Licantropia: A Reserva escrita por Paulo Carvalho


Capítulo 23
Capítulo 22: Agradecimentos.


Notas iniciais do capítulo

E aí, pessoal tudo bom? Acho que vocês já estão cansados das minhas desculpas por atraso dos capítulos, né? Hhaha...bem, como sempre tive algum imprevisto
Espero que gostem dessa capítulo. Eu particularmente acho que vocês vão gostar,haha.
Boa leitura!



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O sol estava quente naquela manhã. E nem mesmo a proteção das arvores que filtravam a luz, tornando-a verde e estranhamente mágica, parecia capaz de suavizar a sensação térmica. Na parte da floresta que havia crescido ao redor da cidade abandonada, a vida selvagem parecia mais agitada que qualquer outro dia que Sam houvesse presenciado.

Lagartos verdes corriam pela cerca de metal, verdes e brilhantes. Borboletas multicoloridas circulavam ao redor dos arbustos cheios de minúsculos botões de flor. Ela vira um grupo de raposas de pelo castanho avermelhado correr próxima ao grande lago no norte da cidade, elas encararam a cerca com curiosidade, abanando as orelhas e inclinando a cabeça para o lado. Elas fugiram assim que Samantha atravessou parte do grande depósito da alcateia cheia de todo tipo de entulho que ainda poderia servir de alguma forma. Era tarefa de Sam procurar por objetos úteis na pilha gigantesca quando não estava suando no Defumador.

Respirando fundo, ela puxou a perna de uma cadeira para testar a resistência e o pedaço de madeira exibiu uma série de rachaduras no topo. Era uma tarefa entendiante que muitas vezes resultava em um nado frustrante. Outras vezes, entretanto, ela encontrava coisas realmente boas, como uma mala de viagem aparentemente inútil que estava cheia de roupas resistentes e sem furos. Parte do vestuário foi dado a ela por Raniah como recompensa.

Ela aprendera algumas poucas coisas na alcateia. Coisas que não lhe eram ensinadas na Reserva pelo simples fato de que ninguém antes havia estado com os Filhos da Noite e sobrevivido. Ou ao menos quisera e conseguira voltar para aquele lugar, o pensamento cruzou sua cabeça. Ela não podia culpá-los, podia?

A primeira das lições era sobre a comida. Desperdício era um crime extremamente grave como é de se esperar para qualquer um que não tem a garantia de um prato cheio na manhã seguinte. Ela descobrira que havia alguns grupos especializados em caçar. Eles sabiam identificar rastros, se moviam tão silenciosamente quanto sombras e alguns, como Serena, conseguiam até mesmo imitar certos sons. Eles passavam dias, às vezes, semanas à procura de presas. As favoritas eram pumas, cervos e uma espécie de porco selvagem. Eles tem mais carne e mais gordura, Serena lhe contara, lebres e raposas são magros e difíceis de pegar. Eles não nos atacam. Precisamos correr atrás dele muito mais do que para capturar um cervo. Não gastamos energia desnecessária aqui. Toda vez que saímos da cerca é um risco. Não os aumentamos por uma raposa. Serena havia lhe dito que eles tinham arriscado e muito à procura do puma que levara a sua captura. Se tivessem notado que estavam tão perto da Reserva, teriam dado meia-volta e corrido.

Sam pensou naquele primeiro dia como prisioneira. Parecia há tantos anos, mas haviam sido poucos meses, na verdade. Naquele dia Soren,Serena e o outro menino...qual o nome dele mesmo? Dragan, não é? Eles pareciam tão ameaçadores, selvagens. Ela realmente acreditara que eles podiam se transformar em feras gigantescas. Samantha acreditara naquilo por um bom tempo e, certo dia, perguntara timidamente a Serena. A licantropa rira e dissera:

–--Seria bom! Se todos pudéssemos rugir e fazer crescer garras e um focinho cheio de dentes. ---ela piscara. ---Infelizmente o vírus não é uma benção. Ele apenas nos deixa mais rápidos e com mais fome. ---Serena continuara rindo, mas havia algo no fundo de seus olhos que a fez pensar sobre aquilo. Algum deles poderia se transformar em fera? Como nos filmes antigos e horríveis que às vezes passavam na praça central da cidade protegida?

Outra preocupação era em relação à segurança. Nada era feito sem ter sido premeditado e planejado uma meia centena de vezes. Os grupos de caça eram geralmente compostos por três rastreadores, responsáveis por encontrar a comida, e dois protetores cuja função era se manter alerta a qualquer indício de perigo independente do perigo. Todos recebiam treinamento, mesmo que breve, sobre como se defender e lutar. Os que demonstravam maior aptidão ou força, recebiam um tratamento mais intensivo comando por Soren. E era Raniah que dava a palavra final sobre qualquer decisão. Sam percebera a lealdade cega de todos em relação a ele e rapidamente descobrira o porquê. Ele era como seu instrutor de luta na Reserva, Jason Sanzor. Havia algo na forma como ele se comportava que gerava respeito e ao mesmo tempo admiração. Tudo o que ele fazia parecia de alguma forma certo, firme e seguro.

Ela subiu sobre um conjunto de retângulos de madeira quebrada que antigamente deviam fazer parte de um armário ou mesa e puxou o que parecia ser bancos acolchoados arrancados de um carro. As poltronas caíram com um ruído surdo e deslizaram pela pilha arrastando consigo ferro, plástico e madeira de uma centena de objetos inúteis. Ela se inclinou para analisar o estofado e se afastou rapidamente antes que o bote da serpente atingisse seu pulso.

A cobra devia ter cerca de dois metros de comprimento com a cabeça em forma de seta e um par de olhos negros e brilhantes. As escamas marrom-escuras formavam padrões repetitivos em forma de losangos. A língua bífida provava o ar à sua volta, procurando pelo aparente predador que havia atrapalhado seu descanso. Ela se enrolou três vezes e ergueu a cabeça provocativamente, esperando por um novo ataque.

Samantha nunca havia visto uma serpente ao vivo. Era um dos animais apontados como perigosos nas aulas de sobrevivência e, ela sabia alguns poucos detalhes sobre o animal; apenas o suficiente para não tentar tocá-la novamente. A cabeça triangular indicava a probabilidade de ser venenosa, ela lembrou, mas ainda assim procurou pelo orifício entre olhos e as narinas para se certificar.

Sam encarou a serpente por um longo período de tempo, esperando que a cobra se movimentasse e saísse do estofado. Haviam lhe ensinado a prender o animal pela cabeça, pressionando o polegar entre os olhos e imobilizando parte do corpo para que ela não se soltasse, mas não sabia se conseguiria fazer aquilo. Na teoria parece fácil, mas... Ela sentia um estranho respeito pelo animal e seus olhos azuis estavam grudados nas pequenas esferas negras do réptil, quase hipnotizada.

Ela esperou por um longo período de tempo, torcendo para que a cobra decidisse se mover sozinha, mas a serpente permanecia em posição de ataque com a língua se movendo rapidamente. Eu quero essa droga de cadeira, cobra. E quero logo. Cansei de ficar te olhando. Sai daí! Infelizmente o réptil não lia pensamentos e ela permaneceu na mesma posição de antes.

Respirando fundo, ela se virou e caminhou para trás do banco. Um...dois...três. Sam se moveu o mais rápido que conseguiu e sua mão direita pressionou a cabeça da cobra no mesmo instante que a outra mão imobilizava o corpo da mesma. Ela esperava ser mordida, reparou. Tinha quase certeza que uma de suas mãos escorregaria ou a serpente seria mais rápida e ágil do que ela, mas não foi o que aconteceu. O réptil abriu a boca irritada, mas a pressão de Samantha impedia que ela conseguisse se virar. A sensação das escamas contra sua pele era áspera, mas não totalmente ruim. Sam sentiu-se estranhamente forte naquele momento. Ela segurou o animal com firmeza e o ergueu em direção a cerca no mesmo instante que Soren surgia à sua frente.

–--O que é isso? ---ele ergueu as sobrancelhas, consternado e assustado.

–--Uma cobra. ---Sam respondeu simplesmente com um meio sorriso. ---Você, um morador da floresta, nunca viu uma? ---A expressão de Soren aumentou seu sorriso.

–--É claro que já, mas nunca fui ameaçado com uma. ---ele respondeu, erguendo os braços. ---Você venceu, não me mate, por favor.

–--Muito engraçado. Só não me irrite e você estará em segurança. ---Sam respondeu com um sorriso e caminhou em direção a cerca.

–--Então...porque você está brincando com uma serpente. Sabe que essa coisa é venenosa para vocês, certo? ---ele perguntou.

–--´´Para vocês?`` ---ela tentou imitar a voz de Soren. ---O quê? Filhos da Noite também são imunes a veneno?

–--Dependendo da quantidade, sim. ---Ele respondeu com um meio sorriso. ---Eu, por exemplo, já fui mordido três vezes por essas belezinhas e continuo em pé e saudável.

–--Mas acho que afetou seu cérebro, não? ---Sam perguntou e com cuidado, soltou o animal ao lado da cerca.

–--Muito inteligente, pequena. ---Ele respondeu.

A serpente permaneceu imóvel por um momento, esperando por um novo ataque, mas Sam simplesmente se afastou e decidiu esperar até que a cobra voltasse para o lugar de onde havia vindo, mas ela se virou no sentido contrário. Em direção a pilha de destroços novamente. Samantha se afastou rapidamente e estava prestes a segurar o animal novamente quando Soren pôs o pé a dois centímetros da cabeça do animal, como se estivesse esmagando uma formiga.

A cobra lhe encarou e sibilou duas vezes antes de atacar. Sam pulou assustada enquanto a serpente atingia uma, duas,três vezes perna do licantropo. A calça jeans clara e puída não ofereceu grande proteção e Samantha viu o sangue escorrendo pela perna de Soren. Ele sequer pareceu sentir dor e simplesmente caminhou até a serpente segurou sua cabeça, recebendo outra mordida na palma dão e levou-a até a cerca novamente. Ele a pôs entre dois arbustos e a cobra, derrotada, caminhou em direção a sua antiga casa.

–--Você é louco? ---Sam perguntou com a pulsação acelerada mais pela surpresa da rapidez da cobra do que pelo bote em si. No fundo, ela sabia que era preciso mais do que veneno para derrubar Soren.

–--Claro. Você não? ---ele perguntou.

Ela o encarou enquanto procurava pela resposta sarcástica que não vinha. Ele estava usando calças jeans novas. Na verdade, elas eram velhas e rasgadas em vários pontos, mas ainda assim diferente da que ele havia usado no dia anterior. Ele usava uma camisa de flanela vermelha sobre a camiseta branca cavada nas laterais, mas ainda assim, Sam conseguia ver o contorno dos músculos do braço e agora, um pedaço da pele de suas costelas e peito. Havia mais músculos ali que ela não havia visto antes. Droga. Ele vai perceber. Ela se sentiu enrusbecer e o voltou a encarar seu rosto. Não era de grande ajuda, mas com o passar do tempo, ela aprendera a sustentar os olhos dourados.

–--Está com fome? ---Soren perguntou com os olhos semicerrados. ---Você parece faminta. ---a voz do licantropo pareceu ficar mais rouca do que o normal na última palavra. ---Está quase na hora do almoço. Vamos? ---ele estendeu o braço.

–--Pare com isso. ---ela o empurrou e atravessou até a calçada limpa do outro lado do monte de entulho.

Eles caminharam silenciosamente por alguns minutos seguindo pelas ruas organizadas da cidade abandonada. Sam achava que aqueles lugares estranhamente macabros. Ao contrário dos lugares bombardeados na guerra. As cidades que haviam sido evacuadas foram meticulosamente mantidas ilesas e bem organizadas, embora ninguém, claramente, houvesse tido o trabalho de limpá-las. Devido a isso, andar por aquele lugar era como caminhar em uma cidade fantasma com carros estacionados cuidadosamente no meio fio, porém cobertos por múltiplas camadas de poeira. Prédios sem vidros quebrados ou placas bloqueando a entrada, mas cheio de um silêncio sepulcral. Tudo parecia estéril, misterioso e cheio de ecos de um passado esquecido.

–--Nã,nã,não. ---Soren segurou o braço de Sam firmemente, porém com gentileza. ---Não é aí que vamos almoçar.

–--Como assim? É ali que fica o refeitório. ---ela apontou para o prédio quadrado e baixo onde eram toda a alcateia se reunia.

Ela não sabia quando o lugar se tornara agradável sob sua perspectiva, mas Sam sentia uma estranha comoção sempre que atravessava as portas duplas e ninguém lhe lançava olhares cheios de raiva ou ódio. A maioria deles eram amistosos, alguns curiosos e talvez um ou outro cheio de desconfiança. Normalmente esses eram de Oscar e seus amigos. Samantha não se importava com estes últimos. Eram muito poucos para lhe ameaçarem,agora.

–--Eu quero te mostrar umA coisa. ---Soren respondeu apenas e Sam notou que por trás do sorriso, havia certo nervosismo e ansiedade.

Sam deixou-se ser guiada, embora não estivesse prestando muita atenção ao que quer que seus pés estivessem fazendo naquele momento. Sua cabeça tentava decifrar o que aquele olhar poderia significar. O que estava fazendo Soren ficar nervoso e ansioso? As ideias mais cruéis surgiram em sua cabeça e antes que ela pudesse resistir, ela a empurrou até as escadas de um prédio isolado na área sudoeste da cidade. Uma área desocupada e não explorada.

O medo entalou em sua garganta como se Sam estivesse tentando engolir uma pedra. Seus pés subiram as escadas altas e largas com firmeza, mas suas mãos tremiam. Ela tentava entender o que poderia ter dado errado. O que poderia ter ocorrido para que aquilo estivesse acontecendo. Por mais que tentasse, não havia nada em sua cabeça que lhe indicasse a razão.

–--Soren, eu... ---ela começou, mas então Soren empurrou a porta de metal vermelho e Sam calou-se imediatamente.

Ela estava no terraço de um prédio extremamente alto. Há muito tempo, Sam concluiu, devia haver um impressionante jardim naquele lugar. Os canteiros, próximos à beira do prédio, estavam vazios agora e exibiam apenas areia cinza, dura, estéril. Vasos enormes de pedra também não exibiam flores, mas a terra em seu interior era marrom e cheirosa. Folhas verdes misturavam-se a marrons e a pétalas de todas as cores no chão, cobrindo o cascalho antigo. Apenas um caminho estava descoberto e ele levava até uma magnífica estufa sem vidros.

Havia uma construção de madeira no centro do terraço, que mesmo agora, era elegante, curvilínea e suave. O teto era uma abóbada coberta de vidros multicoloridos que brilhavam sob o sol. Havia quatros colunas curvas que estavam cobertas por flores azuis e amarelas que Sam havia visto próximo à cachoeira onde tomava banho. O chão de madeira estava brilhando e exibia a imagem de um sol marrom-escuro sobre tábuas de madeira mais clara. Um banco de ferro estava virado de costas para eles e estava cheio de uma outra espécie de flores entrelaçadas, formando uma cobertura que parecia quase natural.

–--Eu queria mais um pouco de tempo, mas não consegui esperar. Não sou uma pessoa paciente, Sam. ---ele respondeu.

–--Soren o que é isso?

–--Espere. Antes de eu responder isso quero que você veja a vista. Qualquer coisa para facilitar o meu plano. ---ele deu uma risada nervosa e a puxou gentilmente pelo caminho até a estufa. ---Eu tive de tirar os vidros ao redor por que essa coisa ainda estava funcionando quando a encontrei. Ficava muito quente aqui dentro, sabe? As flores teriam sobrevivido se alguém continuasse cuidando delas. Mas pude deixar a parte de cima e até que ficou bem legal, não acha?

–--Isso é incrível. ---ela respondeu e então viu o que ele queria dizer com vista.

Do prédio, era possível ver toda a cidade protegida. Não era uma cidade muito grande, e Sam conseguia ver seus limites, construídos através das cercas de proteção, em todas as direções. Mas, o que a fascinou, era que ela podia ver além. Samanta conseguia ver a floresta por toda sua direita (e sabia que havia mais dela atrás de si) e as rodovias à sua esquerda, intercaladas por breves construções, que levavam até a Reserva. Lentamente, a floresta cobria aqueles caminhos também, ela notou. As arvores formavam um lençol verde desigual e pássaros voavam por todos os lados. Ela via o lago a nordeste, azul e gigantesco, como um espelho imenso brilhando sob o sol do meio dia, que brilhava alto entre dois montes avermelhados. A cidade em silêncio pareceu à Sam,pela primeira vez, estranhamente calma e pacífica ao invés de macabra e estéril. A cidade pareceu segura.

–--Isso é lindo, Soren. ---ela respondeu debilmente sem tirar os olhos da paisagem. ---Como você descobriu isso?

–--Ah, bem...eu sempre faço rondas antes de nos instalarmos em uma cidade, sabe...e bem...---ele limpou a garganta e o som fez Sam se virar para encarar uma cena que para ela era ainda mais bonita que a paisagem.

Soren estava com uma das mãos no bolso da calça enquanto a outra coçava a parte de trás da cabeça; por detrás dos cabelos negros, os olhos dourados estavam cheios de uma insegurança que fez Sam sorrir imediatamente. Uma leve coloração vermelha cobria as bochechas do licantropo. Samantha tinha muitos adjetivos para Soren e pôs, naquele momento, adorável no topo de sua lista.

–--Ah... o que é isso, Soren? Você esta ver...

–--Espere! ---ele ergueu as mãos e sorriu. ---Por favor. Fique calada, agora, tudo bem? Preciso me concentrar e você não vai arruinar isso. Certo? ---Soren parecia quase suplicar.

–--Certo. ---ela sorriu e se apoiou na amurada. ---Pode continuar.

–--Quando eu te...capturei, roubei, sei lá, sequestrei,talvez? ---ele ergueu as sobrancelhas como se esperasse por uma sugestão de Samantha, mas antes que ela pudesse responder, ele voltou a falar. ---Eu estava cansado, com fome e me sentia mal com a minha vida. Hã... como eu posso explicar. Eu estou nessa alcateia há alguns anos, Sam. Poucos se considerar todo o meu tempo como Filho da Noite, mas ainda assim, aqui fora é muito duro e muitas vezes, sozinho. Já sentiu como se o que você estivesse fazendo não fizesse sentido nenhum? ---dessa vez ele esperou pela resposta e Sam apenas acenou. ---Era assim que eu me sentia. A cada vez que minha alcateia seguia para um outro lugar fosse para fugir de um grupo rival ou para escapar da visão da Reserva, eu sentia que nada daquilo fazia sentido. Ainda sinto, na verdade. Afinal aonde isso vai acabar? Fugindo e se mudando sempre, a cada dois ou três meses, para parar em um novo lugar. Caçar quase todos os dias apenas para sobreviver. Dormir sabendo que algum inimigo, da sua espécie ou não, pode dilacerar sua garganta de noite. Qual o sentido disso tudo? Sobrevivência? Para quê?

Sam quase respondeu, mas sentiu que sua resposta não seria satisfatória. Ela queria viver. Era simples e óbvio. O ciclo de todo animal era nascer, viver o maior período de tempo possível e então, só depois, morrer. E até mesmo isso podia ser adiado, não podia? Na Reserva ela via pessoas com mais de 100 anos, com memórias de antes da guerra, que viviam bem com os remédios e procedimentos médicos de rotina. Mas Samantha sabia que Soren queria mais. Queria algo que valesse a pena, queria um objetivo mais complexo do que apenas...é o que todo mundo faz. E naquele momento, ela o adorou.

–--Eu me amargurei. Não gosto de pensar ou de admitir isso, mas sei que é verdade. Eu ficava irritado facilmente, mas não era tão estúpido de descontar em alguém. A raiva crescia dentro de mim como a porcaria de uma doença e quando eu farejei vocês dois, eu... explodi. Essa é a palavra. Uma explosão silenciosa, mas perigosa da mesma forma. Naquele dia, Dragan e Serena quiseram ir embora assim que sentiram o cheio do seu xampu de limão. ---ele riu secamente e Sam lembrou-se que aquele era realmente o cheiro do seu xampu. ---Mas, eu disse não. Falei que iríamos levar um presente para Raniah.Eles não puderam fazer nada. Eu era o líder deles.

´´Acho que quando a vi, eu tive inveja, Sam. Vocês na Reserva, vivem perto das suas famílias, sem medo ou preocupações como comida. Essas coisas chegam na mão de vocês como por mágica. Mas, não era só por isso. A maioria de vocês trabalha. Quase sempre em uma nova forma de nos destruir, é verdade, mas vocês agem. Na Reserva existe objetivo. E era disso que eu sentia falta. Foi a inveja e não a raiva que me fez trazer você para Reserva.``

Ele se moveu e se pôs na frente de Sam. Os olhos dourados pareciam quase queimar e as mãos puxavam as laterais da camisa branca com tanta força que Sam achou que talvez ela pudesse rasgar. Soren respirou fundo, fechou os olhos como se para se concentrar e então retornou a falar em um tom de voz mais baixo e profundo.

´´E então quando a humana chegou aqui, tudo deu errado. Samantha, garota, você é oposto de tudo o que eu queria que fosse. Não era da Patrulha, não tinha família e era uma excluída social.`` Ele riu e dessa vez realmente parecia achar graça. ´´Tinha uma língua ainda mais afiada que a minha, uma coragem estranhamente suicida e uma inteligência fora do normal. Tudo em você era maravilhosamente surpreendente. E eu fiquei muito, mas muito, irritado com isso. O idiota aqui queria um ponto para focalizar a raiva e você não oferecia isso. Como tudo, era exatamente o contrário do que eu pensava. Você me fascinava cada vez mais.``

´´Nunca vou me perdoar pelo que fiz. Todos os golpes que você teve que aguentar, toda aquela tortura...Eu virei um monstro e sei disso. Mas não importa se eu não consigo me perdoar. Porque a única pessoa que importa é você, Sam. A garota que apanhou e quase foi morta milhões de vezes por nós, mas continua aqui; a pessoa que salvou a vida da minha irmã e me mostrou que não preciso ser um monstro. Você me perdoa, pequena?``

Sam o encarou surpresa. Ela não esperava por aquela última parte. Não era algo que conseguisse imaginar: Soren pedindo perdão. Aquilo já teria ocorrido. A imagem de um lobo de olhos dourados e pelos marrons com as orelhas baixas e o focinho entre as patas surgiu subitamente em sua mente. A risada irrompeu por entre seus lábios tão inesperadamente quanto o pedido do licantropo. Sem conseguir se controlar, Samantha começa a rir.

–--O que é tão engraçado? ---ele pergunta com uma sombra de curiosidade.

–--Eu não esperava por isso. Só isso. –ela respondeu tentando se controlar.

–--E por isso? ---ele perguntou e se moveu mais rápido do que os olhos de Sam conseguiram acompanhar.

Os lábios de Soren atingiram os seus com força e foi quase doloroso. Um milésimo de segundo depois, suas mãos envolveram a cintura de Sam, prendendo seus braços no peito do licantropo. A reação foi instintiva e sem pensar. Usando toda sua força, Samantha empurrou o Filho da Noite e só conseguiu alguns poucos milímetros de distância. Ele ergueu as sobrancelhas e os olhos brilhavam com algo que a fez enrusbecer.

–--Não? ---ele perguntou sem a soltar.

–--Sim. ---ela respondeu e passou os braços ao redor de seu pescoço.

Eles se beijaram por um longo tempo, movendo-se como se tivessem ensaiado os movimentos. Os dedos de Sam estrangulavam os fios de cabelo escuro do licantropo puxando-o para mais perto, pressionando-o contra si enquanto Soren movia ambas as mãos por todo o seu corpo, explorando cada parte que ainda, por sorte, não tivesse sido tocada. Samantha só o soltou para respirar por um momento para, em seguida, retornar para os braços do Filho da Noite.

O sol já havia baixado alguns centímetros no céu, mas nenhum dos dois notou. Eles estavam em seu universo particular. E nada, nem ninguém, podia alcançá-los.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?
Até mais e bom carnaval!!!



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