Paz Temporária - Olhos Amaldiçoados escrita por HellFromHeaven


Capítulo 11
Um mau pressentimento




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Acabei levando Lisa para a casa do Sr. Hakkido. Durante todo o percurso apenas corri segurando sua mão sem pensar em mais nada e nem sequer ouvi suas perguntas sobre onde estávamos indo até chegar ao nosso destino. Só sei sobre a existência de tais perguntas por que fui questionada logo que voltei a mim. Eu suava frio e me sentia como um carro depois de capotar ladeira abaixo. Sentei na varanda para me recuperar e permaneci naquele estado por alguns minutos. Até eu me acalmar, apenas o cantar de um pássaro solitário podia ser ouvido. Foi gentil da parte de Lisa ter esperado eu me acalmar até perguntar o porquê de tudo aquilo. Mas, como esperado, assim que eu confirmei que estava apta a falar suas perguntas começaram:

– Você está bem mesmo?

– Sim... Já estou mais calma...

– Pelos deuses! Você corre muito. Nem sei como consegui te acompanhar.

– Desculpe-me por isso...

– Não precisa se desculpar. Você só queria ajudar... Pelo menos eu acho... Enfim, poderia me explicar que porra foi essa?

Olhei ao redor para verificar se Jessy estava por perto sem sucesso. Nós éramos as únicas pessoas ali. Respirei fundo e comecei a falar:

– Bem... Não sei explicar o motivo de ter te arrastado até aqui... Mas agora acho que foi uma boa ideia.

– Mas o quê... Como assim você acha?

– Olha... Aqueles homens eram detestáveis, então só poderiam querer lhe fazer mal.

– Como pode ter tanta certeza de que eles eram ruins?

– Isso é por quê...

– Diga de uma vez!

Senti-me encurralada. Jessy havia dito que queria contar tudo apenas quando todos estivessem juntos. E o pior de tudo era que eu não fazia ideia de quem seriam esses “todos”. Contar toda a verdade estava fora de questão no momento, então passei algum tempo tentando escolher as palavras certas para responder aquela pergunta delicada:

– Tudo bem... É que... Bem...

Lisa ficou apenas me encarando e sua expressão indicava que estava ficando impaciente. Por que eu tinha que ser tão horrível em conversar com outras pessoas? Meu nervosismo foi aumentando e, com isso, a paciência de minha nova “amiga” foi diminuindo. Notei que ela estava prestes a explodir, respirei profundamente e continuei:

– A Jessy te disse que somos parecidas, certo?

– Sim.

– Então você já tem uma ideia de que eu também possuo habilidades oculares anormais.

– Vá direto ao ponto, droga.

– Desculpe-me... Eu vejo as pessoas como realmente são. Em questão de caráter, bondade, essas coisas. Ou seja, se a pessoa for boa a vejo como um ser humano normal. Mas quanto pior a pessoa, mais deformada é minha visão da mesma.

– Oh... Isso explica o lance dos caras... Mas como sabia que eram Harrisons?

– Bem, na verdade essa parte eu deduzi. Você falou que conheceu o Lucas junto com o Harry. Então se foram atrás dele, provavelmente viriam atrás de você.

– Nossa... Deuses! Será que minha mãe está bem?

– Fique tranquila. Vocês moram na área dos Valentines e pelo jeito conhecem até a líder. Então não haverá problemas.

– Mas eles estavam apenas desmaiados.

– Sim, só que vão ficar daquele jeito por um bom tempo.

– Como pode ter tanta certeza?

A situação certamente era confusa para Lisa, mas o fato de ela duvidar de praticamente tudo o que eu dizia estava começando a me incomodar. Por sorte consegui manter a calma e responder tranquilamente, fazendo algumas pausas para respirar fundo.

– Bem... De onde eu venho, aprendemos defesa pessoal e artes marciais desde pequenos. E, mesmo tendo mudado para cá há muito tempo, não perdi a prática nesse tipo de coisas, já que me inscrevi em aulas de luta oriental. Aliás, estamos na casa do meu mestre.

– Oh... Então você sabe como apagar uma pessoa usando as próprias mãos.

– Exatamente.

– Que legal! Bem... Ainda tem algumas coisas que não entendo... A tal... Jessy lhe disse que havia outros como nós e você nos chamou de “erros”. O que isso quer dizer?

Naquele momento me senti como uma completa idiota. Eu mesma havia me encurralado. Pensei rapidamente em como me livrar daquela situação sem deixar a Jessy puta comigo. Por sorte, ouvi uma voz familiar e tranquilizante:

– Esse é o termo que utilizamos para com pessoas como vocês.

Ambas nos voltamos para a direção de origem da voz e avistamos uma garota com longos, compridos e cacheados cabelos loiros e olhos tão negros quanto a noite com uma estatura mediana e seu sorriso característico.

– Mas o... Outra garota que eu consigo ver perfeitamente? Estou ficando cada vez mais confusa!

– Na verdade é a Jessy.

– O quê? Mas... Mas...

– Seus olhos não estão te enganando. Sou a mesma “pessoa” que conversou com você em sua casa. Não se preocupe quanto minha aparência. Já faz um bom tempo desde que não tenho força suficiente para manter uma forma física fixa. Se fosse antigamente...

– Tudo bem então... Vou apenas ignorar essa mudança drástica de visual.

– Faça isso. Ah! Espero que tenha respondido sua pergunta.

– Oh! Verdade! Esse choque foi tão grande que me esqueci desse detalhe. Respondeu mais ou menos.

– Bem, só poderei explicar melhor quando os quatro estiverem reunidos.

– Quatro? A Jackie conta ou teremos que amarrar o Lucas e trazê-lo junto?

– Conta sim. Não pretendo contar tais “segredos” para alguém como ele. Nós espíritos trabalhamos de acordo com o merecimento dos seres humanos.

– Nós? Então existem mais seres como você?

– Tudo em seu tempo.

– Droga! Pensei que ia conseguir mais alguma coisa.

– Nem tente enganá-la. É impossível para humanos como nós.

– Já tentou não é?

– Sim... Algumas vezes...

– Bem... Quanto tempo terei que ficar aqui? Não quero incomodar ninguém...

– O que você acha Jessy?

– Hm... Deixe-me ver... Acho que hoje é o suficiente. Amanhã a levaremos para a casa dos Valentines.

– Tudo bem.

Passamos o resto da tarde apenas observando o céu. Eu não pensava em nada, mas acredito que Lisa estava pensando em sua mãe ou em Harry. Aliás, minha preocupação havia acabado e, se não fosse pela presença de minha nova amiga, poderia dizer que era apenas mais um dia normal. A brisa gelada acariciava nossos rostos enquanto alguns pássaros passavam voando pelo quintal cantando alegremente. Tudo parecia calmo demais. No final da tarde, quando o Sol estava se pondo, um mau pressentimento tomou conta de meu coração e permaneceu comigo sem prazo para ir embora. O meu velho mestre aceitou que Lisa dormisse lá por um dia sem problemas. Até ofereceu mais alguns dias depois que explicamos a situação, mas não era necessário. Ele sempre foi uma ótima pessoa. Passei a madrugada inteira olhando para o teto tentando evocar o sono de algum jeito, mas o mesmo parecia ter me abandonado. Eu podia sentir que algo estava errado... Ou, pelo menos, estaria em breve. Jessy desapareceu depois de nossa breve conversa durante o dia e não entrou em contato comigo desde então.

Acordei muito mal. Aliás... Não sei se a palavra “acordar” se encaixaria naquele contexto, já que eu devo ter dormido, no máximo, duas horas. Enfim, tomamos café da manhã e fomos em direção à mansão dos Valentines. Eu sinceramente não fazia ideia de onde aquele lugar ficava e, infelizmente, nem a Lisa. Resultado: passamos mais tempo pedindo informações do que indo até o lugar. Sempre fui péssima em encontrar lugares com informações de outras pessoas. Minha memória era boa para guardar trajetos, mas parecia que meu cérebro simplesmente não armazenava indicações feitas por estranhos e como estava com uma pessoa quase cega, achar nosso destino foi uma tarefa deveras complicada. No final das contas conseguimos. Decidi apenas deixa-la no portão e voltar para casa. Como já sabia que estava tudo bem com os dois (ou quase, já que o garoto perdeu o pai e a casa), decidi apenas voltar à minha vidinha normal. Ah! E eu deveria pensar, também, em um jeito de cumprir meu acordo com minha amiga espiritual. Depois de me certificar de que Lisa havia entrado na mansão, segui meu caminho de volta para casa e tais pensamentos começaram a surgir em minha cabeça. Não tive problemas para voltar, já que a essa altura minha memória tinha cumprido seu papel e gravado a rota. O que mais me incomodou nessa caminhada foi aquela sensação ruim que estava comigo desde o dia anterior e que parecia se intensificar à medida em que eu chegava perto de casa. Decidi apenas ignorá-la e continuar andando.

Para meu espanto e para a alegria do meu velho amigo desespero, minha intuição tinha acertado em cheio. Encontrei a casa do Sr. Hakkido cheia de buracos de balas e com sinais de destruição por toda parte. Congelei por um momento e o tempo pareceu parar. Todos os ruídos ao meu redor foram sumindo até que apenas as batidas do meu coração podiam ser ouvidas. Uma forte onda de raiva passou por todo o meu corpo e corri como uma maratonista para dentro do local. Encontrei alguns corpos caídos no chão com facas cravadas em suas cabeças, com poças de sangue em baixo dos mesmos. Retirei uma faca do corpo mais próximo e continuei a vasculhar a casa, agora com mais cautela. Não havia mais sinal de ninguém lá dentro. Apenas um rastro de destruição, sinais de luta e marcas de sangue espalhados por cômodos silenciosos. Decidi então verificar o quintal e senti como se várias agulhas atravessassem meu coração sem nem ao menos passar pela pele quando coloquei a mão na maçaneta da porta que dava para os fundos. Meu corpo tremia e comecei a suar. Respirei fundo algumas vezes e abria a porta com força.

A imagem que encontrei ficará na minha mente para o resto de minha vida. Havia três corpos caídos na varanda e dois homens de pé no quintal. Um dos homens, assim como os corpos, era definitivamente um Harrison e o outro era o Sr. Hakkido. Meu mestre segurava uma faca e possuía um corte pouco acima de seu olho esquerdo que sangrava muito. Sua mão esquerda estava pressionando sua barriga e eu podia ver claramente que ele estava com um ferimento grave devido a quantidade de sangue que escorria por ali. O outro tentava tirar uma faca de seu ombro direito e estava com um revólver em sua outra mão. Ambos possuíam olhares assassinos e se encaravam apenas esperando o movimento do adversário. O barulho da porta não pareceu incomodá-los, mas quando vi o estado de meu velho amigo deixei a faca que segurava cair no chão, o que chamou a atenção de ambos.

Seus olhares voltaram-se para mim num sincronismo invejável e minha figura causou reações diferenciadas em cada um. O Harrison me olhou com raiva e levantou sua arma em minha direção. Sr. Hakkido arregalou os olhos espantado e rapidamente tentou acertar o adversário com a faca. Pelo jeito era o que ele queria, pois o filho da puta deu um passo para trás e, se aproveitando do espanto momentâneo de seu oponente, mirou contra sua cabeça e disparou. Pude ver vários pedaços de massa encefálica voando em todas as direções, seguido de um baque surdo provocado pela queda do corpo. O homem sorriu maliciosamente e voltou seu olhar para mim. Minha vida passou diante de meus olhos e, depois de relembrar tudo pelo que passei e decidi que não estava pronta para morrer. Ameacei correr para a direita e ele mirou para aquela direção. Peguei um impulso em uma das vigas de madeira que sustentavam o telhado da varanda e desviei do disparo indo para a direção oposta. Peguei a faca que havia largado e arremessei contra o maldito. Um barulho abafado pode ser ouvido, seguido de um disparo direcionado para o nada. Depois de ouvir outro baque, tive certeza: meu inimigo estava morto. Acertei a faca na testa do infeliz, o que fazia daquele o meu primeiro assassinato. A Jessy realmente não estava brincando quando disse que meu caminho seria difícil e que não haveria volta.


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Notas finais do capítulo

Heee esse aqui saiu mais rápido do que eu imaginava!
Tive um pouco mais de tempo para escrever do que de costume e também tive um boost de motivação graças a uns amigos marotos.
Enfim, adorei escrever esse capítulo (principalmente o final... escrevi numa vontade que eu desconhecia!) e digo que as tretas vão aumentar a partir de agora!
Agradeço a quem leu até aqui, espero que tenham gostado e até o próximo capítulo /o/



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