A voz do silêncio escrita por Juh Viana


Capítulo 1
Capítulo 1




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Acordei com a vibração do celular em baixo do travesseiro, um feixe de luz vindo da janela batia no meu rosto, devia ser 08h00min a julgar pela intensidade do sol. Levantei-me lembrando que a ideia do celular embaixo do travesseiro era da minha mãe, ela sempre se esforçou com que eu fosse mais normal o possível, isso incluía ter que acordar sozinha como todo ser humano normal faz.

Eu era a única surda que com 10 anos já sabia ler e escrever. Como se já não bastasse eu ter me matado com as aulas de português, esse ano ela me colocou num curso de inglês. Segundo ela todos os adolescentes da minha idade falavam inglês, só que a questão é que eu não falo nada, nem uma palavra, sou confinada a ter uma vida assim.

Para minha sorte meu pai é bem mais flexível que ela, então fiz uma cara de emburrada e ele disse que minha mãe não ia me obrigar a fazer nada. Por fim larguei o curso assim como fiz com muitos outros. Às vezes me sinto culpada por não ter feito esses cursos, mas quando olho ao meu redor o peso da culpa simplesmente desaparece. Afinal sou uma das únicas surdas que sabe ler e escrever, não que eu me gabe dessa capacidade, só é que não há razão para eu me sentir culpada por não ser a filha dos sonhos.

Caminho em direção ao banheiro. O espelho que meu pai colocou é um exagero, e eu não sou egocêntrica. Amarro meus longos cabelos pretos para o banho. A água gelada tocando minha pele me causa arrepios pelo corpo todo. Ás vezes me pergunto como será que é o som da água caindo sobre o chão. Ouvir deve ser uma das melhores coisas da vida! Afasto esses pensamentos da minha mente e concentro-me em minha pele que molhada fica mais branca e pálida do que normal. Termino o banho e visto uma regata vermelha e um short azul escuro roupa típica de sábado. Passo um delineador para marcar meus olhos negros e um blush para dar uma cor nessa pele de morta viva.

••••

Ando em direção a cozinha que cheira a ovos fritos e café.

- Bom dia! Você está linda! – diz minha mãe em língua de sinais. Por ser psicóloga minha mãe sempre está de bom humor.

- Bom dia – respondo dando um abraço nela.

- Você vai sair hoje? – pergunta.

- Vou encontrar alguns amigos – respondo o que a faz lançar um olhar acusador para meu pai.

Minha mãe não se parece nem um pouco comigo, ela tem cabelos cor de mel e pele bronzeada. No entanto meu pai é totalmente minha cara, ele tem cabelos pretos como eu, olhos negros como eu, e pele branca como eu. A única diferença é que ele usa óculos o que o deixa de certa forma charmoso.

- Hoje de novo Laila? – pergunta meu pai.

- Eu preciso encontrar alguns amigos! – digo

- Eu disse pra você falar com ela Robert – diz minha mãe um pouco impaciente. Minha mãe sabe que meu pai tem uma maneira misteriosa de me convencer, por isso quando o assunto sou eu ele sempre fala comigo.

- Filha você não acha que está saindo demais? – argumenta meu pai.

- Acho que Laila não deveria sair hoje! – diz minha mãe já impaciente. O clima fica tenso. Ficamos em silêncio.

- Bom dia! – diz meu irmão mais velho Nícolas, o que finalmente quebra o gelo.

- Bom dia – respondo.

Minha mãe se dirige ao meu pai para conversar, sorte que eu desenvolvi a habilidade de ler lábios, então não adianta eles falarem baixo. Quando começo a me concentrar nos lábios de meu pai que estão mexendo minha irmã mais nova corre em minha direção diz oi e me abraça.

Ela é sempre tão carinhosa que acabo abraçando-a de volta. Sophie é seu nome doce. Ela parece muito com minha mãe. Cabelos cor de mel e o mesmo traço de personalidade: simpática, carinhosa e sempre sorridente. Quando percebo minha mãe caminha em minha direção, carregando no rosto uma expressão de derrota.

- Você pode ir, mas esteja em casa ao meio dia, almoçaremos na casa da sua avó. – diz ela.

Lanço um sorriso sem graça, apesar de a minha vontade ser de pular e socar o ar. Tomo meu café e dou um beijo em meu pai, minha mãe e Sophie. Quanto a Nícolas me despeço com um toque que inventamos.

••••

Ao caminhar pela calçada percebo que a vizinhança está mais agitada do que o normal. Talvez seja por causa do aniversário de nossa cidade: Felir. Que a propósito é um nome bem sugestivo já que dizer "Felir cidade" nos lembra um sentimento muito agradável para as pessoas. Esse é o nome de cidade mais idiota que eu já vi.

Caminho mais cinco quadras e lá esta ela, de todos os lugares na cidade Felir este é meu preferido. A Associação de Apoio a Surdos conhecida como ASAPS, é lá que eu sempre encontro meus amigos. Até um tempo atrás não havia aula aos sábados, mas por causa da procura agora tem. Apesar de eu já saber língua de sinais amo vir aqui só para conversar com outras pessoas como eu, e tenho certeza que muitos vem aqui com o mesmo objetivo. Talvez se você fosse surdo faria o mesmo.

Imagine viver num mundo em que ninguém te entende e você não entende ninguém, e naquele momento que você quer simplesmente desabafar não há ninguém pra te ouvir, ou quando tem uma notícia boa pra contar, mas sua família entende que você quer comer cachorro quente. Com certeza você viria aqui, pelo menos de vez em quando.

Sigo em direção a uma porta verde limão. Abro-a sorrindo para primeira figura que aparece em minha visão. Professor Tomas.

- Bom dia - diz ele.

- Bom dia, licença - digo.

Por causa da breve novela que teve em casa cheguei um pouco tarde. Professor Tomas é bem divertido, e sempre desconsidera meus atrasos. Ele tem cabelos brancos do comprimento do pescoço, sempre usa cores neutras, ele deve ter uns 40 anos, mas é muito mais extrovertido que muitos outros professores de 20 anos de idade.

Sento- me ao lado de Larissa e Ana. Nos tornamos muito amigas desde que começamos a frequentar ASAPS. Talvez seja porque somos parecidas, nós encaramos a vida de maneira positiva, nunca ficamos dando uma de coitadinha para as pessoas. Eu gosto de ser assim, de me sentir independente.

O professor Tomas olha para o relógio de pulso e anuncia o início do intervalo. Todos se levantam simultaneamente, dentre estes crianças de uns 10 anos, jovens como eu de 18 anos, e até alguns de 20 anos. Cada um conversa com seu próprio grupo de amigos. Fico junto de Larissa e Ana, logo depois Pedro e Jonas se juntam a nós.

- Vamos ir ao cinema hoje?- diz Pedro. Ele é o surdo mais estiloso que conheço, vive dando um "rolé por aí". Pedro é bem independente. Pelo contrário Jonas é bem calado, nunca entendi o que faz ele e Pedro serem tão amigos.

- Qual é o filme?- pergunta Larissa.

- Um amor sem limites - diz Jonas o que nos surpreende já que ele não fala muito.

- Eu vou - diz Larissa - amo filmes românticos.

Larissa namora um surdo alto e forte que tem uma moto, apesar de não parecer ele é bem mais velho que ela. Eles namoram a uns 2 anos, talvez seja por isso que ela goste de filmes assim. Pedro sempre tem alguma namorada, não que ele seja safado, só é que praticamente todas as surdas o acham bonito, por isso ele sempre namora alguma. Agora ele está namorando uma surda jovem loira de cabelos enrolados, ela é bem agitada, não gostamos muito dela, talvez seja por isso que ela raramente sai com a gente. Ana no momento encontra-se solteira, mas já namorou muitos surdos bem bonitos. Quanto a Jonas não sei muito sobre a vida dele.

- Vai ser lá no cine pipoca? - pergunta Ana.

- É sim, nós pagamos meia - diz Pedro.

- Vamos Laila! - diz Ana com um sorriso estampado no rosto.

- Ah não sei - digo lembrando que meus pais quase não deixavam vir à aula - não gosto muito de filmes românticos.

Não disse isso só como desculpa, mas é porque não gosto mesmo de filmes de amor. Nunca me apaixonei por ninguém, e eu acho tudo isso uma grande babaquice!

- Ah fala verdade Laila, você até chorou naquele filme romântico que assistimos na casa da Larissa - diz Pedro com um sorriso sacártico no rosto.

- Não é verdade! - digo com raiva - eu estava com conjuntivite por isso chorei.

Minhas bochechas ficam nitidamente coradas por isso Ana e Larissa ficam rindo da minha cara e Jonas olha confuso pra mim.

- Vamos Laila por nós - diz Pedro insistente.

- Ok, vou pedir para meus pais qualquer coisa aviso vocês - digo.


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