eu levo o seu coração comigo escrita por Aphrodite Laclair


Capítulo 1
(eu o levo no meu coração)


Notas iniciais do capítulo

meu deus, tem tanto tempo que eu não escrevo throbb que por um momento de insanidade eu achei que eu tinha perdido completamente o jeito??? mas fluiu, gente, fluiu bem. gostei do resultado.
aliás essa fanfic é baseada num poema do e. e. cummings (OBRIGADA BONECA MEU AMOR) que, embora eu tenha colocado um pedaço na epígrafe, eu sugiro ler inteiro para pegar "o clima da fic". link: http://www.releituras.com/eecummings_coracao.asp



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eu levo o seu coração comigo

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aqui está o mais profundo segredo que ninguém sabe

(aqui é a raiz da raiz e o botão do botão

e o céu do céu de uma árvore chamada vida, que cresce

mais alto do que a alma possa esperar ou a mente possa esconder)

e isso é a maravilha que está mantendo as estrelas distantes

.

eu levo o seu coração (eu o levo no meu coração)

— e. e. cummings —

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para a boneca, que na luz do sol ou na mais profunda escuridão de uma noite sem estrelas, serve de lanterna (blasé) para que eu ache, inevitavelmente, algum caminho no meio da irritação.

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Meia dúzia, ou uma inteira, no máximo. Essa é a quantidade de dias do seu nome que passou desde que o grande, imponente Ned Stark te trouxe quase pela mão para a fortaleza gelada de Winterfell. No começo, é claro, você não achou que fosse um cárcere. Você não via assim. Era quase como um divertido passeio de férias, que ia durar um verão, um verão e um outono, no máximo. E então você voltaria para casa.

E então um navio com o estandarte das lulas chegaria e te levaria para a ilha de sal e mar e ferro, para junto do seu pai e irmãos e irmã.

(mas o navio não chegou)

Havia outras crianças por ali — pequenos jovens adultos, você preferia. Lady Sansa, bonita e estóica, seus olhos de um milhão de anos. Você não conseguia mirá-la por muito tempo. Já naquela época havia algo nela que fazia com que você se sentisse sujo, imundo em sua presença limpa e reluzente, a luz vermelha de seus cabelos. Existia também Jon Snow, o bastardo, que era silencioso e escorregadio como uma cobra negra do Norte. Você não se importava muito com ele, porque não era necessário.

Não se importava porque, é claro, havia Robb.

Robb Stark tinha os cabelos avermelhados de sua irmã e sua mãe, os olhos azuis e límpidos como lagos. Quando Robb fechava os olhos, uma luz se apagava em algum lugar e uma criança chorava, você quase ouvia o barulho — poderia até descrevê-lo. E às vezes toda sua aparência se agitava, todos os seus ossos saindo do lugar com o esforço de uma respiração — às vezes esse movimento terminava em uma risada, inicialmente quieta, para logo tomar proporções de tsunami.

(você, obviamente, não gostava de Jon. nunca parou para pensar por que, uma antipatia tão instantânea. mas no seu mais profundo, íntimo buraco do seu coração você sempre soube — ciúmes se remexia dentro da sua alma egoísta que nunca soube dividir, abrir mão, ceder)

Agora que você pensa, lembra que Arya era uma pequena criança esquisita que te causou pouca impressão nos primeiros anos, e que não sabe se Bran já era nascido.

x

Dois invernos depois, que você contou na ponta dos dedos, e a esperança começou a ir embora. Nos salões escuros e gelados daquela fortaleza você não ouvia nenhum sussurro sobre lulas ou barcos, nem que fossem a remo. E, então, no silêncio do pequeno quarto (dezessete passos e quinze degraus e então você estava no quarto de Robb) você marcava nas linhas das mãos o tempo que passava. E a sua idade. E a idade de Robb, e Lady Sansa, e num momento de particularmente bom humor a de Jon também. Coisas importantes, coisas que não se dissolviam numa espera infindável por cavaleiros em armaduras atrás de timões.

x

Qualquer coisa que mar e sal signifique, estava intricado na sua essência, na maneira como às vezes você parava e olhava o céu e imaginava a maré. Havia dias em que você e Robb se estendiam em baixos telhados, o corpo despido de tantas peles, aquecidos pelo sol e imóveis como plantas fazendo fotossíntese. Vocês não falavam nada, observavam na distância os jovens e velhos senhores que batiam uns nos outros com espadas de madeira ou metal no pátio. Você — agora — pensa que esses dias de calor e luz foi o que formou um calmo, quente sentimento de conforto dentro de você. Como o gosto do sal na sua boca.

(sal e o cabelo vermelho de Robb se tornando quase preto em sombras e cor de sangue no sol)

x

No seu quinto (oitavo? em algum momento você simplesmente parou de contar, talvez quando as invisíveis linhas em sua mão deixaram de ser suficientes) outono — você imagina um outono, mas tudo no Norte é ah! tão confuso — Robb apareceu, súbito como um gato selvagem ou um lobo que espreita em florestas, na porta de seu quarto quando já era noite alta. Já é dia, ele disse, um sorriso tremido escorregando no canto dos lábios, você sabe que dia é hoje? Você pisca, o son nubla seus pensamentos. O dia de meu nome? Eu não sei, Robb.

(o contato dos lábios dele nos seus, fugaz como uma mariposa assustada, parece eternizado, sedimentado, quiçá fossilizado na seiva da sua alma. por algum motivo vocês nunca falaram do mais puro e inocente beijo que jamais tiveram. você desconfia que talvez a culpa seja sua)

x

Você é um adolescente, agora, e não espera mais barcos e salvação com tanto afinco como antes. Em algum momento a sensação de férias sumiu e deu lugar a uma amarga, claustrofóbica vontade de escalar os muros com as unhas e ir embora, seguir em frente (sempre em frente) para qualquer lugar que não tivesse Norte. Você imagina que talvez seja melhor ir para o sul, andar sem pensar nem por um instante em nenhum objetivo final. Mas, é claro, você não põe o plano em prática. Você sente a presença de Robb se movendo no quarto ao lado, sente profundamente, lentamente em seu coração. É ridículo tentar fugir, é ridículo imaginar distância.

Todos os caminhos e atalhos levam a Robb Stark, sua pele sardenta, seus presentes de aniversário furtivos, calados na noite e sua quebrada, nobre alma — que ferve e queima na intensidade das pedras de gelo que esporadicamente caem do céu.

x

Cristalizado em algum lugar entre seus dedos e os dedos de Robb, uma fina mas palpável parede separa vocês. Você não a nota, talvez porque ela vem estado sempre lá, desde antes de você conseguir se lembrar. A parede é feita de saudades, solidão e a mais profunda tristeza — às vezes você acorda com o cheiro de mar nas suas narinas, e o gosto de sal na sua boca, mas então você se arruma na cama para voltar a dormir e nota. Sente o frio que gela seus ossos mesmo por baixo dos cobertores e sabe.

(aqui não é casa)

x

Amanhã o Rei e toda sua comitiva irá chegar a Winterfell. Lady Sansa escova seus cabelos ruivos em frente ao espelho de corpo inteiro de seu quarto por horas e horas, seguidamente — você sabe que ela provavelmente tomará o lugar de Rainha Cersei em algum momento, e algo parecido com afeto remexe em seu coração. Robb anda em círculos, nervoso a sua frente. Vocês estão no telhado da cozinha e o cheiro da comida que está sendo preparada para o banquete do dia seguinte chega quente até vocês. O sol derrete todas as armaduras de gelo, e você então nota — Robb sente medo. Medo do que, você não sabe, mas enquanto aproveita o calor em sua pele nua dos braços, enquanto observa Arya correndo por aí e Bran escalando uma parede na distância — você sente medo também.

(mas como vocês poderiam imaginar, imaginar mais do que uma leve sensação no âmago, que aquele dia estava marcado como o início do fim de suas vidas? vocês ficam lá, nervosos, debaixo da opressora sensação que aperta seus corações. não dizem nada.

agora vocês talvez queiram ter dito)


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