ele enrijeceu os ombros e coçou a cabeça.

— Não sei do que está falando, Ruby. Se eu soubesse de alguma coisa lhe diria, não é?

— Mesmo?

— E você ainda duvida? – me encarou com irritação, atirou a espiga vazia no lixo e, sem mais nem menos, mudou de assunto – Em todo caso, essa tal Madame Olzon sabe mesmo das coisas. Adivinhe quem encontrei na barraca de milho...

— Jefferson?

— E Finnian!

Seguindo as ordens de Madame Olzon, Killian comprara uma espiga de milho e se escondera por trás de uma estátua de Drácula saindo do caixão. Alguns minutos se passaram sem que nada acontecesse e, achando que tinha sido feito de bobo, ele já ia saindo do esconderijo quando avistou o chapeleiro na fila, a maquiagem ligeiramente borrada, os joelhos da calça sujos e uma rodela de suor sob cada braço. (Amo como Gancho pode ser detalhista quando narra uma história). Tomando cuidado para não ser visto, Gancho observara o chapeleiro falar ao telefone enquanto esperava por sua espiga de milho. Ele dissera coisas do tipo: “O que ele faz aqui?”, “Ele ousou tocar nela?” e “Por que diabos você não chegou aqui ainda?”

Aguardando pacientemente, Killian roera sua espiga até nada restar dela e, como mandara Madame Olzon, a atirara no chão à sua esquerda, rezando para que ninguém ralhasse com ele se visse a manobra. Foi então que o chapeleiro se postou do outro lado da estátua, mastigando como uma vaca velha que rumina capim (é óbvio que ele inventou essa parte, porque Jefferson jamais comeria fazendo barulho). Daí, uns trinta segundos depois, chegou a pessoa com a qual ele estivera falando no celular. Pela voz, Gancho logo reconheceu seu primo traidor e, irritadíssimo, bem pensou em lhe enfiar a espiga de milho na bunda (naquele lugar onde o sol não bate!), mas contentou-se em apenas ouvir a conversa.

— “Essa droga de fantasia está apertando minhas partes íntimas”, disse Finnian, quase chorando. E o esquizofrênico respondeu: “Problema seu, ninguém manda ser avantajado!”, e Finnian, debochado: “Você está é com inveja! Sei muito bem que seu pacote é mais murcho do que balão e menor do que...”.

— Killian! – gargalhei, por pouco não me engasgando com um grão de milho.

— Está bem, essa parte eu inventei – ele riu – Mas seria engraçado...

Na verdade, a conversa foi mais ou menos assim:

— Por que é que demorou tanto? – questionou o esquizofrênico, ops, o chapeleiro, irritado – Estou esperando há horas!

— Ora, não me culpe, eles estão andando separados, não foi fácil encontrar sua Ruby. – explicou Finnian, com a voz abafada por um capacete de Darth Vader (do qual ele era fã).

— Então você ainda pode vê-la...

— Você não?!

— Joanna Beauchamp jogou nela um feitiço protetor que ativou uma espécie de capa de invisibilidade. Não posso vê-la, ainda assim, fui capaz de sentir seu perfume... Aaah, violetas... Ela tem muito bom gosto! Em todo caso, estou confiando em sua competência.

— Você sabe que não é fácil segui-la pra cima e pra baixo sem ser visto. Eu quero um aumento!

Houve um momento de silêncio, em que Jefferson pareceu pensar.

— Está bem! Quanto quer?

— Bem, eu preciso cobrir os gastos da lente nova que comprei para a câmera, depois que meu primo retardado quebrou a outra. E, é claro, ainda preciso me alimentar e me estabelecer numa residência confortável, me recuso a permanecer naquele apartamento chinfrim que você me arrumou. 

O outro riu, descrente.

— Você é um parasita, sabia? Faça seu preço!

— Cinco mil por semana.

— Cinco mil?! Para seguir uma garota e tirar fotos?

— Eu lhe disse, não é fácil segui-la pra cima e pra baixo. E nós dois sabemos que, para um milionário como você, cinco mil dólares equivalem a cinco centavos.

O chapeleiro suspirou, dando-se por vencido.

— Ah, está bem, está bem, mas só porque prezo o seu trabalho e você o tem feito com incrível competência. Eu não esperava grande coisa de você no ínicio, sabe, essa sua cara me lembra a repulsa que eu sinto por aquele jumento selvagem que é seu primo e fiquei pensando que você devia ser da mesma laia que ele, preguiçoso e incapaz.

E, sentindo-se ofendido, quase como se, apesar de tudo, ainda tivesse um tiquinho de admiração por Gancho, Finnian retrucou.

— Aposto que a Ruby se diverte muito rolando na cama com aquele jumento salvagem. E talvez você não saiba, mas ele é um dos melhores caçadores deste país e está no mesmo nível dos Winchesters.

— Engraçado, se eu não te conhecesse, diria que ainda tem apego pelo o que restou da sua família. – E Jefferson resolveu cutucar o dragão adormecido – Diga-me, ainda tem sustentado seu falso pai ou ele se recusa a receber ajuda de um pilantra aproveitador como você?

 - Não que seja da sua conta, mas não, não tenho. O velho nem quer saber de mim.

— Com razão. Eu meteria uma bala na sua testa se fosse ele. Em todo caso, amanhã depositarei seu dinheiro. Estamos de acordo?

— Estamos! E não se esqueça de me pagar um adiantamento por aquele outro serviço.

— Que parasita! Eu lhe disse que vou lhe pagar metade quando lhe der as instruções e a outra metade quando trouxer a garota pra mim...

— EU SABIA! – não consegui me conter. Algumas pessoas me olharam de esguelha e abaixei a voz, evergonhada – Eu disse! Eu disse que ele tramava me seqüestrar!

— Eu nunca duvidei disso, meu bem. – Gancho me acariciava o rosto – Nós conhecemos aquele homem o suficiente para saber do que ele é capaz. Em todo caso, agora que já temos certeza de que nossas suspeitas estavam certas, podemos tomar providências.

— Por favor, não me diga que vai contratar um guarda-costas...

— Não preciso! Freya e Ingrid confirmaram que virão passar um tempo conosco e já concordaram em ficar de olho em você o tempo todo.

— Que absurdo! Ingrid está grávida e não devia se arriscar me protegendo. Mas termine a história.

— Bom, então Jefferson concordou em pagar a Finnian um adiantamento de trinta mil dólares, de um total de cem mil. Daí os dois se despediram, Jefferson sumiu apressado em direção à saída e Finnian saiu pelo lado oposto, indo em direção à barraca de bebidas. Foi nesse momento que ele escorregou na espiga de milho que eu tinha jogado no chão e caiu feito um saco de batatas, espalhando cascalho para todo lado. Eu bem teria gargalhado se não estivesse com tanta raiva daquele filho da puta! Ergui aquele pedaço de estrume do chão e ele ficou mais branco do que leite quando se deu conta de que eu tinha ouvido toda a conversa.

— E bateu nele?

— Não, mas tomei providências! – ele sorriu satisfatoriamente, o que não podia significar boa coisa. Uma coisa que eu aprendi logo que conheci Killian Jones: ele podia ser o capeta se quisesse. — Neste exato momento, ele está dentro de uma van, amarrado e amordaçado e sendo levado ao QG.

Meus olhos quase pularam das órbitas.

— KILLIAN! NÃO ACREDITO NISSO! Você não é... por Deus, você não é um seqüestrador... Ah pelo amor de todos os santos! Que merda você tem na cabeça?!

Ele ergueu uma mão para me acalmar, olhando para os lados e verificando se não havia ninguém ouvindo a conversa.

— Eu sabia que teria essa reação, mas não podemos nos arriscar mais, Ru. Nossos inimigos estão à solta, tramando pelas nossas costas enquanto passeamos por parques de diversão. Pense nisso, com Finnian em nossas mãos, tomamos a dianteira. Nós não vamos machucá-lo, só quero força-lo a responder perguntas.

— Forçar? Torturar você quer dizer! – me ergui de um pulo, tão furiosa que meu corpo inteiro tremia – Me recuso a namorar alguém que tem frieza no olhar ao insinuar que vai torturar um ser humano. Não importa o que seu primo tenha feito, ele ainda é uma pessoa digna de direitos. – e me afastei em passos rápidos.

Correndo pra me alcançar, Gancho segurou meu braço.

— Eu só estou tentando proteger você! Eu mesmo não gosto da ideia de seqüestrar meu próprio primo, mas se isso significa estar à frente do chapeleiro, é o melhor que podemos fazer.

— Não, isso não é sobre mim e o chapeleiro. Eu te conheço, Killian Jones! Isso é sobre você e seu passado!

Ele encarou o chão. Acabara de cutucar um dragão adormecido.

— Você é muito boa nesse negócio de ler pessoas – ele disse – Isso é sobre nós dois. Ele sabe que você é meu ponto fraco e vai usar isso pra tentar me derrubar. Eu não vou deixar acontecer, Ruby, ele não vai tirar você de mim. Eu o mato se preciso for! Desculpe... você sabe que, no fundo, eu sou uma máquina de matar...

— Você não mataria uma mosca, a não ser que precisasse.

— Em todo caso, Finnian vem testando minha paciência desde que largou Grammy pra morrer na toca de um Wendigo. Eu dei a ele muitas chances, Ruby, mas ele extrapolou quando se aliou ao chapeleiro. Você pode terminar comigo se quiser, mas por você eu morro lutando.

— Killian...

— Finnian pode ter direitos, mas não vale o chão que pisa! Você ouviu o que eu lhe contei, ele é um parasita aproveitador que encontrou um jeito de manipular meu pai dizendo que era filho dele. Não espere que eu vá desperdiçar a chance que caiu em nossas mãos. Eu vou obter as respostas que ele me deve, quer você queira ou não.

Santa teimosia! Que mais eu podia fazer além de aceitar que ele estava certo?

— Está bem, se é assim que você quer... Só me prometa que não vai matá-lo, não vale à pena, você sabe.

— Eu sei e eu prometo!

Eu só podia confiar que ele manteria a promessa.

A agitação ali perto espantou Finnian e Jefferson de nossos pensamentos. Uma multidão se acumulara à entrada do trem-fantasma, onde uma mulher gritava e era amparada por seguranças. As pessoas abriram espaço para a ambulância, que derrapou no cascalho ao frear bruscamente. Dois socorristas desceram com a maca, berrando pra que os curiosos se afastassem e os deixasse trabalhar. Aparentemente, um homem morrera de susto. Não havia mais o que fazer.

— Por que é que estou com o pressentimento de que algo ruim está pra acontecer? – perguntei. Tentava afastar da minha mente as lembranças da morte do meu avô.

— É impressão sua, Ruby-Loob! Eu não sei você, mas ainda estou faminto. – ele me arrastou para longe da confusão, tentando me distrair.

— Depois de três espigas de milho? – ri.

— A convivência com certas pessoas me abriu um buraco negro no estômago. Sou capaz de comer um boi inteiro!

Dali, passamos rapidamente pela barraca de salsichas e seguimos para a atração que mais fazia sucesso em Horrorland: a Pirâmide.

Por fora era uma réplica perfeita de pirâmide egípcia, embora em menor escala. E eu não sabia dizer ao certo, mas parecia que, como as pirâmides reais, esta fora construída com blocos de calcário. À frente dela, uma esfinge guardava a entrada, seu olhar enigmático parecendo nos seguir, seja lá qual fosse o ângulo de que a olhássemos. Ao contrário da famosa esfinge de Gizé, esta tinha nariz.

A quilométrica fila diminuira consideravelmente e depois de uma espera de dois minutos entramos com um grupo de mais dezoito pessoas, passando por entre as pernas de leão da imensa esfinge de seis metros. Adentramos um templo de teto muito alto, sustentado por largas colunas cilíndricas. Tochas ardiam nas paredes, decoradas por murais pintados à mão. Uma estátua de gesso representava a deusa Ísis: agachada, um joelho apoiado no chão, um véu ocultando o rosto e longas asas brotando das costas. Havia uma inscrição hieroglífica entalhada na base da estátua, que traduzida significava: Eu sou a Grande Ísis; nenhum mortal levantou o véu que me encobre.    

A Ísis que nos dera carona na van recebeu o grupo com um número solo de dança do ventre. Em movimentos curtos e precisos, ela ondulava graciosamente pelo centro do salão, ao som de uma agradável melodia tocada ao vivo por músicos usando túnicas brancas e perucas curtas de fios escorridos. Duas moças sentadas tocavam tambor, outras duas de pé tocavam flautas verticais, dois homens tocavam oboé— um modelo em madeira, que se dividia em dois canos compridos -, uma mulher tocava uma harpa em formato de arco e um rapaz franzino tocava alaúde.

Gancho começou a balançar no lugar, ao ritmo da música, e não desgrudava os olhos de Ísis, que exibia pernas torneadas e seios fartos. Ao contrário dos outros, seus longos cabelos chegavam à cintura. Seus olhos estavam delineados de preto e dourado e ela inspirava tanta confiança e poder pessoal que a impressão que se tinha era a de que ela era realmente uma deusa.

Fomos instruídos a seguir por um corredor à esquerda, que depois se bifurcava em dois caminhos. Basicamente, tratava-se de um labirinto que, tal como o navio fantasma e a mansão mal assombrada, prometia pregar sustos. De fato, depois de Gancho e eu tomarmos o caminho à esquerda, passamos por uma série de situações que envolviam paredes encolhendo, fumaça negra saindo do chão e múmias pulando de sarcófagos. Nada tão assustador quanto aparentava. No fim das contas, saímos de lá rindo das pessoas normais, que podiam se dar ao luxo de se assustar com monstros de mentira.

— Você não disse que ia ter um bolo? – perguntei a Gancho, enquanto procurávamos pelos outros – Achei que fosse haver uma festa.

— Mas já estamos numa festa! Eu disse a Liam que não queria nada tradicional, normalidade não combina conosco.

— Sei, sei, mas e o bolo? Tem que ter um bolo, com trinta e uma velinhas, pasta americana preta e a cara da Dora estampada.

Ele riu.

— Não acho que Liam se atentou a tantos detalhes, mas eu diria que sim, vai haver um bolo. Aliás, enquanto esperava por você perto da barraca de milho, os outros cochichavam coisas. Deviam estar tramando algo.  

— Vai ver lhe prepararam um bolo gigante do qual vai sair a Regina bêbada, vestida de Lady Gaga e cantando Parabéns Pra Você.

— Até parece que você não conhece a Regina, ela deve estar mais ocupada se agarrando a um segurança do que pensando numa surpresa de aniversário. Surpresa de verdade seria a Lady Gaga real me convidando a subir ao palco.

 - Ei vocês dois! – August nos berrou e veio correndo – Onde é que se meteram? Estamos esperando há um tempão!

— Esperando pra quê? – perguntou Gancho.

— Sua festa, seu retardado!

— Eu disse que não queria...

— Você não tem que querer nada! Venham logo antes que Archie acabe com o marzipã.

O grupo se concentrara na área de piquenique, que ficava bem perto do tapete de ossos. Muito embora Killian tivesse sorrido e disfarçado, não deixei de notar seus olhos marejados quando pego de surpresa por uma festa de tema infantil. Havia balões desbotados com a cara da Dora Aventureira e o forro de mesa gasto e manchado era do Barney. Archie se entupia de bonequinhos da Dora feitos de marzipã e as crianças detonavam os mini cachorro-quentes. Regina trouxera sua famosa torta de maçã e o restante das guloseimas fora comprado no próprio parque. Quando nos sentamos entre Mary e August, notei a falta de Gold e David, que provavelmente tinham sido os autores do seqüestro de Finnian.

— Gold e David ainda não voltaram? – questionou Killian, ao que Mary balançou a cabeça.

— Eles... hum, ficaram presos no trânsito, acredito – ela disfaçou, porque Liam e Alexa também estavam sentados à mesa e não sabiam de absolutamente nada.

— E o que é que eles foram fazer? – arqueei a sobrancelha.

— Ahn... é... eles foram...

— Eles foram buscar o bolo! – respondeu Regina, que parecia até bem sóbria – Idiotas! Como é que puderam esquecer algo tão importante?

Liam ficou confuso.

— Não sabia que ia haver outro bolo. Alexa e eu encomendamos um, vão trazer daqui a pouco.

— Ah... – fez Regina – Bom, é que o outro bolo era pra ser surpresa, sabe. Eu ia sair de dentro dele vestida de Lady Gaga. Agora perdeu a graça...

Gancho e eu nos entreolhamos.  Ele afagou o forro de mesa com uma das mãos, dirigindo-se a Liam.

— Esse forro por acaso é daquele meu aniversário de cinco anos? 

— É sim! Estava lá em casa, junto com um pacote de balões da Dora. Achei que você ia gostar, apesar de estar tudo muito velho e mofado.

— Ah eu gostei sim! Estas coisas me trazem boas lembranças... Lembra quando mamãe contratou um pingüim gigante como animador de festa?

— Claro! Milah ficou com tanto medo que foi se esconder debaixo da cama. A Ruby sabe dessas histórias? Você contou pra ela que ateou fogo no pobre pingüim?

Nós três gargalhamos. Queria ter conhecido Killian quando criança, ele era mesmo muito atentado.

— Tecnicamente, foi um acidente! – ele foi logo justificando, com a maior cara de inocência – Eu não tinha intenções de incendiar ninguém!

— Aham! – fez Liam – Assim como todos os outros “acidentes” que você causou, como explodir a lixeira do colégio, derrubar o zelador da escada e explodir o encanamento do banheiro feminino.

— Você explodiu um banheiro?! – Regina até se engasgou – Eu queria estar lá pra ver isso!

— Nunca descobriram que fui eu – Killian sorriu orgulhoso – Atribuíram a culpa aos pedreiros responsáveis pela reforma.

— Que sujo você é! – gargalhou Regina.

Alexa ficou muitíssimo interessada pelo passado de Gancho.

— Você conheceu todas essas pessoas na escola, Killian? A Regina e todos os outros, quero dizer.

Ele evitou encará-la quando formulou a mentira.

— Ah sim! Nós éramos muito populares, sabe? Liam, nem tanto, ninguém nem sabia que ele existia e que era nosso irmão...

— Ei! – o Jones mais velho protestou.

— ...mas Milah e eu éramos muito populares, por isso tenho uma penca de amigos.

— Ah como eu sinto falta da falecida Milah! – exclamou Regina, com exagerado drama – Não fosse ela eu não estaria aqui hoje, participando dessa festa. As pessoas com as quais eu trabalho são tão chatas! Não me convidam pra festa nenhuma!

— Qual é sua profissão mesmo? – Alexa fazia barulho ao mastigar castanhas.

— Sou prefeita de Storybrooke! E revendedora Avon nas horas vagas. – acrescentou. Achei que uma revista Avon fosse brotar de algum canto e que Regina fosse tentar nos vender cosméticos.

— Onde fica Storybrooke? – Alexa franziu a testa.

— No Maine! É uma cidadezinha de interior.

— Ah! E você, Graham?

— Eu o quê? – ele se atrapalhou todo e deixou um marzipã em formato de Raposo cair.

— Qual sua profissão?

— Ah! Eu... sou pedreiro! – e lançou a Regina um olhar mortal quando ela afundou a cabeça na mesa, tentando segurar o riso – Quer dizer, eu trabalho com construção civil.

— Que interessante! E você, August?

— Eu ajudo meu pai na oficina de marcenaria dele, trabalho de motoboy e nas horas vagas sou blogueiro.

— Você tem um blog?! – Gancho e Regina perguntaram ao mesmo tempo, duvidando da autenticidade da informação. Que August fazia uns bicos de motoboy todo mundo sabia, mas blogueiro já era demais.

— Crônicasdeummotoboy.com! Até agora tem dois posts e quinze visualizações.

Regina gargalhou tão alto que ninguém conseguiu se segurar.

— E que peças o senhor produz na marcenaria, Marco?

— Lexy! Não seja tão curiosa! – censurou Liam, ao que Alexa o ignorou.

— Ah todo tipo de coisa, minha filha! – Gepeto ainda estava meio avariado das ideias, tendo se intoxicado excessivamente ao beber – Mesa, cadeira, porta-joias, porta-copo, porta-cigarro, porta-lápis, porta-retrato, pião, placa e mais uma infinidade de objetos.

— Aaaah, então o senhor também pode fazer o bercinho do bebê que está a caminho!

Ian Jones arregalou os olhos, os dedos sujos de molho e a boca entreaberta. Killian e eu prendemos a respiração.

— Mamãe, você tá grávida? – Clementine perguntou junto com o irmão.

— Não, eu não! A tia Ruby está!

Puta. Que. Pariu.

— QUÊ?! – Regina engasgou com um pedaço de marzipã que lhe grudou na garganta. Graham lhe deu fortes tapas nas costas, enquanto ela lutava para respirar e tomava litros d’água numa tentativa de desobstruir o esôfago. – SOCORRO! SOCOR...

Depois de certo estardalhaço, ela engoliu o pedaço de doce (“RAIO DE MARZIPÃ MALDITO!”), sorveu mais meio litro d’água e, apanhando uma bandeja redonda de papelão, tentou nos espancar, mas o papelão não machucava.

— QUE DROGA DE NOTÍCIA É ESSA? POR QUE NÃO ME INFORMARAM QUE ESTÃO ESPERANDO UM BEBÊ? UM BEBÊ! UM BEBÊ!

— Opa, acho que falei demais! Hum, vou ao banheiro e já volto! – muitíssimo sem graça, Alexa deixou a mesa levando as crianças, prevendo uma explosão.

— Nós íamos contar, Rê... – comecei a falar, mas ela enfiou o indicador na minha cara.

— DOIS IRRESPONSÁVEIS! NÃO SABEM COMPRAR CAMISINHA? SEUS BABABACAS INCONSEQUENTES! POR QUE NÃO SE CONTENTARAM EM ADOTAR UM TATU OU UMA PORRA DE UM PONÊI IRLANDÊS?

— Regina... – Gancho tentou argumentar, mas a mulher estava irada demais para aceitar explicações.

— VOCÊS VÃO CONDENAR UMA CRIANÇA A VIVER NESSE MUNDO DOENTE, PERIGOSO E... E...

— E injusto! – completou Grammy.

— E INJUSTO! QUE MERDA VOCÊS TÊM NA CABEÇA?! KILLIAN JONES, SEU BOSTA TRAIDOR, NÓS FIZEMOS UM JURAMENTO DE QUE NÃO ÍAMOS PROCRIAR E CONDENAR CRIANÇAS A VIVEREM ESSA MERDA DE VIDA DE CAÇADAS!

E ela continuou gritando, até que, rouca, cansou de berrar e umedeceu a garganta com refrigerante de limão.

— E vocês, não vão falar nada? – se dirigiu ao restante do grupo, que apenas observava o escândalo –

Mary, Graham, August, Bae, Gepeto, Belle, Archie, vocês também fazem parte dessa família! Se pronunciem!

Archie pareceu despertar de um transe. Parou em meio ao ato de mastigar uma castanha.

— Regina... se um casal decide procriar, quem somos nós para julgar?... Hi, hi, que engraçada essa castanha, parece um cocô, hi, hi, hi, hi.

Regina revirou os olhos. Mary ergueu a mão.

— Faço das palavras de Archie as minhas!

— Mary, sua desavergonhada, não foi assim que te ensinei! – guinchou Regina – Gepeto, se pronuncie, homem!

— Aaaah, eu sempre quis ter um netinho! Parabéns Ruby e Killian, espero que me permitam ser o vovô.

— Velho traíra! August?

Aug se levantou, pôs as mãos na mesa e pigarreou. Fez expressão de censura, o que me fez acreditar que ele estava muito bravo.

— Eu tenho duas coisas a dizer: primeiro, Ruby e Killian, como é que puderam nos sonegar uma notícia dessas? Não teriam nem contado, não fosse a bondade da senhora Jones em compartilhar essa informação. – então abriu um sorriso – E segundo, posso ser o padrinho de casamento de vocês?

— Claro! – Killian e eu dissemos juntos. O rosto de Aug se iluminou e ele pulou no lugar fazendo “Yes!”.

— August, era pra você me dar apoio moral e não o contrário! – a Rê bufou, depois se voltou para mim e Gancho – Vocês vão se casar?!

— Ora, é evidente, não é? Eles vão ser pais solteiros?

— Cala a boca, Aug! – ela bateu na cabeça dele com a bandeja de papelão – Quero saber de vocês: vão se casar?

Encarei Gancho, que, sem expressão, me encarou de volta.

— Não tinha pensado nisso! Um momento. – e, chocados, observamos ele apanhar um marzipã redondo e vermelho, com o qual moldou um anel – Ruby, quer casar comigo?

Por essa eu não esperava! Berrei um “Quero!” e, rindo, ele me enfiou o anel de marzipã no anelar.

— Pronto! A gente vai casar, Regina! Satisfeita?

Ela torceu o nariz, indignada.

— Que tosco! Rico como é, ainda tem a indecência de pedir uma mulher em casamento com marzipã? Francamente!

— Foi um pedido informal, ainda comprarei um anel decente.

— Ah eu achei tão fofo esse anel de marzipã! Te amo! – puxei Gancho pelo pescoço e nos beijamos loucamente.

— Pelo amor de Deus! Nós não acabamos aqui! – Regina nos forçou a nos separar – Graham, o que tem a dizer?

— O que eu tinha a dizer eu já disse, quando descobri a gravidez na ficha hospitalar da Ruby.

— Seu traidor, você sabia e não contou!

— Ah sim, eu fui o primeiro a saber, descobri sozinho! Até dei uma mamadeira de presente...

— Francamente! Não era isso que esperava de vocês. Baelfire, me deixe orgulhosa!

Bae olhou de Regina para Gancho e de Gancho pra mim. Abriu um sorriso.

— Eu não vou mentir, eu adorei essa notícia! Sempre soube que esses dois iam fazer algo do tipo. Quer dizer, é muito amor pra um casal só!

— Obrigada, sobrinho! – fiz um coração com as mãos.

Regina balançou a cabeça, indignadíssima.

— Belle, algo a dizer?

Belle estivera muito quieta e calada. Notei em sua expressão marcas de indignação e raiva. Ela devia estar muito puta com Gold, que agora dera pra seqüestrar pessoas.

— Bem, eu... – ela olhou pra mim e sorriu, se esquecendo do marido – Pra ser sincera, Regina, não acho que devamos julgar as escolhas de ninguém, seja lá o que a pessoa for. Ruby e Killian escolheram o amor. Somos uma família, acima de qualquer outra coisa. Não é justo julgarmos uma gravidez, planejada ou não. Bae é meu filho e eu jamais escolheria as caçadas ao invés dele. É isso que tenho a dizer!

Que pessoa adorável! Gancho e eu unimos nossas mãos num coração, sorrindo largamente para Belle.

Regina murchou, sendo a única do contra presente na mesa. Fez uma última tentativa.

— E você, Liam Jones, que acha disso tudo?

Liam coçou a cabeça, do mesmo jeito que Killian fazia quando estava nervoso.

— Bom, pra falar a verdade eu sei muito pouca coisa acerca do trabalho de vocês. Sei que é perigoso, obviamente, e também sei que meu maninho é muito inconseqüente e cabeçudo. Mas irresponsável ele não é. Seja lá qual for o futuro dessa criança, sei que estará bem cuidada, tendo vocês como tios e tias e pais que se amam tanto quanto esses dois. Bem, eu vou estar aqui se precisarem, contem comigo!

— Obrigado, maninho!

— Vocês vão ver só! – Regina fechou a cara. Não suportava que a contrariassem – Gold e David vão me apoiar!

— Ih, vai rolar a maior treta! – falou August.

— Em todo caso, acho bom me convidarem pra madrinha de casamento e não façam como Rumplestiltskin e Belle, que casaram às escondidas!

— Eu quero ser padrinho! – se pronunciou Archie (que estivera brincando com os bonequinhos de marzipã).

— Eu também! – gritaram August e Marco.

— Posso ser madrinha? – perguntaram Belle e Mary.

— Aaah, eu quero ser daminha de honra! – guinchou Grammy.

— Cala a boca, Grammy, seu ridículo! – Regina bateu nele, mas estava rindo. – Não precisa denunciar sua homossexualidade assim.

— Então eu vou ser pajem e levar as alianças!

— Não, Grammy, você vai ficar melhor carregando a cauda do vestido. – sugeriu Aug – Ruby vai se casar de vermelho, a cor do pecado!

— Ruby vai casar?! – Zoe chegou esbaforida, o cabelo impecável, embora ventasse muito – Que foi que eu perdi?!

— Ah, muita coisa, minha filha! Esses dois procriaram! – Regina encheu a boca de torta e fez um gesto abrangendo Killian e eu.

— QUÊ? SEUS INCONSEQUENTES! Que estão pensando da vida?... Posso ser madrinha do bebê?

— Zoe, você também não!

— Onde é que você estava, hein? – questionei, sorrindo marota. Imaginava bem onde ela estivera e com quem.

— Tentando fazer as pazes com aquele loiro teimoso e ignorante! Por que não me esperaram pra festa?! Acabaram com toda a comida!

— A culpa é do Archie, esse esfomeado! – acusou Grammy.

— EU? Pois foi o Menino-Pão-de-Forma! Olha a cara de morto de fome!

— Menino-Pão-de-Forma! Essa foi boa! – Regina gargalhou tanto que caiu do banco e todo mundo riu junto.

— Há, há, há, muito engraçado! Já que a noite está para revelações, há uma coisa que eu preciso confessar. – Todos se calaram e, sem piscar, o encararam, esperando uma bomba – Eu tive um filho bastardo com a ex-empregada lá de casa!

— EU SOU VOVÔ?! – os olhos de Gepeto quase saltaram das órbitas.

— Que conversa fiada! – Regina rolava de rir.

— Brincadeirinha, pai! Foi só pra descontar a mentira que o senhor me contou lá no bar.

— Ah, guri debochado! Queria ter te achado mesmo no lixo, seu filho da puta!

— Não chama minha mãe de puta, não!

— Ela era puta mesmo! Uma stripper feia e gorda que eu encontrei num bar. Quando ela viu sua cara feia quis te jogar na caçamba de lixo do beco, eu que não deixei, fiquei com pena quando vi essa cara de pobre coitado desnutrido.

A essa altura ninguém conseguia manter a seriedade. Ri tanto que quase molhei as calças.

— Ô gente, cadê o bolo, hein? – alguém perguntou.

— Já era pra ter chegado! –Liam verificou o relógio de pulso – E Alexa e as crianças, onde se meteram?

Ali perto, no palco, iluminação e som estavam sendo testados. Faltavam dez para meia-noite e eu sentia meus olhos pesados de sono, mas, ainda que exausta, não queria ir pra casa. Liam saiu em busca de bolo, esposa e filhos, e Gold chegou com Encantado. Esperava que fossem nos matar ou, pelo menos, espancar, mas ninguém mencionou casamento ou gravidez. A verdade é que ninguém queria estragar nossa felicidade, ainda mais num dia tão especial como aquele.

Nove minutos se passaram e nada de Liam voltar com o tal bolo.

— Eu quero bolo! Eu quero bolo! Eu quero bolo! – Rê, Grammy, Archie e Aug batucavam na mesa, ritmados, e as pessoas que passavam perto nos lançavam olhares, como se desaprovassem tanta esquisitice.

De repente, relógios de pulso apitaram a meia noite. E todas as luzes do parque se apagaram ao mesmo tempo, nos lançando a completa escuridão. Houve um murmúrio de indignação.

— Eu quero... QUEM APAGOU A LUZ? – berrou Regina.

— Puta que pariu! – exclamou Grammy, deixando alguma coisa cair – Isso não pode significar coisa boa!

— Por que não?

— Porque é Halloween, carai! E no Halloween coisas...

Aí uma esfera de luz branca se acendeu no meio do tapete de ossos. Havia uma figura iluminada pela luz. Usava um macacão coberto de pedrarias prateadas, que resplandeciam como pequenos sóis prateados. O cabelo azul era comprido e terminava em cachos. Só uma pessoa tão exótica quanto ela usaria óculos escuros à noite. A mulher levou o microfone dourado à boca.

Put your paws up, little monsters!— gritou.  

Killian soltou um guincho que por pouco não me deixou surda de um ouvido.

— É ELA! É ELA! MAMA MONSTER!

— MAMA MONSTER! MAMA MONSTER! – berraram Zoe e Regina em conjunto.

Levei uns segundos pra absorver o fato de a Lady Gaga, a verdadeira Lady Gaga, a Lady Gaga em carne e osso, estar desfilando por aquele tapete, iniciando a música Born This Way.

— It doesn't matter if you love him, or capital H-I-M/ Just put your paws up/'Cause you were born this way, baby.

Antes de a maioria das pessoas se dar conta de que era a Gaga real, todos corremos em direção ao palco, segundos antes de aquilo virar um pandemônio, com a multidão afobada gritando em êxtase e empurrando os que estavam à frente, tentando chegar mais perto da diva pop. A essa altura Gaga já subira pela lateral do palco e, acompanhada de dançarinos seminus, dançava a coreografia da música.

I'm beautiful in my way/'cause god makes no mistakes/I'm on the right track baby/I was born this way.

Regina tentava chegar ao palco, mas foi impedida por três seguranças fortões, que a agarraram e tentaram arrastá-la para longe. Ela se debateu tanto que conseguiu pular para o chão e então escalou a grade que separava a platéia do palco. Notando a manobra, Gaga parou de dançar e pôs uma mão na cintura, então se aproximou, ofereceu a mão à Regina e a puxou para o palco. No segundo seguinte, Regina estava dançando lindamente entre os dançarinos, mostrando ao mundo que sabia realizar a coreografia perfeitamente.

— EU NÃO ACREDITO! ESSA VACA PEGOU NA MÃO DA GAGA! – berrou Gancho, invejoso e indignado.

Mary subira para os ombros de David, de onde filmava o palco. A multidão erguera as mãos em garra e cantava loucamente, alguns pulando e berrando, outros tentando imitar Regina e sendo barrados pelos brucutus de terno. A meu lado, Zoe estava pra morrer, chorando feito criança, como se tivesse realizado o maior sonho de sua vida. Gancho, nem preciso dizer, estava com o rosto molhado de lágrimas e tentava também passar pelos seguranças, que ameaçavam levá-lo para longe caso ele não sossegasse.

Quando por fim a música terminou, a multidão ecoou em aplausos e ovações. Gaga afastou a franja que lhe caia sobre os olhos.

— É uma honra estar aqui esta noite, muito obrigada!

O palco quase caiu com o berreiro do público. Regina sussurrou alguma coisa no ouvido da Gaga, que assentiu compreensiva e se voltou para a platéia.

— Há um Killian Jones fazendo aniversário hoje. Onde ele está?

— ELA FALOU MEU NOME! – ele berrou e todos que o ouviram riram, inclusive a Gaga.

— Você é meu fã, Killian?

— SIM, SENHORA, SEU FÃ NÚMERO UM!

Risos.

— Então quero convidar meu fã e aniversariante a subir ao palco e cantar a próxima canção comigo.

Gancho quase morreu.

Trêmulo e choroso, ele se dirigiu ao palco, enquanto Gaga pedia que abrissem espaço pra que ele passasse. Nossos amigos faziam o maior escândalo, berrando “É isso aí, Killian!” e “Arrasa aí, mano!”. Zoe, não podendo conter a emoção, foi junto com Gancho, agarrada a ele. Não sabia dizer qual dos dois estava mais emocionado e trêmulo. Subindo ao palco, foram pegos por uma intensa crise de choro, principalmente quando sua diva inspiradora se aproximou, perguntando quem era a mocinha ruiva.

— Eu sou... a-amiga dele! – gaguejou Zoe, com jeito de quem ia desmaiar.

— Ela é sua fã! – ouvi Regina dizer.

Aí Gancho resolveu fazer o que sempre quis: abraçou a Gaga, apoiando a cabeça no peito dela, feito uma criancinha que é acalentada pela mãe. Ela claramente não sabia o que fazer, então afagou o cabelo dele.

— Não chore, minha criança! – e o puxou em direção ao piano branco que acabara de subir por um elevador. Os quatro, Gaga, Regina, Zoe e Killian, se apertaram no banquinho do piano e Gaga anunciou ao público – A próxima música se chama Speechless!

E a multidão ovacionou.  

Um dos dançarinos trouxe para Gancho um microfone. Gaga já tirava as primeiras notas no piano.

I can't believe what you said to me/Last night when we were alone/You threw your hands up/Baby you gave up, you gave up

Como Zoe não estivesse em condições de cantar e Regina recusasse o microfone, Killian acompanhou a Gaga, incentivado por ela. De ínicio ele estava tímido e gaguejou um pouco, até que soltou o vozeirão e arrancou gritos e ovações.

I'll never talk again/Oh boy you've left me speechless/You've left me speechless so speechless — cantavam e Killian, que estava à esquerda da Gaga, apoiou a cabeça no ombro dela – I'll never love again,/Oh friend you've left me speechless/You've left me speechless, so speechless.

Findada a música, Zoe tomou coragem, tirou o microfone de Gancho e se dirigiu à Gaga.

— Gaga, obrigada por ser quem você é e por suas músicas inspiradoras e encorajadoras!

Gaga segurou a mão dela e falou ao público.

— Obrigada a vocês meus fãs, por serem quem são! Nunca deixem que lhe digam quem vocês são!

 E fiquei surda pela gritaria que se seguiu a essa fala. August passou a mão pela minha cintura e praticamente berrou no meu ouvido.

— Depois dessa o Gancho vai se sentir a última Coca-Cola do deserto!

— Ah, ele já se sente assim! – ri.

— E agora, – disse a Gaga, enganchando Killian por um braço – vamos cantar parabéns ao Killy Jones. – e todo mundo cantou junto – Haaappy birthday toooo yoooou, happy birthday to you, happy birthday to yooou, haaaappyyy birthdaaaay toooooo yoooooooooou!

Killian já devia estar desidratado de tanto chorar. Um bolo enorme de três andares veio sendo empurrado num carrinho com rodas por dois dançarinos. Era igualzinho ao que eu imaginara: coberto de pasta americana preta, com trinta e uma velinhas distribuídas e a cara redonda da Dory Aventureira no topo. Depois de mentalizar um pedido, Gancho apagou as velas, ajudado pelas outras três mulheres. Aí ele apanhou a espátula de bolo e começou a partir o primeiro pedaço, mas tremia tanto que a Gaga precisou ajudar.

— Pra quem é o primeiro pedaço? – ela perguntou e ele falou ao microfone, erguendo o pedaço num pratinho roxo.

— Para o amor da minha vida, Ruby Lucas!

Se eu fosse um avestruz, esconderia a cabeça num buraco. August e Grammy me empurraram até o palco, enquanto as pessoas abriam caminho e aplaudiam. Não sei como minhas pernas bambas suportaram meu peso, só sei que, de alguma forma, consegui subir pela lateral do palco e, chorando como um bebezinho, fui envolta pelo calor do abraço de Gancho, que me beijou ternamente. Ele me ofereceu o bolo, partindo outro pedaço em seguida, que estendeu na direção de Gaga.

—À minha diva pop!

E, me imitando, ela o beijou nos lábios, antes de levar um pedaço de bolo à boca e começar a cantar Love Game. Killian ficou tão abobado que passou os minutos seguintes sem reação. Acabamos com o bolo, distribuindo pedaços entre as pessoas que vibravam com a energia da cantora. Então se seguiram mais duas músicas – em que Regina e Gancho se juntaram aos dançarinos nas coreografias, enquanto Zoe e eu observávamos do canto do palco – até que Gaga finalizou sua performance com Gypsy.

— Você viu, Ruby-Loob? – Killian estava tão feliz que só faltava andar aos pulinhos – Eu cantei e dancei com ela! E ela me beijou!

Cruzei os braços, fazendo biquinho.

— Eu vi! Só não espanco os dois porque esse era seu sonho. Não era?

— Cantar e dançar com a Gaga? Tá brincando? Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer! Exceto a parte do beijo... eu... sempre quis beijar ela... Não fique brava!

— Não estou! – ri – Faria a mesma coisa se fosse o Adam Levine ou o Jared Leto no lugar dela.

— Desde quando é fã desses caras? – ele fez um careta.

— Desde sempre!

— Você tem que me agradecer pelo resto da vida, Gancho! – Regina perdera a peruca e sua maquiagem derretia – Não fosse por mim você nunca subiria nesse palco!

— Muito obrigada, Rê! Eu te amo! – e ele a sufocou num abraço.

Parecia que a sorte realmente estava do nosso lado, porque, tendo se despedido dos fãs, Gaga nos convidou a visitar seu camarim. Não foi necessário chamar duas vezes. Gancho falava pelos cotovelos, elogiando a ídolo pelo figurino, cabelo, maquiagem e desempenho. Regina achou de reclamar a falta das músicas Just Dance e Alejandro, e a Gaga respondeu que não havia tempo para todas as músicas, porque dali a pouco ela estaria partindo em direção ao aeroporto, pois faria uma turnê pelo Japão. Ela nos ofereceu uísque Jameson, vinho tinto branco e Doritos sabor tortilla com guacamole. Ninguém se fez de rogado, comemos por educação, com educação. Aí Gancho arrumou um jeito de mencionar que a namorada fazia moda e adorava os figurinos que a Gaga usava em suas apresentações.

— É mesmo? Que interessante! Talvez possamos marcar uma horinha quando eu retornar aos Estados Unidos e você pode me mostrar criações suas – ela me disse e imaginei que meus olhinhos estivessem brilhando. Que honra seria criar um look para aquela mulher! – Aliás, se você estuda moda deve conhecer aquele famoso designer de chapeus. Como é mesmo o nome dele? James? Jared? Jerald?

— Jefferson? – sugeriu Killian e empalideci quando ela confirmou.

— Isso, Jefferson! Como é mesmo o sobrenome dele? Bornô? Ah, é Bor alguma coisa... Ah lembrei, Bornofen! Jefferson Bornofen! Já ouviu falar nele?

— Devo ter ouvido sim – balbuciei.

— Tenho uma hora marcada com ele em duas semanas.  – ela se serviu de mais uma generosa porção de Jameson – Vai estilizar os chapeus que usarei em minha próxima turnê. Me passe seu contato e, quem sabe, eu a contrate como assistente dele. Ouvi dizer que ele é incrível com uma tesoura! Oh, ele desenhou chapeus para a realeza britânica e até para aquele ator... aquele que interpretou um pirata, como é mesmo o nome dele?

— Johnny Depp!

Era só o que me faltava. Ainda que fosse uma ótima oportunidade, me recusava terminantemente a trabalhar com o chapeleiro. Não importava que ele fosse um ótimo professor, incrivelmente talentoso e criativo.

Para tristeza de Gancho, Gaga foi embora de limusine, não sem antes dar um abraço em cada um e um apertão na bunda do meu homem, que com certeza gostou daquilo, mas fingiu que tinha doído. Então os seguranças nos expulsaram do camarim e fomos encontrar nossos amigos, que provavelmente estavam comentando o incrível fato de termos dividido um palco com a Lady Gaga. Só que não.

 O grupo se dividira. Avistei Mary mais à frente, perto da mesa em que estivéramos sentados na área de piquenique. Ela olhava para os lados e falava ao celular. Parecia desesperada. August estava afoito e saiu correndo antes de nos dizer o que estava acontecendo. Os outros estavam fora de vista, tendo desaparecido em meio à multidão que se concentrara naquela área específica. Gancho ia ligar pra alguém quando ouvimos uma voz estática vindo pelos auto-falantes espalhados pelo parque.

— Clementine Jones, sua família a espera na entrada do posto policial! Clementine Jones, sua família a espera na entrada do posto policial!

— Clem! – a cor sumiu do rosto de Gancho, que esquadrinhou o ambiente tentando avistar a menina.

Ninguém precisou dizer nada. Nos dividimos, cada um procurando num lugar. Tentava acalmar Gancho, que não conseguia entender como Alexa e Liam tinham tido a capacidade de perder uma criança.

— O lugar estava abarrotado, ela deve ter se soltado da mão deles – disse.

Perguntavamos às pessoas se elas não tinham visto uma garotinha de sete anos vestida de Noiva Cadáver. Todos davam respostas negativas. Topamos com David, que acabara de verificar o carrossel.

— Alexa está desesperada, passou mal e desmaiou – contou ele – Liam acha que a menina foi sequestrada...

Sequestrada... era só o que faltava. Eu disse que estava pressentindo algo de ruim.


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Notas finais do capítulo

Espero que comentem pelo amor de Deus que esse capítulo levou mais de doze horas pra ser escrito. Sério, dá muito trabalho escrever essa fic, mas eu amo muito ela e sei que vocês também, então por favor me digam o que me melhorar e deem sugestões também. No mais, obrigada por lerem! Até semana que vem posto a continuação! E beijos e té a próxima ♥



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