Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 77
Irrealidade


Notas iniciais do capítulo

[Capítulo programado]
Voltamos ao momento presente da história, logo após Shermansky contar a verdade sobre o assassino de Agatha................. boa leitura!!



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[Elsie]

 

O que eu sentia naquele momento era quase indescritível. Depois de chorar escorada à porta minutos a fio, não conseguia sequer espremer mais lágrimas pra fora do olho. Algo tinha sido arrancado do meu peito. Meus olhos doíam e ardiam. Cai então no limbo da apatia: não sentia mais dor, nem culpa, nem medo. Não sentia nada.   

Minha mente já não processava ideias de maneira racional e, em dado momento, me levantei do chão e comecei a dar voltas pelo pequeno cômodo, sem rumo. Era uma concha vazia, sem emoções ou pensamentos. O keypass ainda estava caído no chão do quarto e a voz de Shermansky continuava a vir dele, pairando no ar e entrando nos meus ouvidos como a voz do diabo ecoando numa gruta escura enquanto eu continuava a dar voltas e voltas pelo recinto:

— A mente de uma criança é algo muito frágil, Elsie… Basta acontecer algo difícil de assimilar que isso será marcado para sempre dentro de você. No seu caso, não só as privações que uma pessoa paranóica como a Agatha te colocou, mas os diversos maus tratos que ela impunha a você fizeram com que toda a ira e mágoa acumuladas se transformassem numa única personalidade. Essa personalidade, esse alter que se autodenomina “Irene” carrega todas essas memórias traumáticas que vez ou outra aparecem em forma de sonho pra você. E você já deve ter percebido… só de pensar em todos os seus apagões de memória: a Irene é uma personalidade tão traumatizada e cheia de ira que não tem escrúpulos em matar quando se vê em uma situação de perigo. E foi assim que você se safou muitas vezes! Porque a Irene é uma verdadeira assassina, um verdadeiro monstro! Agatha criou um verdadeiro monstro! O meu trunfo! A engrenagem perfeita para movimentar todo o meu jogo!

Parei de andar -- estava no centro cômodo, estática e em silêncio. 

E então uma agonia começou a se enraizar dentro de mim -- comecei a duvidar da minha própria existência. Até da minha própria forma física eu questionei existir. Era como se eu estivesse longe. Como se meus pés não tocassem o chão e minha mente tivesse se transformado no ar. Como se eu -- simplesmente -- não fosse eu.   

— O que você está sentindo? — continuou a voz de Shermansky, ecoando na minha cabeça — Raiva? Repulsa? São tantos sentimentos emaranhados te sufocando… Você nem sabe o que está sentindo no fundo. Sabe por que, Elsie? Porque você é um monstro. O monstro que a sua tia criou.  

A maçaneta da porta por onde eu tinha sido jogada começou a mexer e de repente a porta se abriu. Uma claridade ofuscante veio do lado de fora e uma silhueta negra foi violentamente jogada dentro do cômodo. A diretora anunciou:

— Há uma pistola carregada, no chão no canto desse quarto. Você pode pegá-la e libertar essa fera de dentro de você, Elsie. Vamos, eu sei que você gosta de ver sangue. Não gosta? Gosta da sensação de matar. Vá, vá em frente. Pare de reprimir o que tem dentro de você. Pare de negar a sua natureza. Foi essa sua pulsão que permitiu que você chegasse viva até aqui, afinal.

A porta foi novamente trancada e a silhueta negra se ergueu nos próprios joelhos, me olhando nos olhos e criando contornos reais e familiares. Mesmo ainda mole e apática de emoções, catei a pistola posta no chão e caminhei até a figura, que parecia a princípio muito assustada, parando de frente para ele, que estava agachado de joelhos. 

— Elsie? — disse ele, me encarando com aqueles olhos azuis cheios de medo.

Quem era ele? Quem era aquela pessoa? Ele era real? Ele era parte da simulação de Shermansky assim como toda minha vida? Uma alucinação que eu mesma tinha criado na minha cabeça pra lidar com todo o caos que era a minha mente? Eu já não sabia distinguir, mas meu coração queimava de tanta angústia e confusão. Minha mente pesava dentro da minha própria cabeça. Eu só queria ter certeza, então ergui a pistola na direção da sua testa.  

— … Armin? — sussurrei, como se estivesse em outro mundo e precisasse ter certeza de que aquela pessoa na minha frente não era um produto da minha própria imaginação. 

Ele ficou algum tempo parado, assustado com a visão da arma em frente ao seu rosto. De repente, como se aceitasse uma sentença que tivesse sido destinada a ele, seus olhos azuis me encararam fixamente e ele abriu um sorriso desconcertado, quase sarcástico: 

— É isso que você quer? 

Armin ergueu a mão e segurou o cano da pistola, direcionando-a e colocando a ponta contra a sua própria testa. Com as sobrancelhas fortemente franzidas e um sorriso torto, falou em tom de desafio:

— Vai em frente, então.  

Senti a garganta seca. 

O que era aquilo tudo? O que era real? Quem era Armin? Ele era uma pessoa real? Pessoas reais sangram… Certo?! Seus olhos azuis… eles eram reais. Eu sabia que eram! Eu sentia! Mas e se eu tivesse me enganado?! Ah, e o seu sorriso torto. Seus olhos azuis me observavam. Agora eu tinha certeza: eles eram a única coisa real naquele lugar. Mas meus dedos ainda tremiam no gatilho, prestes a apertar.       


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