Dear Teacher escrita por Flávia Monteiro


Capítulo 2
Capítulo 1 - Mr. Grunt




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Ajeitei melhor a alça da bolsa sobre meu ombro enquanto entrava na universidade. Aquele prédio de pedra gigantesco e encardido era meu novo lar há seis meses, e era meu orgulho mais recente.

– Hey, Kate!

A voz esganiçada da minha melhor amiga veio da minha direita. Ellen corria pelo pátio em minha direção, segurando a alça de sua pasta. Estava usando seu conhecido casaco de linho cinza com pelos em vota da gola, tão bagunçado quanto seus cabelos loiros pelo vento de outono.

– Não me chame assim! – choraminguei pela milionésima vez. Me sinto uma garotinha de doze anos quando me chamam de Kate.

– Catherine. Eu sei, sua boba! – ela riu e arrumou melhor seu óculos quando se juntou a mim na caminhada até a sala da nossa primeira aula.

Ellen é minha colega de quarto, e desde o dia em que nos conhecemos somos amigas inseparáveis. Até porque eu sou uma porcaria em fazer novos amigos, e ela também é muito tímida pra isso, então viramos melhores amigas pra sempre (Best Friends Forever). É um termo bem vergonhoso que nunca usamos.

– Vamos rápido antes que Derick nos encontre. Não quero começar meu dia com ele fungando no meu pescoço.

– Está com azar então! – Derick apareceu sobre o ombro de Ellen, a assustando.

Ri enquanto meus amigos usavam seus cumprimentos diários de xingamentos. Era óbvio que Derick gostava de ser irritante só para chamar a atenção da Ellen, e ela fingia que não gostava dele, mas eu sei que sim. Não tinha uma garota ali no campus que não se apaixonava pelos cabelos negros e olhos azuis de Derick. Bem, tem eu. Mas é normal, não costumo me apaixonar com facilidade, então acho que não conto.

– Prontas para mergulhar na literatura inglesa, minhas jovens senhoritas? – Derick afundou as mãos nos bolsos do casaco.

– Odeio aquela professora. – reclamou Ellen.

– Adoro literatura! – sorri.

– Bom, hoje a gente vai ter a aula da McLeavy vaga. – ele comentou feliz.

Ellen comemorou no meu lado. Hum... Passamos uma hora no refeitório do local antes de subirmos para a próxima aula. Quando entramos no imenso auditório, Alan já estava sentado na segunda fileira próximo do professor, entretido no que escrevia. Era bem fácil encontrar aqueles cabelos ruivos flamejantes no meio de qualquer multidão em que estiver. Me sentei ao lado dele, com Ellen e Derick a minha esquerda. O lugar vago ao lado de Alan era de Gustav, sem mais discussões.

– Bom dia. – disse sem tirar os olhos do que escrevia.

– Bom dia. O que está fazendo? – perguntei dando uma espiada no caderno dele.

– Nada. – fechou o caderno e se virou para nós com um sorriso largo. Seus olhos castanhos sempre brilhantes percorreram meu corpo. – Estamos de colegial japonesa hoje?

Puxei minha saia azul marinho mais para baixo, o que era meio que impossível já que não havia mais pano para cobrir a pele das minhas coxas a mostra.

– Não está com frio? – ele ergueu uma sobrancelha levantando os olhos para meu rosto corado por ele ter olhado minhas pernas tão descaradamente.

– Não. Minhas meias são grosas. – murmurei olhando para as meias pretas que iam até uns quatro dedos acima de meus joelhos. Senti sua atenção voltar para elas também.

– Sim, parecem ser.

Olhei para outro lado, encontrando Ellen muito séria encarando a lousa e Derick a mesa, os dois muito vermelhos. Ouvi Alan rir baixo e murmurar “Esses dois não tem jeito.”. Ah! O que aconteceu entre ele que eu perdi?

A sala já estava cheia quando o sinal tocou, e o professor entrou. Gustav se materializou ao lado do Alan e nos cumprimentou enquanto eu ainda estava com os olhos no professor. Foi uma aula difícil de prestar atenção, cheio de 1 metro e oitenta de altura em um terno cinza, cabelos castanhos brilhantes bem penteados e olhos verdes percorrendo a sala de tempos em tempos. Quando conseguia me lembrar de desviar meus olhos para minhas anotações e abrir os ouvidos para o que ele explicava sobre russos, minha mente vagava e trazia aquele maxilar bem desenhado na minha folha em branco, que me fazia imaginar como deve ser sob aquela camisa branca.

Um bilhete escorregou do lado de Alan para meu caderno.

Se continuar assim vai ter um sangramento nasal.*

Olhei para Alan que sorria escrevendo no seu caderno. Estava tão óbvio assim que viajei para Nárnia por causa do professor?

É tão óbvio?

Enviei para ele, que me respondeu:

Sim. Você tem bom gosto!

Levantei minha cabeça para a aula, onde o professor usava a lousa para sua explicação.

Qual é o nome dele? – escrevi.

Mr. Grunt. – respondeu.

Mais uma vez levantei meus olhos para a explicação e corei, desviando meus olhos para meu caderno, começando a tomar notas. Mr. Grunt estava olhando diretamente para mim, com desaprovação. Acho que ele viu a troca de bilhetes.

Passei o resto da aula cabisbaixa, com medo de encontrar aquelas esmeraldas em minha direção mais uma vez. Quando o fim da minha tortura psicológica chegou ao fim, me enfiei na multidão que deixava a sala a fim de fugir com minha vergonha para um lugar onde o Mr. Grunt não possa me ver.

– Gustav, venha aqui por favor. – o ouvi antes de sair dali.

– Hey, Kate! Calma! – Alan me pegou pelo braço, me fazendo parar onde estava.

Ele mantinha um sorriso que dizia saber do meu mais recente segredo, enquanto Ellen nos alcançava.

– Não conte nada, por favor! – pedi.

Ele fez uma careta antes de assentir.

– Aonde vocês vão que nem me esperaram? – Ellen reclamou, pondo seus óculos no lugar certo.

– Só saímos te esperar aqui fora. – Alan mentiu com um sorriso. – Será que Gustav demora?

Não. Ele saiu da sala com uma expressão que sempre tinha quando era época de provas, e veio até nós, passando a mão entre seus finos fios negros.

– Trocando bilhetes durante a aula do senhor Grunt? Sério? – resmungou encarando Alan.

O ruivo deu de ombros e pôs as mãos nos bolsos da calça.

– Gosto mais do que mensagens de texto. Distraem menos a atenção da aula.

– Mr. Grunt é um professor rigoroso e não gosta desses comportamentos imaturos durante a aula dele. Qual era o assunto?

– Hum?

– Qual era o assunto dos bilhetes?

Alan não olhou para mim, mas mesmo assim desviei meus olhos com medo de me condenar.

– Nada demais, só papo furado.

Gustav balançou a cabeça em negação e foi para seu caminho.

– Bom meninas, vou indo nessa também. – Alan seguiu Gustav nos deixando no meio do corredor que se esvaziava.

– Vai almoçar comigo? – Ellen grudou no meu braço, ansiosa.

– Não. Desculpa, mas não estou com fome. – meu estômago está estranho, tenho certeza de que se comer a comida não vai ficar lá.

– Ok.

Fui direto para meu abrigo secreto, a biblioteca. Assim que entrei a onda de calor e cheiro de livros antigos me atingiu em cheio, me deixando confortável e relaxada. Despi meu casaco e permaneci apenas com meu suéter, para percorrer as várias mesas de estudo e prateleiras.

Subi com calma para o segundo piso vagando entre os clássicos empoeirados nas ultimas estantes. Normalmente ninguém vem até aqui, por isso gosto de estar aqui quando tenho tempo sobrando. Parei no ultimo corredor e apurei meus ouvidos. Ninguém estava nessa seção. Abri minha bolsa e pesquei uma barra de cereal. Não vou almoçar, mas não vou agüentar passar o resto da tarde sem nada no estômago.

Abri o plástico e dei uma mordida sentindo o gosto de mel e aveia enquanto percorria os olhos pelos títulos ali. Conforme meus olhos iam passando pelos livros meus pés acompanhavam. O que vou ler? 20 mil léguas submarinas? Mil e uma noites? Alice através do espelho?

– Ah!

Alguém trombou em mim me jogando no chão. Quem é o filadamãe pra não olhar por onde anda e ainda nem se desculpar? Me apoiei nas mãos e encontrei uma calça social cinza. Nesse momento meu coração veio à minha boca, antes mesmo de meus olhos percorrerem aquelas pernas longas, a camisa branca e irem parar em dois olhos verdes e arregalados.

Oh, meu Deus! Tudo o que quero é encolher até virar uma formiguinha! Aqueles olhos desceram até minhas pernas abertas, que as juntei e lutei para me levantar sem deixar minha saia subir.

– De... Des... Desculpe, Mr... Grunt. – consegui forçar minha voz a sair, mesmo olhando para todos os cantos do chão e segurando a alça da minha bolsa com ambas mãos por não saber onde as pôr.

– É proibido comer na biblioteca. – ele respondeu com sua voz grave baixa o suficiente para deixar o ambiente frio.

– Sim, senhor. Desculpe. – murmurei dando as costas e saindo dali o mais rápido possível, jogando a metade do que restou da minha barra no primeiro cesto de lixo que encontrei.

Ain, agora vou ficar com fome o resto da tarde. Mas, o que ele estava fazendo ali naquela seção que não tem nada a ver com a matéria dele? Olhei sobre o ombro e o encontrei saindo do corredor com um livro na mão. Seus cabelos castanhos estavam um pouco bagunçados, o que penso ser serviço do vento do lado de fora da biblioteca. Apressei meus pés e desci a escada para o primeiro piso, continuando até para fora dali.

E agora? Acho que para a próxima aula vou me sentar em um canto lá no fundo da sala. Espero que assim ele não note a garota estúpida que só faz coisa errada. Tudo o que não preciso agora é de um professor como inimigo.

Fui para o refeitório, já que não tinha mais nada para fazer agora que a biblioteca era um lugar improvável para estar. Encontrei Gustav, Alan e Ellen na mesma mesa, em uma conversa baixa e de cabeças juntas. Ninguém me viu chegando até eu me sentar ao lado de Alan. Todos se separaram como se tivessem levado um choque.

– Você não estava na biblioteca? – Ellen me perguntou, se debruçando sobre a mesa.

– Sim, mas... Só não quis ficar lá.

Alan riu, brincando com a salada em seu prato.

– O quê? – essas risadinhas dele estão começando a me irritar.

– Hun? Quê? Não ri de você! – ele sorriu pra mim. Como se eu acreditasse nisso.

– Cadê o Derick? – tentei desviar a atenção para outra pessoa.

– Garota do terceiro ano de Ciências Biológicas, atrás do ginásio. – anunciou Gustav.

Ri do meu amigo conquistador que nunca cresce. Bom, que aproveite enquanto é jovem. Vi Ellen virar o rosto para rolar os olhos. Já conversamos sobre Derick várias vezes e, já a alertei que, por mais tentador que seja, ficar com Derick só traria dor para si. Mesmo assim parece que ela nunca tentou olhar para outro homem aqui no campus.

As aulas seguiram lentas durante a tarde, em flashes de sintonia na aula e de lembranças vergonhosas da biblioteca. Após sermos dispensadas das aulas convidei minha colega de quarto para dar uma volta comigo pela cidade. Apenas passamos deixar nossas bolsas no nosso quarto, e descemos para a cidade. Ah! Londres é, realmente, o meu lugar.

Fomos até um bairro comercial, onde compramos cappuccino e ficamos olhando vitrines de lojas de roupas. Escureceu rápido e nossas respirações viraram uma nuvem fria exalada de nossos corpos entre risadas. Na volta para o campus algo me chamou atenção em um barzinho antigo e pequeno.

– O que foi? – Ellen perguntou agarrada ao meu braço, olhando pela vidraça como eu.

– Aquele ali não é o Mr. Grunt? – perguntei focalizando o homem sentado ao balcão bebendo uísque.

– É, parece ele.

Sua expressão parecia triste, olhando o balcão imerso em seus pensamentos. Assustado, levantou a cabeça e olhou pela janela, direto para nós duas o encarando. Ai, meu Senhor! Olhei para o outro lado da rua puxando Ellen para longe dali. Já era mais que hora de voltar para o campus.


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