Sagira escrita por Senjougaha


Capítulo 7
Capítulo 7 - A Morte se irrita por nada




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Eros tinha passado na MINHA casa (sim, essa casa é minha também) pra me convidar, ou melhor, fazer Perséfone me OBRIGAR a ir a um baile que ele não tinha dito quando era. Ele deveria SIM ter mencionado que o baile seria depois de dois dias do convite atrasado! Só um desajustado da mente faria algo do tipo, e estou começando a pensar que Eros é um. Um desajustado lindo que usa um palavreado ridículo e que me dá vontade de vomitar.

Passa pela minha mente que… E se eu estivesse presa à Eros, e não Tanatos? Fico zonza só de pensar.

Mas não é que eu esteja brava por não ter tempo de escolher meu vestido. Que os vestidos vão à merda! Eu simplesmente gostaria de ter mais tempo pra me preparar psicologicamente para um baile babaca. Com uma corrente no meu pescoço.

– O que acha desse? - Perséfone pergunta com um tom de voz doce e me traz de volta à realidade.

É muito estranho vê-la assim. O mínimo que posso fazer é dar atenção e tomar cuidado com minhas tropeçadas sarcásticas nas frases.

– É, legal - respondo olhando para o vestido que parece um peru morto para se enfiar no corpo - mas não me encantou.

– Ah, sim, tem razão - ela concorda veemente - vestidos tem que encantar àqueles que o vestirão…

– Aham - digo enquanto sou torturada visualmente ao encarar o closet de Perséfone.

Ou melhor, ao segundo submundo que se chama Closet de Perséfone.

O lugar é uma cratera de madeira escura, sem fim. Sem fundo. Cheio de roupas assustadoras que eu jamais imaginaria a deusa da primavera usar.

Franzo o cenho quando avisto algo vestível.

– E aquilo ali? - pergunto apontando para o bendito.

– Ah - ela funga e faz um gesto de menosprezo - é o vestido do meu casamento.

Abro a boca indignada. Ela está desprezando o vestido que usou para se casar com meu pai e tenho certeza de que só está fazendo isso porque está pensando em Eros. Aquele babaca!

Ouço Tanatos murmurar algo abafado na porta e sinto pena dele. Perséfone o trancou na suíte dela, com a desculpa de que homens não deveriam se intrometer em assuntos de mulheres.

Reviro os olhos e abro a porta, ignorando os protestos finos da minha madrasta atras de mim.

Tanatos sai do banheiro respirando com dificuldade, como se estar ali fosse uma tortura, o que provavelmente é.

– Me ajude com o vestido - peço, ou melhor, mando em tom mau humorado.

Ele franze o cenho e abre a boca para protestar, mas puxo a corrente e ele se cala.

– Perséfone insiste que eu use outra cor além de preto - digo - é bobagem, não é Tanatos?

Lhe lanço um olhar ameaçador e ele assente freneticamente.

É absurdamente HILÁRIO o modo que ele se encontra agora. Um cara de corpo escultural, asas fortes e mortíferas, uma espada embainhada e um olhar dourado matador está ajudando uma deusa híbrida menor a escolher um vestido e mais: se sentindo ameaçado por ela. Deixa eu resumir melhor: o deus da morte está sendo ameaçado por uma deusa do nada, por um vestido.

Deixo esse pensamento de lado e encaro Perséfone, satisfeita por ter um aliado.

– E que vestido você sugere que Sagira use, Tanatos? - ela pergunta em tom incisivo - ela deve ficar apresentável.

– Ela está me empurrando para Eros - sussurro para que só ele ouça - você não tem dó de mim?!

Tanatos franze o cenho, confuso.

– Na verdade vocês se merecem - ele murmura.

– Volte para o banheiro - digo séria.

As penas negras de suas asas se arrepiam e ele nega com um olhar de súplica por misericórdia. Suspiro e volto a encarar o closet de Perséfone.

– Preto é a cor dela - ouço Tanatos dizer em tom pensativo atras de mim.

Me viro um pouco e pelo canto do olho direito, tento concluir se ele quer me ofender ou não. Se quer, não está funcionando. Franzo o cenho.

– Mas branco também - ele continua, pensativo.

– Branco… - Perséfone se junta à linha de raciocínio dele.

Cruzo os braços, totalmente deslocada. Perséfone tira um vestido que parece um lençol e dá de ombros ao estendê-lo para mim. Arqueio uma sobrancelha e cogito ficar ofendida.

– É uma veste grega muito comum - ela explica depois de revirar os olhos.

– Eu não sou grega - digo ainda de braços cruzados.

Perséfone urra de frustração e joga o vestido de volta no closet. Me sinto culpada por estragar nosso raro momento de “falando sobre moda”, mas é a verdade. Sou uma egípcia e ponto.

– Arranjarei algum trapo egípcio pra você então - ela range os dentes e sai do quarto.

Tanatos me censura com o olhar.

– Eu não posso deixá-la se iludir, Tanatos - reviro os olhos.

– Você age como se não tivesse nada a ver com gregos, você é grega também - ele rebate.

– É, eu sou - cruzo os braços e encaro o trapo grego jogado no closet - minimamente.

Tanatos o pega e joga no meu ombro.

– Tente ser grega algumas vezes, vai que cola - ele pisca para mim e me arrasta para fora do quarto.

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Estou enfiada no trapo grego e me sinto um lençol ambulante. Perséfone tinha encontrado uma veste egípcia para mim e meus olhos brilharam de alegria, mas não mais que os dela ao ver que o lençol branco estava comigo. Então decidi que simplesmente tentaria.

Péssima decisão.

– Você está inacreditavelmente bonita, Sagira - Tanatos diz surpreso e com voz grossa ao meu lado.

– Eu tenho a leve impressão de que isso não é um elogio - digo o encarando irritada.

Ele dá de ombros e sorri. Por que ele está sorrindo? Franzo o cenho. Talvez a corrente esteja apertando demais o seu pulso e prendendo a circulação…

– Sagira, queridaaaa - Perséfone cantarola e minha espinha gela - Eros estava procurando você!

Ela diz isso como algo bom! Então, encare como algo bom, Sagira! Suspiro.

– Olá - diz uma voz familiar atras de mim e Perséfone se afasta.

Me viro e tento demonstrar minha animação e felicidade por estar aqui. Tanatos está tentando ignorar a presença do alado perto de nós enquanto bebe vinho e conversa animadoramente com uma ninfa oferecida que apesar dos meus olhares de “rala, mandada”, ela não desconfia nunca.

– Olá Eros - respondo numa voz inexpressiva.

Ele sorri, parecendo satisfeito com minha reação e passa a mão nos cabelos loiros enrolados.

– Gostaria de dançar? - ele pergunta ao notar que a música começou.

– E girar pra lá e pra cá com essa corrente e Tanatos girando junto? Não, obrigada - respondo dando um sorriso cínico.

Que ele pareceu ter adorado. Urgh!

– Você parece gostar de colocar Tanatos como problema no meio de tudo - ele diz sorrindo mais ainda.

– Na verdade ele me salva de algumas coisas - murmuro encarando a videira que cresce nas colunas gregas daqui.

Tudo aqui é grego e está me encarando. Porque sou uma aberração que curiosamente continua viva apesar de tudo e estou sendo controlada pelo deus da morte adorado por todos, através de uma coleira. Me sinto zonza e Eros segura meu cotovelo de leve.

– Você está bem? - ele pergunta com as sobrancelhas levemente franzidas em sinal de preocupação.

– Sim - respondo e me afasto do toque dele.

Ficamos em silêncio por vários minutos. Vemos diversas pessoas irem para a pista de dança e entre elas, Tanatos. Ele está com a ninfa oferecida e sei que não dormirei esta noite.

Controlo o tamanho da corrente para que ele dance com a esquisita sem que eu tenha de ficar por perto. Quanto mais Tanatos se afasta, mais eu aumento a coleira e Eros observa a cada movimento meu com curiosidade.

– Infelizmente, não conseguimos fazer isso quando a intenção é ficar longe um do outro - explico antes que ele pense outra coisa - só quando precisamos de privacidade.

– É como uma regra - ele conclui.

– É - concordo - droga de regra.

Ele ri. Dessa vez é uma risada mesmo, não um sorriso forçado ou cavalheiro (que eu sei que ele não é).

– Qual é a graça? - pergunto confusa.

– Você - ele explica ainda rindo - você é uma graça.

Franzo o cenho e cruzo os braços. Sei que é uma atitude mimada, mas não posso evitar. Ninguém nunca teve essa atitude comigo além de Anúbis, e com ele eu posso ser mimada o quanto eu quero. Já hoje é a segunda vez que fazem isso inesperadamente, quando o que eu quero é que se afastem de mim.

– Querido, é deselegante rir de uma dama assim - uma voz suave repreende Eros e fico tensa.

– Tem razão mamãe - Eros se controla e vira para mim - perdão, Sagira.

– Eu prefiro você rindo do que você falando assim - murmuro irritada.

– Você é Sagira, certo? - a voz pergunta e me viro para ver a dona dela.

É uma mulher morena e esbelta que aparenta ter cerca de 23 anos. Sei que é Afrodite porque Eros a chamou de mãe e porque sua beleza é estonteante. Dá até vontade de me esconder.

– Sim, muito prazer - consigo dizer e esboçar um sorriso.

– O prazer é todo meu - ela sorri de volta - devo dizer que meu filho estava muito ansioso para conhecer você.

– Estava? - franzo o cenho.

– Sim, ele falava o tempo todo de como queria conhecer a garota híbrida - ela sorri ainda mais - és o assunto do momento.

Pisco algumas vezes. É difícil saber se ela está zombando de mim ou não, com esse sorriso iluminado estampado no rosto. Mas Eros parece tão empenhado em esconder a vergonha que sente, que acabo por me contentar só em sorrir de volta.

Eros cheira à ator. Do tipo de pessoa que sabe esconder os sentimentos perfeitamente para conquistar alguém. Mas quando estou com minha forma de loba liberta, posso saber todos os sentimentos ocultos das pessoas. O que é o caso. Eros está encabulado por sua mãe começar a fazer dele o assunto da conversa.

– É mesmo, Eros? - pergunto sentindo prazer da vergonha alheia.

Ele força um sorriso e assente. Permito que uma risada escape de mim e ele me olha surpreso.

– Você sabe rir - ele diz estupefato.

Fecho a cara na hora e dou um leve puxão na corrente. Onde diabos está Tanatos?

– Quero dizer, sua risada é adorável - ele tenta corrigir quando vê que estou mau humorada.

– E você finge bem - interrompo.

Ele sabe exatamente do que estou falando, mas prefere fazer expressão de desentendido. O que me irrita ainda mais.

– Cadê o Tanatos? - pergunto com a paciência no fim.

Eros fica tenso quando começo a seguir a corrente para chegar ao alado negro.

– Acho melhor você não fazer isso - ele diz soando sincero.

Paro por um momento e o encaro.

– Mas preciso ir embora - digo sem entender o porquê de Eros ter me parado.

– Por que? - ele pergunta.

– Porque quando não quero uma coisa e sou obrigada a fazê-la, sou desagradável - respondo soando fria.

– Você está sendo obrigada? - ele pergunta surpreso.

– Por que está surpreso? - pergunto indignada - Não notou como Perséfone está me empurrando pra você?

– Notei - ele franziu o cenho - mas pensei que você não ligasse...

– Eu ligo - interrompi dando ênfase no “ligo” - e não estou numa boa lua para ter paciência.

– Vamos lá fora - ele pede - fique comigo e me fale sobre os efeitos da lua em você…

Ele não está escondendo sentimento algum dessa vez. Eros realmente quer saber sobre que efeitos a lua tem na minha paciência. Suspiro e cedo embora eu saiba que ele não quer que eu veja algo.

Nós vamos até o jardim e noto Perséfone e Afrodite nos observando. Tento não ligar para o que elas devem estar conversando e tramando e dou atenção à Eros, que abre as asas na minha frente e senta num banco de cimento parecendo relaxado.

– E então? - ele começa - porque na lua nova você fica sem paciência?

– Porque a lua cheia está chegando - dou de ombros e encaro a ultima lua nova.

– E o que tem a lua cheia? - ele insiste.

– Lobos caçam - respondo com o cenho franzido - e quanto mais tempo sem caçar, mais irritação.

– Você caça? - ele pergunta ainda mais interessado.

Desvio o olhar.

– Só quando estou livre - respondo.

– Da coleira, certo? - ele pergunta.

– Não - respondo mais uma vez, ficando impaciente - da minha forma humana. Minha mãe bloqueou minha verdadeira forma com um feitiço.

– E você está bloqueada agora? - ele pergunta indignado.

– Não - bato o pé - acabaram as perguntas?

– Não - ele responde e sorri - na verdade, tenho muito mais agora, mas deixa pra lá, não é uma boa lua…

Dou risada e ergo a cabeça para rir melhor. Eros parece gostar de quando eu rio tanto quanto de quando eu o contrario.

– Sagira - a voz de Tanatos soa irritada, não, furiosa no escuro.

Semicerro os olhos para vê-lo e enxergo dois pontos dourados se aproximando.

– Procurei você e não encontrei - cruzo os braços e fico de pé, ficando irritada e furiosa também.

Tenho o direito, certo?

– Vejo o quão empenhada você estava em me procurar - ele resmunga - vamos pra casa.

Penso em protestar só porque ele sumiu e me deixou sozinha com Eros. Mas estou sonolenta e realmente quero ir pra casa, então me despeço rapidamente do anjo colorido e acompanho Tanatos pra seja lá onde ele está me levando, pois estou desinteressada e com sono demais para prestar atenção.

Só sei que ele está muito bravo por um motivo que só ele mesmo sabe. Dou de ombros e continuo seguindo-o. Mas ele para no meio do caminho e dou de cara com suas asas gigantes.

– Ai! - resmungo.

– Não fique sozinha com ele de novo - Tanatos diz numa voz fria.

– Mas foi você que…

– Não é um pedido, Sagira - ele se vira e seus olhos antes dourados estão prateados e cheios de raiva.

– Qual é o seu problema? - pergunto e empurro seu peito para longe de mim - esquece, vamos embora!

Vou na frente batendo os pés com força e raiva. Tanatos me guia quando erro o caminho, mas posso sentir não só pelo seu olhar e tom de voz que ele está realmente muito zangado comigo. Talvez algum outro sentimento que não compreendo porque nunca senti antes, mas que seja. Não estou num bom momento para ficar irritada, e se Tanatos fizer com que eu me sinta assim, as consequências serão dele.

Chego em casa e tudo o que faço é desabar na cama e adormecer em questão de segundos.


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Notas finais do capítulo

Peço desculpas pelos erros de digitação!



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