Sabe aquelas noites em que você passa tão preocupada, que não consegue dormir? Pois bem, tive uma dessas. Passei a madrugada acordada desenhando e lendo meu antigo - e besta- diário, pois só conseguia pensar que Yasmin viria pra casa e que isso seria horrível.

Sério, esta era uma das coisas que eu mais desejava que não ocorressem comigo.

"EU ODEIO O KLAUS!" Exclamei para o Antonio, que pulou em minhas pernas pedindo colo.

Não lembro a que horas fui dormir, mas foi tarde. Quando acordei, estava tão morta de cansaço que resolvi substituir um banho e um cabelo bonito por dez minutos de sono. Se é que você me entende.

Deixei minha casa com um pedaço de maçã na boca, e correndo, pra não perder a hora.

Lá estava eu de novo, no intervalo, olhando para o José. Era caso de vida ou morte. Ou eu me tornava amiga dele (por falta de alguém melhor) ou Klaus arruinava minha vida.

Ele estava sentado no chão, do outro lado do pátio, lendo "O velho Pássaro". Eu, num banco, ouvia uma música, que não me lembro qual, pensando em como abordá-lo sem parecer louca ou vulgar. Foi quando apareceu Kátia, a representante da sala. Sendo muito simpática, perguntou-me se poderia falar rapidamente comigo.

“Claro” respondo com um pouco de mau- humor.

“Bom, como você sabe, esse ano a gente se forma, e não podemos deixar isso passar em branco, por isso vai ter uma festinha de formatura em dezembro. Tô recrutando desde já uma galera pra ajudar na decoração e organização, e a Silvia falou que você era criativa, então quero saber se você topa participar. Sabe, dando ideias, suporte... Enfim, participar do sindicato.” Ela ficou me encarando com seus olhos assustadoramente grandes, esperando a resposta.

“Ahn... Sabe o que é... Eu ando sem tempo. Tô fazendo um curso de... design”. Respondi rápido. Odiava essa ideia de formatura, era algo totalmente desnecessário e planejado por adolescentes sem graça. Perda de tempo e de dinheiro. Além do mais, eu odiava festas.

“Ah... o-ok. Valeu” Ela pareceu chateada, e se virou pra ir embora.

E aí eu me lembrei dele: Klaus. Tudo o que ele faria para me prejudicar caso soubesse que eu havia rejeitado essa forma de socialização. Aliás, talvez fosse até um plano dele, fazer a Kátia me chamar pra participar da formatura. Meu Deus, isso estava virando um filme de terror.

Desesperada e sem pensar por mim, grito:

“Ei Kátia!”

Ela se vira com expectativa.

“Que se dane o curso de design. Pode me colocar no grupo!”

–-

Cheguei em casa e joguei a mochila longe.

“Mãe?!”

Minha mãe saiu do seu quarto, muito agitada.

“Cat, Cat! A Min ligou a pouco tempo dizendo que vai pegar carona com um amigo e acabará vindo para cá hoje mesmo. Tão encima da hora, meu deus! Faz assim, vou ao mercado e depois a buscarei no terminal da cidade. Enquanto isso, dá uma geral em casa. Limpe seu quarto, lave o banheiro. Por favor. Já agilizei bastante coisa, mas temos pouco tempo. Ah, tão encima da hora!”

“Mãe, calma. Vá, busque-a e fique tranquila que botarei tudo na ordem.”

“Ah, filha, você é tão boa comigo...”.

Assim que ela saiu, arrumei a casa no mais rápido possível. O tempo que sobrou usei para me arrumar. Era estranho, eu tinha uma imensa vontade de impressionar minha prima. Desde pequena, sempre tive.

É que ela era tão... Linda, tão perfeita e inteligente. Tudo em mim queria imitá-la e ser quem ela era. Mas na verdade eu era o oposto.

Coloquei um vestido que já estava empoeirado e fiz uma trança em meu cabelo. Meu rosto estava maquiado e meu corpo, perfumado.

Fiquei espiando pela janela o carro da minha mãe estacionar e ela tirar do carro as malas de Yasmin. Esta, por sua vez, estava radiante, ainda mais bela que eu me lembrava. Seu cabelo agora estava ruivo e ela tinha uma tatuagem no antebraço.

“Cat!!” – Assim que me viu, Yasmin veio correndo em minha direção. Envolveu-me com um abraço e eu senti o cheiro de seu perfume provavelmente importado – “Quanto tempo! Que saudade! Você está linda!”.

“É muito bom te ver, Min”.

Minha mãe sorriu para nosso companheirismo.

“Entre, Min, fique a vontade”.

Min guardou suas coisas no quarto de visitas, me contou dos filmes que trouxe para vermos e pediu desculpas por chegar tão em cima da hora.

A noite, sugeriu que fôssemos dar uma volta de bike. Disse que por viver na cidade grande, não tinha muitas oportunidades para esse tipo de coisa. Eu topei, claro. Tudo por Klaus.

Acontece que, enquanto estávamos lá na praça, ela me contando sobre suas viagens, eu o avisto: José Costa. Ele estava com uns amigos, todos vestidos com roupas excêntricas e rindo muito, como eu nunca vira antes. Depois de meia hora observando-os, eles se despediram com uma deixa que me deixou satisfeita: “Nos vemos amanhã”.

Não quero parecer uma stalker, mas essa frase me motivou a aparecer pela praça no dia seguinte.

Mas enquanto isso, era hora de suportar a primeira noite junto de Yasmin, sem demonstrar a minha mãe –e a ninguém – o desânimo em tê-la hospedada em casa.