Eu queria poder me lembrar de tudo que aconteceu quando o conheci. Eu sei que eram férias de junho.

Lembro que estava muito nervosa de estar indo conhecer pessoalmente uma amiga que eu tinha há 7 anos pela internet. Sophia morava em outro estado, bem longe do meu, por isso nunca havia sido possível, mas agora ela já namorava há alguns anos com James que morava em uma cidade próxima a minha. Foi uma grande surpresa quando James me chamou pelo facebook, me convidando pra ir a cidade para fazer uma surpresa a Sophia, ela falava bastante sobre mim para ele então ele achou que isso iria ser divertido.

Eu ainda estava me recuperando de toda a loucura do ano passado, quando larguei a faculdade, tomei anti-depressivos e conversei bastante tempo com uma psicóloga, e isso – ir pra outra cidade sozinha, conhecer novas pessoas e dormir em um apartamento de um completo estranho – era muito assustador. Mas eu fui mesmo assim.

James combinou de me buscar na rodoviária às 11 da manhã, eu confiava nele porque ele conhecia a Sophia há tanto tempo quanto eu e já havia ouvir falar dele bastante também, de onde iríamos para o apartamento deles onde a Sophia estaria sem saber que eu estava chegando.

No caminho para lá ele me contou que dividia o apartamento com dois caras, mas que só um deles estava por lá, Michael.

- Michael? Acho que conheci um Michael que era amigo da Sophia.

- Aah esse é outro. Esse é o King. – ele respondeu

- Por que King?

- Ele tirou a nota máxima na primeira prova da faculdade sem ter estudado. – ele explicou.

- Nossa!

Geralmente me sinto atemorizada com a perspectiva de conhecer novas pessoas, mas James havia me tranqüilizado que eu talvez nem o visse, então não me preocupei. E fazia grande parte da minha terapia ir a novos lugares e conhecer pessoas novas, mesmo que eu já tivesse retomado a faculdade e parado com os remédios.

Chegamos no apartamento bem rápido, e James chamou pela Sophia. Eu estava muito nervosa que ela não me reconhecesse ou não entendesse por que diabos James havia me trazido ali.

- Sam!?! Eu não acredito!!! – ela exclamou me abraçando e essas minhas preocupações foram resolvidas.

Falamos sobre no que éramos diferentes ou parecidas com as fotos, e que imaginávamos a voz diferente, eu não imaginava que ela tivesse sotaque, era bem diferente conhecer pessoalmente pela primeira vez alguém que se conhece profundamente há 7 anos.

Conversamos por bastante tempo, James contou os planos dele, ele já havia pensado o que iríamos fazer no fim de semana e em quais lugares iríamos comer.

Uma das coisas que eu notei rapidamente foi o quanto eles eram inteligentes. A Sophia eu já conhecia há muito tempo, mas ouvi-la ao vivo e interagindo com outra pessoa bem mais inteligente que nós duas, James era obviamente muito inteligente, me deixava um pouco intimidada. A minha inteligência sempre foi a minha característica mais forte, a forma pela a qual as pessoas me definiam. Eu fazia faculdade de Moda, onde infelizmente grande parte das pessoas correspondem ao estereotipo de pessoas fúteis, então eram poucas as pessoas com um nível intelectual que eu admirasse por lá. No trabalho eu comandava meninos de 16 a 18 anos que muitas vezes já até haviam largado os estudos, então eu era considerada muito inteligente no trabalho também. Sempre fui uma pessoa estranha e anti-social, por isso não tinha muitos amigos, sendo a maioria através da internet, por isso toda essa situação era extremamente nova pra mim apesar de eu já ter 24 anos. Eu senti que eu pertencia a pessoas como eles dois, que todo o tempo que eu passei tentando me entrosar com as pessoas da faculdade e do trabalho, tão diferentes de mim, não fazia o menor sentido. Era a aquele tipo de grupo de pessoas que eu deveria fazer parte!

Fazia um tempo que eu e Sophia não nos falávamos muito na internet. Apesar de eu sempre ter gostado muito dela, de vez em quando passávamos longos períodos sem nos falar, por nenhum motivo, e depois voltávamos e contávamos o que mudou. Então já estava sendo bem difícil falar com eles, me adaptar a todas aquelas novas idéias, trabalhadas tão cuidadosamente durante todo o tempo de terapia, tentando prestar atenção no que eles diziam e dizer algo relevante. Foi quando King apareceu.

A porta de um quarto se abriu e alguém saiu de lá esfregando os olhos.

- Bom dia King! – James disse divertido.

King simplesmente o ignorou e entrou no banheiro sem olhar pra ninguém. Eu não achei aquilo rude porque quando dividia apartamento com outras pessoas eu também odiava quando os outros traziam visitas, então eu pretendia ser a visita menos incomoda o possível.

Quando voltou ele parecia bastante tímido, ele mal olhou para mim ao se sentar em um sofá próximo.

- Nós te acordamos, King? – perguntou Sophia.

- Não, não... não consegui dormir muito mesmo. – ele falou pela primeira vez.

- Você foi dormir bem tarde jogando aquilo né? – James perguntou citando o nome do jogo.

- 4 da manhã. – ele disse com cara de sono.

Ele não era nada como eu havia imaginado quando James falou sobre ele. Ele era alto, magro, a pele tão pálida quando a minha, usava óculos e tinha cabelos castanhos. Eu havia imaginado um cara articulado, que passava noites em claro na balada, e não um cara com aparência meio artística, que passa noites em claro com jogos de computadores.

- Vocês se parecem um pouco – eu comentei mais para o James, achei que eu devia dizer algo por que King realmente parecia muito tímido.

- Sério? – James perguntou rindo. – Desculpa King, eu acho você bem mais bonito do que eu.

- Acho que é mais o jeito... Calça jeans, camiseta preta e óculos. – eu comentei com medo de ter ofendido de algum maneira, mas era verdade que os dois estavam vestidos iguais. Alias eu mesma acompanhava a mesma descrição.

Logo fomos almoçar, e apesar dele parecer educado e participar das conversas, ele ainda não havia dirigido a palavra a mim, mas não levei para o lado pessoal, pois ele não me conhecia e talvez tivesse tido a impressão errada. Estava decidida a mostrar a ele a certa, pois ele parecia ser um pouco artístico como eu, e James havia citado que ele desenhava, tocava e gostava de animes que nem eu. Não havia razão para não sermos amigos, pelo menos naquela minha estadia.

Quando fomos pagar a conta tomei coragem e finalmente perguntei:

- Você estuda o que?

- Ahh, computação. – ele respondeu mais gentil do que eu esperava, finalmente olhando para mim. – E você?

- Ahn…moda. – Eu disse já esperando pelo julgamento: moda= meninas fúteis que só pensam em comprar.

- Nossa, que legal! – ele disse realmente animado, uma reação que eu realmente não esperava, apesar de desconfiar que ele gostasse de artes.

- Na verdade nem tanto…

- Por que?? – ele perguntou confuso.

- Não é tão livre criativamente quanto parece ser, – expliquei. – na maior parte do tempo os professores estão dizendo exatamente o que querem que a gente desenhe.

- Ahhhh que pena. – ele respondeu chateado.

Voltamos para o apartamento e todos continuamos a conversar, agora me sentindo mais tranqüila por que King consegue falar comigo e olhar pra mim, mas me sentindo ainda mais pressionada intelectualmente. As minhas desconfianças sobre James eram verdadeiras, e junto com o King os dois falavam de coisas extremamente complicadas, como formulas e física e engenharia, mesmo que eles fossem de cursos diferentes, enquanto eu e Sophia não entendíamos nada. Os três deles conheciam todos os filmes e seriados existentes e jogos de computador e desde os fatos mais random até os mais importantes que estavam acontecendo no momento. Eu não sabia metade de tudo aquilo! Eles também usavam palavras em inglês no meio das conversas como se fosse a coisa mais normal, eu costumava fazer isso, mas acabei parando por que as pessoas com quem eu tinha que falar não entendiam muito bem inglês, então eu demorava um tempo até entender tudo o que estavam falando, mas eventualmente me acostumei.

Decidimos assistir aos filmes de Hannibal, Sophia e eu gostamos de coisas de terror e eu, James e King nunca havíamos visto. Assistimos o primeiro e depois saímos para comer hot dogs quando já era noite. Sophia e James andavam na frente de mãos dadas e eu não me importei de andar atrás com o King conversando.

- Tem uma casa de shows aqui! Eu nunca tinha reparado, parece ser legal. – comentou ele quando passamos por um tipo de restaurante que toca música ao vivo.

- É, mas imagino que eles provavelmente só toquem uns sertanejos ou algo assim. – eu disse.

- Aahhh verdade! Droga, você acabou com a minha ilusão mágica. – ele respondeu divertido. Nós rimos.

Quando voltamos para o apartamento assistimos os outros dois filmes do Hannibal, o que durou até umas 4 da manhã! Eu estava muito cansada, mas eu havia realmente me divertido. O tempo estava muito nublado e assustador depois de três filmes de terror, e eles compararam o tempo ao apocalipse zumbi.

- Podia ser que estivesse acontecendo agora e a gente não saberia, pois estamos aqui em cima há tanto tempo. – disse Sophia.

- Se tivesse ia demorar um tempo até alcançarem a gente aqui. – James disse. – A Sam ia ser a primeira a ficar sabendo se acontecer de madrugada, já que ela vai dormir aqui na sala, e ela ia ser a única a se salvar!

- Aahh, mas ia ser muita mancada se você visse o apocalipse zumbi acontecendo e fugisse sem avisar a gente – King disse pra mim. Todos rimos.

Fiquei feliz quando finalmente pude ir tomar banho e ir dormir, pois não costumo ficar madrugadas inteiras acordada. Quando saio do banheiro e vou até a minha cama improvisada na sala, King sai do quarto dele.

- Já vai dormir? – ele disse passando por lá a caminho do banheiro.

- Sim. – eu respondo já com muito sono.

- Nossa o céu ainda ta que nem Silent Hill – ele comenta olhando para a porta balcão.

- Aahh não se preocupe, se acontecer o apocalipse zumbi eu bato aí na porta. – eu brinco.

Ele ri, dando boa noite e entra no banheiro.

Eu continuo acordada por um bom tempo, ouvindo o som do chuveiro, já me apaixonando por ele.