Holocausto canibal escrita por Box of dreams


Capítulo 1
Capítulo 1 - O início do fim.


Notas iniciais do capítulo

E a, galerinha do bem?



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"não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte e depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou".

Gilberto Gil, Não tenho medo da morte.

Pode-se dizer que, quando sua mãe é uma delegada, o dia de levar os filhos para o trabalho não é lá muito divertido. A delegacia é um lugar meio chato, para falar a verdade, já que aqui na cidade o máximo que pode acontecer é roubo de galinhas ou algo do gênero. Não temos muitos crimes graves na cidade e, por consequência, os policiais só ficam lendo seus livros, comendo seus donuts ou tomando seus cafés.

– Que lindo, mãe. Você é exemplar, sabia? Levar sua filha para passar o dia na delegacia com você é muito responsável. - Comentei, tentando resolver meu cubo mágico. Eu nunca conseguia formar nem uma face uniforme.

– Por favor, Charlie, seja mais animada. Você quase nunca sai de casa, estou tentando fazer com que você socialize um pouco com as pessoas nessas férias. - Ela replicou, sem tirar os olhos da rua à nossa frente.

– Se você quer me fazer socializar com alguém, está fazendo errado. Não vou fazer amizade com os policiais, mãe, eu deveria fazer amizade com pessoas de quatorze anos assim como eu. - Desisti do cubo mágico e fitei seu perfil concentrado, enquanto ela dava um sorrisinho.

– Ah, vamos, Charlie. Eles não são tão ruins assim.

Mesmo contra-gosto, sorri também. Não conseguia brigar com minha mãe e, falando sério, eles não eram mesmo tão ruins.

Selina era seu nome. Uma mulher delicada fora de seu trabalho, daquelas que usavam vestidos floridos para cuidar do seu jardim e fazer tortas de maçã para pôr na janela. Tinha cabelos castanhos e era linda, para se falar a verdade, coisa que eu não puxei dela. Fora de casa ela era a delegada Hammilton, uma mulher forte e poderosa que botava ordem na cidade interiorana onde vivíamos.

Me chamo Charlie Hammilton, e sou uma garota antissocial que estuda num meio que definitivamente não me pertence. Tenho cabelos louros escorridos, olhos castanhos (pelo menos isso puxei de minha mãe) e um físico nada invejável, magro e sem graça. Mesmo com os protestos de minha mãe, não sou lá muito feminina. Pra mim, a roupa ideal é o meu All Star, jeans e camiseta. Mesmo assim, como ninguém é de ferro, às vezes uso um casaco para variar.

Meu pai me abandonou para viver com uma vaca qualquer quando eu tinha só cinco anos e depois disso só me ligava nos aniversários e olhe lá. Só lhe via umas duas vezes ao ano quando ele finalmente se lembrava de minha existência e pensava "ah, eu tenho uma filha, não é? Que saco".

Saindo das apresentações necessárias, finalmente chegamos na delegacia. Era um local bacana pra se ser preso, bem limpinho e até tinha um cheiro de café bem gostoso. Saí do carro, fiz um rabo de cavalo distraidamente e pus o cubo mágico no bolso do casaco.

–Como vai, Luís? - Passei pelo faxineiro, que me cumprimentou e me deu um sorriso banguela.

Passei pelos oficiais que jogavam algo no balcão, provavelmente baralho, e me juntei à eles. Alisha, Pedro, Mingus, Felix e Dalila eram minhas companhias frequentes quando eu passava o dia com minha mãe, no trabalho. Eles eram bem legais comigo, na verdade, mas só me faziam enxergar o quão deslocada eu era. Em vez de estar no cinema com meus amigos, estava jogando baralho com os policiais da cidade.

– Como vai minha garota? - Felix, um oficial mais idoso, perguntou. Dei um sorriso e bati em sua mão. - Estamos jogando pifpaf, sente aí pra jogar com a gente.

E foi o que fiz até o primeiro telefonema.

– Foi cedo hoje. - Comentou Alisha, uma negra alta e bonita, se levantando para atender o telefone. - Delegacia da cidade, no que posso ajudar? Acalme-se senhora, estamos indo. Dê-nos o endereço. Ok, estamos à caminho.

Alisha desligou e virou-se para nós, com os lábios crispados em preocupação.

– Algo muito grave está acontecendo no centro. A mulher disse algo sobre canibalismo, não sei, mas precisamos ir agora e com pelo menos duas viaturas. Vamos. - Os guardas levantaram.

– Posso ir? - Perguntei, esperançosa, e eles se entreolharam.

– Não acho que seja uma boa ideia, Char. É melhor você ficar aqui, tudo bem?

Assenti, mal humorada, e eles seguiram apressados para a sala de minha mãe. Depois saíram com as viaturas e liguei a TV, entediada. A repórter do jornal do CBN News estava ligeiramente pálida falando sobre algo que envolvia algum vírus. "As autoridades estão vendo como lidar com isso e dizem para não haver pânico que logo surgirá alguma maneira de contornarmos o problema. Um centro de refugiados está sendo aberto em Gramado, Curitiba e Santa Maria, e recomendamos que sigam para o mais próximo. Agora vamos falar com Grécia Solano. Olá, Grécia".

A matéria continuou. Segundo eles o vírus era altamente contagioso e poderia ser transmitido por mordidas ou arranhões dos infectados, que não davam sinal de estar em plena consciência. Fiquei com medo. Havia ouvido sobre isso antes, começara na América Central, e por isso espalhou-se rápidamente para o México e consequentemente para a América do Norte. Como não havia notícia de contaminados nos outros continentes, logo houve migração. E então chegou na América do Sul. Estávamos infectados também.

Assustada, fui até a sala de minha mãe. Como sempre, ela estava compenetrada na sua pilha de papéis. Era tão bonita assim. Havia um taco de basebal em exposição acima de sua cabeça, na parede, e a sala era arejada e bem iluminada.

Sentei, mexendo no cubo mágico, até que ouvimos um barulho do lado de fora.

– Acho que chegaram. - Comentou minha mãe, distraída com seus papéis. - Vá ver, Charlie.

– Tudo sou eu, sempre eu, poxa. Vou até cobrar o serviço, mãe. - Exclamei, saindo da sala. Uma mulher estava de costas pra mim, perto do balcão. - Licença, senhora, o que deseja? Os policiais estão ausentes no momento, pode falar com...

E então ela lentamente se virou. Soltei um grito, assustada, ao ver seu rosto. Era nojento, totalmente podre. Os cabelos estavam sebosos e sujos, e a pele estava esverdeada. Ela devia ter lá pelos seus vinte e cinco anos, e vestia um vestido azul encharcado de sangue oleoso que escorria de uma mordida gigante em seu pescoço. Os olhos estavam cheios de pus, e ela gemeu repugnantemente antes de vir ao meu encontro, mancando.

Eu dei rapidamente alguns passos para trás enquanto ela se apressava, e dei mais um grito quando caí.

– Mãe, socorro! - A mulher se jogou em cima de mim com um peso maior do que eu pensei que ela tinha, e tentava me morder à qualquer custo com seus dentes podres.

Eu a segurava longe, mas ela fazia força para perto de mim, e eu não iria aguentar muito tempo. Até que senti que alguém a empurrava para longe, e me levantei imediatamente. Minha mãe batia em seu corpo com um taco de golfe (o seu preferido, que ficava na parede pendurado), mas a mulher mal parecia se importar. Então minha mãe fincou o taco com força em sua cabeça, que se desfez em massa cinzenta e sangue oleoso. Coloquei a mão na boca em espanto.

– Você... Você acabou de... Você a matou, mãe.

– Charlie, pegue suas coisas, nós estamos de saída. - Ela disse, e pude perceber lágrimas em seus olhos. - Meu expediente acabou.


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Notas finais do capítulo

Mereço reviews? O próximo só sai com pelo menos um. Beijos!