61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 14
Capítulo 14 - Cornucópia


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora mais uma vez. Espero que gostem!

Fantasmas, não tenham medo de comentar. Qualquer comentário já me faz sentir melhor, e os capítulos saem mais rápido quando estou motivada.



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Lembro-me de como Astrid descreveu aqueles touros há alguns dias. Pelagem avermelhada, estatura monstruosa, chifres com espinhos muito afiados. Se a descrição me fez nunca querer me encontrar com um deles, agora que vi ao vivo torço para que consiga esquecer sua aparência um dia.

Assim que eu e Astrid abrimos as duas portas do celeiro e Graham desvia para o lado (fugindo para onde não posso ver), os Carreiristas ficaram sem saída. Como o plano previu, os touros realmente se concentram na bandeira de Roseline ao fundo, e correm naquela direção. Os bestantes saem e saem sem parar, parece impossível o fato de que todos eles estavam espremidos dentro daquele celeiro. Apenas não saio correndo desses monstros porque o pavor me paralisou e colou meus pés ao chão. Os Carreiristas estão bem no meio do grande campo esverdeado, e assim que os touros batem com força suas patas pesadas no chão perseguindo-os, dão no pé na hora.

— Corram! — avisa Roy, mesmo sendo tarde demais.

Os touros alcançam-os rapidamente, e isso dá um tempo extra à Roseline para fugir, indo para longe de nossas vistas. Os chifres de um dos touros atravessa o pescoço musculoso de Roy por trás - o canhão vem logo depois - enquanto os outros três tentam ao menos alcançar a floresta.

Flora também não tem muita sorte. Acaba se atrapalhando com os próprios pés e escorregando na poça do sangue de Roy, indo em direção ao chão. Os touros, que continuam vindo, passam por cima de seu corpo. Ouço o estalo dos ossos se partindo daqui. Seus berros, terríveis e agoniantes, fazem minha espinha tremer. Em questão de segundos, seu corpo inteiro é esmigalhado por centenas de quilos de uma manada de touros. De longe, posso ver o seu rosto, um dia tão lindo, agora desfigurado e coberto por sangue. O canhão não demora a vir.

Os touros finalmente entram na floresta. Trina e Leonard, os Carreiristas que sobraram, continuam correndo, embora estejam longe o suficiente para que eu não saiba o que aconteceu com eles.

Outro tiro de canhão é ouvido. Só não sei de quem. Foram três ao total.

Quando os aerodeslizadores descem para buscar os corpos, Astrid puxa a minha mão e me leva correndo até a Cornucópia. Em tons de laranja, roxo e azul escuro, o céu ilumina algumas poças de água no caminho, assim como as primeiras estrelas que brilham no alto. A risada vitoriosa de Astrid soa como música para meus ouvidos, e não posso deixar de sorrir também.

O brilho alaranjado do pôr do sol na Cornucópia me proporciona uma vista fantástica, dando-me a primeira sensação de conforto em dias. Está vazia, então eu e Astrid nos abrigamos dentro do chifre dourado. No fundo da Cornucópia, nós sentamos lado a lado. Minha barriga ronca tanto que tenho vontade de lembrar Astrid que devemos arranjar alimento.

— Geoff, conseguimos! — ela se transforma em pura euforia, levando as mãos ao alto como símbolo de vitória. — O plano foi perfeitamente executado!

— Você eliminou metade dos Carreiristas, o que é ótimo. Parabéns!

— Obrigada por participar.

— Não há de quê. Aliados estão aqui para isso, não?

— Sim — responde, exibindo os dentes quando sorri.

Por alguma razão, seu sorriso me conforta. É meu anti-estressante dentro desta arena. Quando tudo parece estar indo mal, seu sorriso sempre otimista me acende e me motiva a continuar pensando em coisas boas. Astrid é minha pequena irmã, e estou disposto a fazê-la sorrir mais vezes. Tudo o que preciso é vê-la feliz.

— Por que me encara? — pergunta Astrid, o que me faz perceber que a estava encarando por muito tempo.

Dou um salto de retorno à realidade.

— Nada não — um bipe me alerta. — Ei, pode ouvir isso?

— Sim. Estou ouvindo. Vá lá fora checar.

O céu já adquirira a tonalidade azul-marinha, a lua ilumina as poças d'água na frente da Cornucópia. Sigo o som do bipe, que me atrai para a parte traseira do chifre dourado. Lá, encontro uma pequena embalagem com um paraquedas prateado a envolvendo. Uma dádiva, finalmente. Pego-a e ando para dentro com esperança de que tenha um pouco de comida ali dentro. Pelo menos o cheiro parece muito apetitoso.

O vazio de meu estômago arrasta meus pés pela grama de forma dolorosa. Ouço os roncos de reclamação de minha barriga vazia. Aquele pacote pequeno parece pesar toneladas em minhas mãos, e isso me faz perder o equilíbrio e parte da visão, que torna-se embaçada.

Minhas pálpebras piscam muito rápido. O pacote pesa mais que nunca. Minhas pernas estão bambas. Acho que vou cair.

[...]

Na escuridão infinita, localizo a alma salvadora de olhos verdes. Depois, novamente retorna a noite.

[...]

Quando acordo, já estou novamente dentro da Cornucópia, deitado na grama morta de maneira desconfortável. Um cheiro muito bom de comida faz minha boca salivar, então me levanto devagar, ignorando praticamente todas as dores terríveis. Aquele corte enorme no meu braço se cicatrizou em boa parte, mas preciso trocar a atadura, que está suja e com um cheiro nem um pouco agradável.

Assim que me viro, vejo Astrid preparando alguma coisa numa fogueira baixa. O pote que peguei - não me lembro exatamente quando - está sendo esquentado. Astrid me recebe com um sorriso no rosto.

— Um dia e meio desacordado — diz, retirando o pote do fogo enquanto assinto com a cabeça. Ela apaga a fogueira jogando um pouco de água por cima. Em dois pequenos copos, despeja um líquido contido no pote. — Tive que te puxar pra dentro, estava desmaiado, pálido e com os lábios roxos. Estava esperando você acordar. Quer sopa de feijão?

— Quero.

Sento-me ao seu lado e delicio o cheiro maravilhoso da sopa antes de começar a beber aos poucos. Logo me sinto muito melhor, como se a sopa fosse o meu combustível, e realmente é, embora não me encha o suficiente. Olhando pela boca do chifre, observo o céu azul, nem um pouco parecido com a noite estrelada que enxerguei antes de desmaiar.

— Alguém morreu nesse tempo? — pergunto, pegando mais sopa.

— Somente os três que foram pegos pelos touros. Roy, Flora e Keith. Coitada da Antonia, perdeu o primo que a protegia.

— Infelizmente esse é o destino das pessoas aqui. Veja pelo lado bom, somos sete. Eu, você, Trina, Leonard, Antonia, Graham e Roseline.

— O plano foi a melhor coisa que pude pensar! — exclama Astrid, também repetindo um copo de sopa. — Até enviaram comida para mim como forma de agradecimento. Minha mentora contou num bilhete que forneci bastante diversão para as pessoas da Capital.

— Então a sopa não foi para mim?

— Desculpa, Geoff.

— Não tem problema — minto.

Penso nos meus mentores e em Dominique. Por que não me mandam um sinal de vida? Poderiam até me mandar uma barrinha de cereal que ficaria muito contente, já que é um sinal de que me notam. Encaro a brilhante pulseira de serpente no meu pulso e imagino se Dominique está tentando convencer Bree e Taylor a me enviarem uma dádiva.

— Seria bom receber alguma coisa do mundo exterior — digo para Astrid, sendo uma perceptível indireta para meus queridos mentores.

— Quero saber como está minha família, principalmente. Sinto saudades de meus pais, de meus irmãos, de minha tia... Desejo ir para casa e rever todo mundo.

— E eu quero saber como está meu cachorro — solto um riso baixo.

— Você não sente falta de sua família? — pergunta.

— Eu nem me lembro de como eram meus pais. Fui abandonado bem bebê, e nem sei o motivo de me deixarem. Não sei nem se tenho avós ou tios, sou apenas eu.

— Se eu fosse você e escapasse dessa arena, sairia procurando meus pais.

— Não adianta procurar. O Distrito 5 possui muitos habitantes.

— Já sei — Astrid se anima, os olhos acendendo como lâmpadas, me dando a entender que teve uma ideia. — Se você sair, pode ir até o Edifício da Justiça e pedir informações sobre seus pais. Quem sabe não os encontra?

— Não há chances de isso acontecer, Astrid — encaro meus pés. — Nunca os encontrarei, nunca me dariam essas informações.

— Geoff, você está nos Jogos. É claro que se seus pais estiverem vivos estarão te assistindo. E eles te reconhecerão pelo sobrenome. Será muito mais fácil encontrá-los.

— Então farei isso — decidido, encaro-a. — Assim que colocar os pés no Distrito 5, procurarei meus pais.

— Certo. Boa sorte.

Astrid descansa na parede da Cornucópia. Enquanto isso, me levanto.

Meu braço direito formiga muito. O corte está quase se cicatrizando, o que é ótimo, apesar de ainda doer e sangrar um pouco. O que preciso mesmo é de uma nova atadura, e ao vasculhar a mochila, reparo que não tem nenhuma.

O som de trompetes ao céu me fazem ficar atento ao céu.

— Parabéns, tributos da 61ª Edição dos Jogos Vorazes — anuncia Claudius Templesmith, o narrador, em uma voz ecoada vinda dos céus. — Vocês são os sete finalistas. Para comemorar, amanhã de manhã realizaremos um grande banquete em frente à Cornucópia, oferecendo suprimentos que podem ser interessantes para vocês. Comparecer ao ágape é a última chance para alguns. E que a sorte esteja sempre à seu favor.

Novamente os trompetes soam e a voz de Claudius vai embora no ar.

Olho para Astrid com um sorriso de canto de boca. Ela me retribui de maneira cúmplice, e juntos rimos.

— Acho que o que mais gosto em você é que sabe o que penso — digo à ela.

— Então você pode deduzir o plano, não? — Astrid me devolve uma pergunta.

— Ficamos na Cornucópia até amanhã de manhã, você pega o que tiver que pegar e eu dou cobertura. Depois fugimos para longe.

— Geoffrey, você lê minha mente.

— Não vai pensar em mais um plano para matar vários outros tributos de uma só vez?

— Dessa vez não — fala Astrid, mal humorada. — Complicar mais a essa altura do jogo pode implicar na minha morte. Os Idealizadores aprontarão mais coisas até a final para animar a população. Espero que não soltem teleguiadas, pestes ou algo do tipo.

— Então por isso você não vai elaborar nada complicado...

— Exatamente. Preciso manter minhas forças para a final.

— Não posso simplesmente te matar na final, Astrid. Você sabe disso. Espero que não tente me matar com algo louco.

Ela revira os olhos.

— Pare de dizer que só faço coisas loucas — ela olha pela boca da Cornucópia o céu escurecido. — Vou tirar um cochilo, é difícil cuidar de você enquanto está desmaiado, ok?

— Então que me deixasse morrer — respondo irritado.

Astrid deita na grama, a cabeça apoiada na mochila.

— Nunca me perdoaria se te deixasse morrer.

E ela fecha os olhos.

Ando até a parte de fora da Cornucópia e me sento com as pernas cruzadas do lado de fora do chifre, sentindo a grama fazer cócegas por entre meus dedos.

A paz de Astrid enquanto dorme é tranquilizante, o que me faz tomar a decisão de deixá-la dormir até amanhecer. Ela merece por cuidar de mim durante todo esse tempo.

Começa a escurecer.

Enquanto afio a lâmina do facão, ouço o hino retumbante da Capital e balanço a cabeça no ritmo. Nenhum rosto aparece no céu. A brisa refrescante da noite sacode meu cabelo.

— Me sinto bem — digo em direção ao nada.

Assim que termino a manutenção do facão, volto para a Cornucópia e deito-me ao lado de Astrid, de frente para seu rosto. Ela dorme com a boca semi-aberta, respirando fraco, mas em paz. Retiro alguns fios de cabelo que caem em sua face, deixando-a experimentar o vento fraco que voa pela entrada da Cornucópia.

Depois me viro para o lado e durmo, pensando no ágape.

[...]

Um pesadelo me faz despertar, bem na hora em que o sol surge no céu, iluminando de laranja a arena. Em meu sonho, estava caindo no infinito quando me faltou ar, porém não consegui retornar à superfície, o que me acordou. Limpo o suor e paro de tremer assim que levanto.

Chacoalho Astrid, que resmunga ao despertar.

— Estou tão cansada — diz, dando ênfase ao tão.

— Ah, e eu estou super disposto — retruco com ironia. — Vamos, Astrid, temos um ágape para enfrentar.

— Desde quando você é frio assim, Geoff?

— Como?

— Antes você era todo animado, sorridente — Astrid cruza os braços, batendo o pé no chão num ritmo constante. — Agora você está mal-humorado e sem qualquer emoção.

Reviro os olhos.

— São esses Jogos, pequena.

— Quero que você fique bem, Geoff. Volte a ser mais animado.

— Tentarei, Astrid.

Ela me puxa para um abraço profundo e descansa a cabeça em meu peito por um instante. Acaricio seu cabelo. Possui cheiro de grama recém-molhada, agradável de se sentir. É tão tranquilo ficar ao seu lado... Não quero mais soltá-la, quero ficar ao seu lado para sempre, sentindo esse calor no coração. Será essa uma sensação que nunca havia sentido antes? É tão boa.

Somos separados apenas porque ouvimos um barulho mecânico, como o de um elevador se movendo.

Um balcão com os suprimentos do ágape se eleva do chão bem na nossa frente. Seguro o facão com força na mão direita.

Pois é, começa então o ágape.


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Notas finais do capítulo

Geoff vai mesmo procurar os pais dele? O que será essa sensação boa que ele sente? E como será o ágape?

Lendo o próximo capítulo, vocês descobrirão... Até lá o/