Frankfurt escrita por Velvet


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oi, só para dizer uma coisinha: o nome da personagem principal é Jana, mas em alemão soa algo como Iana.



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O vento cortante não dava descanso para o cachecol vermelho agarrado ao pescoço da dona, tentando se manter mais perto da pele quase quente do que das ruas cheias de bitucas de cigarro. As ruas pareciam estranhamente cheias para um dia comum de outono para Jana, mas ela sabia que era por causa da feira de livros para a qual ela mesma se dirigia. A caminhada até o enorme prédio onde a feira anual era feita em Frankfurt era prodigiosamente desafiadora, considerando a curta distância, mas eram os males da chegada cada vez mais próxima do inverno.

Desde que se mudara para Frankfurt, dois anos atrás, para a faculdade de fotografia, Jana dividia um apartamento com outras duas pessoas: o excêntrico Riccardo, uns poucos anos mais velho que ela, intercambista italiano cursando psicologia na mesma universidade que ela, e a amiga Frauke, que cursava artes visuais.

O céu parecia chumbo moldado em impressionantes nuvens raivosas, ameaçando chuva, então Jana ficou mais do que feliz quando finalmente estava no meio dos adorados estandes da feira, as luzes artificiais de luz branca e a atmosfera calma e cool era o ambiente necessário para os nervos de Jana, depois da estressante noite anterior, onde fora carregada por Riccardo para uma balada do centro da qual não gostava, estranhamente, só por causa de um determinado jogo de luzes que tinham um padrão confuso.

O chocolate quente finalmente tinha ficado em uma temperatura agradável, e ela bebeu alguns goles da sua bebida de inverno favorita, enquanto se questionava com felicidade por onde começar.

Depois de horas vagando por entre estandes de livrarias de todos os cantos, lendo primeiros e, às vezes, segundos e terceiros capítulos de livros, assistindo uma ou outra apresentação ou a uma palestra sobre literatura estrangeira e um debate sobre escritores argentinos, ela considerou o dia positivamente cheio.

Ela vagava pelos corredores mais a leste, pensando sobre algum dos livros que tinha começado e havia lhe prendido a atenção. Os boxes das livrarias eram mais apertados desse lado, provavelmente pertenciam às livrarias pequenas as quais ela mantinha sentimentos agridoces. Nada mais decepcionante que uma livraria só com títulos que você já leu, ou pior: com livros massificados sobre pessoas descobrindo o amor verdadeiro. Mas era como ganhar na loteria quando aquela livraria apertada e absurdamente difícil de encontrar para onde um dos seus colegas te leva um dia, se mostra uma mina de livros que você nunca tinha ouvido falar, mas desafiadores e bem sacados.

O dia se provou bom mais uma vez quando ela avistou de longe, em um corredor paralelo, o vizinho com quem nunca tivera coragem de falar, nada além de um educado “Oi” na portaria do prédio, e uma vez os colegas de apartamento e ela foram convidados para uma festa no apartamento dele e dos colegas (aparentemente Riccardo tinha dormido com um deles ou coisa assim, havia tempo que Jana desistira de tentar acompanhar a vida dele), mas depois de cinco cervejas ou coisa do tipo o vizinho se trancou no quarto com uma garota qualquer, e ela terminou a noite com um cara de nome engraçado e que tinha passado a noite anterior na cadeia.

Jana se despertou dos pensamentos com gosto de ressaca para a crua realidade de estar encarando Leon Reuter fixamente e ele estar naturalmente incomodado. Depois que ele desviou os olhos para o livro que estava em suas mãos, ela olhou em volta em busca de uma desculpa plausível para estar parada, encarando o vizinho com quem só manteve algumas poucas conversas de no máxico cinco frases de ambos. Como a garota se via desprovida de nenhuma desculpa plausível, piscou exageradamente e olhou ao redor como se estivesse acordando de um sonho, se sentindo mais ridícula do que havia se sentido na semana passada, quando tropeçou enquanto corria atrás do cachorro de Frauke no meio da rua carregando uma sacola com os excrementos do animal. Ela realmente odiava aquela quitinete de pulgas...

Leon vestia um avental bege com o logo escarlate da livraria, livraria na qual lia um dos livros do estande, então Jana supôs corretamente que ele trabalhava lá, ela respirou fundo e foi se aproximar dele com um sorriso no rosto, pensando que a pior coisa que poderia acontecer, era um ou outro momento constrangedor no elevador do prédio se isso fosse mal.

Enquanto ela pensava febril e rapidamente no que falar, caminhando aqueles últimos metros até ele, ela viu a capa do livro que ele lia. Seria até melhor dizer devorava, porque os olhos deles se moviam velozes pelas linhas de uma página perto do fim do livro, os nós dos dedos tensos, talvez por ser algum momento eletrizante. Jana quase executou uma de suas miseráveis danças da vitória, porque ela conhecia cada trecho daquele livro, e se alguém recitasse alguma frase de qualquer um dos capítulos, ela poderia dizer de qual. Era seu livro favorito.

– Você me lembra a mim mesmo quando eu li esse livro pela primeira vez – ela riu um pouco, porque a imagem dele batia perfeitamente com a descrição quase cômica de tão concentrada que Frauke fizera dela.

Ele levantou os olhos da página por um segundo e a fitou nos olhos, mas depois voltou rapidamente o foco para o livro, daquele jeito confuso de como quando você não pode se conter a ter mais uns vislumbres da próxima frase, quando você é interrompido por alguém e não tem controle sobre os próprios olhos para os afastarem das páginas.

– Desculpa por ter te tirado do seu livro, é só que é meu livro favorito e eu nunca me contenho em perguntar se alguém está gostando desse título – ela entortou a cabeça ao sorrir da maneira como sempre fazia. Jana sempre fora um pouco mais expansiva do que o natural para o resto da população Alemã, e às vezes também um pouco mais irritante. –Eu vou deixar você lendo.

Ela tinha dado o primeiro passo para ir embora quando ele respondeu, com o tom cordial de alguém que está tentando fazer a outra não se sentir irritante.

– Ah, sem problemas – ele disse displicentemente. – Eu estou amando esse livro, respondendo a pergunta implícita, é simplesmente eletrizante, porque tem uma gradatividade, o livro cresce – ele usou as mãos para se expressar e de repente se tocou disso, colocando as longas e elegantes mãos na bancada com os livros.

Jana riu um pouco, e eles ficaram naquele momento estranho em que ambos percebem que estão flertando. Infelizmente, para Jana, ela era terrível nisso, coisas ruins aconteciam com ela nesses momentos, coisas constrangedoras, em suma. Mas não o tipo constrangedor fofo, mas sim o tipo de coisa constrangedora que afastava pessoas: derrubar tudo em cima da mesa do restaurante, indo ao banheiro; cair em uma poça de lama no meio de um encontro nas trilhas do parque; e outros tipos de coisas mais vergonhosas que sempre terminaram terrivelmente mal, mas ela deixou isso em um canto da cabeça, sem dar bola para o lembrete pessimista.

– Mas você mora no meu prédio, não? – E começou a conversa novamente. Leon Reuter tinha a confiança das pessoas bonitas, mas era educado o suficiente para não parecer esnobe. Ele não era realmente bonito, só tinha pontos extremamente bonitos, se você estiver interessado em saber. Talvez um pouco magro demais para os padrões tradicionais, sem músculos definidos, mas era estranhamente magnético, como se sua polaridade fosse a oposta da de Jana, a convidando para chegar mais perto, rasgar as barreiras tão bem definidas de seu espaço pessoal.

– Aham, meu nome é Jana, Jana Haas – ela sorriu em cumprimento, mesmo que ele não soubesse o nome dela –, eu me lembro de você do prédio, acho que fui em uma festa no seu apartamento algum tempo atrás ou coisa assim.

– E meu nome é Bond, James Bond – ele brincou. – O.K., não. Meu nome é Leon Reuter, muito prazer. E eu realmente acho que se você foi a uma festa lá em casa, nós não deveríamos estar sendo tão formais – Leon disse em provável referencia ao ar decrépito do apartamento, de onde sempre saia algum de seus amigos nu para buscar o correio ou pedir um remédio para ressaca nos apartamentos vizinhos. Não que alguém achasse estranho.

– Mas o maior charme da boemia é a pompa, Leon – Jana disse, pela a primeira vez sem um sorriso no rosto, brincando de seriedade.

– Mas aos boêmios desse século só resta a miséria, Jana – Leon disse, pela primeira vez sorrindo.

Jana provavelmente replicaria alguma coisa engraçadinha, mas um senhor limpou a garganta ruidosamente, chamando por atenção.

– Boa tarde, você tem algum outro livro desse escritor? – O homem bem trajado perguntou, mostrando um livro de capa verde a Leon. Ele lançou um “Com licença” à Jana e foi atender o cliente. Nos rápidos minutos que Leon tomou para constatar que não havia nenhum outro livro do escritor do Kamasutra na loja, Jana olhou no celular que horas eram, tentando evitar a gargalhada, mas bufando estranhamente ao ouvir sem querer o que os dois falavam.

– Você duvidaria do tanto de coisas assim que já aconteceram – ele disse acompanhando as costas do homem ao longe.

Jana estava tentando controlar uma gargalhada, principalmente por causa da cara conformada e suspirante de Leon.

– Eu bem que queria ficar aqui debatendo os gostos sexuais dos seus clientes, mas eu tenho que ir andando, tem aquele temporal lá fora – ela disse dando de ombros e se desculpando, mas querendo se bater por causa do seu estúpido medo de trovões.

– Eu tenho mais cinco minutos e depois o próximo cara vai chegar para ficar aqui, para não precisarmos colocar o cadeado na loja, não quer esperar para irmos juntos, vizinha? Talvez nós pudéssemos esticar no meu apartamento e tomar uma cerveja, e conversar um pouco mais sobre livros ou clientes estranhos, que é o que não falta em Frankfurt.

Suas palavras acompanharam o arco de sua sobrancelha arciforme em uma curva de convites subentendidos. E Jana não pode deixar de espelhar o sorriso levemente malicioso daqueles que nada tem a temer, senão a falta de álcool no sangue.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem, pessoal. E sim, eu sei que provavelmente bati o recorde mundial de redundância com o ultimo parágrafo.