Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 3
Acampamento




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Ela me analisou de cima a baixo, como se eu fosse um pedaço de carne. Seus olhos negros me fitavam com uma raiva inexplicável. Provavelmente ela teria me confundido com algum valentão que tinha roubado o lanche dela na escola. Mas eu duvido que esse cara tenha sobrevivido.

Minha cabeça estava cheia de perguntas, mas a dor não me permitia fazê-las.

— Por que tinha uma criatura mitológica no meio da cidade me perseguindo? Isso é… magia? — perguntei, me referindo à barra que ela tinha me dado. Eu me arrependi no mesmo momento. Magia? Como sou idiota.

— Quase isso. Eu lhe explico tudo depois — meu braço já não doía tanto assim, então pude aguentar os puxões que ela me dava. — Filho da mãe, quebrou minha lança! — Por um momento pensei que tinha sido comigo, mas lembrei que ela tinha quebrado a lança quando "matou" o ciclope. Ela parecia furiosa.

Do lado de fora, duas meninas estavam paradas, provavelmente esperando a que me arrastava. Ambas eram loiras. Uma, porém, um pouco mais gordinha que a outra, parecia descontraída com seu arco e flecha, e usava uma camisa na qual estava escrito algo como "Macacos do Ártico". A segunda parecia alerta, com espada em punho, como se um ciclope gigante fosse sair de algum lugar a qualquer momento, e usava um colar com uma figura estranha parecida com um pretzel, com os dizeres "Shadowhunter". Quando nos viram, vieram correndo ao nosso encontro.

— Deuses, Louise. Achei que tinha morrido para um simples ciclope! Esse é o cara? — falou a magrela.

— Acha mesmo que eu iria me deixar derrotar por um lixo daquele, Mirina? Mas até que não era dos moles. Até quebrou minha lança! — ela olhou pra mim como se tivesse lembrado que eu estava ali agora. — Ah, esse aí… Como disse que era o nome dele?

— Eu não disse.

— Então diga — falou a outra loira.

— Dylan.

— O que estava fazendo no aquário?

— De que isso lhe importa?

— Que grosso! Quer dar uma de Louise agora?

Louise soltou um rosnado que parecia muito ameaçador. Deu um tapa na minha nuca.

— Ei! O que eu fiz?

— Responda. O que estava fazendo no aquário? Você pode ver o ciclope, então deve ser o semideus.

— Que tipo de xingamento é esse? — perguntei, ofendido.

— Ah, então ele não sabe — a gordinha disse, com um sorrisinho.

— Explique para ele então, Julieta — falou aquela que se chamava Mirina.

— Creio que não sou a pessoa certa para falar isso — disse Julieta.

— Então vamos indo, quero voltar pro Acampamento logo — Louise bufou.

— Do que vocês estão falando? — eu estava boiando.

Ela apenas deu outro tapa na minha nuca e continuou a me puxar.

— Eu não sou seu cachorro, sabia? — falei, indignado.

— É, se eu quiser — Louise sorriu pela primeira vez.

— Deixe-me ir. Eu tenho que voltar pro internato antes que notem minha falta!

— Infelizmente, você tem que ir com a gente.

— Isso é um sequestro?

Ela revirou os olhos. Julieta soltou uma risada. Mirina continuou indiferente.

— Você é filho de um deus grego. De qual? Não sabemos. Naturalmente caberia aos sátiros virem lhe buscar, mas o imbecil do Quíron insistiu que tinha algo de especial em você…

— O quê? Especial? Você fumou?

— Venha conosco, e você vai entender — disse Mirina.

— Mas… Mas… Tudo que eu tenho está lá no internato!

— Não importa. Lá no Acampamento vai ter tudo o que você precisa.

— E por que eu deveria ir com vocês? Vocês só estão falando um monte de besteiras! Devem ser loucas.

Louise me soltou.

— Então não venha — ela disse, em tom de extrema raiva. — Não somos obrigadas a te levar mesmo. Fique aí para morrer. — ela apontou para as amigas. — Venham.

Mas Julieta se aproximou de mim.

— Um ciclope já lhe atacou. Se outro atacar, não estaremos aqui. Você ainda não sabe se defender. Você acha mesmo que aquilo... — ela apontou para o aquário — Foi besteira? — ela sorriu. O sorriso mais lindo que eu já vira. Fiquei hipnotizado. Eu queria dizer sim. Tinha que dizer sim, era meu dever, meu…

— Julieta! — gritou Mirina. — Sem usar sua bênção de Afrodite, por favor. A escolha é dele.

— Tudo bem — ela parou de sorrir, e eu voltei ao normal.

Se eu fosse, seja lá pra onde era, estaria livre de tudo. Da Sra. Ruby, do Tobias e seus mongoloides, da comida horrível de lá, da solidão… Mas eu nunca mais veria o Sr. Blake. Será que ele ficaria preocupado? Ele saberia onde eu estava?

— É para hoje. — disse Louise, impaciente.

— Eu… vou.— disse, com alívio e pesar ao mesmo tempo.

Julieta deu pulinhos.

— Tomara que você seja do chalé de Apolo! Eu vou lhe mostrar todos os CDs que eu tenho, certeza absoluta que você vai adorar!

Mirina soltou um suspiro.

— Mais um idiota…

Louise tirou uma moeda de ouro do bolso. Não parecia com nenhuma moeda que eu conhecia.

Ela jogou a moeda no chão, e, para minha surpresa — as meninas já deveriam estar acostumadas —, ela afundou no chão. Do ponto onde a moeda desaparecera, fumaça começou a sair, formando uma pequena nuvem negra no chão. Ela foi crescendo e se expandindo até atingir o tamanho e a forma — literalmente — de um táxi. Todas entraram, e Mirina me convidou para sentar também. Era surpreendentemente grande para um táxi de fumaça, mas de todas as coisas estranhas que eu já vira naquele dia, a motorista era a pior. Ou melhor, as motoristas. Eram mulheres que pareciam com a Dilma Rousseff, só que com a pele azul escura, um dente e um olho.

— Viagem de volta, queridas? Vejo que têm um passageiro novo…

— Vá logo — bufou Louise.

A que estava no volante apertou o acelerador, e o táxi fumacento realmente acelerou. Parecia estar a uns dois mil quilômetros por hora, o que me dava vertigem.

— As pessoas não vêem nada disso? — perguntei, com a boca tremendo por causa do vento.

— A Névoa encobre — respondeu Mirina.

— A o quê?

— Você vai saber.

— Ei, onde arrumou isso? — Julieta tomou o MP3 da minha mão, e passou a checar a playlist.

— É melhor n…

— EU AMO ESSA MÚSICA! — e colocou os fones, mas na entrada errada.

A espada cresceu novamente e quase decapitou uma das motoristas, que xingou alto.

— Se eu fosse você eu guardava isso — falou Louise, com um certo brilho nos olhos negros.

— Ahn… Okay — ela me devolveu o aparelho, agora de volta ao normal, e foi se entreter com o seu próprio.

Passamos alguns minutos em silêncio olhando os borrões que eram as paisagens até que, por fim, o táxi parou, e todos descemos ao pé de uma colina com um grande pinheiro no topo. Todos subiram, ninguém falou nada. Eu sentia outra coisa que não era vertigem, sentia que, depois de muito tempo, eu estava em casa. Sabia que eu encontraria todas as respostas. E, inclusive, a para a maior das perguntas.

Quem sou eu?


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