Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado


Capítulo 33
A voz da batalha


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como estão? Eu estou melhor do que nunca, com um capítulo que entra para minha lista dos favoritos... E também por voltar a escrever diariamente com as férias, existe coisa melhor?
Sem delongas, espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/506861/chapter/33

Lemond tamborilava tediosamente os dedos no braço do cadeirão de seu... No seu cadeirão, melhor dizendo.

– Espero que os pobres infelizes cheguem até Iliera. – Ele compartilhava seu humor apreensivo com Dorâne. – Eles sempre chegam, certo? Enviei uma dúzia deles, se não chegarem vivos lá, irão se ver comigo. – A verdade era que Lemond tornava-se tímido como uma donzela quando tratava-se de governar.

...Ainda mais com tudo o que estava acontecendo. Sentia todo o peso cair em cima de si: Não saber se o pai estava morto ou vivo – Provavelmente morto. –, A fúria de sua mãe, o desgosto toda vez que olhava para ele, sabendo o que o filho fizera, Lemond não pode impedir Dorâne de contar tudo para ela. Mas também o alívio dela ao ter seu querido menino de volta. Aquilo partia seu coração, ver o quão a mãe ignorava os seus podres para poder vê-lo como filho, como o seu grande amor, o seu tudo.

Pensar em como a Rainha reagiria com tudo aquilo também o deixava ansioso. Lemond enviara uma dúzia de mensageiros para alcançá-la e contar-lhe tudo: O plano de Marbrayes de tomar Surda com a ajuda de Vandlan, a “morte” de seu pai, o dragão... Lemond tremia em pensar como poderia, ao mesmo tempo, iluminar suas esperanças e irritá-la profundamente.

Dorâne olhou-o de soslaio.

– Não se preocupe, Lemond. – Ele demonstrava o desprezo que sentia pelo rapaz sentado no cadeirão em cada letra de suas palavras. – Os enviei por direções diferentes, cada um por conta própria. Seria improvável que todos fossem mortos antes de chegar à Rainha... Ela ficará informada de tudo o que aconteceu. – O capitão suspirou, com um olhar medonho, cansado e pesado. – Creio que nossa maior preocupação está dentro destes muros. As pessoas estão assustadas... Lorde. Você deve se pronunciar.

– Eu farei isto, Amigo, não se preocupe, e creio que me sairei até melhor que o velho Haddes... – Ele sorriu, pretendendo calar a grande boca de Dorâne. – Agora, preciso sair, tenho algo importante para resolver. – Ele deixou o cadeirão na posse de Dorâne como quem presenteia um irmão mais novo com um brinquedo.

Os corredores do castelo pareciam mais mortos que o normal, e com mais pessoas ocupando-os. Os rostos inquietos buscavam em Lemond uma explicação que ele concedia da forma mais vaga o possível.

Ele livrou-se de todos sufocantemente, até finalmente chegar à porta do quarto. Receoso ele bateu três vezes, sutilmente.

– Lemond, é você? – Pronunciou-se a voz abalada. – Se não, afastem-se, me deixem sozinha.

O rapaz entrou no quarto, com o rosto mascarado pela culpa. Velníra, sua mãe, olhava pelas janelas com a mão na garganta.

– Você comeu algo? – Ele perguntou sentando-se na beirada da cama.

– Não morrerei de fome, Lemond... – Ela agarrou o peitoril com ambas as mãos.

– Mãe... – Lemond escondeu o rosto nas mãos. – Ele iria me deixar nas celas, eu... eu não podia deixar acontecer.

– Ele não ia matá-lo como você praticamente fez a ele! – Ela deixou a janela e bateu com punhos fracos em seu peito.

– Eu estava assustado, mãe!

Seus olhos umedeceram. Balançou a cabeça e levantou abruptamente, indo até a porta a passos largos. Antes de sair olhou uma ultima vez para a mãe.

– Você tem de comer. – E com isto saiu do quarto.

*

Novamente sentado no caldeirão, Lemond recebia a primeira boa noticia do dia. Ele ouvia com um discreto sorriso o informante falar dos rebeldes que haviam sido capturados.

Lemond dera a ordem para alguns soldados vasculharem os vilarejos que encontravam-se a norte de Dras-Leona. Como ele imaginara, homens de Marbrayes planejavam saqueá-los. O próprio plano era dele. Agora Lemond salvara quatro vilarejos, e ganhava um pouco da confiança de Dorâne.

– Estamos levando-os agora para as celas, Senhor. – Disse o informante com os olhos tão atentos que parecia um pouco assustado.

– Obrigado... – Lemond levantou-se. – Irei checá-los agora. Venha comigo, Dorâne.

Os dois saíram para o dia de fim de inverno, o sol mais claro que em nenhuma outra manhã encostando-se nos campos verdes. Lemond seguia pelas ruas de pedra até chegar à de terra que seguia para a entrada da prisão, acompanhado por soldados como uma criança.

Depois de dentro das grossas grandes, sentiu-se um prisioneiro novamente. Percebeu que isto estava acontecendo muito... Estava tornando-se vulnerável, assustado e paranóico. Balançou a cabeça de um lado para o outro e seguiu em frente.

– Você está bem? – Perguntou Dorâne com um olhar franzido.

– Sim, não é nada. – Respondeu Lemond aguardando que um dos soldados abrisse uma cela. – Quantos são?

– Vinte homens, Senhor. – Respondeu o capitão da patrulha. – E... havia mais dois, senhor. Um, matamos enquanto fugia, o outro escapou.

– Escapou?! – Lemond agarrou o soldado pelo pescoço. – O que eu lhe disse? Quero que envie homens agora para encontrar o fugitivo, ele não pode chegar a Marbrayes! Agora! Vá!

– Sim, senhor. – O soldado saiu às pressas deixando a chave na fechadura.

O próprio Lemond abriu a cela, deparando-se com um rapaz talvez mais novo que ele, recostado na parede pouco importando-se com a intromissão de Lemond. Tinha os cabelos loiros e bem cortados, a pele queimada de sol. Era magro e tinha o rosto emburrado.

– Este é o líder dos mercenários? – Perguntou Lemond aproximando-se com um sorriso. – Diga-me, quem você imaginou que o receberia aqui? Ah, mesmo antes de ser capturado você imaginava isto, não é? Eu sei, Marbrayes propõe algumas coisas arriscadas. E você... não me parece ter muita experiência.

O rapaz lentamente levantou os olhos para ele.

– Quem você pensa que é? – Disse ele com uma voz intimidadora. – Eu poderia derrubá-lo agora se quisesse, mas... não precisarei. Marbrayes fará isso. – Ele gargalhou. – Você nem sabe se seu pai está vivo ou morto, você é uma piada... porém, eu sei.

Primeiramente, não pensou ter ouvido realmente aquilo. Olhava horrorizado para o rapaz, que o imobilizara com as palavras. Olhou para os lados procurando algo em que pudesse se esconder. Eu não nasci para isto. Refletiu enquanto tentava encontrar uma resposta para o garoto.

– Eu venho outra hora... – Disse pondo a mão na testa. – Certifiquem-se de que ele seja bem alimentado.

Ele deixou a cela acompanhado de um Dorâne preocupado. O capitão especulava sobre as palavras do prisioneiro o caminho todo até o castelo. Por fim, Lemond sentou-se no caldeirão, irritado.

– Já basta! – Gritou. – Eu farei algo, só me dê tempo para entender a situação... Eu estive com Marbrayes, não você!

– Lemond! Aquele rapaz pode saber o paradeiro de seu pai!

– E o que pretende fazer? Usá-lo como guia para descobrir onde meu pai está. – Ele sacudiu a mão na direção das portas. – Saia. O chamarei quando necessário.

*

Lemond lia tediosamente os pergaminhos de seu pai, imaginando a situação em que ele podia estar. Você está vivo? Pensava olhando para um escrito. Atado como um refém ou algo parecido?

Uma batida na porta o alertou.

– Lemond! – Gritou a mesma voz irritante de sempre. – Você trancou as portas? Abra isto, agora!

– Raios, Dorâne! – Levantou-se para receber o arqueiro. – Respeite o senhor de Dras-Lenoa. – Disse deixando-o entrar.

– Venha comigo agora! – Disse agarrando Lemond assim que as portas foram abertas.

– O que?! – Lemond acompanhou-o atordoado. – O que houve?

Dorâne seguia pelos corredores com os olhos saltando do rosto, sem ligar para os berros de Lemond, apenas certificando-se de que ele o seguia.

– Você pode me dizer ao menos aonde estamos indo? – Perguntou já frustrado enquanto seguiam para a muralha, já fora do castelo.

Dorâne o puxou pela gola com violência empurrando-o para o peitoril do alto da muralha central, mas nada disse. Lemond viu-se olhando para um horizonte fervilhando de soldados, não muito distantes da cidade. E eles não pareciam ser aliados.

Cerrou as pálpebras pressionando a barriga contra o peitoril o máximo possível, tentando avistar algo mais.

Não... Pensou assustado. Isso não.

Eram os soldados de Maard que ele encontrara na floresta. Tudo fazia sentido agora... este era o porquê de Maard tê-lo contado de Vandlan, Lemond não preocupar-se-ia com Dras-Leona, ficando vulnerável. Ao que parecia Maard sabia exatamente para onde Lemond estava indo.

– Raios! – Afastou-se do peitoril. – Eu... eu... – Lemond pôs-se a andar em círculos pela muralha. Não posso fazer isso... Não farei isso... – Selem o melhor cavalo! Dorâne, você vem comigo!

O Capitão da guarda ficou imóvel.

– O que irá fazer, Lemond?

Nós iremos, Dorâne... – E com isso começou a descer as escadas da muralha. – Quero os cavalos! Agora!

Montou, esperando desesperadamente por Dorâne que ainda relutava.

– Você irá fazer isto! Não me faça perder tempo! – Aprontou-se pondo no cinto a espada que recebeu de um dos soldados. – Abram os portões.

Lemond disparou muralha a fora, sabendo que Dorâne o seguiria.

– Está nos matando, Lemond! – Ele alcançou-o. – Me explique isto.

– Sem explicações... você fará o que eu mandar. Se eu disser “Pare”, você para, se eu disse “mate”, você mata. – Enterrou os calcanhares na barriga do cavalo indo velozmente para o inimigo.

Parou no topo de uma discreta colina, já bem próximo das tendas de Maard e seus soldados atentos.

– Maard! – Gritou com as mãos em concha à boca. – Estou aqui! Vamos resolver isto!

Uma flecha passou zunindo em sua orelha, despenteando seus cabelos.

– Lemond?! – A voz familiar gargalhou. E entre os soldados apareceu ele, Maard. – De onde tirou tanta coragem para vir aqui sozinho? – Ele parou a quatro passos de seus soldados.

– Não compreendo o que estes soldados fazem às portas de Dras-Leona... A cidade está agora sobre meus cuidados, Marbrayes não tem com o que se preocupar, logo todo o império será dele.

– Cale a boca, Lemond. – Levantou uma mão. – Capturem-no.

Antes que Lemond pudesse fazer algo uma flecha fincou-se no pescoço de seu cavalo. Com Dorâne não foi diferente, ambos estavam caídos com cavalos mortos esmagando suas pernas. Lemond tentava levantar-se quando seus braços foram envolvidos por mãos enluvadas.

– Onde está meu homem que o acompanhou, Lemond? – Perguntou Maard enquanto soldados o colocavam de pé. – Ele por acaso não estaria morto às margens de um rio, hein? – Estalou a língua em desaprovação. – Levem os dois para a gaiola.

Ao seu lado, Dorâne também se contorcia ao tentar soltar-se dos homens de Maard, mas para a surpresa de Lemond, o Arqueiro soltou-se, quebrando o joelho de um dos soldados e empurrando o outro para longe. Como um gato ele recuperou seu arco do chão e partiu de volta para a muralha disparando flechas desesperadamente.

Se o arqueiro havia escapado ou não, Lemond não pode dizer, foi arrastado para uma das gaiolas antes de tirar a conclusão.

O que eu fiz... Pensou enquanto posicionava bem os pés na gaiola para não escorregar e acabar os perdendo, presos entre as grades.

– Com o tempo você se acostumará... Poderá até dormir sem que seus pés deslizem. – Disse alguém da gaiola ao lado. – Bem... talvez você só consiga dormir depois de dois dias aí dentro.

Era um velho com cabelos brancos desgrenhados e uma longa barba cobrindo o rosto. Lemond olhou-o irritado, tudo o que menos queria agora era um tagarela.

Olhou-o com mais atenção, e então... O rosto parecia-lhe muito familiar, mesmo através dos cabelos crescidos. Lemond arregalou os olhos com a visão de seu pai aprisionado na gaiola ao seu lado. Abaixou os olhos, frustrado com seu fracasso ridículo.

– Está tendo uma boa folga, pai? – Disse posicionando os pés de uma forma aparentemente mais confortável. – Eu adorei a minha folga, mas aqui estou eu, de volta ao trabalho, que é estar dentro de uma jaula.

Haddes sorriu, mas não foi um sorriso de desdém ou ironia como geralmente seus sorrisos eram, mas um sorriso sutil.

– Você pensa que não o conheço, Rapaz... – Disse seu pai pondo uma mão nas grades. – Acha que o ignoro por desprezo e que ligo apenas para o quão meu nariz está apontando para o alto. Isso não é verdade. – Ele penteou os cabelos crescidos para trás. – Você mudou muito desde que voltou. Nunca me surpreendeu tanto, mas ainda assim existe um senso de humor inabalável dentro aí dentro. – Disse apontando para o peito de Lemond.

– Você não me conhece, Lorde Haddes... O que mais você vê em mim além de um harpista inútil que perambula pelos corredores de seu precioso castelo...

Haddes olhou-o bem nos olhos, com a forma mais palpável da culpa e da incredulidade estampada no rosto.

– Eu não sou capaz de fazer você compreender... – Disse decepcionado. – Lemond... Quando se é pai, você tem apenas uma escolha. Não se pode ser um bom amigo e ao mesmo tempo manter seu filho a salvo, não em minha posição.

– A salvo?! – Lemond bateu as mãos nas grades, fazendo a gaiola balançar. – Quando foi que você me direcionou palavras sem que fossem apenas algumas frases grosseiras? Quando foi que você me permitiu conhecê-lo? Quando foi que você demonstrou orgulho de mim por qualquer coisa? – Lemond sorriu. – Muito obrigado, você me manteve tão a salvo quanto um cachorro de um camponês...

– Eu não poderia deixar você se tornar alguém como eu... Não poderia deixá-lo conviver com “problemas reais” ou com cada cobra que faz parte da realeza. Eu me esforcei ao máximo para dar-lhe um mundo de verdade, Lemond. Eu... eu não queria que você fosse filho de um Lorde. Tudo o que construí, tudo... foi por você.

Lemond franziu o cenho. Ele sempre soubera, mas insistia em negar que ele e o pai sempre foram muito parecidos, mesmo pouco conhecendo-o... Mas talvez Lemond fosse um monstro bem pior que Haddes.

– Ao contrário do que você pensa – Continuou Haddes. –, Eu o conheço bem. Melhor até do que você o conhece. Acha que me sinto ressentido por ter me levado até a aldeia urgal? Só depois de tudo isto, Lemond, só à beira da morte, eu fui capaz de ver o quão perto eu cheguei de perdê-lo para sempre... Eu sempre me perguntei: Valeria a pena mantê-lo seguro se eu o perdesse como filho? – Ele balançou a cabeça com os olhos distantes. – Mas naquele dia... Depois de vê-lo me colocar em emboscada e livrar-se de meus soldados. – Ele sorriu e seus olhos brilharam. – Eu percebi que não precisava mais mantê-lo seguro. Você é totalmente capaz de cuidar de si mesmo. – Ele sorriu olhando para Lemond. – Tudo o que você fez... Apoiar um rebelde! Você só queria um pouco de atenção. Eu entendo, você não fez isso por ninguém, fez por si mesmo.

– E aqui estamos nós... – Interrompeu Lemond. – Engaiolados lado a lado. Esqueça todas estas palavras, Haddes Grorvan. Não quero que se explique para mim. Eu causei tudo isto... Não me diga o quão bem eu sei me virar sozinho... Estou numa gaiola, e também ajudei a por meu pai em uma.

Haddes sorriu.

– Não por muito tempo... – Disse ele mais baixo. Lemond olhou-o sem compreender. – Espere o anoitecer e verá... – Completou o senhor de Dras-Leona.

Lemond segurou-se para não perguntar nada, e contentou-se apenas com a esperança. Recostou-se na gaiola, franzindo o cenho tentando imaginar como o pai planejava tirá-los dali.

Quando Haddes moveu-se em sua gaiola, Lemond percebeu que ele havia perdido sua mão esquerda.

– O que houve com sua mão? – Ele perguntou.

– Os Kulls preferiram mutilar-me a apenas me matar rapidamente. Se os rebeldes não tivessem me capturado e fugido da aldeia, você me veria com mais algumas partes faltando.

O dia passava como uma estação dentro daquela gaiola e, inquieto, Lemond apenas esperava a hora em que as flechas voassem de Dras-Leona para o acampamento, ou do acampamento para Dras-Leona, mas tudo o que via eram soldados correndo apressados entre as tendas.

Quando finalmente anoiteceu, a barriga de Lemond revirava-se de excitação e anseio. Observava os soldados fazerem fogueiras, alimentar-se, e, já tarde, levarem uma ou duas mulheres para suas tendas. Fosse como fosse, não lhe parecia que Lorde Haddes tivesse muito o que fazer para escapar.

Mas estava errado...

Pouco depois da última fogueira ser apagada, já tarde da madrugada, uma tenda rompeu em chamas, e então outra, e outra... Lemond ouvia incrédulo os gritos de agonia dos soldados e das mulheres, tentando compreender o que estava acontecendo.

Ao seu lado, Haddes coçava a barba, pensativo, parecendo não estranhar o que estava acontecendo. E logo em seguida dúzias de homens vestidos em couro fervido abatiam os soldados por todo o acampamento.

– Como eles passaram pelos guardas? – Perguntou Lemond tentando imitar a mesma calma do pai.

– Mercenários do leste, Lemond. Não existem barreiras para eles.

– Um momento... – Lemond olhou com mais atenção para os homens que invadiam o local. – Estes são os mercenários que prendi em Dras-Leona? Eles não trabalham para Marbrayes?

– Eles trabalham para quem paga mais. E minha oferta não foi tímida. Anime-se, rapaz, você está livre. – Disse o pai. E cada vez mais homens de Marbrayes caiam.

­Foi então que o rapaz de cabelos loiros e pele dourada veio em sua direção. Um golpe de machado nas grades e Haddes e Lemond estavam livres.

– Vamos sair daqui. Cinquenta homens não dizimarão uma tropa como esta inteira... e eu não pretendo perder homens. – Disse o rapaz.

– Cinquenta?! – Exclamou Lemond, incrédulo. – Eu capturei apenas vinte de vocês.

O rapaz sorriu, mas não disse nada.

Roubaram cavalos e partiram dali acompanhados do líder dos mercenários, enquanto mais tendas pegavam fogo.

– Como foi que saíram das celas?! – Perguntou Lemond ao jovem mercenário de cabelos loiros.

– Você acha que fomos realmente capturados pelos seus homens? – Ele gargalhou. – Eles jamais teriam conseguido. Seu amigo Dorâne nos deu a chave quando falamos de Haddes para ele... Não foi tão difícil fazê-lo acreditar. Ele sabia que éramos a única esperança. Viemos escondidos pelo subterrâneo.

– Você não é nada humilde, não é? Devia aprender um pouco comigo. – Disse Lemond esporeando o cavalo.

Logo estavam nos portões de Dras-Leona, com olhares de incredulidade lançados a Haddes e aos mercenários, que já haviam deixado o acampamento dos rebeldes.

– Abram os portões. – Gritou Lorde Haddes. – Temos uma guerra em nossas portas!

Um Dorâne aliviado surgiu quando os portões foram abertos. O capitão abaixou a flecha preparada em seu arco.

Lemond passou pelos portões sentindo o frio na barriga e o corpo tremer todo em um arrepio. Era a segunda vez que se encontrara tão à beira da morte, e ele sentia que era algo que iria tornar-se frequente também.Uma gota de água caiu em seu ombro respingando em sua face, e ele seguiu galopando lentamente para o pátio enquanto começava a chover. Logo estava encharcado.

Desceu do cavalo sentindo o pescoço quente. Só agora que estava dentro das muralhas sentia o perigo que correra estando lá fora. Deixou-se cair de joelhos e esperou um momento, em choque. Tudo o que queria era molhar-se um pouco na chuva.

– Lorde Haddes. – Ouviu-se a voz abalada de Dorâne. – Eu não posso acreditar.

– Vamos, rapaz. Não temos tempo para exclamações, mexa-se e prepare os soldados para a batalha. – Ordenou Haddes com a voz enfraquecida pelos tempos em cativeiro. – E você. – Apontou para Lemond. – Vá para os seus aposentos, e, antes que teime, isso é uma ordem. Alguém escolte Lemond para seu quarto!

– Se você acha que ficarei dormindo enquanto soldados estão lá fora, está enganado. – Disse Lemond abandonando o medo anterior. – Eu irei agora mesm... – Mas foi interrompido por duas mãos enluvadas que agarraram seus braços.

Obrigado a seguir para os aposentos, envergonhado diante de toda a cidade de Dras-Leona, Lemond não sentia mais nenhum medo, e percebeu que nada havia mudado. Continuava a ser o menino mimado que, longe do perigo, não o temia.

Os guardas o empurraram para dentro do quarto e fecharam a porta. Lemond sorriu. Parece-me que isto já aconteceu antes; Pensou. Era mais uma vez um prisioneiro, mesmo que num quarto de luxo. Quantas vezes mais isto vai acontecer?

Caminhando de um lado para o outro, Lemond percebeu que não podia ficar parado ali. Se apenas esperasse a batalha terminar, correria o perigo de ser posto numa cela novamente, pelo pai. Ainda não estava totalmente convencido da repentina mudança de comportamento de Lorde Haddes para com ele. Ou Maard poderia invadir a cidade, e ele estaria perdido.

Desesperado, Lemond começou a procurar no quarto uma saída. A janela era o ponto óbvio, mas soldados estavam postados logo abaixo, no corredor.

– Pragas! – Ele bateu os punhos no peitoril, despertando a atenção dos guardas lá de baixo. – Vão para o inferno! – Ele lhes disse.

Afastou-se da janela. Tem de haver um jeito. Lemond respirou fundo e foi à porta.

– Com licença senhores. – Disse. – Irei sair gora, por tanto abram a porta e imaginem que sou um pequeno camundongo correndo pelos corredores.

Ninguém lhe respondeu, e Lemond sabia que os dois soldados estavam rindo dele neste momento à porta.

– Muito bem... – Ele disse. – Irei pular da janela, neste caso. – Correu em direção à janela.

Imediatamente os soldados irromperam pela porta com os olhos arregalados.

– Você não pode sair daqui! São ordens de seu pai! – Disse um dos soldados.

– Então é bom vir atrás de mim, pois ele ficará enfurecido se souber que me deixaram escapar. – Continuou o rapaz subindo no peitoril.

O soldado correu para ele e no momento que ia agarrá-lo, Lemond saltou do peitoril para o quarto e o empurrou pela janela. O soldado caiu com estrondo no corredor. Lemond não esperou pelo outro soldado e pulou, também, pela janela.

Seu coração saltitava enquanto descia. Caiu com força em cima de um dos soldados que estavam postados no corredor. Sentindo a perna doer, Lemond puxou a espada da bainha do soldado que não compreendia nada.

– Agora vocês me deixarão ir... – Disse ele afastando-se cautelosamente. – Se não deixarem, algo terrível irá acontecer, acreditem em mim! – E saiu mancando, afastando-se dos dois soldados incrédulos e do desmaiado no chão. O quarto soldado o observava enfurecido da janela do seu quarto.

Lemond chegou ao pátio sentindo-se alguém que chega atrasado para a festa. Avistou distante, nas muralhas da cidade, os soldados que soltavam pedras pelas catapultas. Outros soldados estavam posicionados no pátio, dentro dos muros da cidadela, esperando, caso os rebeldes invadissem a cidade.

– Hei! – Berrou. – Você! – Disse apontando para um jovem soldado. – Sele um cavalo para mim, agora! Irei resolver isto.

O garoto hesitou, e continuou em seu posto. Lemond, frustrado, foi selar um cavalo ele mesmo. Pegou uma espada e um machado. Enfurecido deixou a cidadela e viu-se nos portões da cidade.

– Abram este portão e me deixem sair! Não pedirei duas vezes.

Os portões abriram-se, para a sua surpresa, e ele trotou enfurecido pelos campos, indo de encontro à batalha. Longo estava no meio dos soldados. Nunca passara por aquela experiência antes, seu coração acelerava cada vez mais, e ele sentia que tinha de fazer algo urgente. Muitas eram as flechas que zuniam. Sua armadura era simples, e ele sentia que seu elmo era facilmente trespassável.

As gotas da chuva que aos poucos parava ressoavam em sua cabeça. Lemond respirou fundo e avançou, movendo a espada desesperadamente. Ele não estava fazendo um grande feito.

...Mas então sentiu algo pressionando sua mente. Não teve controle algum sobre o que quer que fosse que o invadia. Entrou em desespero.

Tenha calma! Algo sussurrou dentro de sua cabeça. Permita-me tomar o controle. Era a mesma voz que falara com ele dentro das celas de Dras-Leona. Não era possível.

Aos poucos, não estava mais no controle do próprio corpo, seus membros moviam-se contra a sua vontade, e sua espada começou a banhar-se em sangue do inimigo. Permitiu-se acalmar e esperar para ver o que iria acontecer; Era como se ele fosse um leitor de sua própria história. Dizimava os soldados e defendia-se como um verdadeiro cavaleiro.

Por que está fazendo isto? Quem quer que seja? Perguntou o rapaz. Você é um mago?

Sou alguém com interesses, e você é alguém que precisa de minha ajuda na mesma medida que pode me ajudar. Isto é tudo o que precisa saber... temos uma batalha para vencer, então me deixe trabalhar. Raios, quantas vezes mais eu terei de salvar sua vida quando faz uma estupidez?

Lemond riu no seu subconsciente.

Você toma o controle do meu corpo e logo em seguida me propõe um acordo?! Insano, já gostei de você!

– Lemond?! – Exclamou Haddes entre os soldados. – Que diabos!

Lemond riu-se imaginando a cara do pai ao vê-lo abatendo tantos soldados inimigos.

A batalha terminou com soldados fugindo sob um mar de mortos. Lemond sabia que Maard tinha pouca chance contra Dras-Leona, a esperança dele era ter Haddes como refém, e no momento que o senhor havia sido liberto, tudo desabou, mas o rapaz não imaginara que seria tão fácil.

Assim que puder, vá ao túmulo de Brom, se quiser respostas... Disse a consciência que apoderara-se de si, e então esvaiu de sua mente, até sobrar apenas o bom e velho Lemond, e a batalha terminada.

Túmulo de Brom? Lemond suspirou. Estava se envolvendo em algo grande, tinha certeza, mas mesmo assim teria de ir ao local marcado... não podia ignorar que quem quer que fosse a poderosa consciência, havia realmente salvado sua vida.

O rapaz franziu o cenho e balançou a cabeça, testando os membros recém devolvidos. Voltou novamente sua atenção para o campo de batalha. Depois de uma rápida varrida com o olhar encontrou Maard de joelhos, dificultado por um ferimento.

Um soldado aproximava-se do rebelde de espada pronta.

– Eu não faria isso se fosse você! – Interrompeu-o Lemond. – Guarde esta espada e o leve para dentro. Trate dos ferimentos dele e ponha-o em uma cela... Nós precisamos arrancar algumas verdades dele.

Haddes aproximou-se olhando-o nada amigável, arfava da batalha.

– Não é você que dá as ordens, Lemond. – Disse ele, e então voltou-se para os soldados. – Abatam os moribundos e retornem para a cidade, isto é apenas o começo!

O senhor de Dras-Leona começou a cavalgar em direção à cidade quando o soldado na posse de Maard o interrompeu:

– E quanto a ele, senhor?

– Faça o que Lemond sugeriu. – E partiu do campo de batalha.

Enquanto era levado, Maard olhava para Lemond com um sorriso. O rapaz não compreendeu o motivo, mas não deu importância a isso.

– Próximo passo... – Disse para si mesmo enquanto retornava para a cidade. – Túmulo de Brom.

Quem quer que fosse encontrar lá, queria a sua ajuda para algo. E Lemond estava disposto a ajudar, não podia mais voltar a perambular por Dras-Leona sem fazer nada.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então?
Estou morrendo de vontade de escrever logo o desenrolar de Lemond...
Quem vocês acham que é esta voz misteriosa que fala com Lemond desde o capítulo 20? Deixem nos comentários.
E o que acharam do capítulo?
O próximo virá logo, aguardem...
07/12/15



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um mundo além do mundo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.