Um menino no espaço - 2ª parte escrita por Celso Innocente


Capítulo 13
Chegada à Suster




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Durante muito tempo, segui sozinho naquela cabine, a princípio, brincando de piloto de aeronave poderosa, fingindo apertar cada botão e até mesmo conversando sozinho, pelo microfone ligado com ninguém, alem de permanecer atirando com poderosas armas espaciais imaginárias, contra uma frota de alienígenas assassinos, que tentava me capturar.

Depois de uma hora, perdi tal interesse e sem ter o que fazer, ou com quem conversar, fui ficando sonolento e acabei adormecendo.

Pouco depois, acordei assustado, com o senhor Rud, balançando minha poltrona e dizendo:

— Belo guardião é você! Não, garoto?

— O que houve?

— Você estava de guarda e acabou dormindo!

— Não há problema algum! A nave está no automáti-co.

— Isso é verdade! Mas acontece que estamos procurando nossa rota original. Caso você esteja dormindo quando a nave chegar nela, passaremos direto e continuare-mos perdidos. Portanto: cada um de nós, que ficar aqui na cabine, deve manter os olhos bem abertos.

— O se...nhor... Tony disse... que ela mesmo corrige a rota.

— Não é bom acreditar nisso! — Negou ele. — Não confio muito!

— Nossa! E se enquanto eu dormi, nós passamos por ela?

— Não acredito que você tenha dormido tanto! E depois, antes de chegarmos a nossa rota, o senhor Frene vai nos acordar!

— Será que ainda vai demorar?

— Pra que?

— Acharmos nosso caminho de volta!

— Não sei! Pode demorar uma hora; um dia, cem dias…

— O senhor não está com medo?

— Claro que estou, Regis! A gente pode ter se desviado de nossa rota pra sempre e jamais reencontrá-la.

— Nã... Não... Senhor Rud! — Gaguejei assustado. — Isso não vai acontecer!

— Reze a seu Deus, para que não aconteça mesmo! Peça pra que Ele nos ajude. Você não tem sua poderosa fé?

— Se minha fé fosse poderosa, eu não estaria aqui! Concorda?

Pensei um pouco e continuei:

— E se Ele estiver zangado conosco?

— Por que estaria?

— Porque vocês querem mudar o destino de seu planeta e o meu destino também!

— Como assim?

— Já falei mais de uma vez! Meu destino é viver na Terra! É lá que eu nasci! O destino de seu planeta é não ter mais crianças! Vocês querem mudar isso! Não está certo!

— Regis: Deus não está zangado conosco, por causa disso não! Pode acreditar!

— Como sabe?

— Eu sei! Só queremos ter você conosco!

— Mas eu não quero ir pra lá! O senhor sabe disso também!

— Garanto que você vai acabar gostando.

— Não vou nunca! — Neguei bravo. — Prefiro ficar na Terra, com a Beth, com Erick, com Luecy, com meus pais e outros colegas; do que ir a um planeta tão distante, onde vou ser sempre criança, mas não terei com quem brincar. Não terei ninguém!

— Muito bem! Você diz que não terá ninguém. Não adianta lhe oferecer amizade, querer o seu bem… você é ingrato mesmo!

Diante da atitude do senhor Rud, senti o coração bater mais forte; um aperto na garganta. Sem dizer nada, me levantei, fui direto a meu quarto, deitei-me de bruços e estava novamente chorando. Eles não queriam me entender e eu já me decidira: não lhes dar mais atenção; não conversar mais com eles; ignorá-los e ficar sozinho, trancado em meu quarto. Torcia para que jamais encontrassem o caminho de volta a Suster. Alem do mais, com raiva, tirei meu aparelhinho tradutor de meu pescoço. O bonito acessório, o qual tanto estimava e o atirei com toda minha força, contra a parede da nave, fazendo-o em dezenas de pedaços.

©©©

Fiquei sozinho por várias horas. Chorei bastante e com os olhos cheio de lágrimas, rolei na cama, mas... de barriga pra cima, continuei deitado, olhando os pormenores daquele quarto, de paredes douradas; aquela elegante mobília de acrílico, com a cama azulada, forrada por tecidos de seda e lã; as paredes espelhadas, por onde me admirava, me sentindo sofrido; a porta que se abria com o simples desejo, de alguém querer entrar ou sair…

Muito tempo depois, a porta se abriu e entrou o senhor Rud. A primeira coisa que ele viu, foi meu aparelhinho, jogado no chão, todo quebrado. Apanhou todos os pedaços, me dizendo a seguir:

— Ist ny trul mir 1 tresyiri roch gusgs i 1 fracinu esc 1 kusth is crapishunint i sispuntir.

— Não entendo porcaria nenhuma do que está dizendo! — Neguei bravo.

Ele se retirou, xingando palavras que nem ele mesmo sabia o que era e eu continuei deitado, soluçando.

Um minuto depois, ele retornou dizendo:

— Como se pode dar um presente caro desses, a um moleque, sem um pingo de responsabilidades e gratidão!

— Sou mesmo um moleque! — Insinuei, ainda chorando. — Não é uma criança que vocês querem? Criança é assim como eu! Má! Ingrata! Sem educação! Chorona...

Ele usava um aparelhinho tradutor, igual ao que quebrei. Se retirou, me deixando novamente sozinho.

Embora, muito arrependido, em ter quebrado aquele ótimo presente, continuei deitado, me olhando nos espelhos e pensando mil bobagens.

— Quebrei mesmo! — Pensava magoado. — Odeio a todos eles e queria que esta nave pegasse fogo! Bem que eu poderia ter ficado em Mark três! Pelo menos lá, os bichinhos brincavam comigo.

Pouco depois, quem entrou foi o senhor Tony. Também usava um daqueles lindos aparelhos, pendurado em seu pescoço. Sentou-se a meu lado, perguntando-me:

— O que houve com seu aparelhinho?

Não respondi. Confesso ter sentido remorso.

— Regis, quando alguém nos dirige à palavra, é muito feio, fingir ignorância.

Continuei calado.

— Você brigou com Rud. Eu não tenho culpa disso! Nem seu aparelhinho tinha!

Continuei calado.

— Sabia que custa muito caro, um aparelho daquele? Sabia também, que aquele não tem mais conserto?

Apenas franzi os lábios.

Vendo que eu nada respondia, ele insinuou:

— Tudo bem! Brigou com Rud e ficou com raiva de mim também! Não é? Não mereço, mas aceito! Quando você resolver conversar, vá até a cabine. Estarei lá e apesar de você me ignorar, não farei o mesmo. Porém, aqui neste quarto, não voltarei.

— Não estou pedindo! — Só pensei.

Acho que meu silêncio era minha maior vingança.

Ele se retirou. Continuei deitado, pensando as maiores bobagens do mundo.

Não mais do que cinco minutos depois, ele retornou sorrindo, muito alegre; deitou-se comigo, me abraçando e dizendo:

— Conseguimos encontrar nossa rota original. Estamos novamente a caminho de Suster.

A grande novidade, não mudou em nada minha fisionomia. Eu continuava carrancudo e mudo.

— Você não percebe garoto! Nós estamos salvos e em breve estaremos em casa!

— Eu não estarei em casa e não estou feliz! Sou ingrato; sou mal educado; sou arteiro. Sou tudo o que vocês quiserem e nunca vou estar feliz junto de vocês. — Estava chorando novamente.

— Só não quero que você seja mal educado comigo, Regis! Sou seu amigo!

— Se você fosse meu amigo, teria me deixado na Terra!

— Vamos fazer o seguinte: vou deixar você aqui, quietinho, porque você está nervoso e fica brigando comigo, que não mereço. Quando seu nervosismo acabar e você quiser conversar, vá realmente à cabine. Está bom assim?

Nada respondi e ele se retirou novamente.

Agora a nave consertada, seguia em direção a Suster. Com certeza, o senhor Frene e todos de lá, já sabiam das novidades. Eu imaginava todos felizes, apenas eu estava triste, pensando em meus familiares e amigos. Parecia que estava vendo, todas as crianças da escola, no intervalo do recreio, na maior algazarra, brincando de salva, rela-rela, ou mesmo, conversando num grupinho, com as meninas e outros meninos. Fazia muito tempo que não participava daquilo. Parecia que todos meus amiguinhos estavam crescendo e eu, continuando na mesma; um garotinho, aparentando seus nove anos de idade e sabendo, que já deveria estar com onze. Ou quase.

A viagem prosseguia calma. Só que meus companheiros, não retornaram mais a meu quarto e também não fui à cabine visitá-los. Estava sozinho e continuava muito aborrecido; principalmente com o senhor Rud, que fingia não entender meu sofrimento... minha saudade... meus sentimentos. Acho que ele não conseguia entender as crianças; não devia saber que eu também tenho coração. Ele deve ter se esquecido, que também já foi criança um dia; se bem que já fazia muito tempo (muito tempo mesmo)!

Faminto, me dirigi à saleta de refeição, abri a geladeira, apanhei uma caixinha comestível, com produto em conserva em seu interior. Abri-a e comi seu conteúdo, com uma colherinha. Uma pasta branca, a qual na Terra seria queijo. Devorei também a caixinha e então, lentamente, retornei a meu quarto, apanhei meu material escolar, sentei-me na cama, apanhei meu caderno de tarefas e um lápis, onde, sozinho, fui fazer a lição, que há muito tempo, minha professora, dona Regina, havia passado:

Acabando de fazer as tabuadas, à tarefa continuava, mas, sabendo que de nada adiantaria mesmo fazê-la, resolvi parar, guardar meu material, apanhar um carrinho à fricção, tipo Passat, que sempre carregava na bolsa, sentar-me no chão e brincar sozinho, embora a fricção estivesse com defeito.

Pouco depois, entrou o senhor Tony.

— Vejo que resolveu brincar! — Insinuou ele. — É assim que se deve fazer.

Levantei-me com o carrinho, tornando a guardá-lo na bolsa escolar.

— O senhor Frene está no rádio. — Disse-me ele. — Ele quer falar contigo.

— Não quero falar com ele!

— Como não quer? Você não sabe o que ele quer falar! Pode até ser alguma coisa boa!

— Pra mim! Duvido!

— Vamos lá Regis! Deixe de chatice!

Pegou–me no colo, jogou-me em seus ombros e me levou à cabine, onde, me sentei ao lado do senhor Rud.

— Ist niskrow nark fracindu? — Perguntou-me o senhor Frene pelo rádio.

Não entendi pissirica. O senhor Tony tirou seu aparelhinho, colocando-o em meu pescoço.

— Hem! — Exclamei.

— Como você está garoto? — Tornou a perguntar-me ele.

— Nem um pouco bem! — Respondi, sem olhar para o monitor.

— Por quê? O que aconteceu?

— Fui sequestrado, estou preso, torturado e quero voltar pra minha casa!

— Calma aí! Você nem chegou à Suster ainda! Digamos que você só esteja vindo nos fazer uma visita!

Então, com pequeno sorriso, olhei para o monitor de tevê e perguntei contente:

— Quer dizer que o senhor vai me devolver à Terra?

Ele se embaraçou e apenas disse:

— Vamos conversar!

— Não quero conversar! — Neguei bravo. — Quero voltar pra casa!

— Regis, você é tão bom, garoto! Não faça assim!

— Eu não sou bom garoto não, senhor Frene! Sou muito mau e não gosto de nenhum de vocês! Tá bom? E só quero voltar pra minha casa.

— É isso aí! Você não é mau; só quer voltar pra sua casa! Vamos chegar até Suster, rever o Mark três, a Leandra, conversar um pouco…

— Ta bom! Vou até aí! Mas depois, quero que o senhor me prometa, que vai me levar de volta!

— Acabe de chegar até aqui. Então a gente senta e conversa pessoalmente sobre isso. Tudo bem?

— Tá!

Levantei-me e saí para meu quarto.

©©©

Fazia sessenta dias susterianos, ou seja: cento e quarenta e dois dias terráqueos, que havíamos saído da Terra. Para mim, apesar da saudade, revolta, tristeza e stress, que na verdade fazia o tempo parecer mais longo, dentro da nave, era como se não fizesse nem duas semanas. Estávamos em quatorze de Janeiro de um mil novecentos e oitenta e dois, Quinta-feira. Já teria perdido mais um ano escolar, perdendo com certeza, também, todos aqueles novos coleguinhas, que conquistara no mês de março passado.

Nossa espaçonave pousava novamente; só que desta feita, no local certo: o gigantesco campo de pouso de Malder-ran, conhecido por eles como astródromo, que ficava à frente da gigantesca e grã-fina residência do senhor Frene, que era uma espécie de governo geral, daquele imenso planeta metálico.

A porta se abriu e eu, com meu material escolar, saí à frente dos dois astronautas, diante de muita gente e de várias câmeras de televisão.

Suster, como já disse, é um planeta rochoso, muito semelhante à Terra, porém, muito mais avançado, com suas casas construídas em aço ou níquel; que alem de ser um metal bem trabalhado, se enfeitava com cores diversas, vitrificadas, ardendo nos olhos, devido o reflexo de suas duas estrelas: Brina e Kristall. Os carros, construídos em metal, com duas rodas azuis, iguais às rodas de um rolo compressor, só que de um material tipo borracha; sem faróis, porém com quatro setas e luz de freio, que também ascende em vermelho. É como se fosse um pequeno iate, navegando no solo.

Sabendo que seria correspondido, apesar de pouca vontade, mas para me mostrar menino educado, acenei para os presentes e sem nada falar, seguimos para a residência, ao encontro do todo-poderoso, senhor Frene. Atravessamos o longo pátio, o jardim de entrada, andamos pelo longo e belo corredor e após a porta se abrir sozinha, entramos na gigantesca sala do computador, onde, por trás da grande escrivaninha de metal e acrílico, à nossa espera, estava o senhor Frene, que se levantou com a nossa chegada.

— Novamente missão cumprida, senhor Frene! — Insinuou o senhor Tony.

— Suponho que tenha sido uma experiência incrível, esta viagem! Não?

— Foi sim! — Confirmou Tony. — Um pouco assustadora, mas conseguimos!

— E você Regis? Teve medo, ou não?

— Ainda estou com medo! — Insinuei, realmente com o coração apertado.

— Agora estamos todos a salvos! Não há o que temer!

— Vamos descansar! — Insinuou o senhor Rud.

— Podem ir e muito obrigado pela longa tarefa!

O senhor Tony, me abraçou dizendo:

— Regis, desculpe-me alguma coisa de mal que lhe fizemos. Vamos passar algum tempo sem nos ver, agora.

— Por quê? — Perguntei-lhe.

— Como já lhe disse, eu e Rud moramos em Merlin e dentro de algumas horas, estaremos indo embora. Qualquer dia, a gente volta.

— Volte logo pra me devolver à Terra! — Pedi.

— Não se preocupe garoto! — Pediu Rud. — A gente ainda vai brigar muito! Você não vai mesmo me chamar de papi?

Abraçou-me também, deu-me um beijo na face e se retirou.

Sentei-me em uma poltrona branca e aguardei.

— Fizeram boa viagem, Regis?

— Fizemos! Quase morri na viagem, mas fizemos!

— Estou sabendo! Rud já me contou toda sua façanha. Agora acho bom, você ir pro seu quarto, descansar…

— Não estou cansado! — Neguei. — O senhor me prometeu que conversaríamos quando eu chegasse aqui! Vamos falar sobre me devolver à Terra!

— Concordo! Prometi mesmo e vamos conversar! Mas não tão já! Você acabou de chegar! Vamos tomar um banho, se alimentar, rever o Mark três, a Leandra…

— E quando o senhor vai me devolver?

— Primeiro vamos fazer o que lhe propus!

— Tudo bem!

Levantei-me para sair. O senhor Frene, que também se sentara, se levantou, me chamando:

— Regis…

Parei, olhando-o.

— Posso lhe dar um abraço e um beijo, de boas vindas?

Acenei que sim. Ele se aproximou e assim como o senhor Rud, me deu um abraço apertado e um beijo no rosto.

— Sabe garoto: você não gosta... Pode até ser errado! Mas nós lhe buscamos na Terra, porque precisamos de você.

— Precisam de mim pra que? Não vou fazer nada! Não vou trabalhar! Só vou dar despesas e trabalho! Vou acabar sendo mal educado e brigar com vocês!

— Nós precisamos de seu amor, garoto!

— Garanto que vou amar mais o senhor, se me devolver pro meus pais.

— Entenda a gente, por favor!

Levantei-me e saindo, disse:

— Vou pro meu quarto! Ainda é o mesmo?

— Do jeito que você deixou!

Sai para o corredor, onde tornei a encontrar Tony. Tirei o aparelhinho tradutor de meu pescoço e o entreguei, lhe dizendo apenas:

— Obrigado! É do senhor.

Segui para meu quarto: um grande dormitório, com a cama e o armário de acrílico escuro, uma poltrona dourada e as roupas de cama, em seda e lã. Abri o armário, que estava repleto de roupas de todas as cores, inclusive, semelhantes as que eu usava na Terra. Guardei meu material escolar, apanhei uma toalha grande, me despi por completo, enrolei-me na toalha e segui para o banheiro, que ficava dentro do próprio quarto.


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