Sombras escrita por Ângelo Ptiste


Capítulo 1
Prefácio




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As noites em Shadowvile eram sempre muito estranhas.

A pequena cidade centrada em algum lugar do Texas era quase um lugar esquecido no mundo, tão pequeno e tão afastado da vida exterior.

Aquela noite estava especialmente estranha. Os tons das nuvens eram um escuro intimidador, mais que o normal, como se a qualquer momento fossem te devorar só por admirá-las. As ruas, desertas. As pequenas três quadras que completavam a rua estavam perturbadoramente silenciosas. Parecia que o tempo havia parado.

Doreen era nova na cidade, havia se mudado para lá a algumas semanas. Antes disso, morava com os irmãos em Nova York, mas não aguentou a vida que levava e fugiu o mais longe que pôde. Quando descobriu essa estranha e afastada cidade, foi a única opção de destino para ela, já que era barata e podia facilmente achar um emprego lá e se manter. Mas até agora ela não sabia ao certo por que quis ir para lá.

Nas primeiras semanas ela se sentira egoísta. Sentia pelo irmão gêmeo Taylor Sure que, provavelmente, após a sua ida, teria que cuidar sozinho dos seus irmãos pequenos Rupert e Samantha. A pequena Samantha era autista. Doreen a amava, mas não a suportava. Taylor era diferente; sempre se dedicou ao máximo para com os irmãos, sempre lhes deu amor.

Ela não era assim.

Taylor era bem sucedido, era vereador na câmara de Nova York, escolhido pelo povo pelos seus maravilhosos discursos. Ganhava dinheiro suficiente para sustenta-los, e ainda sobrava.

Apesar da herança dos pais, no início de tudo, Taylor e Doreen decidiram guardar o dinheiro e tiveram que conseguir emprego, por ordem do juiz. Doreen não trabalhava. Ela se considerava uma boca a mais para Taylor alimentar.

Um caso muito estranho havia tomado conta daquela família à 5 anos. Os pais haviam morrido envenenados pelo antigo empregado da família quando Taylor e Doreen tinham completado 26 anos, o irmão mais novo, Rupert tinha 6 e a pequena Samantha tinha acabado de nascer. Nunca souberam porque o mordomo chamado Jasper, que era tão querido por eles, havia feito aquilo. Jasper, de uma madeira desconhecida, conseguiu fugir e nunca mais foi encontrado. O caso saiu em vários jornais por semanas. Os irmãos ficaram um pouco famosos.

Como Taylor e Doreen já eram adultos, lutaram pela guarda dos seus irmãos no tribunal. Os dois haviam prometido arranjarem empregos para se sustentarem. O juiz ficou meio receoso por serem ainda jovens, com medo de serem imaturos para assumirem tal responsabilidade, mas ele deu uma chance para os dois por serem tão persistentes e por demonstrarem tanta determinação.

Tay conseguiu emprego, mas Doreen não. Mas apenas a profissão de Taylor foi suficiente para convencer o juiz.

Doreen não aguentava mais. Ela não tinha vida, não tinha amigos. Não tinha nem sequer um namorado. Os caras deixavam de se interessar por ela quando conheciam a sua história. O irmão nunca pareceu se importar com isso. Nunca fez questão de amigos ou de uma companheira. O emprego e os irmãos eram tudo para ele. Doreen achava aquilo lindo.

Queria ser assim mas sabia que não era. Cansada de tudo, e com um aperto no peito, fugiu quando ainda eram 3h da manhã. Já havia panejado tudo para a longa viajem. Planejava voltar depois de algum tempo, talvez de alguns anos para Nova York, para junto de seus irmãos.

Era rotina divagar nos pensamentos todos os dias no seu emprego na pequena loja de penhores do Sr. Duggs. Ela tentava todos os dias se convencer de que fez a coisa certa, mas só a fazia se sentir mais egoísta. Pensava nos amigos que tinha feito na cidade e no cara que estava afim dela. Pensava no quanto a sua vida tinha ficado melhor. E se sentia ainda mais egoísta.

Doreen havia trabalhado até tarde naquele dia na pequena loja de penhores. Estava de saída, encarou a noite estranha a olho nu que, até aquele momento, estava observando pela janela opaca da loja. Nunca havia se preocupado em andar à noite naquela cidade, já que todos se conheciam e a possibilidade de qualquer tipo de violência naquele lugar era improvável. Era uma das coisas preferidas dela naquele lugar: a paz. Mas as vezes, em certas ocasiões, a paz deixa de existir e os absurdos começam. Doreen sempre tentava evita-los, sem sucesso.

Doreen só morava a quatro quarteirões de onde ficava a loja de penhores. Só precisava enrolar em algumas esquinas e chegava ao motel. Ainda não tinha firmado residência na cidade.

De súbito, sentiu uma hesitação forte. Por algum motivo, que ela não soube, não conseguiu prosseguir rumo ao motel. Parou no meio do caminho, apavorada. Seria porque não havia ninguém nas ruas? E por que não havia ninguém nas ruas? E por que o céu estava com um aspecto tão chuvoso, já que era verão naquela região?

Um arrepio lhe tomou pelas costas e terminou nos cabelos. Pensou em voltar para a loja de penhores do Sr. Duggs, mas só faltava metade do caminho...

Começou a correr, se perguntando por que estava fazendo aquilo. Por que estava apavorava? Mas nada disso importava. Estava chegando. Só precisava correr mais um pouco...

Então um vento avassalador a impede de prosseguir e a derruba no chão, levando sua pequena boina, revelando seus longos cabelos castanhos à noite.

Não podia ficar parada ali. Por algum motivo sabia que tinha que chegar o mais rápido possível no motel, se não, estaria perdida.

Então correu. Correu o mais rápido que pode, e correu mais. Ela conseguiu ignorar o vento que soprava contra ela. Ela sabia que era proposital, não sabia o porquê. A escuridão a queria. Ficou ainda mais apavorada.

Não olhou para trás. Correu mais um pouco, enrolou em mais uma esquina, e então finalmente chegou. Tentou ignorar o vento enquanto pegava as chaves na bolsa, mas soltou um grito de frustração quando um raio caiu bem atrás dela em um poste, causando uma pequena explosão que deixou a rua sem luz. Tudo ficou escuro.

Se acalma, se acalma, se acalma, ficava repetindo para si mesma. Mas estava cega. Estava desorientada. Tentou encontrar a porta, mas não a encontrou mais. Havia desaparecido. Tudo havia desaparecido.

O que está acontecendo?

Doreen, então, correu às cegas pra a frente. Queria encontrar qualquer coisa que fosse: uma porta, uma casa, qualquer coisa. Tentou ligar o celular, mas o mesmo estava sem luz.

Parou de correr, frustrada. Onde estava? Até onde havia corrido? Então olhou para cima. Parecido que como resposta dos céus, outro relâmpago caiu, agora em sua frente, revelando o lugar em que estava. Doreen gritou apavorada com o que viu.

Estava de volta à loja de penhores. Não era possível. Não havia corrido tanto... Mas isso não era o pior. Isso lhe apavorou mais.

Centenas. Não... talvez milhares daquelas coisas espalhadas nas ruas. O relâmpago durou apenas um segundo, mas ela pôde vê-los... sombras.

Estavam olhando para ela com suas faces sem rosto. Estavam-na chamando. Ela não queria ir. Girou algumas vezes na rua que voltou a ficar escura, mas inutilmente, já que tudo continuava a não fazer sentido.

Se pôs a chorar e caiu no chão do asfalto. Fechou os olhos com toda força. Será que alguém está me vendo? Será que alguém consegue ver isso? Será que alguém consegue me ouvir?

Foi então que os sentiu, tocando nela. Não resistiu. Permitiu que fosse levada. O que mais poderia fazer? Não se atreveu a abrir os olhos. Estranhamente, sentiu que não estava mais no chão. Não existia mais gravidade, não existia mais nada ao seu redor.

Então, foi engolida pela escuridão.


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