Quantico, Virgínia

– Sei que é tarde – começou Hotch, com sua costumeira voz taciturna - mas temos um daqueles desta vez. Garcia?

Olhei para Penelope enquanto esta ligava sua aparelhagem. Mesmo após tantos anos, ainda não havia me acostumado com seu jeito atípico de ser. Seu cabelo alaranjado esta preso em um coque alto e contrastava com o verde neon de seu terninho.

– Ontem a noite policiais de Las Vegas encontraram o corpo de um homem ainda não identificado em um beco próximo ao Lótus Cassino – disse ela ao mesmo tempo em que mostrava as imagens de um homem – É a terceira morte em uma semana com o mesmo M.O..

Olhei para o relatório, franzindo o cenho.

– Tiro triplo na testa? – me admirei – Este unsub é certamente habilidoso.

Todos assentiram, olhando concentradamente para as imagens que iam surgindo na tela.

– Os tiros foram tão próximos que é até difícil ver os três buracos – comentou JJ – Queima roupa?

Morgan negou, olhando para seu tablet.

– Segundo o legista, os tiros foram disparados a pelo menos três metros de distância – disse – Podemos considerar treinamento militar?

Ergui uma sobrancelha.

– Dificilmente – respondi – O nível de treinamento militar não altera tanto assim a habilidade com armas ou tiro a longa distância. Além disso, qualquer um pode entrar em um clube de tiro e aprimorar as habilidades.

– Reid está certo – murmurou Rossi, com a voz rouca – não podemos fazer suposições pouco fundadas. Afinal, o que há de tão especial nesse caso, Aaron?

– Sabemos que os tiros podem indicar que o unsub quer se distanciar de suas vítimas, o que pode caracterizar um crime impessoal, mas ele tatuou todas as vítimas no peito antes de matá-las – disse Hotch, enquanto Garcia nos mostrava imagens dos três mortos: dois homens e uma mulher sem camisa exibiam na pele uma tatuagem preta pouco abaixo da clavícula. Senti um terrível impulso de engolir em seco, mas controlei-me, ao mesmo tempo em que Blake falava:

– Então ele se distancia do crime e das pessoas com o uso da arma, mas apresenta um certo nível de sadismo no ato de tatuá-las. Podemos ter certeza que esse é um único unsub e que as tatuagens realmente foram feitas por ele?

– A polícia de Las Vegas entrevistou os familiares e amigos das vítimas e todos afirmaram não ter conhecimento da tatuagem – disse Garcia – E, antes que pergunte, minha “Tempestade de Chocolate”, não há nenhum indício de que as vítimas tivessem qualquer coisa em comum.

Todos assentiram. Eu sentia minha cabeça latejar, trabalhando a mil.

– Discutiremos o resto no avião, peguem suas coisas, sairemos em 30 minutos – comandou Hotch, ficando em pé – Você também, Garcia.

Garcia sorriu e praticamente correu para fora.

– Você está bem, Reid? – perguntou Morgan – Parece meio abatido.

Abri um sorriso cansado enquanto pegava minhas coisas de cima da mesa.

– Só estou meio esgotado – respondi, acrescentando – Dormi apenas uma hora antes do Hotch ligar.

Derek deu um risinho e pude ver que ele supunha que eu havia ficado acordado assistindo uma maratona de Star Wars. Quase sacudi a cabeça; Mesmo depois de nove anos eu ainda conseguia me maravilhar com o fato de que mesmo as pessoas mais inteligentes não são exceção para o “vemos o que queremos ver”.

– Vou pegar minha mala – falei, saindo – Nos vemos no avião.

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NOVE ANOS ATRÁS

– Não sei se consigo fazer isso, Gideon – desabafei, enquanto engolia um bom tanto de Whisky.

O homem sentado a minha frente me encarou com um semblante sério.

– Está começando a duvidar de suas habilidades? – perguntou, erguendo uma sobrancelha – Ou está com medo do que eles farão se isso não der certo?

Revirei os olhos, recostando-me no sofá e encarando o fogo crepitante da lareira.

– Não seja ridículo – respondi, com a voz fria – Essa operação estará acabada em um piscar de olhos, tenho certeza. O que me incomoda é esse disfarce extravagante. Você não acha que se eu for um “nerd” muito exagerado eles irão desconfiar?

Gideon sacudiu a cabeça, em uma negativa veemente.

– Não, eles não vão – disse ele – Por que eles vão confiar em você, vão ter a necessidade de protegê-lo e jamais serão capazes de imaginar você contando uma mentira.

Sorri de lado, encarando-o.

– Não acha que está subestimando-os? Quero dizer, eles são os melhores profilers do país... e são seus amigos – pausei – teoricamente.

– Eles são meus amigos, e são ótimos profilers, mas você mais do que ninguém deveria saber que as pessoas veem o que querem ver. E eles querem ver o jovem, inseguro e ingênuo Spencer Reid exatamente assim: jovem, inseguro e ingênuo.

Dei de ombros, bebendo mais um pouco de meu whisky.

– Eles não precisarão se preocupar com Reid por muito tempo, logo ele estará morto e eu poderei voltar a minha vida – disse, avaliando sua reação as minhas palavras.

Jason nem piscou.

– Vamos torcer para isso. – disse ele, ao que eu assenti.

–

ATUALMENTE, AVIÃO QUANTICO-LAS VEGAS

– Reid, algum dado interessante sobre a tatuagem dos corpos? – perguntou Hotch, tirando-me de meus devaneios.

– É uma estrela de cinco pontas, também conhecida como pentagrama – comecei – Já foi usado por muitas culturas ao longo dos tempos, muitas vezes ganhando uma conotação religiosa ou mística. Uma das definições simbólicas mais aceitas, entretanto, é que o pentagrama simboliza o equilíbrio entre todos os elementos da natureza e o espírito, em outras palavras, equilíbrio de todos os fatores externos e do homem.

– Poético – comentou Blake, tomando um gole de seu café.

– Então a tatuagem poderia ter um sentido religioso? – perguntou Morgan, em tom pensativo.

– Quanto a isso, acho que não – disse Garcia, séria – Estive fazendo umas pesquisas e acabei por trombar em algo promissor. Khrabros significa algo para vocês?

– É uma palavra russa – falei rapidamente, tentando passar uma imagem meio surpresa – para bravura.

– Exatamente, Sweet Cheeks! Mas não é só isso, khrabros também é um nome associado à máfia russa. – disse ela, animadamente – Achei um arquivo que mencionava certas transações duvidosas de uma empresa russa com sede em Las Vegas durante alguns anos. A receita federal investigou, mas aparentemente nada de mais apareceu.

– É claro – comentou Rossi – Já ouvi falar dos khrabros, há muito tempo atrás. O símbolo deles é uma estrela de cinco pontas exatamente igual às tatuagens, não é?

Garcia assentiu.

– Então, estamos falando da máfia russa? Mas as vítimas não trabalhavam no mesmo lugar e aparentemente eram exemplos sociais – comentou JJ

– Bem, quanto a isso – continuou Penelope – A empresa da qual estamos falando se chama Pieces and Technology Company, eles fabricam peças de todos os tipos para os mais variados fins, desde peças automotivas até hardwares para computadores. Eles também tem várias filiais ao redor da cidade.

– Filiais de produção? – perguntou Hotch

– Também – respondeu ela – mas estou falando de vários negócios relacionados. Eles tem mecânicas, lojas de suporte eletrônico, assistência técnica e por aí vai. Não sabemos quem é a última vítima, mas Brian Wren trabalhava em uma mecânica filiada a P.T. e Amanda Black trabalhava em uma loja de suporte técnico também relacionada aos khrabros.

– Então podemos estar lidando com alguém que tenha algum tipo de rancor para com a máfia russa – constatou Blake, suspirando – Vai ser como achar uma agulha num palheiro! Eles devem ter literalmente milhares de pessoas com rancor contra eles.

Quis sorrir, mas me contive. A verdade era que os khrabros haviam deixado a muito tempo de ser uma organização russa independente e mesmo as atividades levemente ilegais que ocorriam dentro da organização passava pelo aval de órgãos externos.

– Você sabe alguma coisa sobre essa empresa, Spence? – perguntou JJ

– É uma empresa promissora – respondi, encarando minha amiga – tem um bom rendimento anual e as ações estão subindo significativamente a uns bons cinco anos. Infelizmente, não posso dizer que sei muita coisa sobre a máfia russa.

Rossi, para minha surpresa, me encarou, intrigado.

– É mesmo? – perguntou ele – Pois eu podia jurar que Gideon tinha vários contatos dentro dos khrabros.

Tive vontade de bater minha cabeça contra a parede. Gideon e sua boca grande.

Suspirei, tentando parecer cansado.

– Gideon tinha muitos contatos em muitos lugares – rebati – e ele nunca foi uma das pessoas mais abertas do mundo. Posso dar uma olhada nos antigos diários que ele deixou, talvez encontre algo.

Rossi, embora parecesse desconfiado, assentiu.

– Faça isso, Reid – incentivou Hotch – Mas quando chegarmos, quero que você e Blake passem no necrotério para falarem com o legista sobre os corpos. JJ e Morgan, vocês podem falar com as famílias das vítimas e, enquanto isso, Garcia, quero que você monte seu equipamento e comece a pesquisar tudo que puder sobre os khrabros e essa suposta empresa-fachada. – ordenou ele – Rossi e eu iremos conversar com o chefe de polícia e analisar os dados que já temos, para começar a montar o perfil.

Assenti, sorrindo levemente para Blake, que pediu se eu gostaria de um café, ao que eu respondi afirmativamente.

– Vai visitar sua mãe enquanto estivermos em Las Vegas, Pretty boy? – perguntou Morgan, sorrindo um pouco.

Neguei com a cabeça, distraído.

– Ela está viajando com a clínica – disse, pegando o copo de café da mão de Blake – Grand Canyon. Ela está muito melhor.

Todos sorriram, amigavelmente. Senti um aperto no peito ao pensar no quão desoladas aquelas pessoas ficariam se descobrissem a verdade. Anos atrás, eu jamais me importaria, mas as coisas mudavam... pessoas mudavam. Olhei de soslaio para JJ, lembrando-me de sua reação quando descobrira meu segredo.

– Bem, de qualquer maneira, é sempre uma aventura voltar para casa – brincou Rossi

Não contive um sorriso ao responder:

– Você não faz ideia.