Short- Fic: Recomeçar escrita por Lady Salvatore


Capítulo 2
Recomeçar - Part 2 Final.


Notas iniciais do capítulo

Meninas, sei que demorei pra caramba pra postar isso. Mas tenho uma explicação, que é algo q vcs n sabem sobre mim: Sou uma perfeccionista daquelas. Fortes mesmo. Pra mim nada nunca fica bom e eu tenho que refazer outras quinhentas vezes até que fique mais ou menos como eu quero, ao mínimo. Tenho uma long fic, no qual as vezes demoro três dias pra escrever um capítulo pequeno.
Quero dizer que fiquei mto contente pela repercussão e elogios que ganhei por essa fic; Tão feliz que houve momentos q eu parava minha escrita, pois não queria que acabasse logo. Como esse é o nosso último, se acharem que eu mereço comentários, favoritos, recomendações podem mandar kkkkk to aberta e vou gostar mto (Mas só acharem q eu mereço.)
Enfim, boa leitura.



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Mesmo que com o vidro escuro a cobrir sua vista, Félix conseguia enxergar com a mesma exatidão todos os detalhes de quando esteve ali pela ultima vez. A pintura, em certos pontos, parecia um pouco mais desgasta e a piscina estava coberta. O jardim atestava bons cuidados, embora num geral a aparência do local transbordasse o vazio.

Pilar havia dito que um caseiro tomava conta, e que duas ou três vezes por semana iam pessoas limpar a casa, a piscina, cuidar do jardim. Para ele era como se não fizesse sentido; Apesar dos dizeres de sua mãe, a impressão solitária se fazia mais presente para Félix, cada vez que seus olhos passeavam por toda extensão da estrutura. Ou seja, o tempo todo desde que estacionou aquele carro.

Não teve coragem de descer; Por outro lado também queria observar mais.

Talvez as boas lembranças, naquele momento especifico, possuíssem mais peso em sua memória quando se recordasse do tempo que passou naquela casa. Embora o mau humor de César ainda fosse predominante, a alegria e os risos das crianças conseguiam serem superiores. Assim como o ambiente romântico de um casal apaixonado; Imagens perfeitas para um comercial de margarina, numa família contemporânea.

Olhou-se no espelho retrovisor, reconhecendo em si o mais puro medo estampado. Sentia-se como se fosse a única pessoa no mundo que toda vez ao se olhar no espelho, conseguia ver o interior ao invés do exterior.

Expulsou aqueles pensamentos de sua cabeça e saiu do carro, embora que lentamente, era um progresso perante tamanho temor que sabia que estava sentindo. Não perdeu tempo dando mais nenhuma olhada em volta, não queria mais empecilhos que o fizesse desistir de fazer o que queria fazer ali. Descansar, não pensar em nada; Que para quando voltasse para São Paulo, recomeçasse sua vida. Estava ali para enfrentar o medo, e não para que o deixasse dominá-lo.

Trouxe apenas uma bagagem, tirou-a do porta-malas e em seguida trancou o carro por inteiro. Tinha duvidas se o caseiro estaria ali, esperando por sua chegada ou se estaria sozinho. De qualquer maneira, seguiu andando até a entrada encontrando a resposta para sua duvida, com um bilhete colado na porta.

Senhor Khoury, não estarei aí para recepcioná-lo. Achei que se sentiria mais confortável assim; Não se preocupe os funcionários vieram aqui ontem e tanto a casa, quanto o jardim e a piscina estão limpos e prontos para o seu uso.

Espero que tenha trago sua chave. A minha e a copia estão na sala, na mesa de centro.

Tenha uma boa estadia. Volto pela noite.

Wagner.

Ótimo. Pensou Félix; Era melhor assim, teria o dia sossegado no qual pudesse se concentrar mais em seus objetivos, ainda mais tendo a certeza de que sua mente, cheia de memórias, tentaria sabotá-lo.

E foi apenas abrir a porta para que seu pensamento se confirmasse. Desde os móveis até o cheiro, era como se tudo continuasse a mesma coisa. Olhou para o sofá e se viu com Niko brincando com as crianças, mas também se viu bêbado enquanto o outro o carregava para o andar de cima. Olhou para o chão do corredor e viu Fabrício tentando dar seus primeiros passos, mas também viu ele próprio tentando se manter de pé, enquanto colidia com tudo no caminho. Olhou para a escada e viu Jayminho descendo cada degrau correndo como um lunático, enquanto Niko medonho pela preocupação do filho cair brigava com ele. Sorriu com aquela lembrança. Mas o sorriso sumiu ao recordar que ali, naquela escada, era o lugar no qual mais chorava pela falta de César, normalmente nas madrugadas quando todos dormiam.

Isso no começo, claro. Quando se preocupava de alguém acordar, descia para o andar de baixo e ficava ali. Depois, quando o egoísmo era mais forte que o bom-senso, fazia questão de acordar a todos com seus escândalos.

Subiu as escadarias arrastando consigo, sem muita dificuldade, sua única mala. Poucos passos depois já estava em frente à porta do antigo quarto que dividia com Niko. Girou a maçaneta e empurrou-a levemente para dentro; Poucas mudanças. Detalhes pessoais de antigamente haviam sido levados por ele, ou quem sabe até jogados fora. Mas em questão de paredes, cores e móveis tudo ainda pareciam os mesmo.

Não esperou que outra onda de recordações o atingisse outra vez. A viagem havia sido longa e para evitar nostalgia, resolveu seguir para um bom banho. Deixou as malas num lugar qualquer do cômodo e adentrou ao banheiro da suíte.

–--x---

Numa virada rápida pelos lençóis gélidos da cama, Félix aprumou as narinas a fundo pelo travesseiro; Procurando que fosse um cheiro conhecido, mas havia apenas a lavanda do amaciante. Para que fosse sincero nem ele sabia o que procurava, talvez encontrando um aroma pela cama pudesse se sentir mais confortável em estar ali.

Era como se sua cabeça não acreditasse que três anos haviam se passado.

Desistindo daquela caça sem fundamentos, levantou-se da cama apanhando um cobertor quente consigo. Saiu em direção ao corredor e desceu as escadas enquanto enrolava a coberta pelas suas costas, aninhando-se.

Em começo de junho, o tempo estava começando a esfriar no Rio de Janeiro, embora o vento não fosse tão forte. Em poucos passos estava na praia, olhando o mar e observando o bater das ondas contra as pedras nas extremas laterais de um píer abandonado ao longe. Era tão bom poder sair de casa, ter uma praia deserta e praticamente exclusiva, literalmente, em frente a sua moradia.

Mesmo com lembranças ruins, era estranho dizer, mas continuava amando aquele lugar. E estando ali, de frente para aquele mar a confirmação vinha para você. Diferente de São Paulo, no qual havia feito coisas nada boas lá, a diferença era que continuava não gostando de São Paulo.

De alguma forma, Angra era diferente das outras. Talvez porque, apesar dos ruins, havia tido momentos muito bons em Angra. Ao contrário de São Paulo, no qual as coisas boas que lhe aconteceram lá se encontravam numa pequena lista de milagres exclusos.

O irônico disso estava que em ambos os lugares, o responsável pelos raros, ou não, momentos felizes era o mesmo rapaz. Niko. Este que, em São Paulo, era um querido amigo que lhe entregava palavras e conselhos sábios, no qual tentava fugir simplesmente por se identificar tanto. E este mesmo que, em Angra dos Reis, era um amado marido que lhe deu tudo em algo que nunca desejou ter.

Respirou fundo o ar salgado da maresia, não havia reparado numa canoa que atravessava o horizonte ao longe em contraste com o sol lá no alto. Era num visual assim que viveu o momento mais emocionante de sua vida com seu pai. Apertou mais o cobertor em seu corpo, deixando-se levar por algumas lembranças no qual nem o próprio Félix lembrava que tinha.

Seu pai havia morrido de enfarto, mas não fora de uma hora para outra. Já estava mal há algum tempo e Lutero sugeriu, numa ligação dias antes da morte de César, que Félix o levasse para São Paulo para uma bateria de exames e quem sabe, dependendo do que fosse, ficar algum tempo internado. Isso havia sido numa segunda feira, Félix concordou e disse que na sexta estariam ali, era apenas tempo de organizar algumas coisas.

E na quinta... Aconteceu o começo de seu pesadelo.

Por mais que pudesse parecer loucura, Félix não se lembrava dessas coisas até o momento. Antes de tudo acontecer, sua cabeça estava cheia entre os cuidados de sua vida pessoal, organizar a casa para a viagem, o restaurante, seus filhos, Niko; E não sabiam quanto tempo ficariam em São Paulo, afinal não queria sair do lado de seu pai. Sua cabeça estava cheia naqueles dias, ocupada demais para se apegar a detalhes. Depois, ele morreu e o desespero tomou conta de si por completo; Em seguida veio à depressão e os outros problemas, no qual quando estava à mercê pensar era a ultima coisa que conseguia fazer. E na reabilitação estava ocupado demais lutando contra vícios e tudo que conseguia pensar era em sair daquele lugar.

Mas ali era como se tivesse desenterrando um baú de memórias no qual estava no automático demais para viver quando aconteceu. Justo quando César havia morrido Félix não conseguia pensar especificamente qual fora o ultimo momento que teve com ele. As últimas palavras que disseram; Se fez tanto aquelas perguntas na época e não conseguia resposta.

E só agora, com a cabeça vazia e livre de todo aquele peso se era possível lembrar.

Uma noite de quarta feira, depois do jantar. Havia posto seu pai na cama e disse para que ele continuasse acordado, pois teria que tomar seus remédios antes de dormir. Seria só tempo de o filho tomar um banho e descer para ajudá-lo, já que a enfermeira teve de ir mais cedo (por motivos qual Félix não lembrava).

Tomou seu banho e desceu em direção ao quarto de seu pai.

Flashback on.

– Papi? – Sussurrou empurrando levemente a porta entre aberta, introduzindo apenas a cabeça para dentro do quarto. – Tá acordado? – Perguntou, já dentro do cômodo.

Antes que César pudesse responder, uma breve tosse escapou por sua garganta.

– Já tava pensando que não vinha mais. – Proferiu. No tom mal humorado que já lhe era de costume falar.

Um rápido sorriso de canto de boca se formou no rosto de Félix.

– As crianças demoraram um pouco pra dormir. Queriam brincar. – Explicou de maneira feliz, enquanto sentava-se na beirada da cama. Seu rosto murchou-se perante a preocupação. – Tá se sentindo melhor?

César demorou alguns segundos para responder.

– O peito ainda dói um pouco, mas... A dor é fraca, daqui a pouco com o remédio passa. – Mentiu. Queria ficar em silencio logo, sem ser perturbado. E se contasse a verdade para Félix era capaz dele sequer o deixar dormir sozinho àquela noite.

– Então é melhor eu dá esses remédios logo, assim você descansa que amanhã o dia vai ser cheio. – Disse Félix, abrindo a prateleira de remédios.

– A gente viaja amanhã?

– Não. – Disse vago, estava atento demais na dosagem dos medicamentos. Era necessário o cuidado nesses momentos, ainda mais sem a enfermeira para auxiliá-lo. –... Mas tem que arrumar as coisas logo pra sexta já acordar, entrar no carro e ir.

– Não é melhor arrumar a minha mala agora? – Perguntou César, embora soasse mais como uma ordem.

Félix estranhou a razão para aquilo.

– Porque arrumar agora papi? Eu arrumo amanhã, como a de todo mundo.

– Mas amanhã você vai ter que arrumar a sua, aí depois tem criança, tem empregada, tem aquele rapaz, tem cachorro, gato, papagaio, isso, aquilo.

– Mas papi...

– Mas nada. – Interrompeu-o, com certa impaciência. – Tem uma mala bem pequena dentro do armário. Coloca só o que é essencial e pronto menos uma pra amanhã.

Vendo-se contrariado, Félix achou melhor obedecer. Respirou fundo e levou os remédios até o homem deitado a cama. Após certificar-se que todos foram tomados de maneira correta, apanhou a mala dita no armário, colocando-a aberta numa poltrona próxima e começando a organizá-la.

– Sua teimosia venceu... – Murmurou, dobrando uma blusa apoiada em seu colo. – De novo. – Completou, embora parecesse que César não estava ouvindo-o.

Ainda aéreo, com a vista voltada para o ventilador de teto que girava devagar, César sentia cada vez mais os olhos se pesarem contra seus cílios. A mente também pesava dando-lhe uma sensação de formigamento no cérebro. Reconhecia o efeito das medicações em seu corpo, mas naquela vez sentia que estava mais forte.

– Engraçado como as coisas são, não é? – Ponderou sugestivo, com a voz falha.

Félix não pareceu perceber a falta de ar do pai, continuava arrumando a mala.

– Como assim? Tá falando de que? – Perguntou com a atenção ainda voltada as roupas.

– To falando de felicidade, Félix. Conhece?

O filho sorriu sutilmente.

– Conheço. Inclusive, nós dois costumávamos ser grandes inimigos.

Houve um som fraco, quase que irreconhecível. Mas Félix sabia o que era. Uma risada. A voz de César estava engasgada, mesmo assim era inteligível o suficiente.

– Queria poder fazer as pazes com ela também.

– Mas você pode! – Afirmou confiante, agora mais atento ao pai.

Embora as palavras do filho não acendessem a esperança em César.

– Poderia, antes... Muito antes; Agora não posso mais, já to condenado.

A expressão de Félix se contorceu em angustia. Aproximou-se da cama outra vez apanhando a mão do pai com força, querendo transmitir seu apoio.

– Papi, não fala assim o senhor...

– Para, Félix não adianta me consolar a toa. Não tá vendo que é inútil? – Interrompeu antes que continuasse a desperdiçar palavras que seriam invalidas a ele. – A gente brigou demais, culpamos um ao outro demais, acusamos um ao outro demais, trapaceamos. Tudo isso pra que? Pra eu ficar invalido e você ter que cuidar de mim. Ou seja, os dois perderam. – Exclamou grosseiramente. Se pudesse gritar, se tivesse forças para isso todos naquela casa já teriam ouvido. Mais calmo, voltou a falar. – A gente quis ser feliz, causando infelicidade nos outros; E adiantou? Não. Foi muito mais que perda de tempo, foi perda de vida. Tem noção disso? – Félix encarava o chão, não sabia o que falar. De certa forma, por mais odiasse admitir, sabia que seu pai estava certo. – Meu filho, escuta; Eu não sou um bom exemplo pra ninguém. Mas se tem uma coisa que eu ainda posso te ensinar nessa vida, é isso e mais nada: O segredo da felicidade é não se lamentar por muito tempo. – Disse rápido e convicto. – Se quiser ser feliz, siga em frente o mais rápido possível. Enquanto você lamenta da vida, o outro tá superando os obstáculos, encarando a porcaria do mundo de frente e vencendo. Ponto.

Em silencio Félix assentiu as palavras, constrangido. Alcançou a mão de seu pai novamente e apertou sem muita força. Sentia que ele não havia dito tudo aquilo em vão e sim por estar preocupado com alguma coisa. Podia perceber o cansaço abatido em César e que pelo efeito dos remédios, o sono estava se fazendo presente.

Sabia que a partir do momento em que encostasse sua cabeça no travesseiro refletiria cada frase dita por ele.

– Vou terminar de arrumar sua mala. – Avisou tímido, voltando a olhar o escuro abaixo.

Caminhou outra vez até o armário onde pegou diretamente tudo o que julgou necessário para que pudesse terminar logo. Observava o homem deitado à cama dividindo a atenção entre ele e a muda de roupa; Quando tudo estava dobrado, seguiu até o banheiro da suíte trazendo consigo os principais objetos pessoais.

Era triste para ele ver que seu pai pensava daquela maneira, que era tarde demais para ser feliz e que estava simplesmente colhendo o que plantou. Félix, de certa forma, acreditava um pouco em carma; Afinal ter de ser expulso de casa e depois vender hot-dog para sobreviver, após tudo de ruim que fez, abria um pouco a mente para crer, ou desconfiar, da existência de qualquer tipo de suposições lúdicas.

Passou o zíper em volta da pequena maleta, e a retirou da poltrona pondo-a de pé em frente ao guarda-roupa.

– Papi... Já terminei, to indo dormir. Ok? – Sussurrou, quase que inaudível. Esperava que o homem já estivesse dormindo.

– Não precisa me avisar, Félix. Pode ir de vez, não sou um retardado. – Respondeu, sem muita gentileza como de estilo.

Félix não se abateu pela maneira dita, estava acostumado. Ignorou, e abriu um cobertor espalhando o tecido pelo corpo de César.

– Dorme... Que sexta feira, o senhor vai está nas mãos dos melhores médicos desse país. – Falou calmo, com um sorriso caloroso.

Por um momento, César não respondeu. Depois disse cético:

– E pensar que há alguns anos atrás, eu era um dos melhores médicos desse país. Como o mundo gira.

A expressão de Félix decaiu perante aquelas palavras. Aquele era o normal de César; Frio, inexpressivo e desolado. Como se fosse incapaz de ser concertado nem ao menos incentivado. Claro que Félix não imaginava que seu pai fosse capaz de ser como os outros. Isso nem antes, nem agora, nem futuramente. Embora agradecesse por todos os traumas e desprezo terem ficado para trás.

Sim, César poderia não ser o mais delicado dos pais, hoje, mas a antiga aversão que ele tinha por si de antes havia sumido. E isso já era o suficiente para Félix viver bem.

Aproximou os lábios da testa do pai, sentindo a quentura da pele contra sua boca. Não havia reparado na temperatura um pouco mais quente do que o aceitável. Depositou um longo beijo no local, assimilando o cheiro dos cabelos ao lado em suas narinas.

– Boa noite Papi. – Murmurou ainda em sua testa. César não disse mais nada.

Félix saiu do quarto.

–--x---

Com a finalização de suas memórias, uma lágrima solitária escapou por um dos olhos de Félix. Só fora abranger a presença dela quando escorreu pela sua boca, onde sentiu o gosto salgado daquela água temperada.

Fechou os olhos a espera de mais lágrimas, mas só fora agraciado com aquela única. Era poético para ele se pensar que a ultima conversa com seu pai havia sido sobre a procura da felicidade, ainda mais levando em conta tudo que aconteceu depois consigo.

Durante toda sua vida se perguntou sobre felicidade, fazendo-se aquela mesma pergunta todos os dias. Conhecendo a resposta apenas quando estavam, ali, naquela casa com Niko, seu pai, seus filhos. Mas agora parecia que tinha perdido a resposta; Não sabia mais o que era felicidade, nem como conseguir.

Em complemento a suas duvidas, a antiga canoa que havia visto antes se fez presente outra vez em seus olhos. Ela parecia estar mais longe do que antes; Também não havia reparado nos detalhes quando a viu. A sombra escura de dois homens se refletia no sol, coisa que não tinha visto na outra vez. Embora a distância fosse longe da praia até eles, Félix conseguia enxergar, com certa dificuldade, que eles estavam rindo. Não sabia do que, mas estavam. E pareciam felizes. Felizes em estar ali, felizes por simplesmente estar um com o outro.

Um deles largou o remo e puxou o outro para mais perto de seu peito, ambos estavam sem camisa cobertos apenas por uma bermuda. Um abraço caloroso fora dado entre eles, transmitindo um enlace doce e calmo, seguido por um rápido beijo.

Era como se o corpo de Félix tivesse sido invadido por um tsunami violenta, destruindo qualquer indicio de camada dentro de si. O nome disso era confirmação. Era resposta que perdeu para a pergunta que tanto quis desvendar, e que também deixou escapar.

Aquilo. Aquilo era felicidade.

A felicidade de estar bem ao lado de quem se ama. De conseguir sucesso no que se queria. De superar uma dificuldade, como seu próprio pai lhe disse; E justo por não ter seguido em frente que tudo lhe aconteceu, não só isso. Mas sim, por que tudo de ruim que lhe ocorre na vida, se faz presente pelo simples motivo de insistir em se agarrar ao passado. Motivos esses que era inútil mencionar.

Havia ou não aprendido a superar? Após tantas coisas, teria conseguido aprender a valorizar o presente, como seu pai queria e como sua família tanto lhe pediu?

‘’ Você acha que não merece felicidade, por conta das coisas ruins que já fez. Por isso se afasta justamente do que te faz feliz. ‘’

As palavras ditas por Niko há um mês repletas de sinceridade, de verdade voltaram a destroçar-se. Afastar o que justamente mais lhe fez feliz, por achar que não merece, é um modo de lamentação. Um modo de superestimar o que se passou.

Não faria isso apenas por seu pai, faria por si mesmo também. Não por ser egoísta, simplesmente por desistir de fugir do que lhe faz feliz.

Sem nem ao menos interromper-se por mais pensamentos, não poupou passos correndo como se não possuísse direção. Tão depressa, que em poucos segundos alcançou a varanda da casa, abandonando o cobertor pelo chão da sala. Ascendeu às escadas esquecendo os receios de tropeçar-nos próprios pés, sem cessar a correria.

Não perderia um minuto que fosse.

Não havia desfeito as malas, tudo que precisou fora apanha-la novamente e voltar para sala. Quem o visse provavelmente pensaria que estava a fugir de um assassino serial. Mas não. Não estava fugindo, estava correndo atrás do que deixou fugir. Correu para a mesa de telefone ao lado do sofá, onde se encontrava um bloco de papel e algumas canetas.

Wagner. Tive que voltar para SP por motivos pessoais. Peço desculpas pelo incomodo de terem limpado a casa inteira para me receber, mas é realmente de urgência e tenho muito que ir. Deixo a sua chave e a chave reserva de baixo do tapete da varanda.

Peço desculpas outra vez.

Com a letra tremula pelo nervosismo de seu corpo, observou as palavras desenfreadas no branco papel. Para ele era um milagre ter conseguido escrever um A que fosse. Lembrou-se de um durex numa gaveta da cômoda ao fundo, e comemorou por ainda estar ali. Claro que não era o mesmo durex, logicamente. Grudou o papel na porta e colocou as chaves ditas por de baixo do tapete. Trancou a entrada e correu para o carro sem nem ao menos sentir o peso das malas em sua mão.

A mão ainda tremula atrapalhou-se ao abrir o automóvel. Teria que chegar logo em São Paulo e dirigindo demoraria horas. Quis ir de carro justamente por isso, para chegar cansado e ser mais fácil de deitar numa cama, dormir e poupar pensamentos retrógrados, mas nesse caso não. Teria que ser rápido.

Seguiria de carro até um aeroporto mais próximo e deixaria o carro lá mesmo com mala e tudo dentro. Teria de pagar uma fortuna por estacionamento depois.

Mas vai valer a pena.

–--x—

Ainda na mesma correria, Félix adentrou ao restaurante onde nem ao menos o peso da nostalgia foi capaz de Pará-lo. Seus olhos caminharam em todas as direções e pontos ao seu alcance a procura do rosto conhecido.

Encontrando sim um conhecido. Mas não aquele que queria.

– Edgar. Ai Edgar pelo amor de Deus. – Chamou ofegante pela correria, jogando seu corpo contra o balcão e respirando fundo em busca de ar.

– Seu Félix... – O susto do rapaz pela presença dele ali fora compreensível para Félix. – O que o senhor tá...

– Agora não. Agora não posso explicar nada direito. – Interrompeu, de maneira educada. Embora apressada. – O Niko... O Niko tá aí?

– Não, o seu Niko não veio trabalhar hoje.

Félix franziu o cenho. Não conseguiu controlar o nervosismo.

– Como não veio? Hoje é sábado, um dos dias que esse lugar mais lota. Ele tinha que tá aqui.

– É que... Com essas férias ele e as crianças vão pra minas. O seu Niko comprou uma casa de campo lá pra família e ele vai encontrar todo mundo, rever os irmãos os pais. O senhor entende, não é?

– Entendo, ma... Mas ele vai hoje? – Sua voz falhou. Agradeceu por isso, senão era bem capaz de ter gritado.

Edgar hesitou em responder, estava com medo da reação de Félix. Pelo que tanto já ouviu de Niko, Félix costumava ser um homem genioso e vingativo. Só não sabia se continuava assim.

Para evitar qualquer tipo de raiva, Edgar apenas assentiu em positivo.

– Vai sim senhor. – Sussurrou inerme, encarando os próprios pés.

A aflição em Félix só fez crescer.

– Edgar você tem que me dizer... Qual a casa que ele tá morando? O endereço, eu preciso do endereço... Eu... – Félix tagarelava como um frenético, tropeçando nas próprias palavras por não conseguir conter o desespero de pensar no pior. –... Eu só preciso do endereço, mais nada Edgar. Por favor.

Hesitante, Edgar interrompeu seu falatório.

– Se o senhor me deixar falar, eu anoto. Mas tem que ficar calmo.

– Eu fico. Eu juro que eu fico. – Prometeu Félix ofegante, com os dedos trêmulos batendo contra a madeira do balcão.

Edgar se afastou por alguns instantes, voltando com um pedaço de papel e uma caneta vermelha na mão. A ansiedade tomava conta de Félix por inteiro, sentia que até mesmo para terminar de escrever demoraria mil anos para se passar.

Edgar puxou o papel para fora da espiral e o apontou em direção de Félix, que o apanhou antes mesmo que pudesse agradecer.

– Pronto. Tá aqui, e se o senhor quiser eu posso... – Interrompeu seu discurso ao ver que Félix não estava mais ali.

–--x---

Encontrar uma taxi em São Paulo havia se complicado muito mais do que conseguia se recordar. Mesmo que a distancia do restaurante até o bairro onde Niko morava não fosse tão longa; Encarava aquele pedaço de papel durante todo o percurso sem ao menos piscar.

Como não seguiam em direção ao centro, o transito era pouco. Mesmo assim, o medo de chegar lá e Niko já ter ido o afligia; Ainda mais por não possuir a mínima ideia de onde era a casa em Minas que ele e sua família estariam, e não poderia esperar meses até que ele voltasse. Já esperou demais. Já perdeu tempo demais.

Adiantou o dinheiro para o taxista, não queria ter que gastar nenhum minuto que fosse tendo que separar a quantia exata, aguardar pelo troco enquanto Niko talvez estivesse a caminho do aeroporto.

– Chegamos. – Anunciou o motorista pelo retrovisor. – O senhor quer que eu fique aqui esperando ou posso ir embora?

Houve uma curta pausa.

– Pode ir... – Respondeu, sem tanta certeza.

Diferente do que esperava, o medo o rondou por inteiro. A pressa de antes, agora era substituída pelo completo bandeamento, hesitação e até timidez de certa forma. Desceu do carro, com os olhos migrando através das casas ao redor; O carro partiu, deixando Félix de frente perante a realidade do temor.

Olhou para o papel em suas mãos confirmando o endereço novamente.

A rua estava vazia. Do ponto onde estava não conseguia ver a antiga casa, que agora estava alugada. Essa não era totalmente diversa da outra. Ambas possuíam o mesmo designer um tanto quanto a frente do tempo e moderna, mesmo que ele levasse em conta os anos que passaram desde a última vez que esteve naquele bairro.

Suas mãos pareciam mais tremulas do que antes, embrulhou o papel colando no bolso de sua calça; Sentindo que não possuía forças nem para segurar aquela misera folha.

Tocou a campainha, dividindo-se entre a vontade de correr para longe e que a porta fosse logo aberta; Ainda preso a duvida se Niko já havia ido, ou não. Ouviu o som agudo sendo ecoado ao fundo, dentro da casa. Juntou as mãos à boca, soprando um ar quente entre seus dedos diminuindo a tremedeira.

A porta não fora aberta.

Controlando a reação desesperada, tocou outra vez. Nada.

Félix sentiu um abismo se formar no estomago. Fechou as mãos, não economizando forças ao batê-las contra a porta.

– Niko! – Chamou alto, continuando a bater. Não houve resposta. – Niko, você tá aí? – Falou outra vez. – Niko se você tiver aí e não quiser abrir porque sou eu, eu vou entender... Mas dá uma chance, por favor. – Implorou, cessando suas batidas. Deitou o ouvido na porta, na esperança de ter algum som do outro lado. Não tinha.

Não tinha ninguém em casa.

Não, não, não. Pensou em desespero, recostando a cabeça contra a porta e batendo a testa uma, duas, três vezes. Jogou a vida fora tantas vezes que sabia que um dia seria tarde demais; Teve um mês para vir atrás dele, desde que saiu da clinica. Não veio. Não veio simplesmente por orgulho a um pensamento vindo de um momento pós-depressivo.

Não adiantaria chorar, por isso segurou em si qualquer lagrima que ameaçasse descer. Teria que dar explicações a sua mãe do porque havia voltado, do porque abandonou seu carro em pleno estacionamento de aeroporto lá no Rio de Janeiro, com até sua mala dentro. Havia muito que se fazer antes de chorar por arrependimento.

– Félix? – Soou uma voz, absurdamente confusa atrás de si.

Voltando a realidade, Félix virou o corpo no mesmo segundo ao reconhecer quem era.

Sem entender, Niko mantinha-se ambíguo com as sacolas de supermercado nas mãos, parado ao meio fio.

– Niko... – Disse Félix, tão atônito quanto Niko. Ambos sem acreditar que o outro estava mesmo ali. – Eu... Eu pensei que você já tinha ido pra Minas.

As sobrancelhas de Niko franziram-se.

– Eu vou... Amanhã, meu voo foi cancelado há umas duas hor... – Interrompeu a si mesmo, ao perceber algo. – Vem cá Félix antes de tudo, como é que você sabia que eu tava indo pra Minas? – Disse num tom acusador.

Houve uma curta pausa. Um reflexo rápido de inventar uma desculpa atravessou sua mente por um breve momento; Optou por ser sincero; mentiras entre eles, por pior ou menor que fosse sempre fez os fez mal.

– Eu fui até o restaurante pra te procurar e o Edgar me contou.

Típico. Pensou Niko revirando os olhos.

– E o que você veio fazer aqui? – Perguntou fingindo-se apático, mudando de assunto.

– Será que daria pra gente entrar... Aqui no meio da rua não, acho eu, que não é lugar pra se conversar nada.

Contra a própria vontade, Niko sentiu um embrulho, um tremor distinto que não sabia a origem. O medo de ficar sozinho com Félix, após anos, não lhe soava como algo bom; Sem pronunciar uma palavra que fosse, caminhou até a porta destrancando-a.

Recolheu o corpo, dando a passagem necessária para que Félix ingressasse primeiro.

Adentrou a sala vendo, além da similaridade externa também interna da antiga casa, os brinquedos de criança distribuídos ao redor do chão acenderam um riso rápido em Félix. Não houve tempo para reparar em outros detalhes do cômodo, ouviu o trincar da porta sendo trancada e em seguida Niko o encarou após depositar as sacolas de compras na mesa de centro entre os dois, deixando claro em seu rosto que queria que falasse logo o que estava fazendo ali.

– Bonita a casa. – Disse Félix, olhando ao redor. – Comprou há muito tempo?

Niko respirou fundo impaciente, se sentou numa poltrona atrás de si.

– Dois anos. – Respondeu no mesmo tom indiferente.

Antes que Félix pudesse falar algo, uma sombra pequena revelando-se do cômodo ao lado invadiu a sala.

Ele gargalhou rapidamente perante a figura.

– Tem cachorro aqui agora? – Sorriu sentando-se no sofá. Enquanto o vira-lata caminhava até os pés de Niko, que o acariciou ligeiramente.

– O nome dele é Tino.

– Aposto que as crianças o amam. Tá aqui há muito tempo?

– Quase um ano já, é outro bagunceiro. – Falou de modo carinhoso, acariciando o cão outra vez.

Félix olhou ao redor, esticando o pescoço para o corredor, onde, logicamente, deveriam ser os quartos.

– Por falar nas crianças... Cadê elas?

– Na pracinha aqui perto com a Adriana.

– Adriana ainda trabalha aqui? – Proferiu sarcástico. – Niko, pelas contas do rosário... Edgar, Adriana, você precisa URGENTE aprender a mudar seus funcionários de vez em quando.

– Félix... – Interrompeu-o em alto som. – Acho que você não veio aqui pra falar sobre o que eu devo ou não fazer dos meus funcionários. – Completou sugestivo, voltando ao assunto de origem. – Além do que há alguns anos eu troquei sim um funcionário: Um certo gerente, lembra?

Félix engoliu em seco as palavras.

– Que grossa. – Sussurrou envergonhado – Mas sim, você tá certo eu não vim aqui pra falar sobre isso. – Era melhor que fosse direto ao assunto, antes que Niko pudesse lhe tomar com mais palavras cortantes. – Vim aqui pra falar da minha burrice. – A voz de Félix soou como um aviso.

– Sua burrice? Como assim? – Perguntou dúbio.

– Niko, eu acabei de voltar de angra. – Contou firme, tentando parecer seguro em tudo que dizia. – Fui hoje e acabei não ficando nem duas horas lá; Eu... Tive essa ideia de ir, encarar meus medos pra e superar tudo que aconteceu de uma vez, só que...

– Não deu certo. – Completou Niko, não se surpreendendo com o que ouvia.

– É. – Admitiu, envergonhado. Aprumou a postura, substituindo o acanhamento pela confiança, se não estivesse certo em suas palavras Niko não acreditaria no que estava dizendo, mesmo que fosse a verdade; Era nesse momento que tinha que cavar de volta o velho Félix sempre tão convencido perante a si mesmo. – Mas não deu certo porque eu vi que... Pra superar, pra seguir em frente eu não tinha que tá lá. Eu tinha que tá aqui. – Afirmou com toda convicção que fosse verossímil possuir em seu corpo.

Por instantes, Niko sentiu a barreira que construía para as vezes que tivesse que encarar Félix, se romper por completo destruindo não só o próprio muro como a si mesmo também. O que não conseguiu entender era porque havia gostado de sentir-se daquele jeito? Quebrado, destruído, aos cacos; Talvez por, inconscientemente, ter uma certeza mínima de que Félix estava disposto a juntar cada pedaço seu.

Mas não podia ceder assim. Desviou os olhos para os lados, não querendo transparecer o quão sobressaltado estava.

– Eu... Só não entendo porque você tá me contando isso. – Fez-se de desentendido. Fracassando por completo.

– Sabe sim! – Félix rebateu, com ainda mais certeza em si. – Entende sim! Só que tá fugindo, conheço.

– E se eu tiver? Você não tem direito nenhum de reclamar porque você é a pessoa que mais foge dos problemas nesse mundo. Então não me venha com hipocrisia.

Félix conteve a impaciência.

– Niko eu não to falando dos problemas e das coisas do passado. Eu quero e eu estou falando de agora, e eu agradeço muito se você me ouvir. – Falou, trincando os dentes, para que a voz não saísse tão odiosa.

– Mas eu to ouvindo. – Rechaçou cético. Voltando ao tom mais agressivo, logo depois: – E to falando do passado também, porque depois de tudo que aconteceu pra mim é impossível não falar, não me lembrar da porcaria do passado cada vez que eu olho pra tua cara.

– Eu não to pedindo pra você esquecer, eu to pedindo pra você superar. Superar comigo, droga.

Niko riu em escárnio.

– Engraçado você me pedir isso porque eu te fiz o mesmo pedido há anos atrás. E não foi uma vez só não, foram várias.

– Mas é diferente dessa vez... – Gritou em raiva.

– É diferente por quê? – Inquiriu Niko, correspondendo ao berro no mesmo tom. – Porque é contigo, não é? Quer saber eu to é cansado desse teu egoísmo, isso não muda e pelo visto nunca vai.

Acertado pelas palavras Félix engoliu em seco cada uma delas, tranquilizando seu tom de voz em seguida. Havia se esquecido da razão do porque estar ali e isso não podia se acontecer.

– É diferente, porque não tem mais a vida de ninguém em jogo. – Respondeu mais calmo. – É diferente porque a lição já foi dada, é diferente porque nós dois estamos diferentes. – Aos poucos, sem que percebesse, trilhas finas de lágrimas rolavam para fora de seus olhos. Sua voz não falhou perante o aguaceiro, manteve-se firme. – Eu não vim aqui pra te garantir nada, eu não vim pra te pedi perdão, nem pra que a gente fique junto de novo. Eu não vou te dizer que eu nunca mais vou errar, nem que eu to menos ou mais egoísta do que antes. Eu não vou te fazer nenhuma jura se quer. – Disse carregado pela honestidade. Niko ouvia a tudo num completo silencio; Félix se ocupava tanto em falar e descarregar o que estava sentindo que não se detalhava em desvendar sua expressão, mas conseguia enxergar que o que falava, atingia sua cabeça. Fazia Niko pensar, e era isso o que Félix mais apetecia. – Eu vim aqui simplesmente pra pedir que você não saia da minha vida. Eu vim aqui pra dizer que as duas horas que eu tive lá me trouxeram de volta pra realidade e eu tenho total confiança que eu não posso corrigir meus erros na hora que eu quero, e quando eu quero porque eu sei que eu to lidando com sentimentos... Não só com os seus, mas com os de todo mundo que tá na minha volta, incluindo os meus próprios. – Houve uma curta pausa, onde lágrimas vinda dos olhos de ambos puderam vir abaixo. Eles se encararam, encontrando juntos toda carga d’água que o outro tinha preso em si. – Eu te disse... – A voz de Félix falhou. Limpou a garganta, voltando com a falar poucos segundos depois. – Eu te disse uma vez que... Eu não conseguia viver sem você, te disse isso várias vezes. E nesses três anos que passou, eu percebi que eu menti. Eu vivo sem você – Uma das sobrancelhas de Niko se elevou em dúbia. – Eu vivo, e eu consigo sim viver sem você. – Exclamou fraco. – Só que eu não quero. – Silêncio. Félix observou Niko mais uma vez perante a falta de som vindo dos dois. Esperando algum indicio positivo de resposta, ou sequer uma emoção. Niko não o encarava; Mantinha um dos punhos fechados em frente a sua boca, e se não fosse pelas lágrimas ao redor de seus olhos, Félix teria a certeza de que ele nem ao menos se atingiu por tudo o que disse. Mas sentiu. Estava apenas indócil, querendo mostrar que também tinha orgulho. E ele não tá errado. Pensou Félix, admitindo dolorosamente que havia perdido-o para sempre. Levantou-se do sofá onde se encontrava, enxugou as lágrimas em seu rosto e respirou fundo. Niko fez o mesmo, mas não se ergueu da poltrona há alguns metros à frente de Félix. – Então eu to indo. – Anunciou, sem negar mais o conformismo. Niko, outra vez, não reagiu. – Como eu disse antes, eu não vim aqui te pedir desculpas. Então eu venho agradecer; Agradecer tudo que você fez por mim. Por tentado tanto, por te me ajudado, insistindo, me estendendo a mão. Sem você eu provavelmente teria morrido... Então obrigado mesmo. De verdade. – Félix o observou atento, esperando novamente por algum próximo movimento dele. Mas ele não chegou. A expressão de Niko remetia a Félix a sua própria quando, antigamente, via as caricias entre seu pai com Paloma; E todo ódio que sentia, mas aí que estava. Nele ainda havia ódio, em Niko era como se não houvesse nada. – Não vai nem abrir a porta pra mim? – Perguntou indignado, ao ver que ele não iria levantar.

– A chave tá na fechadura. Destranca a porta e bate quando sair. – Disse seco, não se dando ao trabalho de encará-lo.

Mesmo admitindo que merecesse aquele tipo de tratamento, fora impossível para Félix não recriar uma raiva dentro de si. Preferiu ignorar e optar por ir embora; Seria completamente sem sentido expressar seu ódio, tamanho qual fosse.

Mas como sabia, era inútil.

Caminhou de volta até o fim da sala, cruzando o cômodo deparando-se em frente à porta. Suas mãos quentes alcançaram o gélido metal do conjunto de chaves. Niko com essa mania de dezenas de chaves num chaveiro só me irrita. Pensou Félix revirando os olhos. Não pararia para olhar ao redor, nem para virar para trás; Sairia direto e talvez seguisse para a casa de Márcia para conversar, ela sempre dava os melhores conselhos nessas horas. Ou talvez, pegaria outro voo para Angra e recomeçaria seus planos de viagem espiritual, como sua avó mesmo nomeou.

Girou a chave uma vez para destrancar a entrada, tendo seu ato interrompido por duas mãos fortes que o empurraram contra a porta, impedindo que houvesse uma segunda virada. Antes que pudesse reclamar ou ao menos perguntar o que acontecia, o ar quente da respiração forte de Niko contra a pele de seu rosto calou qualquer tipo de dúvidas e pensamentos que pudesse ter. Absorvia o sopro vindo da boca dele. Enquanto seus olhos miravam para baixo, observando as mãos de Niko, que se mantinham hesitantes em avançar para o próximo passo.

– Mudou de ideia? – Sussurrou Félix, colidindo o halito de ambos. Os narizes se tocaram roçando levemente; Fechou os olhos, esperando a boca vir em sua direção por completo. O que, para a surpresa de Félix não aconteceu de imediato.

Antes, Niko murmurou:

– E quem é que te garante que esse nunca foi meu plano? – Ironizou sugestivamente, provocando a risada fraca dos dois próximos há pele um do outro.

Em violência, os lábios de Félix incidiram aos dele, encerrando de vez aquela tortura por contato. O sangue de Niko queimou ao redor de suas veias, na invasão da língua dele num movimento que sentiu que afundaria sua garganta, por tamanha pressa, fome, loucura. O nome disso era saudade; E isso tanto ele quanto Niko conheciam muito bem.

Logo Félix sentiu seu corpo prensando-se ainda mais contra a porta, as mãos de Niko antes hesitantes passeavam por completo numa viajem por seu tórax, enquanto as de Félix partiam para as costas do outro.

– O quarto... – Proferiu Félix, ofegante.

De má vontade, por não querer cessar os toques, Niko o guiou pela mão até o quarto adentro do corredor; Puxando-o na velocidade de um meteoro atravessando o céu por tamanha pressa, colidindo com objetos inúteis pelo caminho. Prestar atenção seria algo impossível para os dois naquele momento.

Na tarefa árdua de se separarem para que entrassem e Niko, em seguida, pudesse trancar a porta do quarto, a fome e o crescimento do desejo intensificaram na falta do antídoto que eram suas caricias.

O segundo beijo fora trocado, levando embora com ela qualquer tipo de razão que ainda pudesse existir naquele quarto. Os lençóis da cama fria os receberam de bom grado, onde logo as roupas, considerados convidados proibidos naquela festa, se partiram em direção ao chão.

–-x—

Numa leve caricia, Félix passeou os dedos por cima do peito desnudo do rapaz, que encarava o teto pensativo. Tentando de alguma maneira quebrar o silêncio que se fez presente, minutos após terminarem o feito. Aprumou o corpo trazendo o lençol um pouco mais para cima, e esticando o corpo na direção de Niko, onde distribuiu beijos ao redor de seu pescoço, subindo calmamente para os lábios.

Parou, o encarando. Ele não estava correspondendo aos seus toques.

– Se você me vier com um discurso de arrependimento, falando que isso tudo foi um erro e que não vai se repetir de novo, eu te mato. – Disse Félix, com a boca imprensada nos ombros de Niko

Ele sorriu brevemente, virando o rosto para Félix em seguida.

– Não é isso; Só to pensando mesmo.

– Mas você tá arrependido? – Perguntou, temendo a resposta.

– Pra ser sincero, eu achei que eu ficar... Mas não to. – Confessou de modo honesto. A voz dele era tão suave, quanto às pontas dos dedos que tocavam seu pescoço. Houve uma curta pausa, onde Niko hesitou em fazer aquela pergunta. – Eu queria saber uma coisa. – Falou, contendo o desconforto.

– Diz.

Félix não pareceu perceber o tom de voz dele; Estava tão inebriado por aquele momento, que qualquer coisa para ele eram simplesmente detalhes fúteis.

– Porque você saiu de Angra assim daquele jeito que você me contou... Pra sair correndo; Ir e voltar no mesmo dia, alguma coisa deve de ter sido. O que foi que aconteceu?

Para a surpresa de Niko, a reação de Félix a sua pergunta não fora tão desgostosa quanto pensou. Ele simplesmente reagiu pensativo ao invés do desagradável e desconfortável comportamento que esperava.

– Acabei me lembrando de umas conversas que eu tive com o meu pai antes dele morrer. As coisas que ele me falou, que a gente conversou; Vi que eu tava fazendo tudo errado mesmo.

Niko pôs uma das mãos no rosto dele sentindo levemente a textura da pele lisa, onde seus dedos desenhavam esboços geométricos no local. Félix sorriu com o carinho, fechando os olhos deleitando-se com o toque.

– Saudades disso. – Admitiu Niko.

Félix sorriu terno.

– Saudades de tudo.

Antes que as declarações pudessem se estender por mais longos minutos, um apito alto no criado-mudo soou alto trazendo a atenção de ambos em direção ao objeto, interrompendo as caricias. O relógio apitava um pouco mais de seis horas da tarde; Assustando os dois em imediato.

– Meu Deus, Niko a hora... – Exclamou num sobressalto, vendo-se de novo jogados ao mundo real; Como consequência, a preocupação invadiu a si próprio com a presença de detalhes que não podia ignorar. – Niko e as crianças? Onde é que a Adriana foi com elas... A pracinha é aqui perto.

– Félix hoje é sábado... Aquela praça enche de brinquedo, criança, jogo; Só voltam de noite, e com o voo cancelado só daqui a umas duas horas. É assim sempre.

Outra lembrança o atingiu novamente.

– Eu acho que eu vou ligar pra mami; Avisar que eu não to em Angra, falar que eu voltei. Sem contar que ainda também tem aquele carro no estacionamento do aeroporto, que se eu deixar lá vai ficar uma fortuna.

Niko gargalhou baixo daquelas palavras. Puxou Félix para mais próximo de seu corpo, distribuindo beijos ao redor de seu pescoço e ombros.

– Sabe que eu nem acredito que você foi loco o bastante pra fazer isso. Deixar carro no estacionamento, sair correndo de lá que nem um desesperado... Você é maluco. – Sorriu de maneira doce, ainda beijando-o calmamente.

Sem avisos prévios, Félix tomou impulso com as pernas e empurrou o corpo do outro para o lado, invertendo as posições e ficando por cima. Olhou fundo na Iris verdes de Niko, queria falar sério agora.

– Preciso falar uma coisa com você, e é séria. – Disse firme, ascendendo uma preocupação repentina em Niko. Félix percebeu o medo dele. – Calma, não é assim TÃO sério. É só uma coisa que eu preciso saber se você concorda ou não.

Mais tranquilizado, Niko o encarou esperando que prosseguisse.

– Pode falar. – Deu a deixa.

Félix acumulou o máximo de ar possível em seu peito, soltando-os depois para ajudar a relaxar e manter a calma dentro e fora de si. Não que o que fosse falar para Niko fosse tão consideravelmente complicado ou de suma importância. Não era. Mas mesmo assim estava decidido por aquele desejo e se por um acaso, Niko discordasse teriam um impasse gigantesco que mais tarde poderia vir a sacramentar o fim daquela relação.

E aquilo era tudo que menos queria.

– Eu... Andei pensando e... – Começou incerto. –... Eu acho que iria ser melhor pra nós dois se a gente, invés de começar de onde a gente parou; Morando juntos, com casamento, vida conjugal e etc.. Eu acho que seria melhor se a gente recomeçasse de novo. Entende?

Perante o ritmo e tom do assunto, ambos perceberam que seria mais cabível se estivessem sentados na cama, ao invés da posição que se encontravam.

– Entender eu entendo Félix. – Deu os ombros, não estava tão certo se concordava ou não com Félix. – Só quero saber a que ponto você quer isso.

– Carneirinho, eu só acho que a gente parou num lugar horrível. Eu tava acabado, com raiva do mundo. Você tava exausto, desistindo de mim, e com razão... Eu não acho que seria uma coisa boa a gente voltar pra esse ponto horroroso.

Niko pensou um pouco antes de responder.

– Você tem razão. – Sussurrou meditativo. – E o que a gente tem que fazer? – Perguntou, num certo desanimo.

Félix em cautela apanhou sua mão trazendo Niko para mais perto, com um riso sem exibir os dentes no rosto.

– A gente faz o seguinte: Você vai nessa viagem, fica lá com a sua família, curte. Eu volto pra Angra, volto procuro um emprego. A gente morre de saudade um do outro e troca mensagem toda noite. Depois, daqui a alguns meses, você volta... A gente tem um reencontro épico. – Sorriram num uníssono. – Depois, se conhece melhor, até porque muita coisa deve ter mudado nesses anos pra você. Pelo menos pra mim mudou... Aí depois gente namora. Nada muito sério; E com o tempo, tudo vai ficando mais sólido, a gente começa a namorar pra valer, fazer programas em família e daqui a alguns anos... QUEM SABE, moramos juntos, depois tem casamento, mais filhos, mais cachorros. – Riram juntos outra vez, com os olhos carregados um ao outro transmitindo toda a paixão que sentiam. – O que acha? – Inquiriu, com o mesmo sorriso bobo nos lábios.

Em resposta, Niko deu um fim ao espaço que os separavam; Num beijo calmo, sem correr contra o tempo. Saboreando sem a mínima pressa de descobrir o sabor contido por entre as línguas, Félix puxou-o delicadamente para si intensificando mais a ação.

As mãos se entrelaçaram, onde os dedos repousaram um ao outro intensificando a sensação que eram apenas um só. Niko arrastou o nariz em volta do queixo de Félix, respirando o cheiro intenso do aroma natural que ele tinha; Aproximou os lábios da orelha direita, aveludando a voz num tom pacifico e calmo.

– Um novo recomeço. – Sussurrou próximo ao ouvido dele. –... Eu quero. – Olhou fundo aos olhos de Félix, respondendo com fidúcia. Não entregando apenas sua resposta, mas também sua vida; Outra vez.

–--x---

A pessoa errada.

Pensando bem, em tudo o que a gente vê, e vivencia, e ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente. Existe uma pessoa, que se você for parar pra pensar, é na verdade, a pessoa errada. Porque a pessoa certa faz tudo certinho: chega na hora certa, fala as coisas certas, faz as coisas certas. Mas nem sempre precisamos das coisas certas. Aí é a hora de procurar a pessoa errada. A pessoa errada te faz perder a cabeça, fazer loucuras, perder a hora, morrer de amor. A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar, que é para na hora que vocês se encontrarem a entrega seja muito mais verdadeira. A pessoa errada, é na verdade, aquilo que a gente chama de pessoa certa. Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lagrimas, essa pessoa vai tirar seu sono, mas vai te dar em troca uma inesquecível noite de amor. Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar toda a vida esperando você. A pessoa errada tem que aparecer para todo mundo, porque a vida não é certa, nada aqui é certo. O certo mesmo é que temos que viver cada momento, cada segundo amando, sorrindo, chorando, pensando, agindo, querendo e conseguindo. Só assim, é possível chegar aquele momento do dia em que a gente diz: "Graças a Deus, deu tudo certo!", quando na verdade, tudo o que Ele quer, é que a gente encontre a pessoa errada, para que as coisas comecem a realmente funcionar direito pra gente.
Nossa missão: Compreender o universo de cada ser humano, respeitar as diferenças, brindar as descobertas, buscar a evolução.

– Luis Fernando Veríssimo.


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Notas finais do capítulo

Terminou :( encerro aqui com uma carinha triste, porque gostei mto de escrever essa história. E espero que vcs tenham se deleitado tanto quanto eu. Beijos, amadas.