Licantropia: A Reserva escrita por Paulo Carvalho


Capítulo 17
Capitulo 16: Mordida falsa.


Notas iniciais do capítulo

E aí, pessoal? Tudo bom? Desculpem por não ter postado na semana passada, mas o Enem acabou comigo. Tentei postar ontem, porém fiquei sem internet o dia inteiro. Mas aqui estou postando mais um capítulo. Espero que gostem.



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Maon soube que estavam perdidos apenas dias depois quando passaram pela trigésima quinta vez pelo mesmo rochedo cheio de musgos que lembravam o rosto de um eremita. Richard se recusava a admitir, mas com o passar das horas se tornava mais irritadiço e inquieto. As nuvens cinzentas lembravam ao patrulheiro a estrutura de metal que suportava a cama acima da sua no quartel e as árvores eram apenas troncos marrons que surgiam aonde queriam e o forçavam a desviar dos galhos cheios de espinhos que já haviam cortado seu rosto inúmeras vezes.

As roupas de proteção que os patrulheiros usavam haviam se tornado muito quentes e pesadas e Maon se livrou delas há dias atrás mesmo com as reclamações de Richard. A última refeição ainda se revirava em seu estômago, deixando-o tonto e enjoado. Se eu sair desta maldita floresta algum dia, juro que nunca mais comerei carne de antílope na minha vida. Mesmo que ela esteja cozida da próxima vez.

–--Eu não entendo. ---Richard respondeu bufando e se debruçando sobre o conjunto de pedras que formava o queixo do eremita. ---Até ontem à noite, eu estava seguindo perfeitamente o rastro desse grupo. Agora, os cheiros estão misturados, confusos. Mudam o tempo todo.

–--E não existe outra forma de encontra-los? ---Talvez de uma maneira humana?, ele pensou.

Desde que Rich contara-lhe sobre o que era, Maon se sentia sempre alerta e preocupado com uma possível transformação. Seus sonhos eram povoados com visões de Richard se transformando em uma fera peluda com garras afiadas destroçando seu corpo. Mas, toda manhã quando acordava, Rich permanecia igual: humano e bonito. Eles não haviam se beijado ou tocado durante aqueles dias e o patrulheiro agradecia, pois não sabia como reagiria.

–--Não existem pegadas ou rastros de comida. ---ele afirmou e escalou a pedra. ---Suba. Vamos descansar por algum tempo. Preciso bolar um plano e pensar nas rotas antes de continuarmos a andar em círculos. ---Rich estendeu a mão, mas Maon hesitou. ---Fala sério! Eu não vou te devorar. Não estou com tanta fome assim. ---ele sorriu e piscou, mas ao ver a expressão no rosto do outro, acrescentou. ---Estou brincando.

Quando o patrulheiro alcançou o topo do rochedo, Rich se manteve o mais afastado possível e lhe ofereceu um punhado de frutas pequenas e vermelhas. O vento batia com mais força ali em cima, agitando os cabelos negros de ambos e deixando a palma das mãos de Maon geladas e rígidas. Ele não conseguia se lembrar de porque estava ali, em uma busca por alguém que ele sequer conhecia. Nem mesmo seu nome era sabido.

–--Então... esse cara que estamos procurando... ---Maon chamou a atenção de Richard. --- Qual o nome dele?

–--Antigamente, ele era conhecido como Michael Fairlight. Mas, Harrison, acredita que ele mudou de nome quando... ---o homem hesitou por um momento. ---Fugiu.

–--Ele era um dos simpatizantes?

–--Não que eu saiba. --- Rich negou.

–--Então por que ele fugiu?

–--Harrison me disse que ele era um dos engenheiros genéticos do laboratório dele e que sem querer foi mordido por um Filho da Noite. Ele fugiu com medo do que aconteceria.

–--Por que o estamos perseguindo? Quero dizer... já ouvi falar de outros que fugiram das Reservas e ninguém pensou em ir atrás deles. Por que ele?

–--Eu não sei muito bem. Tudo que sei é que esse cara, Michael, era inteligente e tinha informações importantes das experiências que aconteciam no laboratório. Como Harrisson disse: ele é um risco e deve ser neutralizado.

–--Com neutralizado, você quer dizer, morto? ---Maon sugeriu.

–--Não exatamente. É uma opção, mas o objetivo principal seria leva-lo de volta para Harrison. O cara foi mordido durante uma experiência, pode estar carregando uma variante mutante do vírus...acho que o doutor só quer garantir que não estão criando lobisomens mais fortes do que os existentes.

–--Esse Harrison... era o médico que estava com você naquele grupo?

–--Sim.

–--Ele é seu pai?

–--Não. ---Rich sorriu. ---É o mais próximo que tenho de um, mas ainda assim...sou apenas uma experiência dele. A sua favorita, acredito. Mas apenas um resultado que deu certo. Meus pais me abandonaram quando eu era bebê. ---Ele passou os dedos pelos cabelos escuros. --- Os médicos me levaram até Harrison para ajudar no projeto.

–--A cura? ---Maon franziu as sobrancelhas. ---Ele fez experiências em um bebê?

–--Sim. Ele precisava de alguém que possuísse o vírus da licantropia, mas que não apresentasse os sintomas. Um Impuro. Há anos atrás, éramos muito poucos. Eu fui o primeiro a ser encontrado na Reserva de Washington e tinha todos os requisitos necessários para o processo. Eu não poderia dizer se foi doloroso ou não, era muito novo. Mas, eu me lembro dos outros. Os que vieram depois. Meus irmãos de experiência. ---ele sorriu.

–--Os outros Neutros?

–--Sim. Eles não sentiram dor nenhuma, mas a experiência não deu muito certo com eles.

–--Como assim?

–--Bem...talvez, eles precisassem ser mais jovens ou coisa parecida. Mas, eles apresentam apenas algumas habilidades licantropas e não todas. Algum deles foram apenas infectados, tornaram-se licantropos comuns com todos os defeitos e... ---Rich desviou o olhar. ---Se tornaram monstros.

–--O que fizeram com eles? ---Maon se inclinou, curioso.

–--Com os infectados, eles... foram neutralizados. Era um risco muito grande para que a Reserva pudesse arriscar, mas a Resistência permitiu que os cientistas os utilizassem como material de estudo. Sabe? Estudar a cura... não deu muito certo. ---Richard estremeceu. ---Mas os outros ficaram comigo. Foram treinados e adaptados, embora soubessem que nunca conseguiriam fazer algumas coisas.

–--Como o quê?

Rich se aproximou e segurou uma pedra afiada. Maon se afastou assustado, fazendo o outro rir. Ele apertou a rocha com força e acertou com força na garganta uma dúzia de vezes, fazendo o sangue jorrar em cascatas e manchar a camisa. O patrulheiro ficou imóvel nos primeiros minutos, congelado de surpresa, mas depois se moveu e torceu o braço do homem para fazê-lo largar a pedra.

–--O que você está fazendo? ---Maon gritou.

–--Calma. ---o outro gemeu e sorriu. ---Vai curar. Olhe.

O fluxo de sangue se transformou em uma fina linha vermelha até parar de sangrar completamente. Uma camada de pele nova se sobrepôs a camada arranhada e machucada, como uma espécie de band-aid e em seguida os hematomas pareceram ser absorvidos pelo organismo como manchas de tinta em uma toalha. O processo inteiro levou alguns poucos segundos.

–--Nós podemos nos curar rapidamente. Eu posso pelo menos. Somos mais rápidos, mais fortes, mais ágeis. Nossos sentidos são tão aguçados quanto os de um lobo, eu consigo ouvir a batida do seu coração neste momento e se ficarmos em silêncio até o fluxo de sangue em suas veias. Posso ouvir o rio correndo há mais ou menos 200 metros à oeste, os pássaros que circulam as árvores à direita. --- Rich se levantou e inclinou a cabeça para a frente, farejando. ---Que merda! ---ele gritou.

–--O que foi?

–--Hounds! ---ele respondeu. ---Se abaixe e faça o mínimo de barulho possível.

Richard não esperou pela resposta de Maon, apenas se lançou da pedreira com agilidade, aterrissando silenciosamente no chão há mais de 15 metros abaixo. Em seguida, correu até as árvores mais próximas e escalou a maior sem dificuldades. O patrulheiro apenas observou enquanto o outro se inclinava sobre um galho fino demais para suporta-lo e esperava pelos Hounds.

Eles surgiram alguns minutos depois a 200 metros de onde Rich se encontrava. Eram cinco no total. Três deles tinham o pelo amarronzado cheio de pontos negros nas patas e na cabeça; os outros dois eram maiores e inteiramente brancos com apenas manchas douradas nas patas. Os animais eram enormes, maiores do que qualquer cachorro poderia sonhar em ser, se assemelhando em tamanho aos pumas que Maon vira há alguns dias atrás. Tinham orelhas compridas e focinhos compridos com dentes afiados. Os olhos eram pequenas contas negras. O maior deles farejou o ar à volta e se inclinou na direção da pedreira.

Por favor, por favor... Maon implorou, mas o cão latiu. Um latido muito alto e selvagem. O grupo de patrulheiros que segurava as coleiras ergueram as cabeças e soltaram os farejadores. O grupo correu e farejou ao redor das pedras, procurando por uma forma de subir. Richard fez um sinal para que Maon continuasse abaixado e ele obedeceu, pressionando a barriga com força contra a superfície áspera de uma das pedras.

–--Saiam daí! ---um dos patrulheiros gritou e Maon desejou não reconhecer a voz. ---Não podem enganar os Hounds.

O som de armas engatilhadas fez Maon se encolher no espaço reduzido entre as pedras. Sua mão tateou ao redor das botas, procurando pela adaga longa que mantinha consigo. A única arma que possuía. Ele amaldiçoou mentalmente Richard por não ter levado armas de fogo. Apertando o cabo da lâmina com força, ele se preparou para atacar.

Os tiros surgiram segundos depois, mas não pareciam próximos de Maon. Richard, ele pensou e ergueu a cabeça procurando, mas ele não se encontrava em nenhum lugar. Os Hounds latiram mais alto e deixaram a pedra para trás correndo para o leste. Os guardas se entreolharam confusos, mas seguiram os farejadores com as armas sobre os ombros. Tudo ficou em silêncio e o único som vinha do sangue que latejava nos ouvidos do patrulheiro.

Com cuidado, Maon desceu da pedra segurando a faca com tanta força que os nós de seus dedos estavam brancos. Não havia nenhum som dos animais ou dos guardas. O vento agitava a copa das árvores e o som deixava os nervos do patrulheiro à flor da pele. Um dos arbustos se agitou brevemente e Richard surgiu segundos depois com os cabelos sujos de terra e uma expressão aterrorizada.

–--Rápido. ---ele o empurrou com um dos ombros. ---Eles estavam nos procurando. O rastro era uma armadilha. Eles sabiam... Eu devia ter percebido. Idiota! ---ele gritou mais para si mesmo do que para Maon.

–--Do que você está falando?

–--Os Filhos da Noite. Eu os encontrei. Um grupo de sete. Eles mataram os Houns em segundos e me viram. ---Richard respondeu se abaixando para escapar de um galho que arranhou o braço de Maon.

O patrulheiro não precisou de mais nenhuma explicação. A imagem da mão decepada voltou a sua cabeça em um instante e seus músculos puseram-se a trabalhar. Seus pés dispararam pelo terreno perigoso e acidentado atingindo pedras e folhas secas. Ele imaginou que se ficasse vivo por mais algumas horas, seus pés iriam se tornar uma ruína de sangue e pele rasgada. Malditos sapatos de segunda mão, maldita vida de patrulheiro, maldito Richard!

–--Não! ---ele puxou o patrulheiro para a esquerda. ---O acampamento deles é por aí.

–--Richard, eu não sou mais rápido do que eles. Não tem como. Sou apenas humano. ---Maon parou ciente do fato. ---Eles vão me alcançar.

–--Não. Temos que continuar correndo.

–--Escute! ---Maon gritou. ---Posso não ser treinado como você ou ter um gene de lobo mutante, mas não sou idiota e aprendi a calcular riscos na Reserva. Corra e fuja, traga reforços. Agora vá!

–--Não,não,não...eu não falho. Não posso falhar. Eu..eu...---os olhos azuis do homem se iluminaram e um sorriso surgiu em sua mente. ---O vírus inativo! É isso. Maon, não me odeie por isso. Estou salvando a sua vida.

Richard se moveu muito rápido. Um de seus braços puxou o patrulheiro para perto de si e o outro empurrou sua cabeça para o lado. Antes que Maon pudesse reagir, os dentes do homem atingiram sua garganta e uma dor aguda atingiu todo seu ombro direito. Ele gritou de dor e sentiu algo quente e denso escorrer por seu pescoço.

–--Que merda! ---Maon o empurrou. --- O que você fez?

–--Te transformei em um falso lobisomem. ---Rich sorriu. ---Agora, cale a boca, e deixe comigo. Passo número um: Infiltração.

Os licantropos surgiram minutos depois. Eram sete como Richard havia dito. Quatro homens e três mulheres. Eles se organizaram em uma formação de seta, com uma mulher morena na ponta. Ela usava os cabelos negros bem curtos e tinha olhos castanho-avermelhados cheios de inteligência e fome. Tatuagens cobriam seus braços e um colar de peças de ferro envolvia seu pescoço. As roupas eram pequenas demais para ela e estavam rasgadas em vários pontos.

–--Finalmente perceberam o quão inútil é correr. ---ela ronronou. ---Um facão mais largo que o braço de Maon dependurava-se de sua cintura preso por um fina faixa de couro marrom. ---O que dois patrulheiros da Reserva fazem tão longe de casa?

–--Não somos patrulheiros. ---Richard respondeu, rugindo. ---Não mais,ao menos.

–--É...acho que tem razão. ---Os olhos da mulher pareceram brilhar mais interessados. ---E o seu amiguinho, também é um vira-casaca?

Maon queria gritar que não. Que estava ali apenas para matar todos eles, mas o olhar que Richard lhe lançava deixava bem claro que ele devia permanecer calado. Suas mãos se fecharam em punhos, mas o patrulheiro não respondeu.

–--Sim. Esperávamos que talvez pudéssemos nos juntar a vocês. Não sabíamos que havia outros por esta região. Não tem muita comida por aqui. E no meio das rotas da Reserva, é muito arriscado. ---Richard sorriu e as covinhas ao redor dos lábios pareceram ficar maiores.

A mulher os encarou, como os pumas haviam feito. Os lábios vermelhos estavam levemente erguidos e o facão parecia mais ameaçador do que todos os homens atrás de si. Maon quase conseguia sentir o cheiro do sangue fresco na lâmina.

–--Bem... Licáon irá decidir o que iremos fazer com você. Vamos, é uma longa caminhada até o acampamento. ---ela estalou os dedos e os homens os cercaram. ---Usem o tempo para pensar muito bem antes de mentir. Meu irmão irá arrancar a cabeça de vocês se perceber. E ele sempre percebe.

Maon encarou Richard procurando por alguma explicação, mas o outro apenas o encara com os olhos azuis cheios de mistério e um sorriso largo no rosto. Aos empurrões, os dois foram levados ainda mais para o interior da floresta. Um Rasante deslizou pelos céus prateado e veloz.

E lá se vão as chances de algum dia voltar à Reserva, pensou Maon, encarando o rastro de nuvens desfeitas pelo rastreador.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? O que será que vai acontecer?? Até semana que vem!!



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