Crônica de uma bêbada anônima escrita por Stormy Eyes


Capítulo 1
A manhã seguinte


Notas iniciais do capítulo

Como meu primeiro texto publicado, espero não envergonhar totalmente aqueles que por acaso vierem a lê-lo.



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I.

O cobertor sobre meu rosto já não é suficiente para barrar a claridade que emana da janela logo acima da minha cabeceira. Desisto de dormir, passo a mão no rosto e me preparo para encarar o estrago de ontem. Abro os olhos devagar, acostumando-me com a calmaria daquela manha de sábado. Observo os pontos de luz no teto escutando a bossa nova que meu vizinho aposentado toca em sua velha vitrola. Não é comum em minha vida ter este tempo de ócio sem o despertador me acusando das milhares de obrigações diárias.

O relógio digital no criado-mudo marca 15hrs, deslizo para fora das cobertas, mas assim que coloco os pés no chão me lembro da festa na véspera, ainda estou com os anéis nos dedos e a saia embolada na cintura. Pior do que não lembrar exatamente o que aconteceu na noite anterior é a dor de cabeça que quase me faz cair de novo nos lençóis que cheiram a tabaco. Engraçado, sorrio para mim mesma pensando em como eu estava decidida a nunca mais colocar um cigarro nos lábios, entretanto minha confusão faz latejar a têmpora, não me lembro de ter fumado na noite anterior. Mas tantas promessas já foram quebradas, essa não seria a pior.

Obrigo-me a levantar, empurro meu corpo com os braços, pois minhas pernas estão fracas, chuto algumas peças de roupa e papéis que estão jogadas no chão e vou direto ao banheiro, pois o que quer que esteja em meu estomago não está satisfeito em estar ali.

Limpo a boca e dou descarga, as roupas permaneceram jogas no chão, onde as deixara. Termino de me desnudar e entro no Box, ao ligar o chuveiro sinto a água fria bater na minha cabeça e escorrer por meu tronco e pernas, a baixa temperatura não me é incomoda depois de tantos banhos como aquele. Fico parada por um bom tempo, com os olhos fechados e as mãos na parede a minha frente, cansada vou escorregando até estar sentada no chão frio e cheio de embalagens vazias de produtos para o cabelo.

Não sei o porquê daquela sensação de culpa que me preenche, aquele ritual não me é novidade. Não sou muito boa para lidar com decepções, a tristeza em mim é como um imã para irracionalidade. A música alta, a bebida e as risadas maquiam um espírito cansado de recomeços e histórias interrompidas, adiadas ou encerradas bruscamente.

Hoje é mais um "primeiro capítulo" que começo depois de tentar arrancar as páginas anteriores, mas sempre sobra um retalho, uma borda de folha que faz lembrar-me de tudo que eu havia escrito e planejado.

Já faz algum tempo superei a autopiedade, no momento só necessito de mais uma ou sete doses de conhaque e depois resolvo que caminho seguir.

Quando volto a realidade, minha pele perdeu a sensibilidade por estar a tanto tempo na água, com os dedos enrugados giro o registro interrompendo o fluxo da água que desabava sobre minhas costas. Levanto-me e sinto uma brisa suave roçar minha pele ao sair pingando do Box. Enxugo os cabelos e me enrolo em uma toalha que estava pendurada na maçaneta, ao voltar ao quarto percebo o caos que se espalhou tanto na minha vida quanto nas minhas coisas.

Cutuco um pé que está pra fora da coberta. Acabo de me recordar do homem que dormiu comigo, o ouço resmungar coçando a barba e atiro nele a cueca e as calças que estavam jogadas na penteadeira. Avisou que vou me trocar e é melhor ele ir antes de eu voltar. Ele sentou, não me respondeu e começou a se vestir. Vou até a lavanderia buscar uma calcinha limpa e percebo o furacão que passou dentro do meu apartamento, esse que sempre fora tão organizado, virou um reflexo do meu estado de espírito.

Visto a primeira calça que vejo, e um moletom verde. Demoro mais um pouco para dar tempo de o sujeito ir embora, só quando ouço a porta da frente bater que volto ao quarto.

Caminho lentamente, sentindo o tecido suave do moletom tocando minha pele fria, ao entrar no quarto vejo ao lado da janela um maço de cigarros com um bilhete embaixo, quando os peguei uma nota de R$50 caiu, no bilhete estava escrito que o cigarro era um brinde pela noite.

Agachei para pegar o dinheiro e vi a gravata que o sujeito esquecera. Peguei-a e joguei no lixo do banheiro junto com o dinheiro. Posso ter agido como tal, mas não aceitaria ser paga como uma prostituta barata de esquina.

O maço de cigarros continuava em minhas mãos, a repulsa dos meus atos fez-me atira-lo pela porta do quarto. Fui até a cama proibindo-me de pensar no que havia acontecido, o mais importante para o recomeço é colocar uma pedra no passado.

Os cabelos espalhados pelo travesseiro adquirindo o cheiro de tabaco. Seria impossível dormir naquele momento; o estomago vazio doía, mas maior que essa fera era a besta desenfreada e irrequieta que rugia exigindo álcool.

Obediente, me levantei e fui à cozinha, chutando os cigarros pelo caminho. Servi uma boa dose de vodka com limão e esquentei o resto de uma refeição que havia sido preparada à alguns dias.

Sentada a mesa, a comida quase intocada, mas o copo vazio. Servi mais uma dose e me obriguei a comer.

As pernas agitadas sob a mesa, os olhos fixos no maço jogado no chão.

Levantei e levando o prato á pia peguei a garrafa de vodka, percebi que alguns copos não me satisfariam, eu gostava de exageros.

O isqueiro ao lado do fogão me chamava de mansinho, e novamente obediente, o peguei e busquei o maço.

O sabor da fumaça junto ao cítrico do limão fez minha garganta tremer, meu corpo feliz por voltar aos velhos hábitos, aos velhos vícios.

Um, dois, três cigarros, o maço inteiro se foi quando me dei conta de que escurecia.

A Bossa Nova parara, no lugar tocava um sambinha falando sobre amores perdidos, bom de se dançar. Pena que por dentro estava mais escuro que lá fora, e nenhum raio poderia iluminar o buraco negro em que eu entrara, não agora... Aquela havia sido a última garrafa de vodka.


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Notas finais do capítulo

Creio que possa vir a me arrepender desta decisão daqui a algum tempo...



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