Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 15
Desabafo




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Tinha algo preso em minha garganta desde que vi o Sr. Hakkido morrendo na minha frente e precisava por para fora. Jade sentou-se novamente e apenas me encarou com um olhar curioso e seu sorriso característico. Era incrível como ela sempre estava de bom humor, mas o que mais me impressionava era o fato de ela ser uma boa pessoa mesmo sendo uma criminosa. Provavelmente existem aqueles que duvidam disso, mas não se pode enganar meus olhos. Suspirei profundamente pois precisava de fôlego e coragem para o que ia fazer e comecei a desabafar:

– Jade...

– Diga.

– Eu... Eu...

– Quer falar sobre o que aconteceu com você, não é?

– Sim... Eu... Tentei mudar as coisas protestando... Mas eles me atacaram e acabei derrubando todos... Daí aconteceu aquilo com o pai do Harry e... Ontem... Quando eu cheguei em casa... Havia tantos corpos... E o Sr. Hakkido... Ele... Morreu por minha culpa... Daí eu... Eu... Matei uma pessoa... E... E...

De repente, ela se levantou, veio até mim e me abraçou com força. Aquilo foi deveras estranho. Não pelo ato e sim pelo que senti em relação ao mesmo. Foi como se todas as minhas forças tivessem desaparecido e meu coração fosse apertado por todas as direções. Pude sentir lágrimas escorrendo por meu rosto e quando percebi, estava abraçando-a também. A apertei com força e fiz algo que há muito não fazia: chorei. Chorei muito. Não sei dizer quanto tempo ficamos daquele jeito, afinal, eu não tinha relógio.

Enfim, depois que eu parei do chorar, me senti muito melhor. Paramos de nos abraçar, enxuguei minhas lágrimas e voltei meu olhar para Jade, que se sentava na cadeira ao lado da minha. Ela exibia um sorriso tranquilizante em seu rosto e parecia entender como me sentia. Estava realmente precisando daquilo há um bom tempo. Bem, deixemos isso de lado por enquanto. Depois de perceber que eu havia me acalmado, Jade disse calmamente:

– Então... Por que fez aquele lance do protesto? Você não deve ser uma cidadã revoltada, pois não morava na parte controlada por eles. Então... Qual foi o verdadeiro motivo pra isso tudo?

– É que... Eu fiz uma espécie de “acordo” com a Jessy e parte dele dizia que eu deveria ajudar a por um fim nesse reinado de terror de Lucas.

– Oh... Interessante. É por isso que você é toda coisada?

– Mais ou menos...

Ela me encarou com um olhar malicioso e, depois de coçar a garganta, continuou:

– Diga-me... O que mais você vê?

Aquilo me pegou de surpresa. Não havia como ela saber sobre isso. Afinal... A Jessy não tinha mencionado o quão “especial” meu caso era. Fiquei tão perplexa que fui incapaz de responder à pergunta. Minha reação com certeza confirmou suas suspeitas, então Jade pediu mais um café para a garçonete. Até o pedido chegar, ficamos em silêncio. A garçonete voltou, Jade deu um belo gole e, depois de coçar novamente a garganta, prosseguiu:

– Parece que acertei. Aquele lance de “caso especial” realmente me intrigou. Se nós somos coisados por causa de nossos poderes, então você que é mais coisada ainda deve ter mais poderes do que nós. Foi o que pensei.

Tentei buscar palavras e formular frases, mas aquilo certamente havia me desorientado. Não que o segredo fosse tão “sagrado” assim, mas o simples fato de que ela deduzira aquilo sem quase nenhuma evidência me assustava. Seu sucesso não era coincidência e muito menos sorte. Depois de alguns minutos, finalmente respondi:

– Bem... Você está certa. Ocorreram algumas... Coisas... Então acabei perdendo a vida novamente. Mas como eu ainda vivia de corretamente, garanti minha segunda passagem ao “paraíso”. Só que não parecia justo para mim. Depois de morrer tão jovem e ter uma segunda chance... Morrer apenas alguns anos depois... Tendo que me sustentar sozinha... Parecia muito triste. E, pelo jeito, Jessy concordou comigo e decidiu me dar uma terceira chance. Em troca, eu teria que ajuda-la a ajudar os humanos. Começando por aqui.

– Interessante... Então eles ainda são capazes de ressuscitar pessoas.

– Na verdade... Jessy me disse que só foi capaz de fazer aquilo porque estava acumulando forças há muito tempo.

– Ou seja... Essa é realmente sua última chance.

– Exatamente.

– Essa história incompleta atiça minha forte curiosidade, mas lhe respeitarei e me contentarei com apenas isso. Afinal, todos temos eventos passados que preferimos nos esquecer.

– Sim...

– Então. Suas ambições podem não ser claras para mim, mas depois de tanto tempo com esses olhos acabei aprendendo a “ler” expressões. E seu rosto me diz que isso não foi tudo o que tinha a me dizer.

– Você é boa...

– Eu tento.

– Eu... Não posso ficar parada depois do que eles fizeram ao Sr. Hakkido. Ele era uma ótima pessoa e me acolheu quando eu não tinha mais aonde ir.

– Hakkido... É o tio das artes marciais, não?

– Ele mesmo... Conhece?

– Sim. Tive algumas aulas com ele quando era bem pequena. Já não me lembro de mais nada sobre luta, mas ele era uma pessoa inesquecível.

– Eu sei... Enfim, quero acabar com os Harrisons o mais rápido possível e gostaria de pedir sua ajuda.

Ela sorriu repentinamente e olhou para cima. Não entendi muito bem o gesto, mas logo tive uma pista:

– Chega a ser engraçado como o destino age...

– O que você disse?

– Nada. Aliás... Você ainda não me disse sua outra habilidade.

– Oh! É verdade. Desculpe-me. Sou capaz de ver os pontos vitais das pessoas. Assim fica mais fácil deixar alguém inconsciente ou até... Matar... Como eu percebi ontem...

– Do caralho! Essa parada seria útil de mais lá na família! Esse destino não brinca em serviço.

– O quê?

– Nada. Isso expande nossas possibilidades do jeito que eu gosto. Ontem pode ter sido um dia de merda para você, mas hoje é um dia de quase sorte! Os Valentines estão prestes a declarar guerra aos Harrisons e nós precisamos de gente como você para garantir a vitória.

– Gente como... Eu?

– Nós, “erros”, somos os melhores para liderar, pois nossas habilidades nos permitem possuir conhecimentos que pessoas normais nunca conseguiriam. Já deixei o Harry encarregado de uma equipe e tenho confiança naquele garoto.

– Ele realmente parece ser confiável... É uma boa pessoa...

– Eu adoraria combinar as habilidades dele com as da Lisa, mas a pobre garota não tem nada a ver com o assunto. Seria cruel demais arrastá-la para isso.

– Entendo... Então... Já sabe onde eu poderia me encaixar?

– Você, minha jovem... Acho que... Bem... Deixe-me pensar um pouco. Enquanto isso, vá preparando o psicológico porque as coisas vão ficar feias daqui para frente.

– Tudo bem!

A frase “preparar o psicológico” me soou engraçada, pois o meu já estava abalado há anos e não tinha previsão de alta. Mesmo assim, decidi tentar seguir o conselho da veterana. Concentrei-me o máximo possível para esvaziar minha mente e minha alma da raiva que estava sentindo e da ânsia por vingança, já que ambas apenas atrapalhariam no decorrer do conflito. Cheguei a ouvir a insegurança batendo em minha porta por alguns momentos, mas a essa altura eu não poderia deixar algo tão fútil impedir nossos avanços. Afinal, já não era mais apenas a minha vida em jogo... Os Valentines também estavam se arriscando e eu não podia decepcioná-los.

Enquanto eu lutava contra meu “eu interior”, Jade coçava a cabeça olhando sempre para cima. Provavelmente estava tramando algo complexo. Já que ela tinha descoberto sobre minha segunda habilidade tão facilmente, não me surpreenderia se, em apenas alguns minutos, ela viesse com um plano infalível para acabar com aqueles malditos. Ficamos daquele jeito por quase meia hora. Cada uma sozinha em sua luta pessoal. Estava tão concentrada que acabei levando um susto quando Jade anunciou o término do momento de reflexão:

– Pronto! Já sei exatamente o que fazer.

– Ah! Meu Deus... Que susto!

– Desculpe-me e... Deus? Não quis dizer “Deuses”?

– Oh... Jessy disse que só existe um então...

– Oh! Isso é realmente revelador! Chega a ser revolucionário! Eu sei que o povo não liga muito para religião hoje em dia, mas nossa! É tão...

– Jade... O plano...

– Ah... Verdade... Desculpe-me... Vou contatar a Bunny e a deixarei no comando das coisas que vierem da mansão. Enquanto isso, nós duas faremos investidas mais sutis e estratégicas aos desgraçados. Assim, como eles estarão sendo distraídos pelos outros Valentines, abalaremos suas estruturas para que implodam!

Brilhante. O plano era ótimo, porém muito arriscado. Nada garantia que passaríamos despercebidas. Principalmente porque eu nem sabia o que de fato faríamos. Mas pelo menos a parte teórica do plano era boa. Foi o suficiente para arrancar um sorriso de mim e expandir uma chama há muito fraca em meu coração: a esperança. Fiquei convencida de que tudo daria certo e usei isso para trabalhar ainda mais na minha questão psicológica. No final daquela breve, porém motivadora explicação, tudo o que pude fazer foi sorrir e concordar determinadamente;

– Isso... Vai dar certo!

– Sei que é arriscado e que teremos que contar com a sorte em boa parte do nosso percurso, mas acho que vale a pena tentar.

– Com certeza! Faremos isso dar certo!

– Esse é o espírito Jackie!

– Então... Quando começamos?

– Acho melhor tirarmos o resto do dia de folga. Quero dar um pulo na mansão para acertar algumas coisas com a Bunny e aproveitar para me despedir dela.

– Despedir? Mas... Você voltará.

– Jackie, se tem uma coisa que essa vida criminosa me ensinou foi que a vida é curta e pode acabar a qualquer momento. Esse tipo de operação é muito arriscado e sempre pode dar errado, então trocar algumas palavras ou momentos carinhosos com as pessoas que você gosta antes de entrar de cabeça numa coisa dessas é sempre uma ótima escolha. Aliás, até dá uma motivação a mais para que você faça tudo direitinho.

– Entendo... No meu caso não há mais ninguém de quem eu possa me despedir...

– Claro que há! Tem o Harry e a Lisa... Sem falar nessa tal... “Irmã mais velha”.

– Co-Como você sabe disso?

– Essa é sua única ambição clara com o dia. “Ser alguém de quem a irmã mais velha se orgulhe”. Onde está essa sua irmã?

– Bem... Já não sei mais... Nem sei se algum dia a verei novamente...

– Então use isso como um motivo para seguir em frente.

– Sim... É uma ótima ideia.

Por mais que eu estivesse prestes a me envolver em uma série de eventos perigosos, não havia medo em meu coração. Na verdade, tudo parecia melhor do que antes. Exceto, é claro, pela morte de meu velho mestre. Mas até mesmo isso eu estava superando com o sentimento de que ele estaria sempre vivo dentro das minhas memórias. “Roubei” esse tipo de pensamento da Jessy. Enfim, eu estava mais determinada do que nunca. Os Harrisons não tinham ideia de onde haviam se metido.


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Notas finais do capítulo

Esse passou um pouquinho do prazo (culpa de Log Horizon e do meu desânimo repentino, que já foi eliminado)
Enfim... A história vai ficar bem mais agitada a partir de agora!
Agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até o próximo capítulo =D



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