Criança Domesticada escrita por AneenaSevla


Capítulo 2
Recém-chegado


Notas iniciais do capítulo

"Um animal é selvagem até o momento em que seja posto em cativeiro, assim, sua essência se vai... E perderá sua identidade."
Alexsander Bengaly



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Logo depois de um tempo que mais pareceu uma eternidade, o pequeno demônio branco sentiu o mundo finalmente parar de se mover. Não era a primeira vez que isso acontecia, mas ele ainda não conseguira se acostumar aos solavancos. Ouviu as criaturas falando do lado de fora, agora eram diferentes das de antes… novas, inclusive.

– Jeffrey, Kyle! Venham descarregar o camburão! – disse a nova voz. Vinha de um dos trabalhadores do homem do casaco risca de giz, que dirigira o caminhão – o chefe mandou. É para hoje!

– Tá John, a gente não é surdo – disse o que se chamava Jeffrey. Era loiro dos olhos castanhos, enquanto o chamado Kyle tinha cabelos castanhos e usava uma boina. John abriu a traseira do camburão, que estava voltada para uma espécie de garagem-armazém atrás da mansão.

– Sei… - bufou John – me ajudem a tirar essa jaula daqui, pelo menos…

– Outro bichinho de estimação? – Kyle pestanejou – já não basta aquele urso pardo que fugiu?

– É… eles não se cansam… - Jeffrey zombou, trazendo o carrinho de transporte – e o que é desta vez? Um tigre, um leão… Um dragão?

– Não – John tirou o pano preto de cima, o pequeno demônio não esboçou reação além de se afastar até onde a jaula permitia. Os dois homens arregalaram os olhos, arfando incrédulos e até um pouco receosos.

– Que merda é isso?! – exclamou Kyle, dando um pulo ao ver a criatura.

– Não sei, mas eles acharam uma coisa incrível dessa vez – Jeffrey se aproximou um pouco para ver o bicho melhor, e se afastou quando este avançou para arranhá-lo, fazendo a jaula balançar – uou… vão ter de domar esse daí…

– Chega de conversa mole! – disse uma voz categórica e potente. O pequeno demônio se encolheu ao ouvi-la de novo.

O Sr. Oakley, o comprador do monstrinho, com sua bengala e agora vestindo roupas mais casuais, sempre tinha um porte altivo e ameaçador, não era agora que iria deixar de ser assim.

– C-chefe! – os três exclamaram em uníssono – já estávamos tirando ele do caminhão, nos pegou em meio ao processo…

– E assustando ele no caminho – completou o magnata – coloquem-no para dentro, com cuidado. Ele pode ser frágil.

E assim os homens fizeram, colocaram a jaula no carrinho e levaram-na para o armazém, que nada mais era do que um galpão pequeno cheio dos mais diversos utensílios, desde acampamento até jardinagem e patinação, todos organizados em caixas e letras em baixo relevo indicando cada assunto. O Sr. Oakley sempre fora organizado quanto a isso.

Assim que baixaram a jaula, o monstrinho virou a cabeça para todos os lados, como fizera há algumas horas, e logo depois a virou na direção do magnata. O corpo abaixado, os dedos com as garras brancas escondidas e os músculos da face mostravam claramente que o pequeno não queria comprar briga com o mais alto.

O magnata observou o monstrinho com atenção, estudando cada parte dele, enquanto os outros empregados o observavam, aguardando ordens.

– Arrumem uma gaiola maior – disse finalmente – e umas roupas também. Ele tem de estar totalmente apresentável para amanhã à noite… não deem nada para ele, além disso. Eu sou o único autorizado a fazer, fui claro?

– Sim senhor! – os três disseram, e dois se dirigiram ao interior do balcão, outro foi buscar as roupas. Assim que foram embora, o homem se abaixou na altura da gaiola, para olhar o monstrinho bem na altura dos olhos – ou pelo menos a área onde deveriam estar.

– Você realmente é formidável – disse, num tom soturno – vai ser uma ótima mascote… só precisamos retirar o mundo selvagem de você.

O pequeno ficou ali, encolhido, observando a criatura balbuciar coisas sem sentido. E então ele viu a criatura pegar uma caixa do bolso e a abrir… o cheiro salgado inundou suas narinas, e logo ele reconheceu como sendo um pedaço de peixe… só que estava estranho… meio queimado…

– Aqui… experimente isso… - ele deixou a comida no assoalho da jaula e se afastou um pouco. Era uma ótima isca, mas ele se perguntou por um momento se a fera iria ou não aceitar o salmão assado.

Assim que o homem se afastou, o pequeno se aproximou um pouco da vasilha e cheirou. Duas pequenas narinas apareceram e logo se camuflaram com o resto do rosto branco. Imediatamente o pequeno rejeitou, afastando-se, soltando um pequeno grunhido e balançando a cabeça com reprovação. O homem suspirou.

– Não esperava que gostasse… sendo das florestas frias, com certeza come coisas cruas… se você come alguma coisa… - e se levanta, pegando a vasilha de volta e a fechando.

No mesmo momento dois dos comparsas chegaram trazendo uma jaula feita para abrigar um urso, era toda de metal trançado, inoxidável e polido, com placas sólidas e fortes nas bases do prisma hexagonal, além de rodinhas na parte de baixo para facilitar a locomoção.

– Encontramos chefe! – disse John, limpando o suor da testa – aqui, encontramos lá na parte de trás do depósito, a melhor que achamos.

– Excelente, agora, vamos movê-lo – disse o Sr. Oakley, batendo de leve no metal. O monstrinho se encolheu, mas estranhou por que o som não doeu dessa vez. Os dois homens trouxeram a jaula mais para perto e a colocaram face a face, e então as abriram ao mesmo tempo.

– Vamos, saia – disse Jeffrey, chutando a barra da gaiola, o que fez o monstrinho sair rapidamente e por pouco não bater com a cabeça na outra. O pequeno estranhou, segurando as barras. Confuso, virou a cabeça para todas as direções novamente, e o magnata logo compreendeu:

– Ora, quem diria… ele é realmente cego – e riu – se guia pelo sonar e vibrações… um sentido altamente apurado… posso dizer – dirigiu-se aos comparsas – agora guardem essa jaula pequena… não quero desperdiçar nada.

– Sim senhor – e então os dois sumiram com a gaiolinha. O monstrinho, agora de pé, podia-se perceber bem sua altura: um pouco mais de um metro e vinte, e os braços longos realmente chegavam aos joelhos. Espreguiçou-se estralando alguns ossos, se sentindo bem mais confortável.

– Bem melhor agora, não é? – disse o magnata – bem, boa noite para você… vai ser ótimo quando a conhecer, ela vai te adorar.

E então, girando a bengala, saiu do depósito, assoviando uma estranha canção de ninar. O pequeno ficou ali, ouvindo os passos se distanciarem. Não entendeu nada do que disseram, mas podia pelo menos deitar um pouco mais relaxado… e ele precisava disso no momento.


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Notas finais do capítulo

Depois posto a ilustração.



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