Amy tinha um sorriso malicioso no rosto assim que ela me soltou do abraço. Ela fez um movimento com a sobrancelha para cima e para baixo, e depois fez sinal com a cabeça em direção ao fundo da sala. Eu revirei os olhos para ela.
Depois do que aconteceu no carro, eu não sei se eu deveria ir falar com James. Pedir desculpas por ter sido rude, mas na verdade, eu não fui. Eu me lembro bem de ter agradecido pela carona, só apenas ignorei sua pergunta que levava para o passado da minha vida que no momento eu estava querendo evitar. E principalmente, evitar o provável olhar de pena que ele faria depois de escutar minha história trágica.
Eu odeio olhares de pena. E eu não sei bem o por quê, mas sinto que eu não suportaria ver esse olhar no rosto de James.

— Lise... — Uma voz familiar soou por trás de mim. Eu me virei e não contive a minha própria surpresa.

Sam estava de pé a alguns centímetros de mim segurando um olhar que não era o usual (pena) e sim algo parecido com nervosismo. Ele passou a mão no cabelo loiro confirmando minha constatação. Isso é o que ele sempre faz quando realmente está aflito com algo. E agora, com ele apenas a alguns centímetros de mim, me faz relembrar o quanto ele é alto e bonito. Muito bonito. Senti minhas pernas quererem vacilar um pouco, mas mantive a postura.

— E aí, Sam — Lutei para espantar o desconforto na minha voz.

— Posso falar com você? Hm... — Seu olhar ficou divergindo de mim para Amy atrás de mim provavelmente nos olhando — A sós...

O "a sós" soou quase como um sussurro, mas eu pude escutar claramente. E eu creio que Amy também porque ela já estava levantando da carteira.

— Eu tenho que ir falar com o Zac na outra sala mesmo — Ela disse com um meio sorriso no rosto — Eu volto antes da aula começar... Ou não.

Antes que eu pudesse pensar em segurar o braço dela e arrastá-la de volta para a sua carteira, Amy já se encontrava a meio passo da porta.
Sam continuava em pé perto de mim e mantinha o olhar firme no meu.
Meu. Deus. Se eu estivesse sentada as coisas seriam tão mais fáceis. Se ele não fosse tão bonito as coisas também seriam igualmente mais fáceis.
Sam só poderia ter escutado meus pensamentos porque ele simplesmente deu mais um passo a frente e todos os centímetros de distância se tornaram meros milímetros.

— Desculpa mesmo por ontem — Ele baixou a cabeça e sua franja escondeu um pouco dos seus olhos. Por favor. Por favor. Sem pena — Eu avisei para ela ficar calada sobre... — Sua voz ficou entrecortada e imaginei o quão dificil estava sendo para falar o que ele estava querendo.

É impressão minha ou o aquecedor dessa sala de aula triplicou sua potência?

— Não precisa pedir desculpas por aquilo, Sam — Eu falei soando o mais verdadeira possível. Porque é a verdade — Eu só não esperava. Não justifica o modo como eu saí, eu...

— Ah, mas justifica — Ele me cortou antes que eu me desculpasse também —Yasmin não deveria ter falado aquilo, ela nem conhece você — Os olhos dele agora estavam amostra e ele tinha uma feição irritada ao mencionar o nome de Yasmin. Eu sorri mentalmente por isso.

Não, Lise. Não sorria mentalmente por causa disso.

— Não tem problema, de verdade —Eu sorri para ele. Hoje, sorrisos genuínos estão tão fáceis de serem esboçados.

Os olhos deles pareceram brilhar com a minha resposta e ele respondeu o meu sorriso com um outro ainda mais largo e mais branco.

— Você está diferente hoje — Ele apoiou a mão na carteira ao lado com um semblante mais animado — Isso é o efeito dos 17 anos?

Ele lembrou! Sam lembrou.

— Feliz aniversário, Lise!

Por que agora eu estou saltitando mentalmente? Não Lise. Não saltite mentalmente por causa disso.
Mas antes que eu pudesse repreender minha vibração mental ou ao menos responder, uma chama se acendeu internamente dentro de mim me atingindo forte. Devo ter arfado alto porque o rosto de Sam agora parecia preocupado.

— Ei, está tudo bem? — Sam colocou uma mão no meu ombro, mas no mesmo segundo que ele me tocou, ele retirou com um sobressalto — Lise, você tá fervendo de febre!

Sua voz agora era de extrema preocupação porém ela foi desaparecendo e eu mal conseguia discernir suas palavras. Minha cabeça girava causando uma tontura desagradável. Tive a sensação que todos os meus órgãos estavam começando a derreter e meus olhos estavam em brisa pura.

Me apoiei na cadeira olhando para o chão e tossindo por enquanto que Sam dizia que eu precisava ir urgente a enfermaria. Sua voz parecia distante e quase não atravessava minha audição.
Respirei fundo e a lufada de ar que passava pelas minhas vias respiratórias era tão quente que ardia. Encontrei forças para andar e esbarrei no ombro de Sam e então comecei a correr.

Os corredores ainda estavam lotados de alunos por todos os lados, mas consegui avistar uma porta de almoxarifados. Girei a maçaneta e fechei a porta por trás de mim rapidamente. O almoxarifados tinha cheiro de desinfetante e cachorro molhado, e era tão pequeno que mal cabia eu mesma, me fazendo tropeçar em vassouras e rodos. Caí no chão de joelhos e minha visão estava começando a se destorcer.

O que está acontecendo comigo?

É como se alguém estivesse ateando fogo por dentro de mim.
E então a porta abriu-se repentinamente, olhei para trás mas só consegui enxergar a silhueta distorcida de alguém e então a porta se fechou.
Senti uma mão em torno do meu braço e eu percebo que a pessoa também está de joelhos ao meu lado.
Seja lá quem for, vai embora. Quis dizer.

— Elise —A voz parecia tão longe — Elise, se concentre. Vai ficar tudo bem...
Se concentrar em que?

— James? — Minha voz falhou.

Minhas forças estavam se esvaindo e eu senti meu corpo indo em direção ao solo, mas dois braços me seguraram.

— Não lute contra isso — James soava calmo e sua voz era como água dissipando o incêndio que consumia meu corpo — Deixe fluir. A transformação está acontecendo.

A transformação? Que transformação? Mas do que diabos ele estava falando?

O desconforto voltou assim que eu comecei a me agitar mas os braços de James me envolveram para mais perto dele. Eu sentia seu peito frio no meu rosto, a batida do seu coração e o incômodo cessou mais um pouco.
Eu arquejava e tossia ar quente para fora de mim. Uma das mãos dele passaram pelo meu cabelo e a outra por trás das minhas costas.

— Vai passar... — A voz dele não passava de um sussurro no meu ouvido.

Um conforto transitou por entre meu organismo como se lavasse a chama. Minha respiração ficou menos ofegante e minha visão começou a se ajustar. Toda informação atingiu minha consciência como um golpe.
"Se concentre", "Não lute", "Deixe fluir", "Transformação". Com um sobressalto, tentei me afastar do toque de James.

Meu coração acelerou, mas a sensação de ardência estava quase desaparecendo completamente. Minha mente começando a entrar em foco. Olhei assustada para James e abri a boca para gritar, mas ele foi mais rápido e segurou meu rosto com as duas mãos. Engoli meu quase grito, mas tudo continuava estranho.

O que James está fazendo aqui? Eu estou enlouquecendo, é mais algum sonho. Acorda, Lise. Fechei meus olhos com força. Acorda!

— É um sonho — Eu sussurrei para mim mesma e abri os olhos.

James me encarava, rosto tão branco que quase transluzia porém não era mais rígido e impenetrável.

— Elise... — James falou calmamente e o som vindo dele pareceu aquietar toda confusão — Você não está dormindo. Na verdade, você acabou de acordar — Sua mão percorreu do rosto para o topo da minha cabeça e então tudo ficou escuro.

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