Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 13
Lembranças de uma época inocente




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Fiquei sentada na varanda por alguns minutos encarando o corpo de meu adversário. Não havia mais nenhum movimento proveniente dele. Eu fui a única sobrevivente daquele pequeno massacre e a ficha ainda não tinha caído. Tudo o que me restou foi falar sozinha para tentar reorganizar meus pensamentos:

– Eu... Matei... Tirei a vida... De outra pessoa... Sou... Uma assassina... O que será que “Ela” pensará de mim agora?

Fiquei repetindo essas palavras para o vento e perdi a conta de quantas vezes o fiz. Tudo estava confuso depois de tanto refletir, cheguei apenas a uma simples decisão: eu precisava sair dali. Levantei com dificuldade, mas pelo jeito ainda tinha forças e corri o mais rápido que pude. Só parei quando estava na floresta próxima à cidade. Sentei em baixo de uma das árvores (na verdade eu praticamente caí, pois estava exausta) e apenas tentei relaxar. Estava muito cansada, mais minha mente do que meu corpo. De repente, tudo começou a escurecer. Meus olhos se fecharam e permaneci daquele jeito por algum tempo.

Senti uma forte luminosidade e abri meus olhos para conferir. O Sol brilhava muito e o calor era intenso. Eu não estava mais em Sahoc. Parecia mais minha terra natal e ainda era uma criança. Olhei ao meu redor e avistei meus pais. Rapidamente corri em sua direção e os abracei com força. Minhas olheiras não existiam e sempre exibia um belo sorriso em minha face. Nossas condições não eram muito boas lá, mas éramos felizes. Pelo jeito era o dia em que nos mudaríamos para Solene. Foi uma longa viagem de trem e tivemos que parar em várias estações no caminho. Deveras cansativo, mas meu pai dizia que valeria a pena no final.

As mudanças foram notáveis quando nos instalamos em Sahoc. A casa era maior, a comida melhor e tudo parecia novo. Não preciso nem dizer que fiquei encantada na época. Os primeiros dois anos foram maravilhosos. Entrei em uma aula de artes marciais orientais e era boa naquilo. É claro que isso não poderia continuar perfeito assim para sempre, já que me encontrou nessa situação, no mínimo, complicada no presente. Não me lembro muito bem quando começou, mas meu pai estava cada vez mias nervoso e minha mãe cada vez mais preocupada. Achava aquilo muito estranho, só que não tinha ideia do motivo ou o que fazer a respeito. De repente meus amigos começaram a se afastar de mim e meu pai começou a beber muito. Não causava problemas em casa, mas apagava assim que chegava deixando minha mãe e eu muito preocupadas com sua saúde.

Tudo estava indo de mal a pior. Meu pai perdeu o emprego, tive que sair da escola, fomos assaltados quando voltávamos de um passeio e sempre podia ver pessoal rondando nossa casa. Começamos a receber ameaças e a polícia local não fazia nada. Eu passava o tempo todo nervosa, preocupada e com medo. Aqueles dias foram horríveis, mas não foram piores do que estava por vir... Certo dia, voltávamos de um passei pelo parque. Costumávamos fazer isso para quebrar todo aquele estresse e nos manter unidos como família. Não adiantava muito, mas eu adorava aqueles momentos. Bem... De volta ao ocorrido. Era inverno e, mesmo estando de tarde, podíamos ver nossa respiração. Eu segurava as mãos de meus pais com força numa tentativa falha de aquecer um pouco mais meu corpo.

– Estou com muito frio pai!

– Fique calma, querida. Já estamos chegando.

– Tudo bem... As coisas ruins vão parar de acontecer... Não é?

– Sim querida. Logo tudo voltará a ser como era antes.

– Exatamente. Seu pai e eu estamos nos esforçando o máximo para conseguir sair dessa.

– Eu... Eu quero ajudar!

Meus pais se entreolharam e sorriram.

– Tudo bem então. Seja uma boa menina e estude.

– Mas não estou mais na escola.

– Sua mãe lhe ensinará o que precisa saber. Quem precisa de uma escola?

– Tudo bem! Farei o meu melhor!

Chegamos à nossa casa, mas algo estava errado. Havíamos deixado as luzes ligadas, mas as mesmas estavam apagadas e a porta estava entreaberta. Meu pai tomou a dianteira e fiquei entre ele e minha mãe.

– Pai... O que aconteceu?

– Acalme-se querida. Apenas faça silêncio.

Ele pegou uma vassoura que estava encostada na parede e entramos lentamente na casa. Tudo estava silencioso e escuro. Estava com muito medo e abraçava minha mãe com todas as forças de meu pequeno corpo. A tensão aumentava à medida que prosseguíamos cômodo a cômodo. De repente, ouvimos um barulho alto. Olhamos para trás instintivamente. A fraca luminosidade proveniente da porta entreaberta havia desaparecido. Comecei a suar frio e apenas permaneci em silêncio porque meu pai tinha me pedido para ficar assim. O silêncio voltou a reinar naquele local e nós três ficamos parados ali imóveis. Pouco tempo depois, sons de passos podiam ser ouvidos vindo em nossa direção. Apertei minha mãe com mais força ainda e percebi que a tensão não estava apenas comigo, pois minha mãe retribuiu o ato. As luzes se acenderam e, como estava com meus olhos bem abertos, acabei tendo que fechá-los e esfrega-los pela mudança de luminosidade repentina. Quando olhei novamente para frente, havia um homem alto e bem vestido parado com um revólver em sua mão.

– Quem é você? – disse meu pai esboçando nervosismo. – Se é um ladrão, já lhe digo que as coisas não andam boas e você vai acabar saindo no prejuízo.

O homem abriu um sorriso psicótico em seu rosto e começou a gargalhar. Aquela visão assombra meus sonhos até hoje, principalmente porque o mesmo usava um chapéu que impedia que víssemos seus olhos e sua voz variava de agudo a grave de um jeito muito estranho. Era... Horrível...

– Essa foi ótima! – disse o maluco. – Fazia um bom tempo desde a última vez que ri assim. Acha mesmo que seu eu fosse um mero ladrão estaria usando roupas caras?

Ficamos em silêncio e meu nervosismo apenas aumentava. Parecia que o homem queria uma resposta, mas como não o fizemos, apenas ficou nos encarando até se cansar e voltou a falar:

– Bem... Não lhes culpo. Devem estar nervosos. Afinal, não é todo dia que um cara armado entra na sua casa!

Ele voltou a gargalhar. Mesmo naquela época, já pude supor com certeza de que aquele homem não batia nada bem. E isso apenas me deixou mais assustada. Olhei para minha mãe e meu pai. Ambos encaravam o doido fixamente e suavam. Ele parou de rir novamente e, como se tivesse perdido o fôlego, suspirou antes de voltar a falar:

– Ai ai... Não estou muito bem hoje. Ou será que estou bem até demais? Bem, que seja.

– O que você quer conosco?

– Não é óbvio, Sr. Richstone?

Meu pai arregalou os olhos e suas mãos começaram a tremer.

– Estou aqui pelos Harrisons. Aliás... Não estou sozinho.

Mais passos puderam ser ouvidos e logo estávamos cercados por, pelo menos, sete homens.

– Não gosto muito de fazer esse tipo de coisas perto de crianças, mas fazer o quê.

Minha mãe também começou a tremer e meu pai largou a vassoura que ainda segurava. Eles se olharam e pude ver lágrimas escorrendo de seus olhos.

– Eu... Entendo... Pelo menos... Deixe-a ir.

– Está falando da pequena?

– Sim! – disse minha mãe com várias lágrimas escorrendo por seu rosto. – Ela não tem nada a ver com isso! Por favor!

– Droga... Odeio choradeira emocional. Mas fico triste por não estarem prestando atenção ao que digo.

– Como assim?

– Bem... Eu disse “não gosto muito de fazer esse tipo de coisa na frente de crianças”.

– Não! Por favor!

– Veja bem senhora. Sou apenas um capanga qualquer dos Harrisons. Um cara que é encarregado de fazer o trabalho sujo entende? Apenas cumpro ordens. Não é nada pessoal, mas deixaram claro que a criança também estava na lista.

– Não!

Minha mãe avançou em direção ao homem, mas foi impedida por um soco de um dos outros que nos cercavam. Meu pai avançou contra o mesmo, mas levou um tiro na perna. Apenas fiquei ali parada, estática, sem conseguir reagir. O maluco passou por eles e se agachou do meu lado.

– É realmente uma pena... Você provavelmente ficaria muito bonita quando crescesse.

Meus olhos, eu estavam arregalados, se encheram de água e comecei a chorar ininterruptamente. Ele usou uma de suas mãos para segurar meu ombro e impedir que eu fugisse e a outra para manter minha cabeça voltada para mus pais.

– Nessas horas eu odeio meu trabalho.

– Do que é que você está falando James? Você adora matar! – disse um dos homens.

– É verdade? Talvez seja mesmo. Mas eu gosto de crianças.

– Vai entender...

Os homens começaram a espancar impiedosamente meus pais enquanto eu era obrigada a assistir tudo. Os gritos de dor e desespero de meus pais ficaram gravados em minhas memórias e aquele dia costumava aparecer em meus pesadelos frequentemente. Todos pareciam se divertir com aquelas atrocidades. Até mesmo aquele cara que disse que não estava feliz com o que fazia soltava uma pequena risada a cada som de pancada. Depois de baterem muito em meus pais, os homens sacaram facas e começaram a cortar e mutilá-los ainda vivos. Eu estava em um estado de choque tão profundo que nem era capaz de gritar. Pouco tempo depois, havia sangue em toda parte e, infelizmente, meus pais continuavam vivos. Pelo jeito os monstros ainda não estavam satisfeitos, então pegaram galões de gasolina e começaram a espalhar o líquido por toda a casa. A única parte que eles pouparam foi o corredor que dava para fora de casa. Jogaram fósforos em cima de meus pais e as chamas começaram a consumir a casa, começando pelos corpos quase sem vida. Saímos rapidamente do local pela entrada e fiamos lá fora vendo a minha casa ser destruída pelo fogo. Aqueles... Filhos da puta exibiam largos sorrisos em seus rostos e alguns até gargalhavam. Eu não entendia como seres humanos poderiam ser tão ruins. Como alguém podia ficar feliz com a desgraça alheia e... Gargalhar depois de matar duas pessoas inocentes? Naquela época eu era apenas uma criança indefesa e inocente, então não entendia nada disso. Aliás, até hoje não entendo direito.

Os olhares de todos se voltaram para mim. Todos riam maliciosamente e começaram a se aproximar. James entrou na frente deles com uma expressão séria:

– Qual foi James?

– Eu é que lhes pergunto. As ordens foram torturar e matar os adultos. A criança deve apenas morrer.

– E o que acha que faremos?

– Sei muito bem o que se passa em suas mentes doentias. Não no meu turno.

– Somos seis contra um, gente. Ele não pod...

O maluco atirou na cabeça do infeliz. Admito que aquilo me deixou um pouco mais aliviada, mas “um pouco” não era nada comparado à imensa tensão que sentia. Os outros homens recuaram.

– A...Acalme-se James. Só queremos brincar um pouco com ela.

– Nada feito. Não sou o único armado aqui à toa. Posso ser um maldito assassino, mas não admito estupro!

– Tudo bem... Então... Termine logo o serviço e vamos embora.

– Isso eu posso fazer.

Ele se virou para mim sorrindo. Dessa vez, seu sorriso não era psicótico como antes, mas ainda assim me assustava.

– Olha garota... Como eu disse antes. Não é nada pessoal.

Ele apontou seu revólver para meu peito e engatilhou a arma.

– Fique feliz! Agora você vai se juntar aos seus pais.

Bang! Depois do barulho do disparo, tudo o que eu podia ouvir era um forte som agudo. Senti meu peito queimando e uma dor lancinante se espalhou por todo o meu corpo. Esse ficou muito pesado, então apenas caí de costas na calçada. Nem senti a dor do impacto. Comecei a sentir frio e tudo escureceu. Acordei muito assustada e com o peito extremamente dolorido. Olhei em volta e parecia estar em um quarto de hospital. Retirei parte da camisola que estava usando com muita dificuldade para verificar o local onde tinha sido atingida. Havia marcas de costura, pelo jeito fui operada. Mais tarde fiquei sabendo que um médico morava na vizinhança e prestava atenção no ocorrido. Quando os homens foram embora (logo depois de atirar em mim), ele já tinha chamado uma ambulância e começou a fazer os primeiros socorros ali mesmo. Cheguei a ficar clinicamente morta por cinco minutos, mas sobrevivi sem sequelas. Exceto, é claro, pela capacidade de ver as pessoas como realmente são.

Essa habilidade garantiu que eu me aproximasse apenas de pessoas boas, mas fez com que minha sanidade ficasse mais abalada ainda. Afinal, a visão de pessoas ruins era terrivelmente desprezível. Esse foi o primeiro dos quatro piores dias de minha vida. O terceiro foi o dia em que o Sr. Hakkido morreu. Aliás... Estávamos nessa parte, certo? Bem, continuando de onde parei. Acordei com o Sol na minha cara. Aquele maldito sonho só piorou as coisas. Andei de volta para a cidade sem rumo definido. Parei em uma cafeteria e pedi algo para comer. Antes mesmo de a garçonete voltar com o pedido, Jessy me abraçou por trás.

– Jackie... Eu... Sinto...

– Eu sei... Não foi sua culpa... Você me alertou que coisas assim poderiam acontecer.

– Pois é... Se eu pudesse, faria com que tudo fosse diferente.

– Mas não pode, então fique tranquila.

– Ah é! Marquei um encontro entre você e os outros três erros.

– É? Onde e quando?

– Hoje. E quanto ao lugar, eu te levo.

– Tudo bem...

Reabasteci minhas forças com um pão feito na chapa e um copo de leite e saí do local. Sei que deveria estar me sentindo horrível com a morte de meu mestre, mas não estava. Claro que aquilo me abalou, mas depois de passar por tanta merda, acabei me acostumando e ganhando a capacidade de me conformar mais depressa. Bem... Pelo jeito seria um longo dia...


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Notas finais do capítulo

Mais um capítulo saindo~
Fico feliz de conseguir manter o ritmo!
Eu... Adorei escrever esse capítulo! E... Bem... A história vai começar a ficar mais "tretosa".
Agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até o próximo capítulo =D



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