Literatura escrita por LiKaHua


Capítulo 7
Capítulo 07 - Choque


Notas iniciais do capítulo

Então gente, esse é o começo da reta final de Literatura. Eu falei que a história era clichê e meio idiota... Mas acho que vocês até já sabem o que vai acontecer não é? Bom, espero que estejam gostando. Ela está pertinho de acabar e eu agradeço a Cristal por ter acompanhado até aqui. Valeu de verdade flor.



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“Meu principal erro foi reagir. Quem eu pensava que era, Xena? Pensei que assim como nos filmes eu conseguiria me defender, mas não consegui, tudo que ganhei com isso foram ossos partidos. O primeiro cara me prensou contra a parede fria de tijolos, eu podia sentir seu corpo suado e fétido tão grudado no meu que quase vomitei sobre ele. Quando seu rosto se aproximou de mim eu chutei sua virilha com todas as forças e ele se afastou com um urro de dor caindo prostrado diante de mim, olhei para o lado e vi uma barra de ferro longe o bastante para me obrigar a correr, mas não deu tempo, senti o impacto de um punho contra o meu rosto e a mão grossa e áspera no meu pescoço, batendo minha cabeça contra a parede, minha visão embaçou no mesmo instante:

– Ora essa... É uma gatinha arisca. – Zombou um deles, mas eu podia ouvir a raiva em sua voz. – Vamos amansar você em um instante só!

Eu não conseguia focalizar em seu rosto e em mais nada, a dor era intensa e logo veio acompanhada pela pancada forte em minhas costelas e o soco brusco no estômago. Com um tapa eu caí sobre uma poça de água suja e senti quando ele me virou e ficou sobre mim, fechei os olhos entorpecida pela dor e esperei pelo pior. Pensei na minha mãe, no meu pai, na vida que eu achava que teria pela frente... Quando, de repente, sons abafados de socos e coisas arremessadas me rodeou, o homem não estava mais sobre mim e eu ouvia gemidos e o som de coisas quebrando, foi então que finalmente a dor venceu e eu me rendi.”

– Emma?

A voz ecoou distante enquanto Emma tentava fugir da realidade em sua mente. Logo os sons se tornaram próximos, e ela sentiu o suor frio percorrer sua pele, a luz ofuscava-a e ela não conseguia enxergar mais nada.

– A paciente está consciente doutor. – Uma voz feminina falou apressada.

– Batimentos fracos. – Outra voz, mais ao fundo complementou.

– Anestesia. – Uma voz mais grave soou sobre ela. – Tudo bem, Emma... Vai dar tudo certo.

Emma pensou reconhecer aquela voz, mas não sabia se aquela situação era real. Logo a escuridão pairou sobre ela novamente, mas não havia dor, não havia medo nem aflição. Somente luz.

***

Quando abriu os olhos, Emma fitou o teto de gesso e ficou consciente do barulho do monitor cardíaco e do ar-condicionado. Sua cabeça pesava e ela se sentia entorpecida como se estivesse de ressaca, ao virar a cabeça um pouco viu seu pai dormindo em uma cadeira ao lado da cama.

– Pai? – Chamou e notou sua voz áspera e a garganta seca.

O homem abriu os olhos e fitou-a emocionado. – Emma! Graças a Deus!

– Que lugar é esse? – Ela perguntou.

– Você está no hospital filha... Passou por uma cirurgia delicada.

– Cirurgia? – Ela o fitou confusa.

– Sim, uma das suas costelas se deslocou ao ponto de perfurar um músculo, você sofreu uma hemorragia séria... – Os olhos do homem encheram de água. – Achei que perderia você também...

– Shh... Ei, está tudo bem agora...

Ele colocou a cabeça sobre a barriga da filha que acariciou-lhe delicadamente tentando conter as próprias lágrimas, quando a porta se abriu e Leandro apareceu vestindo um jaleco branco e segurando um prontuário. Emma o fitou confusa e levemente assustada.

– Ah, vejo que já acordou. – Sorriu. – Que bom! Como se sente?

– O... O que está fazendo aqui?

– Sou seu médico, Emma. Fui eu quem te operou.

A revelação fez com que Emma entrasse em choque e ficasse completamente paralisada.

*

Eu fitei a tela por um instante, meio desanimada. Eu queria colocar um fim naquela história, mas todos os caminhos impulsionavam minha personagem para o exato lugar onde ela não deveria ir. Como se foge de algo que se quer tão desesperadoramente, mas que é terminantemente proibido para você? Levantei e caminhei até uma cadeira próxima à minha cama, me sentei nela e agarrei uma almofada em formato de estrela que havia ganhado no meu aniversário de quinze anos, eu não conseguia parar de pensar nele e o fato de saber que isso era errado e ruim não ajudavam muito, eu estava com saudade, mas me recusava a crer que sentia algo além disso. Decidi começar o novo livro que havia pegado para ler, eu precisava afastar meus pensamentos daquilo, eu tinha escolhido O Teorema Katherine do Jonh Green, mas estava tão absorta em minha própria história que ainda não havia começado.

"Chorar é algo a mais: é você mais as lágrimas. Mas o sentimento que Colin carregava era um macabro choro ao contrário. Era você menos alguma coisa. Ele ficou pensando naquela expressão — para sempre — e sentiu uma queimação logo abaixo da caixa torácica. Doía como a pior surra que já tomara. E ele já havia tomado muitas."

– Ah, Colin, nem faz ideia de como eu te entendo! Olhe pelo lado positivo, você já namorou a Katherine que te deu um pé na bunda. Pelo menos você tem experiência. E esse Jonh Green é um Nerd da pior espécie.

Li durante uma hora e meia antes de conseguir inspiração suficiente para voltar ao trabalho, um mês não seria bastante para me ajudar a descansar daquele primeiro período e eu sabia que era apenas o começo. Tentei então aproveitar o máximo aquele descanso tão curto e necessário.

Emma levou mais tempo que o esperado para processar a resposta e o sorriso de Leandro não ajudava em nada a situação que já estava suficientemente ruim. Ela olhava assustada do pai para o “médico” e estava prestes a entrar em choque quando seu pai deu-lhe um beijo na cabeça e saiu do quarto dizendo ir à cafeteria. Emma sentiu a tensão percorrer seu corpo quando se viu sozinha com ele no quarto, virou o rosto para a janela e viu que já havia anoitecido, quanto tempo ficara desacordada?

– Emma... – Leandro começou. – Eu sinto muito.

– Não mais do que eu. – Ela falou indiferente e fria.

– Tem alguém ai que quer te ver.

– Não quero ver ninguém. – Falou sem se virar e sentiu os olhos arderem pelas lágrimas.

– Duvido muito que não queira ver esta pessoa em especial.

Ele saiu e Emma virou o rosto para a porta novamente, respirando fundo quando Gabriel entrou no quarto segurando um buquê de lírios, com seu sobretudo de lona, os jeans escuros e coturnos, a camiseta social branca. Gabriel e Emma eram amigos de longa data, ele a levara no baile de formatura, ele estivera ao lado dela quando seu coração foi partido pela primeira vez, eles se conheciam melhor que ninguém.

– Gabriel! – Falou surpresa.

– Oi... Como você está? – Ele sorriu sem jeito aproximando-se do leito e estendendo os lírios. – Pra você.

– São lindos! Obrigada. – Emma sorriu sem jeito. – Como soube que eu estava aqui?

– Na verdade... Foi o seu pai que me ligou.

– O que? É sério? – Ela perguntou chocada.

– Pois é ninguém ficou mais surpreso do que eu. – Ele deu uma risada nervosa.

– Estou feliz que esteja aqui... – Ela falou segurando a mão dele.

– Eu também, Emma... E te ver melhor me deixa mais tranquilo.

Depois desse capítulo, não consegui mais pegar no livro, por algum motivo eu não sabia o que fazer com a Emma... Ela era um reflexo dos meus sentimentos e eu sabia que ela não podia ficar com quem ela queria ficar. Quando as aulas retornaram na segunda semana de agosto eu me sentia mentalmente esgotada, havia passado o resto das férias lendo e aguentando o mau humor da minha mãe, a minha sorte é que o mês de Julho é frio e isso me rendeu boas tardes apreciando a suave sinfonia da chuva na companhia de tigres, Katherines, sirenas, sereias, dampiros e morois. Eu não me sentia preparada para lidar com gramática avançada e literatura Inglesa.

Minhas primeiras aulas foram de Linguística II, por alguma razão essa matéria sempre encabeçava a semana, a minha sorte era que eu gostava e o professor era muito dinâmico assim eu me impedia de dormir ou ficar tentada a ler enquanto ele falava, eu mantinha minha atenção cem por cento em foco, porque eu simplesmente não conseguia deixar de olhar enquanto ele falava tamanho era o modo como ele fazia o assunto ficar descontraído e fascinante. E você não acharia isso se não gostasse de ouvir duas horas sobre mil possibilidades de símbolos para um mesmo som e como Saussure descobriu isso antes de inventarem a fralda de pano!

Intervalo. Pode parecer estranho, mas nós temos vinte minutos depois do primeiro tempo para comer alguma coisa ou ir à biblioteca. Como eu ainda não tinha tido o prazer de ver a biblioteca da faculdade decidi ir até lá andando encolhida por entre os corredores abertos cheios de pessoas transitando e conversando entre si. A fila da xérox da faculdade estava tão grande que parecia dia de pagamento no banco! Subi depressa as escadas e entrei. O lugar era enorme e eu não estou sendo eufemista, o balcão de entrada era em forma de um quadrado fechado e tinha duas mulheres atrás de computadores brancos, com aqueles telões de quando a internet foi criada! Eu as cumprimentei brevemente e passei pela borboleta para entrar, havia tantas estantes que me senti no paraíso. Uma sala ficava logo após a recepção e bem a frente do guarda-volumes, ao fundo havia mesas de estudo e estantes com livros científicos, além de pilhas e mais pilhas de monografias. Uma rampa levava ao andar de cima, onde estantes se dividiam por assunto, havia mesas para estudo com laptops que alguns alunos traziam e outras com computadores. Pequenas salas de estudo reservadas cobriam a parede externa e tinham paredes de vidro que davam vista para os corredores do segundo andar e do térreo. Passeei pelas estantes de literatura observando os títulos, os livros eram muito velhos e alguns tinham até bolor. Foi quando me virei com um exemplar de Iaiá Garcia de Machado de Assis que eu esbarrei nele: O estranho do bloco G. Fiquei paralisada, por alguma razão aquele garoto me deixava incrivelmente nervosa. Só então eu percebi que ele tinha olhos oliváceos como os meus, mas um pouco mais claros, usava um óculos de armação transparente, os cabelos eram louros, mas não demais, meio mesclados com castanho, e seu rosto era angular e muito bonito. Ele sorriu.

– Parece que dou sorte em esbarrar em você.

Fiquei nervosa e falei de modo atropelado. – Oh, eu... Eu sinto muito! Eu devia olhar por onde ando.

– Bom, eu não sinto nem um pouco, é sempre uma surpresa muito boa!

Abaixei o olhar para o livro tentando esconder o meu rosto em chamas, eu devia estar da cor de um tomate maduro naquele momento, senti meu corpo ficar frio e minhas pernas tremerem. Apertei os lados do volume para evitar transparecer quando ele olhou para o livro e falou calmamente, alheio às sensações que causava:

– Machado? Uau, é raro um aluno pegar isso por conta própria. É para algum trabalho?

– Não... – Tentei manter a voz firme. – Gosto desse livro.

– É uma linguagem bem... Medieval. Interessante conhecer alguém que também aprecia. Você não seria uma Nerd viciada em prótons, seria? – Percebi a descontração na sua voz e relaxei por um momento.

– Ah, com certeza não. – Dei uma leve risada. – Mal consigo calcular minha média.

– Boa leitura para você, pulchra.[1]

Ele falou e saiu em seguida olhando para trás uma vez para sorrir para mim que continuei estática como a idiota que eu sou.

– Ahm... Obrigada... Eu acho. – Sussurrei, mais para mim mesma.

No segundo tempo eu descobri que minha matéria optativa: Expressão Oral em Inglês seria ministrada por Rafael. Ótimo! Pensei comigo mesma, era hora de colocar em prática minha determinação trabalhada com afinco durante as férias. Quando ele entrou na sala nos cumprimentou formalmente, olhou para mim e fez um aceno de cabeça que retribui de igual modo, essa aula era totalmente prática uma vez que era oral e nós quase não escrevíamos, Rafael nos forçava a falar o máximo que pudéssemos sempre em Inglês. Minhas dificuldades não eram tão grandes porque eu gostava de músicas no idioma e passava a maior parte cantando, e também porque estudava em casa de vez em quando. Ver seriados legendados também havia me dado uma base oral razoável. Mesmo assim, eu tinha muito que aprender.

Quando a aula terminou Ariana me perguntou se gostaria de ir com ela. Concordei agradecida pela ajuda e me preparava para sair quando Rafael me impediu:

– Laura, pode esperar um minuto?

– Hum... Eu...

– Tudo bem, Laura. – Ariana falou sorrindo tão tranquilamente que me senti relaxada. – Eu te espero lá no estacionamento, tá bom?

– Okay, obrigada...

Ela saiu e eu me aproximei da mesa dele que me lançou um olhar sério:

– Está tudo bem com você? – Ele perguntou aparentemente preocupado.

– Claro! – Sorri e me surpreendi com a minha confiança falsa. – Por quê?

– Nada. – Ele sorriu de volta, mas parecia desconfiado. – Só fiquei preocupado com você desde a última vez que a gente conversou.

– Ah, eu sou meio pirada mesmo. Nem liga pra isso! – Ri. – Acontece de às vezes eu ficar um pouco... Nervosa. Por nada. – Dei de ombros.

– Bom, se você quiser conversar, pode contar comigo. E nós vamos trabalhar mais os seus textos, eu quero ampliar o seu potencial e você tem muito! – Ele sorriu me encorajando.

– Imagina professor... Eu agradeço...

– Até amanhã!

– Até!

– Ah, e Laura!

– Sim?

– Bom... Talvez eu não fique com vocês por muito tempo então, quero te encaminhar bem para outro professor.

– Como assim? – Senti meu coração acelerar em batidas sufocantes e dolorosas.

– Eu não sei se vou poder continuar na faculdade. É uma coisa meio burocrática, você não entenderia, mas quero focar em você o máximo que puder e já estou avaliando um professor competente pra te acompanhar caso eu vá embora.

– Hum... Tudo bem... – Engasguei. – Espero que fique.

Ele sorriu. – Eu também. Até amanhã!

Quando eu saí da sala me senti sufocar pela minha tristeza.

*

Eu não podia estar apaixonada. Isso não era apenas clichê demais, era ridículo! Eu me recusava terminantemente a aceitar que estava apaixonada, porque me recusava sempre que o assunto era coração. Eu nunca daria meu coração a ninguém, foi uma promessa que fiz a mim mesma, então como agora ele parecia não me pertencer mais com a simples ideia de ele ir embora? Já havia ouvido muitas vezes que nós só aprendemos o valor de algo quando estamos prestes a perdê-lo, mas eu sabia o valor de Rafael, eu apreciei cada segundo ao lado dele e não estava conseguindo lidar com a perda dele também dessa forma. Enquanto eu caminhava inquieta pelo meu minúsculo quarto incapaz de fazer qualquer coisa, meus pensamentos bagunçavam-se entre a partida de Rafael e o estranho olhar do garoto na biblioteca, eu me sentia sufocar, enlouquecer. Não podia acreditar que eu me apegara dessa forma ao meu professor de literatura, por mais incrível que ele fosse era absurdo, ele era casado, deveria ser pelo menos nove anos mais velho que eu, era meu professor e eu o conhecia há menos de um ano! Não havia possibilidade de eu me apaixonar dessa forma. Eu me recusava a aceitar isso! Então por que eu simplesmente não estava conseguindo suportar a ideia de não vê-lo mais?

A descoberta foi um choque. Eu estava apaixonada por Rafael como Emma apaixonara-se por Leandro e agora a minha batalha seria arrancá-lo do meu coração e eu não fazia ideia de como ia conseguir isso. Fiquei, o que pareceu um longo tempo, sentada na cadeira, abraçada à minha almofada de estrela, olhando para a parede de cor enjoativa do meu quarto e tentando imaginar uma forma de tirar a mim e a minha personagem daquele beco sem saída.

[1] Bela em Latim.


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