Laços de Sangue e Fúria escrita por BadWolf


Capítulo 19
Eu Tenho Uma Reclamação a Fazer


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Conforme prometido, finalmente teremos o encontro desse Bruce Finnegan e Sherlock Holmes... Muita coisa será elucidada agora, então preparem-se para um longo capítulo (mais de 4.000 palavras, meu novo recorde) e esperem uma reviravolta daquelas. Ah, e muita pulga atrás da orelha também, vocês vão perceber isso mais no final!!

Gostaria de agradecer, antes de tudo, pela grande recepção da história, pelos reviews, MP's e outras formas de carinho, além da paciência pelos eventuais erros de digitação, atrasos e tudo o mais. É graças a vocês, caros leitores, que essa história se mantém viva!!

Enfim, mandem brasa e boa leitura!!



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Londres, Inglaterra. 07 de Janeiro de 1895.


Fazia uma chuva forte e intensa naquela manhã. Baker Street estava tomada por guarda-chuvas e pessoas apressadas, que tentavam escapar daquela chuva incômoda de todas as formas. Andar perto das marquises quase sempre acarretava em esbarrões, seguidos de palavras hostis e mal-educadas pelos poucos desavisados que tentavam se abrigar daquela tempestade repentina.

Um desses desavisados era Holmes. Tinha saído àquela manhã para uma simples ida à barbearia e acabou todo molhado. Não havia um cabriolé que passasse por ali e estivesse disponível e mesmo assim, a distância não valia a pena. Embroa fosse preferível fazer o percurso à pé, andar entre pessoas munidas de guarda-chuva era sempre irritante.

–Bom dia, Mrs. Hudson. – disse Holmes, enquanto tirava seu sobretudo, àquela hora praticamente encharcado pela chuva.

–Bom dia, Mr. Holmes. – respondeu Mrs. Hudson, sempre gentil, cuidando de seus pertences. – Apesar de estar mais para noite, a julgar pela cor do céu de hoje.

A senhoria não deixava de ter razão. O céu de Londres estava mais cinzento do que o costume. Na verdade, faltava pouco para atinri a cor negra, não se sabe se pela poluição ou pela tempestade repentina.

–O café da manhã já está à mesa, Mr. Holmes.

–Obrigado, Mrs. Hudson. – ele disse, enquanto subia.

Ao adentrar, avistou, de imediato, Esther e Watson sentados, já tomando seu café. Os dois pareciam conversar tranquilamente. Certamente, nenhum assunto que envolvesse o misterioso Mr. Sigerson, a julgar pelo semblante fresco de Watson.

–... E ainda é necessário reportar ao Conselho de Medicina. Bem, algo bem entediante, minha cara Sophie. Creio que tanto quanto datilografar.

–Certamente. – respondeu Esther, sem notar a chegada de Homes. – E quanto ao Mr. Holmes? – perguntava Esther, disfarçando interesse, enquanto preenchia uma xícara de chá.

–Bem, ele...

Uma voz de barítono veio irrompendo na sala. Até mesmo para dizer um sonoro “Bom dia, Watson!” Holmes mantinha uma afinação. Esther suspeitava que seus conhecimentos na Música iam mais além do que o violino, e que ele deveria ter uma bela voz. Uma pena que ela jamais o viu cantar para sanar suas duvidas, mas algo lhe dizia que ela estava certa. Um dia, ela ainda iria lhe perguntar mais sobre isso.

–Bom dia, meu caro! Pois vejo que está em excelente humor!

–De fato eu estou, meu amigo.

–E não irá compartilhar conosco o objeto de sua felicidade? – perguntou Watson, curioso. Holmes suspirou, feliz.

–Creio que ainda não é o momento propício, meu caro Watson. Mas garanto-lhe que será o primeiro a saber.

–É sempre bom vê-lo assim, meu caro Holmes. – disse Watson, contente por vê-lo. - Pensei que iria demorar...

–Apenas fui ao barbeiro, Watson. – disse Holmes, tirando sua cartola e deixando à mostra seu cabelo, mais curto e rigorosamente penteado e brilhoso, com bastante brilhantina. – E tal tarefa, tão simplória, mostrou-se um desafio, dado a dificuldade de caminhar em Londres em dias chuvosos.

–Era isso que estava a comentar com Sophie agora há pouco. – disse Watson. – Londres está cada vez mais populosa. Um quantitativo sem igual de estrangeiros vêm atraído à nossa cidade, ousaria dizer, ao nosso país.

–A Inglaterra é o país de maior influência. “O Império Onde o Sol não Se Põe”, lembra-se?

–Sim, e isso motivou jovens como eu a lutarem por tais palavras contra guerreiros ghazi na Índia. – ele disse, com pesar.

–Mas foi bom tocar em tal assunto, meu caro Watson. Acaso leu o noticiário de hoje?

–Vagamente. – disse Watson. – Uma notícia a respeito de um desentendimento democrático na Prússia...

Holmes rolou os olhos e suspirou.

–Esqueça essa bobagem da diplomacia, meu caro. Estou falando no noticiário policial. Creio que não é matéria de capa em nenhum jornal, nem mesmo no “The Star”, o que prova que há alguém conseguindo apaziguar a importância do caso com relativa proeza...

Holmes olhou brevemente para Esther, sem que ela entendesse o que isso significava. Seria a morte do Agente Morrison, noticiada de alguma maneira no jornal?

–Não entendo, Holmes... – disse Watson, com jornal em mãos. – “Americano encontrado morto em Hotel da Follet Street”...

–Leia a matéria completa, Watson. – disse Holmes, abastecendo o cachimbo.

“Um homem identificado como Ian Mackenzie foi encontrado morto há dois dias atrás, em um apartamento nas redondezas do bairro de Soho. Segundo fontes confidenciais, Mackenzie era americano e jamais foi visto ali. Dentre seus pertences, estavam um canivete suíço, um revólver e uma carteira, que o ajudou a identificar como sendo um detetive da Agência de Detetives Pinkerton, dos Estados Unidos da América. A princípio, Mackenzie estava fazendo perguntas pela região, o que reforça a possibilidade que ele estava à procura de algum foragido norte-americano. Entretanto, o Consulado dos Estados Unidos nega que um de seus Agentes estivesse à trabalho em solo britânico, bem como a existência de qualquer foragido. Em palavra, o Detetive Inspetor Lestrade, da Scotland Yard, diz que o caso está sendo investigado e em breve será concluído, também negando a possibilidade da existência de qualquer criminoso americano em Londres. “O cidadão londrino pode dormir em perfeita paz”, ele disse, “pois nenhum criminoso deste país está a caminhar por nossas ruas”.

Holmes riu, enquanto caminhava para o seu quarto, ignorando a mesa do café.

–Bem típico de Lestrade. – ele disse.

Watson fechou o jornal, sentindo-se intrigado.

–É raro ver um Pinkerton em Londres, mais raro ainda por motivo algum. De fato, Holmes, isso é deveras muito estranho. Estranho ainda é tal morte não ter recebido tanta atenção dos jornais. Afinal, sequer está na primeira página. Será que o Governo poderia estar envolvido nisto?

O coração de Esther disparou. Claro, a matéria não fez qualquer menção à morte de um agente – e jamais fariam. Mas ela sabia não apenas o envolvimento dele, mas também que estavam errados a seu respeito. Mas o que ela poderia fazer? De qualquer forma, Morrison não merecia ter tal desfecho, não depois de todo o serviço que prestara à Inglaterra.

Watson continuou.

–Creio que, a julgar por seu interesse, sua opinião não é muito diferente da minha, o que me leva a pensar se...

Um violino ensurdecedor interrompeu Watson, que ficou sem palavras. Holmes já tinha abandonado a conversa há muito tempo, e agora estava enfiado em seu quarto, tocando qualquer improviso em seu violino.

–Está em um humor daqueles, eu presumo? – ela concluiu.

–Não... – analisava Watson. – Deve estar a pensar. Creio que a morte desse Pinkerton esteja relacionada a algo que está ocupando sua mente.

Cerca de trinta minutos depois, Holmes voltou à mesa com naturalidade. Watson já estava terminando seu café, assim como Esther. O máximo que o detetive se permitiu, entretanto, foi uma xícara de chá pela metade. Sua escassa alimentação era, obviamente, notada por Esther, que sentia vontade de recrimina-lo, mas olhar para Watson lhe fazia recuar.

–Em breve, a caça estará montada, meu caro Watson.

Esther estranhou o tom de voz de Holmes. Enquanto Watson tirava para si uma fatia de bolo, Holmes olhou brevemente para ela, com o olhar que parecia irradiar calor. Estaria ele assim tão excitado por um caso que sequer lhe pertencia? Ou ele deixaria o acordo que ambos fizeram de lado apenas para ajuda-la? Ela não poderia dizer.

De repente, ouviu-se o som de alguma pequena confusão no andar de baixo. Só o que se conseguia distinguir era a voz de Mrs. Hudson, alterada, em protesto. Certamente, era algum cliente desaforado, ou mesmo alguém ameaçador.

Os olhos cinzentos e implacáveis de Holmes apenas foram tomados do universo particular de suas deduções quando ele deu-se conta de que Esther estava ali. O evento do falso Jack ainda doía em si, e ele temia que a mera presença dela ali, ainda que aparentemente fosse uma simples inquilina, lhe colocasse na linha de fogo para algo terrível. Quantos sujeitos arrogantes não entraram em Baker Street, desejosos de rebater Holmes? Quantas vezes Watson não sacara seu revólver para defendê-lo deles? Ele não sabia o número preciso, mas sabia que embora fosse eventual, até mesmo raro, era algo que jamais estava distante de acontecer.

Esther já conhecia Holmes o bastante e percebera o que significava seu olhar, ainda que breve, e parecia responder com seu olhar que estava pronta. Afinal, não era uma mocinha inglesa indefesa, mas uma espiã franco-inglesa treinada, que já vira e lidara com todo o tipo de corja. Isso pareceu aliviá-lo um pouco mais, enquanto os passos do visitante inesperado já estavam próximos à escada.

Watson estava desarmado, sem seu revólver de serviço, mas tinha em sua mão sua bengala, presente do Exército Britânico, que trazia escondido uma lâmina afiada. Pela maneira confiante que ele a trazia na mão e pelo material nobre, Esther sabia que se tratava da mesma peça, que ele fizera referência nos contos.

Ele abrira a porta com truculência.

Era, por final, um rapaz. Não se daria mais que vinte anos nele. Suas feições, entretanto, eram rudes, beirando a agressivas. Ele parecia ser alguém que já vira a face ruim da vida algumas vezes – não poucas. Embora vestisse boas roupas, algo ali suscitava que já estivera em má situação e que o progresso na vida era evento recente.

–A que devo a honra de sua visita, Mr. Bruce Finnegan?

O rapaz pareceu surpreso em ser tão rapidamente identificado, mas logo voltou a si.

–Vim tratar de assuntos inacabados, Mr. Sherlock Holmes. – ele disse.

Holmes levantou-se, confiante. Com as mãos atrás das costas, trazia o semblante relaxado.

–Não poderia esperar outra coisa de você. Posso dizer que estive esperando, dado o acontecimento dos últimos tempos.

O rapaz ergueu uma sobrancelha, depois deixou escapar um sorriso de escárnio.

–Pelo visto, leu meus sinais. – ele zombou.

–Pareceu um tanto amador, é bem verdade. Cogitei, a princípio, ser obra de uma criança estragar uma refeição lançando um rato em uma sopa, mas agora eu me surpreendo em perceber que o senhor, um jovem funcionário de um banco da City, foi capaz de tal ato de traquinagem. É o datilógrafo de lá, não?

–Si-Sim. – o rapaz parecia apreensivo.

–Tenho certeza de que por pouco tempo, dada a sua dedicação no trabalho. – disse Holmes, com zombaria na voz, provavelmente se referindo à tenacidade do jovem, como o Pinkerton lhe dissera, em roubar bancos na América. Certamente o da City seria o próximo.

Sem se intimidar, Holmes continuou.

–Sei que, a julgar por seu histórico, costuma trabalhar em bancos por alguns meses, e depois encontra... Digamos... “Melhores horizontes”, se é que posso dizer. Mas aviso-te que o pessoal da City tem certa predileção em adotar meus serviços e, acredite em mim, não queira colocar-se em maus lençóis com aquele pessoal... Mas ainda assim, não me disse a que veio... É para tratar de negócios afetivos? Sua namorada está a causar-lhe mais problemas, ou...

Para surpresa dos presentes – talvez até mesmo do próprio Holmes, ainda que momentaneamente – o conhecido espetáculo de dedução de Sherlock Holmes foi interrompido de maneira inusitada.

Por berros.

–Chega! Para de adivinhar minha vida, seu bruxo!

As sobrancelhas de Holmes se ergueram, talvez pela altura com que o jovem berrara. Watson percebeu o estado de alteração do rapaz e tocou nitidamente na ponta de sua bengala e a destravou, deixando-a pronta para ser desembainhada e à serviço. Mas depois do susto, Holmes voltara ao normal.

–Bom, está tudo bem. Só uma observação: o que fiz foi uma dedução, que parecerá tola se eu revelar. Mas não vou, porque você me chamou de bruxo. Um bruxo não revela seus truques. – disse Holmes, com diversão.

–Na verdade, são os mágicos que não revelam seus truques. – corrigiu Esther.

–Que seja. Mas enfim, essa minha conversa não está levando em lugar algum, pelo que vejo. Porque não tentamos nos mover? Para começo de conversa, você pode me dizer a respeito de sua pretensão em me visitar, depois de tudo.

O rapaz ergueu o queixo, querendo parecer intimidante.

–O senhor está certo. Eu me chamo Bruce Finnegan. A propósito, como sabia meu nome?

Holmes riu brevemente. – Ora, mas você não me chamou de bruxo? Ficará feliz se eu disser que usei um feitiço chamado Abracadabra?

O rapaz parecia irritado, e deixou à mostra, puxando levemente parte do terno, um revólver em um coldre. Watson rapidamente se moveu, mas Holmes interviu.

–Eu já sabia da existência do revólver, Watson. Não esperava outra coisa vindo de Finnegan no mesmo teto que eu, acredite. Não houve um passo que esse jovem deu sem que eu soubesse que ele carrega um Eley n° 5 no bolso. Um semiautomático, dos bons, do qual eu gostaria que você me mostrasse mais tarde. Seria capaz de matar a nós três com a metade de um tempo exigida por um revólver comum. Ele poderia te matar antes mesmo que sua lâmina saísse da bengala, Watson, mas creio que Finnegan não tenciona ir à Dartmor ou ter uma corda no pescoço, não é?

–Bom saber que sabes do risco que corres, Mr. Holmes.

–Eu quis dizer a situação de Watson. Porque eu, neste momento, estou com um nano-revólver no bolso do meu robe, destravado e pronto para a ação se necessária. Temos um impasse cubano, não temos? Porque Watson já resistiu a dois tiros. Um terceiro não seria problema.

–É impasse mexicano, Mr. Holmes. – corrigiu Esther, outra vez.

Holmes bufou. – Que seja. São tão próximos no mapa...

O jovem suspirou, e afastou sua mão do revólver.

–Ótimo, rapaz. Agora, faça a bondade de se sentar.

O rapaz obedeceu. Holmes serviu-lhe um copo de conhaque, do qual o jovem Bruce bebeu em um só gole.

–Outro cliente preferiria que essa conversa fosse dita às sós, mas eu sei que em breve será conhecimento de todos o que estou prestes a dizer a ti.

–Todos os presentes aqui são de minha confiança. Dirija-se à eles como se estivesse se dirigindo a mim. – disse Holmes, sentando-se, deixando Esther um pouco orgulhosa de si e um Watson bastante surpreso por ele, um velho misógino, ter agora uma mulher entre os seus de confiança.

Holmes deixou-o prosseguir.

–Receio que terei de explicar a eles toda a minha história, e de como os nossos caminhos se cruzaram na primeira vez.

–Pois faça-o. – disse Holmes, escondendo muito bem sua estranheza com a afirmação de “caminhos cruzados pela primeira vez”.

O rapaz levantou-se solenemente.

–Você não se lembra de mim, Mr. Holmes, e isso não me deixa surpreso. Afinal, eu era apenas um menino na época. Mas eu acredito que meu sobrenome tenha sido, de fato, algo marcante a si.

Holmes cruzou os braços, relaxando-se.

–Nem um pouco. Mas por que eu deveria me lembrar de você?

Olhando de soslaio, Holmes notou que o rapaz estava com seus punhos cerrados de raiva, e o semblante nada amigável.

–Família Finnegan.1875. Em Plymouth, lembra-se?

Depois de alguns instantes, Holmes soltou uma exclamação de surpresa.

–De fato. Caso antigo, este... Os Finnegan de Plymouth.. Um de meus primeiros casos. Plymouth... De fato, Plymouth. Uma pena que você ainda não era meu biógrafo naquela época, Watson. – Holmes riu sutilmente. – Pudera... O que esperar de um rapazote que tinha acabado de sair da universidade e mal conseguia pagar o aluguel de um quartinho barato na Montague Street? Os casos que peguei neste tempo eram medíocres, inclusive este. A única coisa que me faz destacar foi o fato de este ter sido o meu primeiro caso além dos limites de Londres.

O rapaz parecia ferido com as palavras de Holmes.

–Mas continue, rapaz. Desabafe, e perdoe minhas divagações.

–Pois então. O senhor fora chamado para tratar de um possível... Caso de traição, não? – perguntou Bruce, cruzando as pernas e puxando um cigarro para fumar, o acendendo com um isqueiro prateado.

–Não posso me orgulhar dos meus primeiros casos. – disse Holmes, dando de ombros.

–Mas então, o senhor descobriu essa “suposta traição” entre Mrs. Finnegan com seu cunhado, Lawrence Finnegan...

–De fato. – respondia.

–E alguma vez se perguntou o que aconteceu depois a esta família?

–Não. – disse Holmes, dando de ombros, com indiferença. – Era uma família comum, que passou por problemas, como tantas outras. Apenas fiz meu trabalho, o conclui, e fui embora. Eles que o resolvessem.

–“Eles que o resolvessem...” – repetiu o jovem, com desgosto.

–Sou apenas um investigador, um detetive consultor. Não é meu dever consertar a vida das pessoas.

O rapaz se levantou, dando baforadas, sendo observado atentamente por Watson e Esther, que conseguiam ver claramente que as respostas francas de Holmes estavam deixando o jovem irritado. Watson desejou, ao menos naquela vez, que seu amigo fosse menos honesto.

–Você arruinou a minha família! – esbravejou o rapaz, deixando todos assustados. Holmes se levantou.

–Não. A sua mãe arruinou a sua família. Ela foi a responsável por isso. Aliás, por que estou eu, a perder meu tempo com alguém como você? Se o senhor puder me dar a licença e se retirar...

–Minha mãe se suicidou!

Holmes analisou o fato por instantes. – É de meu conhecimento. Mas se agora deseja ouvir os meus pêsames, então...

O rapaz parecia ainda inconformado.

–Você não pode negar que fizera isso propositalmente! Você foi o responsável! Não há como negar suas intenções por trás disso...

Holmes ergueu uma sobrancelha, em pasmo e incredulidade. – O quê? Creio, rapaz, que você não está bem... O que eu poderia ganhar com a separação de seus pais, se eu sequer os conhecia antes desse caso? Realmente, o senhor não passa de um desequilibrado, um...

–Você não sabe quem é Mrs. Finnegan, mas decerto sabe quem é Beatrice Morgan...

O semblante de Holmes se empalidecera com as palavras do rapaz. Ele tentou disfarçar sua apreensão, mas tinha sido em vão. Tanto Watson quanto Esther perceberam isso, e, é claro, o próprio Bruce, que ficou satisfeito com o efeito desejado.

–Não sei do que você está falando. – contraiu-se Holmes, dando as costas à Bruce. – Beatrice Morgan, realmente... Não faço idéia de quem seja.

–Preciso que refresque sua memória, Mr. Holmes? Ou acredita mesmo que assunto de qualquer natureza pode ser escutado por seus fiéis escudeiros?

–Vá embora. Já me aborreceu o bastante. – ele disse, friamente e ainda de costas.

A mão do rapaz, ainda erguendo o revólver, começara a ficar trêmula.

–Eu não vou embora até que...

Antes que ele terminasse, Holmes fez um movimento rápido, tomando o revólver de sua mão. Ainda surpreso com a agilidade, o rapaz apenas observava Holmes, sentindo uma dor intensa na mão.

–Chega. Deixarei passar porque vejo que está sendo levado pelas suas emoções e pela dor da perda de sua mãe. Agora, vá embora, antes que eu chame a policia. E se aparecer aqui de novo, eu prometo que não terei a mesma compaixão.

Cabisbaixo, o rapaz seguiu. Sem seu revólver.

Quando a porta se fechou bruscamente, Watson e Esther ficaram atônitos, observando Holmes, enquanto ele dava passos, empunhando a arma.

–A arma estava o tempo todo travada. Decerto ele não sabia usá-la corretamente, por ser uma arma mais avançada. Apenas disse aquelas coisas para deixa-lo mais cheio de si. Mas confesso que esperava outro motivo para a vinda de Bruce Finnegan à esta casa... – murmurou Holmes, lembrando-se do Pinkerton morto. – Não sei se lembra-se dele, Watson, no caso do Incêndio na Hollman Street... Ele tinha sido uma testemunha.

–Eu me lembro do caso, sim. Foi um pouco antes... Um pouco antes de Moriarty.

–De fato. Cheguei a suspeitar que fosse obra do professor, mas tudo não passou de um incêndio acidental, não criminoso. – ele disse, tentando explicar a Esther. – Ao menos ninguém se feriu e salvei um chinês de ir à cadeia por prisão perpétua. Mas enfim, eu reconheci Finnegan na ocasião. Não foi imediatamente, mas apenas depois que o caso foi resolvido. Afinal, ele era um menino na época, e naquele dia, era um mero limpador de chaminés rude, jurando que não tinha culpa. Claro que eu sabia de alguns outros envolvimentos criminais dele, o que me admira. A família dele tinha posses quando eu os conheci, e é uma pena que o rapaz não tenha me contado mais detalhes sobre como um herdeiro de Plymouth se transformara em um limpador de chaminé.

–A estrutura familiar se abalou após esse caso, Holmes. Dinheiro é questão de tempo, em alguns casos.

Holmes parecia analisar. – Realmente.

–Mas... Por que sua reação foi tão... Atípica, quando ele mencionou o nome... Como era mesmo? Beatrice Morris...

–Morgan, Beatrice Morgan... – ele disse, ainda com o olhar perdido.

Watson parecia ter suas suspeitas.

Será que essa mulher era uma namoradinha de seus tempos de juventude? Um amor não-resolvido? Uma paixão platônica?

–Bem, quem foi ela?

–Não sei, Watson, mas confesso que o nome me é familiar.

Ao final da frase, os olhos de Holmes se direcionaram ao de Esther. Ela, por sua vez, não parecia convencida disso. Tinha cerca de seis ou sete teorias sobre quem seria essa Beatrice Morgan que lhe fez quase ficar sem palavras. Com toda a certeza, alguém mais importante, ao menos, do que ele estava demonstrando.

Por final, o contentamento de Holmes tinha desaparecido, dando lugar a uma melancolia. Ele não mais falara o dia inteiro, estando fumando o seu cachimbo, de maneira reservada. Watson fazia-lhe uma observação, mas Holmes respondia com um resmungo. Volta e meia, Esther flagrava seus olhos pairando sobre a pequena gaveta da mesa, local que ela sabia bem que ele utilizava para guardar seus “venenos”, maneira dela de chamar a cocaína e a morfina.

Era alta madrugada da noite, Esther ouvia, nitidamente um violino tocar. Ela estava deitada em sua cama, que era curiosamente, o local que ela mais conseguia ouvir o que Holmes fazia em seu quarto. Ela conseguia ouvir nitidamente seus passos de inquietação e mesmo os violinos. Esther se perguntava o que o novo inquilino achava disso, até saber que seu antigo ocupante era parcialmente surdo. Ou era muita sorte do destino – e do inquilino – ou mesmo o próprio Holmes selecionou um inquilino que jamais reclamaria de suas extravagâncias da madrugada.

Ela levantou-se da cama, desistindo de tentar dormir. Quando escutava aquele violino, agonizante, ela sentia seu coração acelerado, com a possibilidade de que Holmes estava sofrendo, ou infligindo dor em si. Aquela melodia triste era inquietante demais. Só mesmo Watson e seu sono de urso hibernante para resistir a isso.

Quando estava na cozinha, Esther escutou som de escadas.

Era Watson passando, ela percebeu pelo som de seus passos. Da sala, dava para ouvir nitidamente quem passava ao corredor. Mrs. Hudson tinha um jeito mais comedido – diria até delicado – e Holmes tinha um jeito mais ágil, e ao mesmo tempo, com passos que faziam pouco barulho. Já Watson, seus passos eram firmes, além do leve colchoar de sua perna, que dava certo descompasso em suas passadas. Decerto, nem ele suportou o som dos violinos. Ou talvez, tivesse melhores planos para aquela noite.

Esther esperou quinze minutos, para subir.

Ao abrir a porta, o som do violino parou imediatamente. Ela sabia que Holmes já tinha conhecimento de sua presença ali. Será que ela era tão previsível assim?

Como ela esperava ao abrir a porta de seu quarto, Holmes estava deitado em sua cama, violino no colo e um dos arcos na mão. Uma sensação de alivio transbordou de si ao perceber que suas pupilas não estavam dilatadas.

–Sherlock...?

Silêncio. Só o que Esther pôde fazer foi esperar, recostada à porta.

–Uma vez, quando era bem jovem... Uns nove anos, penso eu... Eu estava deitado em minha cama. Não que eu estivesse doente ou algo assim. Simplesmente estava entediado. Meu novo tutor era irritantemente rígido e eu não encontrava quase nada para fazer, naquela casa imensa e vazia. Sentia-me sozinho, cercado por aquela criadagem e por meu irmão mais velho, sempre ocupado, indo de um lado a outro o tempo todo, e meu pai, sempre distante e ocupado demais para dar atenção a mim. Dirigir-lhe a palavra era quase proibido. Mas naquele dia em especial, ele me arrastara do quarto. Eu já esperava ouvir uma reclamação sua. Talvez fosse o livro que eu deixei espalhado na biblioteca, ou um cigarro em falta em sua charuteira – porque eu já fumava escondido, mas...

Holmes riu, ao perceber o desgosto da Esther com sua revelação.

–Mas naquele dia, ele fez questão de minha presença na sala. E sabe para o quê? – Holmes suspirou, depois de soltar mais uma baforada.

–Ele queria me mostrar minha futura noiva. Beatrice Morgan.


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Notas finais do capítulo

:O :O :O

Peraí, meu queixo tá no chão agora...

Oh my, Sherlock Holmes já teve uma noiva, e essa noiva era mãe do Bruce!!!!
Holmes, algo me diz que você terá de explicar umas coisinhas à Esther, ou senão...

Mas sério: Alguém fazia alguma idéia das reais pretensões do Bruce quando ele colocou o rato na comida de Sherlock Holmes?? Ou vocês ficaram surpresos, de verdade??

Calma, que no próximo cap muita coisa será elucidada também. Saberemos mais detalhes dessa história mau contada de "noiva" e haverá também uma surpresinha no final, tão boa quanto a desse cap.

Aguardem até quarta!!!

Um grande bj e deixem reviews!!! Gostaria de saber o que acharam desse encontro, se corresponderam às suas expectativas, etc. Nos vemos na quarta!



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