No Chão, Há Um Livro Vermelho escrita por LudMagroski


Capítulo 1
Primeiro, Único e Último.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/51390/chapter/1

Seus braços miúdos se estendem em direção à quinta prateleira da estante. Os dedos pequenos se fecham envolvendo a capa dura e vermelha com letras douradas. A poltrona velha afunda levemente ao sentir o peso de seus sete anos.

As páginas são macias e amareladas, seus dedos deslizam por elas seguindo o formato dos rococós de suas letras. Seus olhos se perdem entra as letras miúdas e negras, mergulhando aos poucos num mundo novo. Há um campo verde e macio cobrindo colinas redondas e baixas. O vento é refrescante e brinca entre seus cabelos cacheados. Há também uma cidade com casas feitas de pedras brancas, suas torres refletindo uma áurea rosada. Um fauno simpático espera na janela.

Todos os dias após a aula ela volta à poltrona velha, o livro enorme entre as mãos, as colinas verdes, as casas brancas, as torres rosadas, o fauno na janela a convida para um chá. Há um bosque onde uma raposa falante e uma menina de olhos bicolores dançam ao som de flautas. Perto da pedra grande às margens do riacho, senta um rapaz ruivo trocista.

Os dias passam, as páginas viram.

Todos os dias ela corre ao encontro do fauno gentil, da raposa falante, da menina com olhos coloridos, do ruivo divertido. Ela ri com eles, chora com eles, sorri cada vez que vê seus nomes grafados nas negras letras contra as páginas amareladas. O livro vermelho a acompanha a todo lugar. Seus amigos estão apertados contra seu peito, os dedos pequenos apertando a lombada grossa. O tempo passa, e com ele as páginas viram.

Há uma última página, uma página amarela solitária, e depois dela não há nada mais. Não há mais fauno com suas xícaras de porcelana, não há raposa alguma a tagarelar, ou menina de olhar bicolor, não há rapaz ruivo a rir trocista. As colinas verdes sumiram, as casas brancas e torres rosadas também. Só há o parque, crianças rindo, correndo, e ela com o livro vermelho nas mãos.

O olhar perdido, vazio, opaco, a procurar seus amigos no horizonte. Uma risada alta, uma flauta a tocar, o cheiro doce do chá. Seus amigos, são seus amigos! Ela os vê, anda a passadas ligeiras ao encontro da raposa que balança a cauda alegre do outro lado da rua.

Uma mulher grita, ela para e percebe que seus amigos se foram. Não há nada mais, não há nada – uma freada, uma buzina, uma pancada -. Ela está no alto da colina, olhando a cidade de pedras brancas e torres rosadas ao sol. Corre de braços abertos e ri. Há um ruivo rindo sozinho, uma raposa saltando, um fauno gentil a sorrir, uma menina a encará-la com seu olho verde e azul.

No chão, há um livro vermelho.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentários assim como críticas construtivas são muito bem-vindos! Por favor, deixem sua opinião