Mother escrita por Bardo Maldito


Capítulo 1
Mother


Notas iniciais do capítulo

Essa eu tive que trabalhar muito pra adaptar de maneira decente. Mas o resultado final me agradou muito.
Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/522679/chapter/1

Agora que paro pra pensar... foi tolice. Com toda a certeza, eu deveria tê-la impedido. Era um caminho arriscado, perigoso e que só traria sofrimento. Eu tentei ignorar tudo isso, apenas para vê-la feliz... mas não adiantou nada.
Ela sempre foi a pessoa mais doce e compassiva que eu já conheci. Inspirava um sentimento positivo que fazia eu me sentir em paz perto dela... mesmo sendo o Príncipe da Raiva, eu me sentia seguro e calmo, e não sentia o descontrole tentando rasgar minha faceta psicológica. Ela me oferecia um consolo maior do que qualquer milagre, qualquer oração, qualquer fé poderia oferecer.
Quando finalmente assumimos nosso relacionamento, nossa intimidade apenas aumentou. Eu constantemente frequentava a toca dela, para conversarmos sobre os casais que ela gostava de formar entre nossos amigos, ou apenas para desfrutarmos juntos de uma boa erva-de-gato. E, é claro... também havia tempo para nossas horas de paixão. Doce e carinhosa como minha Meulin era, eu sempre me deliciava nos momentos que passávamos. Não apenas longas horas de aconchego, mas também momentos nos quais eu soltava o tanto que podia da minha própria selvageria, e me deliciava com seus gemidos e gritos que ecoavam por sua toca.
Embora fosse algo que sempre esperávamos, no fundo, havia outra razão para esses nossos momentos... nossa civilização troll, de Beforan, embora fosse muito mais pacífica e civilizada que a civilização que seria criada depois, de Alternia, conservava já alguns valores bem fortes... e, bem, nós ainda éramos trolls. Nossa Matespritship, no fundo, era apenas parte de um grande sistema. Um ciclo que sempre se repetia, aonde nossos sentimentos vermelhos geravam um fruto que era entregue ao Zangão Imperial, que mais tarde o levaria à Lesma Mãe, que devoraria todo o material genético recolhido, juntando-os em um grande lamaçal diabólico e incestuoso, que mais tarde resultaria em ovos, dos quais surgiriam os futuros trolls.
E não havia lugar para casais Matesprit ou Kismesis que não geravam material genético, mesmo em Beforan. Ainda que aqueles de sangue superior protegessem os de sangue inferior, o tributo deveria sempre ser pago: era dever de todo casal de trolls fornecer o material genético ao Zangão Imperial.
Eu e Meulin já fizemos muito isso. Em sua peregrinação, ele passava por nós a cada dois meses, aproximadamente. Sempre tínhamos uma noção de quando ele viria, então eu ia até a toca de Meulin, para entregarmos juntos o material genético. Era algo curioso: após o coito, em aproximadamente duas semanas Meulin dava à luz uma espécie de larva, com a cabeça de um troll. Eu não lembrava praticamente nada do meu período como larva, após ter saído do ovo surgido do lamaçal da Mãe Lesma, mas não acho que eu era igual a essas criaturinhas, que eu nem sabia se eram seres vivos. Como todos os trolls, eu sempre as encarei como mera extensão de DNA, pra ser entregue ao Zangão Imperial e esquecer, que depois seria devorado. Podiam ter um rostinho como o de um troll, mas não eram um.
Ou, ao menos, era assim que eu pensava.
A razão pela qual eu sempre ia até a toca de Meulin para entregarmos juntos o material genético era que Meulin não gostava disso. Eu não entendia bem a razão, e ela também nunca falava, mas eu notava que ela ficava triste e desanimada, chegando até a tremer um pouco antes de depositar nosso material genético no balde marcado com um coração levado pelo Zangão Imperial. Eu me indagava se ela não teria medo de ser morta pelo Zangão Imperial,mas isso não fazia muito sentido: afinal de contas, estávamos ali, entregando o material genético, e ao contrário do que mais tarde haveria em Alternia, o Zangão Imperial não nos mataria se não entregássemos o que era necessário. Por mais que aquela coisinha se mexesse e gemesse, como eu suponho que uma larva troll deveria fazer, nós o colocávamos no imenso balde, com todo o material genético recolhido dos outros Matespritships que haviam em Beforan. Quando o Zangão Imperial ia embora, ela costumava ficar um pouco melancólica... e era assim a cada dois meses. Eu não a entendia, mas... a vida prosseguia.
Até aquele dia... eu estava à toa em minha toca, quando me conectei à Trollian e encontrei uma dezena de mensagens deixadas por Meulin enquanto eu estava offline.

smokeyCathead [SC] began trolling skeletonCapricorn [AC]
(=*o*=) OMG Puurloz vem ca que eu tenho que te mostrar algo
(=`w´=) Vem logo depressa
(^*o*^) É lindo lindo lindo
(^u.u^) Ta demorando demais........ vem logo, é um meowlagre!!!!!
smokeyCathead [SC] ceased trolling skeletonCapricorn [AC]

Sorri. Ela provavelmente tinha surtado com algum novo casal pra shippar, e queria compartilhar comigo. Esses momentos eram fofos, ela parecia transpirar carinho e cuidado.
Porém... era estranho que ela tivesse essa reação exagerada. Não era algo comum. Com certeza, deveria ser o maior OTP de todos, pra ela surtar dessa forma.
De qualquer jeito, fui até lá... entrei na toca dela, e ela estava lá, com um sorriso largo no rosto.
- Purrloz, Purrloz, Purrloz!! Vem cá, vem cá, você tem que ver!! - ela me abraçou e me beijou, e então me puxou pela mão, me conduzindo por sua toca
- Ei, calma aí... - eu disse, meio rindo, enquanto era puxado por ela - Qual é o OTP dessa vez?
- Quê? OTP? Não, não é nada disso, é meowlhor! Olhe! - ela me conduziu, e então eu vi o que era
Não entendi a razão para tanta afobação. Ali estavam dois materiais genéticos. Realmente, eu esperava que isso acontecesse... afinal, fazia cerca de duas semanas a última vez que havíamos feito sexo. Mas... dois materiais genéticos? Será que ela estava tão afobada porque tinha arranjado um Kismesis, tido um segundo material genético com ele, e estava doida pra me mostrar?
Não... olhando mais atentamente, vi que os dois eram idênticos. Corpos larvais diminutos, cabelo preto ondulado e pequenos chifres, um torcido e mais longo e outro mais curto e largo, como os meus e de Meulin. Os dois foram frutos meus e de Meulin. Então... pra que toda essa afobação?
- Não são lindos? - disse minha Meulin, chegando perto dos dois, que estavam em cima de um pano, lugar aonde ficavam até o Zangão Imperial chegar
- Ahn... - não exatamente. Estávamos juntos já há mais de um ciclo solar, já havíamos feito muitos materiais genéticos para entregar ao Zangão. O que tinha de tão especial nesses?
- Ah, você não está entendendo nada... - ela veio até mim e segurou minha mão - É o seguinte. Até então, nós sempre entregamos aqueles iguais a esses dois pro Zangão. E... por quê?
- Como assim? - a encarei, surpreso - Pra ele levar até a Lesma Mãe, ela devorar e, com isso, botar ovos de mais e mais trolls, como nós. A sobrevivência da nossa espécie depende disso.
- Aí é que está. - ela caminha até os materiais genéticos e acaricia o cabelo de um deles, enquanto o outro tenta morder sua mão - Ninguém sabe, mas dessa vez nasceram dois. E se... nós entregássemos só um deles pro Zangão, e criássemos o outro?
Arregalei os olhos de surpresa.
- O quê?
- Eu sei, é ruim termos que escolher entre um dos dois, ainda mais quando os dois são iguaizinhos... mas imagine só?
- E pra que você vai querer ficar com um desses?
- Eu estive pensando... sempre foi assim, a Lesma Mãe tomando nosso material genético pra, supostamente, transformar eles em ovos de trolls. Mas... e se, na verdade, nós não precisarmos dela? E se nós ficarmos com um desses... e cuidarmos dele até ele virar um troll crescido?
- E pra quê? - eu não entendia, não era muito mais fácil entregar pro Zangão Troll e acabar com tudo? Por que pensar em ter todo o trabalho para si mesma?
- Eu... eu não sei. - ela me olhou, a expressão ainda meio confusa, mas transbordando de sentimentos - Mas eu quero. E quero muito.
Suspirei longamente e me ajoelhei do lado dela, encostando em seu ombro e fazendo-a se virar pra mim.
- Meulin... Gatinha... - eu sempre chamava ela assim para tentar ser mais razoável e gentil com ela - Isso é loucura. Você nem sabe exatamente o que está fazendo. Ninguém nunca tentou isso antes, isso simplesmente nunca existiu.
- Eu sei, eu sei... - disse Meulin, com uma expressão triste no rosto - Mas... não sei, Purrloz... eu não gosto disso, nunca gostei... eu sempre fico muito triste quando tenho que entregar um deles para o Zangão Imperial.
- Meulin... não são filhotes de troll. São só material genético.
- Como é que você sabe? - ela pegou um dos dois no colo, e aproximou de mim - Olha só pra ele. Ele tem um rosto igual ao de um troll. Olha, ele está tentando te morder. Como é que você tem certeza que isso não é um filhote de troll? Como é que você pode saber que não estamos dando uma criancinha troll pra uma lesma gigante comer?
Eu encarei a criaturinha. O cabelo bagunçado lembrava um pouco meu. Os chifrinhos, ainda minúsculos, pareciam crescer de formas diferentes, um deles lembrando os meus, e o outro semelhante aos de Meulin. Os olhos miravam o que estava ao alcance, e a boca, já com dentes minúsculos, tentava me morder. Eu sempre encarei aquilo como algo banal, quase repugnante... uma mera obrigação. Uma consequência desagradável de um dos momentos deliciosos que eu tinha com minha Meulin. Mas... e se ela tivesse razão?
- Purrloz... por favor. É nosso filhote. - Meulin me encarou, lágrimas quase transbordando de seus olhos
Olhei de Meulin para o material genético. Quase sentia no ar o grande pesar dela. Então, suspirei.
- Bom... acho que podemos tentar fazer isso funcionar.
Meulin sorriu de orelha a orelha. Depois de cuidadosamente depositar o material genético no chão, ela me abraçou com força.
- Obrigada, obrigada, obrigada, obrigada... você é o meowlhor Matesprit que alguém poderia querer!! - ela disse, enquanto me beijava
Eu sorri, e também a beijei. Posteriormente, tivemos mais um momento delicioso e vermelho, e quando fui embora, Meulin estava cuidando dos dois materiais genéticos, conversando com eles como se eles pudessem entendê-la.
Eu não entendia Meulin. A achava maluca. Mas... era minha Matesprit. Se era maluca, era minha maluca. Então, eu tinha que fazer isso por ela.
Ou então, eu deveria tê-la parado enquanto eu podia.
*
O dia de entregar o material genético ao Zangão Imperial chegou. Fui até a toca de Meulin, como de costume, e lá estava ela... enrolado em um pano, estava um dos dois materiais genéticos.
- Tive que escolher um dos dois. - ela disse, assim que eu cheguei - É triste... ter que escolher um dos dois. Sendo que os dois são iguaizinhos. Mas, no final, foi isso.
Assenti, sem dizer nada. Ainda achava tudo aquilo uma loucura.
- Ei... - ela falou para o material genético que estava em seus braços - Eu queria poder ficar com vocês dois. Mas não posso. Então... vou cuidar do outro você. E você, quando passar por tudo que tem que passar, todos os testes, e conseguir se tornar um troll crescido... quando encontrar o outro você, fique junto com ele. Vocês são feitos um pro outro, mesmo agora.Acho que vocês podem ser bons Moirail, talvez até Matesprit. Só... não esqueça ele. E não esqueça de mim. Nem do Purrloz. Você... você é nosso.
Notei que Meulin estava prestes a começar a chorar. Me aproximei dela para abraçá-la, mas antes disso, notei ao longe o Zangão Imperial chegando.
- Meulin... ele está chegando. - eu disse
- Eu sei. - respondeu Meulin, afastando o começo de choro com as costas da mão
Logo, o Zangão Imperial chegou. Uma colossal figura insetoide, carregando um imenso balde em cada mão, um para Matespritship e outro para Kismesissitude.
Parou à nossa frente. Meulin, tremendo violentamente, mais do que em qualquer outra ocasião, largou o material genético dentro do balde de Matespritship. Em seguida, o Zangão Imperial tornou a andar, para procurar outros casais de trolls.
Meulin começou a soluçar. A abracei, enquanto ela aninhava o rosto em meu peito, chorando de pesar. Após alguns minutos assim, ela se recompôs o suficiente para sua respiração voltar ao normal.
- Você está bem? - perguntei
- Estou. - ela disse - Você... você pode me deixar um pouco sozinha?
Eu não queria, mas sabia que era algo que ela precisava agora... iria pra dentro de sua toca, fumar erva-de-gato, organizar a lista de seus OTP's, mimar o outro material genético... até se sentir melhor.
Então, apenas beijei sua testa e tomei o caminho de volta para minha toca. Ela me contataria pelo Trollian quando estivesse se sentindo melhor.
*
Os dias se passaram de forma tranquila. Minha Meulin logo se reanimou, e sua dedicação ao outro material genético era clara e bonita. Eu nunca a havia visto tão feliz, principalmente porque, devo admitir, estava rendendo resultados. A criaturinha já não tentava morder nossa mão. E estava começando a balbuciar algumas palavras. Desconfio até que estava nascendo uma cauda azul como a de Meulin na parte traseira de seu corpo larval, e que as patinhas de larva estavam começando a assumir a forma de mãos e pés. E... tenho que confessar que até eu estava começando a gostar da criaturinha. A cada dia, parecia diferente... e comecei até a pensar que talvez pudesse mesmo ser um filhote de troll, e não um mero material genético.
O início de meus dias geralmente era marcado com mensagens offline que Meulin me deixava na Trollian.

smokeyCathead [SC] began trolling skeletonCapricorn [AC]
(^*o*^) Ele é fofo fofo fofo fofo fofo
(=;w;=) Acho que ele está me reconhecendo
(^@.@^) E também sente sua falta, você está muito ausente
(=`w´=) Aparece aqui, ele está sentindo sua falta
smokeyCathead [SC] ceased trolling skeletonCapricorn [AC]

No fundo, eu estava pensando que valia a pena passar por toda essa loucura, só pra ver minha Meulin feliz desse jeito.
Até que, um dia, acordei e não vi nenhuma mensagem offline de Meulin. Estranhei um pouco, era incomum que isso acontecesse... e bem, como não tinha mais nada pra fazer naquele dia, decidi ir até a toca de Meulin, ver se estava tudo bem.
Entrei, e ela estava no chão, debruçada sobre o pano no qual o filhote costumava ficar. O próprio estava no pano, mas meio “largado”, os olhos fechados, como se estivesse dormindo, mas ainda “pulsante”, o que mostrava que estava vivo. Notei que a cauda de Meulin não estava erguida e fazendo movimentos suaves, como era o normal quando ela estava empolgada ou feliz.
- Gatinha? - a chamei de leve, anunciando que estava ali
Ela me olhou. Notei profundas olheiras em seu rosto.
- Bom dia, Purrloz. - ela disse, com uma voz que evidenciava um imenso cansaço
Cheguei mais perto e sentei do lado dela.
- Você está bem? - perguntei
- Estou... estou bem, sim.- os olhos dela se voltaram para o filhote - É só que... ele deve estar doentinho. Não está mais se mexendo como antes, parece cansado... passei a noite inteira de olho nele.
Observei o filhote. Realmente, ele não parecia lá muito saudável. Parecia mais apagado, não tinha a vitalidade de antes.
- Ele parece mal, mesmo. - eu disse
- Acha que deveríamos ver se a Aranea pode fazer algo sobre isso? - ela me perguntou, mesmo sabendo qual seria minha resposta
- Ninguém pode saber, além de nós dois. Mesmo que Aranea não seja o tipo de pessoa que procuraria nos fazer mal, ela provavelmente aconselharia apenas que nos livrássemos dele. E, você sabe... é o que a maioria dos trolls normais pensaria.
- Eu sei, eu sei que é loucura. - disse Meulin - Mas... olha só pra ele. Como alguém poderia ter coragem de se livrar dele? Eu... eu não quero perdê-lo, Purrloz. Se algo acontecer com ele, eu... eu...
Ela parecia inconsolável por um instante. Não estava chorando, apenas... a perspectiva de perdê-lo parecia torná-la vazia por um instante.
A abracei, e após um instante no qual ainda estava apática e vazia, ela inesperadamente sorriu em meus braços, foi se aconchegando e deitou a cabeça no meu colo, olhando para o filhote.
- Sabe... - ela disse, de repente - Eu acho que tem muita coisa errada no nosso mundo. Eu já disse que não gostava de como nós nascemos... e mesmo que os trolls mais fortes protejam os mais fracos, não acha que seria lindo se outras pessoas fizessem o mesmo que nós? Não é algo lindo que possamos proteger aqueles que são parte de nós... e ver eles crescendo? Será que... algum dia, não podemos ser todos assim?
Eu escutava os devaneios de Meulin, e ainda achava tudo uma loucura muito grande. Nessas semanas, eu a havia visto chorando mais vezes do que em todas as outras ocasiões que estávamos juntos. Estava vendo agora as olheiras em seu rosto, que denunciavam sua falta de sono, e seu cansaço. Meulin estava muito fraca.
Então... por que ela se sentia tão feliz?
*
Alguns dias depois, acordei de madrugada após um sonho agitado. Eu sempre tenho pesadelos à noite, alguns piores que outros, mas esse era particularmente perturbador. Não lembro com o que eu sonhei... mas pressenti que havia algo muito ruim acontecendo. Podia quase sentir o sofrimento no ar.
Me levantei e me conectei a Trollian. Meulin não estava online. Não havia nenhuma mensagem offline.
Algo estava errado. E eu acreditava saber o que era.
Antes mesmo que eu entrasse na toca de Meulin, eu notei que meu pressentimento estava certo. Assim que entrei, ela estava agachada, o rosto escondido entre os braços cruzados... na frente do pano aonde nosso filhote costumava ficar.
Mas o pano não estava por baixo do filhote, como de costume. Ao contrário, estava cobrindo algo completamente imóvel cuja silhueta lembrava muito a pequena larva.
- Meulin?
Ela me olhou. Os olhos dela estavam inchados de tanto chorar, o rosto manchado e marcado pelo sofrimento.
Não é necessário ser um gênio pra entender o que aconteceu.
Me ajoelhei ao lado dela e a abracei. Meulin me abraçou e voltou a chorar, soluçando sonoramente e sem consolo.
- Eu sinto muito. - eu disse, enquanto beijava o topo de sua cabeça, sentindo ela se agarrar a mim com firmeza, chorando inconsolavelmente
Demorou mais de uma hora até que ela parasse de chorar. Porém, ela ainda soluçava e olhava com tristeza e sofrimento para o pequeno montinho que escondia o cadáver da criaturinha que tinha recebido todo o seu carinho e afeto.
- Agora sabemos porque ninguém nunca tentou fazer isso. - ela disse, a voz embargada - Somos inúteis. Dependemos completamente da Mãe Lesma pra que nossa espécie sobreviva. Não podemos fazer nada sozinhos. Nada... foi tudo em vão, Kurloz. Tudo.
A encarei, testemunhando toda a tristeza dela. Realmente, fora uma loucura... que tivera um fim trágico. Nosso material genético não é suficiente para sobreviver sem que seja fertilizado pela Mãe Lesma, afinal. No momento que decidimos criá-lo por nós mesmos, nós condenamos aquela jovem larva à morte.
Mas... em vão?
- Meulin... - eu comecei a dizer, hesitante - Não foi em vão.
- Como não? Ele está morto. Foi tudo inútil.
- Não, não foi. Meulin... eu nasci e cresci só acompanhado por um lusus. Tive que lutar pra sobreviver. Sozinho. Você também. Todos nós somos assim... solitários. Só conhecemos o prazer de receber o afeto dos outros quando crescemos e conhecemos outros trolls, nos fechando em nossos Quadrantes. Mas... esse nosso filhote recebeu o que nunca nenhum troll recebeu. Teve o carinho de alguém que se importava com ele ainda filhote. Sua vida foi curta... mas eu sei que ele foi feliz, muito mais feliz que qualquer outra larva de troll jamais foi. E... - eu hesito por um instante, pensando na loucura do que eu iria dizer - Eu acho que você está certa. O mundo seria muito mais lindo se fosse possível que houvessem outros como ele. Se não tivéssemos que crescer sozinhos, só protegidos por um lusus. E se cada casal de trolls que se amam pudesse ver o fruto de seu afeto crescer.
- Mas é impossível.
- É impossível agora. É um sonho. Mas... é um sonho lindo, Meulin. Um sonho lindo que nós vivemos. E... quem sabe um dia não possa ser verdade? Quem sabe não possamos um dia viver do jeito que você quis? Quem sabe, daqui a muitos ciclos solares, o seu sonho não vire realidade?
Ela me encarou ainda com tristeza, mas visivelmente emocionada por essa perspectiva.
- Talvez acrescentemos um novo Quadrante. - eu disse - Um que seja essa relação, de trolls com suas larvas. Algo como... “Motherspritship”.
- Que nome é esse?
- Não sei, acabou de me ocorrer. Mas soa bem, não acha?
Meulin finalmente sorriu, de modo fraco, mesmo enquanto lágrimas ainda escorriam de seus olhos.
- “Meowtherspritship” é melhor. - ela disse
- Também gosto. - eu disse, também sorrindo. Ela fazer um trocadilho com gatos já era sinal que ela se recuperaria.
Ela voltou os olhos para o nosso pequeno filhote coberto pelo pano.
- Adeus, meu bebê... - ela disse, com voz embargada
- O que é um bebê? - perguntei
- Não sei bem. Mas o Cronus falou disso uma vez. Algo como uma pequena larva rosada e fofa.
- Não deveria dar ouvidos ao Cronus. Ele é um babaca.
- Só diz isso porque ele ficaria perfeito em uma Matespritship com seu Moirail. - ela disse, agora com um leve risinho no rosto
- O Mituna merece alguém melhor.
- Tá bem. Kismesissitude, então?
- Talvez. Se ele conseguir passar por cima do meu cadáver.
- Você está muito ciumento com o Mituna, e odiando muito o Cronus. - ela riu - Acho que um dia desses você vai me trocar pelo Mituna, e começar uma Kismesissitude com o Cronus.
- Sem chance. Só um idiota abandonaria a Matesprit perfeita.
Ela sorriu e me beijou. Em seguida, deitou no meu colo, e ficamos observando nosso filhote por mais um tempo. Nos despedindo daquele que foi tão breve, mas tão intenso em nossas vidas.
Ninguém jamais soube disso. Nenhum de nossos amigos ouviu falar de nossa louca tentativa. Mas foi intenso pra nós, e nos meus piores pesadelos eu também sonho ocasionalmente com o nosso filhote morrendo. Meulin nunca mais foi a mesma: desde aquele dia, até o dia que minha selvageria finalmente se descontrolou a mutilou ela pra sempre, ela nunca esqueceu a pequena criaturinha. Sempre chorava quando entregávamos um novo para o Zangão Imperial. Cada vez mais sensível.
Mas não poderia ser diferente. Vivemos e sofremos, mas seguimos em frente.
E talvez, na pós-vida, nosso filhote esteja sorrindo, feliz por ter sido tão amado quanto foi.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Tive que mudar algumas coisas...mas espero que tenham apreciado o resultado final.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mother" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.