Xadrez escrita por Senhorita Ellie


Capítulo 5
5 - O Que Te Irrita


Notas iniciais do capítulo

Hey hey hey hey, pessoas! Aqui estou eu para o capítulo 5!
Gostaria de agradecer à todos que leram e comentaram até agora, estou adorando os comentários de vocês e eles me deixam muito satisfeita e motivada... Espero que a história continue agradando!
Hoje eu venho trazer uma imagem do Matheus. GENTE, ABRAM ESSA FOTO! Esse garoto, Vini Uehara ( :3 ) é EXATAMENTE como eu imaginei o Matheus no momento em que fui começar a história. Cabelo preto, branquinho, magro... Imagine os óculos e pronto, Matheus!

http://goo.gl/yrhVpS

Espero que gostem do capítulo. :3

P.S.: Viram que a Moni deu uma repaginada na capa da história? Ela é muito foda, sério. Parece capa de livro. :3



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Domingo, 06 de julho de 2014, casa de Davi

Davi estava deitado na cama há três horas, especificamente desde o momento em que acordara, e ainda não tinha saído do quarto. Era um domingo tedioso, o tipo de dia em que nada acontece, e a única distração dele desde o momento em que acordara foi observar a chuva atípica que caía lá fora. A música que ressoava pelos fones de ouvido ajudava, e em vários momentos ele se sentiu quase adormecido, mas os ponteiros do relógio na parede não o deixavam se enganar: aquele seria um longo dia e não havia nada que pudesse fazer.

Aquele tédio quase mortal era um pouco irônico, uma vez que Davi costumava amar domingos. Quando era pequeno, eram os únicos dias em que a família toda se reunia, geralmente para um grande almoço, e o pequeno Davi adorava ser mimado pelos tios e avôs. Quando mais velho, era aos domingos que o humor de Túlio se mostrava mais agradável, e não era incomum o pai levar a família para variados e divertidos passeios. Já na pré-adolescência, os domingos eram dias de sono, onde ele dormia como um urso em hibernação durante todo o dia... E atualmente, eram os únicos dias em que a mãe tinha permissão de fazer as refeições à mesa.

Mônica, doente ou não, era uma ótima companhia — falava firme, mesmo nos seus dias mais abatidos, e era sempre altiva. Davi adorava responder às suas perguntas indiscretas, vê-la rir por coisas idiotas e observá-la ganhar um pouco de cor nas bochechas, porque a imagem da mãe era a única peça remanescente dos tempos de glória, onde Davi sentia que tinha uma família e que ela o fazia feliz. Agora as coisas eram um pouco mais solitárias.

Por isso, quando ele acordou naquele anômalo e chuvoso domingo, Davi tinha altas expectativas para o almoço com a mãe. Era o primeiro domingo após o início das férias e ele tinha dezenas de histórias para contar, sobre Matheus e Guilherme, sobre Tábata e o Vespasiano, sobre o Xadrez e sobre seus próprios medos... E saber que Túlio tinha chegado de viagem, definitivamente não tornara o dia mais colorido. O grande Senhor Montecruz tinha o perene poder de estragar tudo.

—É sério? — ele quase chorou na frente da cozinheira que veio avisá-lo sobre a chegada do pai. Uma mulher sensata. —É sério que ele chegou hoje? Logo hoje?

E a mulher o encarou com olhos piedosos. Não havia nada que ela pudesse fazer.

—É sim. Vai almoçar com a sua mãe. Mandou fazer salmão grelhado.

Davi suspirou ele odiava salmão grelhado e não fazia questão de esconder isso, o que significava que o fato do pai mandar fazer justamente esse prato para o almoço era um claro sinal de que o filho não seria bem-vindo à mesa.

Tudo bem, Davi não queria ir mesmo.

Assim que a cozinheira saiu, o garoto se perguntou o que ele faria. Ele poderia ficar em casa o dia inteiro,enfurnado no quarto, ou sair naquele exato momento e ficar o resto do dia na rua.Contanto que não encontrasse Túlio, qualquer uma das duas opções parecia boa. Se não estivesse chovendo frio lá fora, Davi teria sumido na cidade até de madrugada, mas ele não queria pegar um resfriado e a cama quentinha parecia muito mais atrativa, principalmente combinada com a música agradável que tocava pelos fones de ouvido — a opção de ficar no quarto rapidamente venceu. Quando o maldito cheiro de salmão grelhado desaparecesse, ele provavelmente teria que se preocupar com a fome, mas por enquanto, não queria sair dali.

Eu só queria almoçar com a minha mãe. E agora vou ter que ficar olhando para a chuva pelas próximas... Ele olhou para o relógio: duas da tarde. Oito ou nove horas. Que horas que eu durmo aos domingos mesmo? Ah, não interessa. Provavelmente vou estar no quinto sono antes do relógio bater dez da noite mesmo.

Gemendo, Davi se remexeu na cama pela décima vez. Maldito relógio, malditas horas que não passavam, maldito Túlio que chegara de viagem, maldito mundo... Irritado, ele colocou o travesseiro em cima da própria cabeça, ficando assim até o momento em que a música se interrompeu para dar lugar ao bipe de notificações do celular, vários minutos depois. Ele quase lançou o aparelho na parede, mas retomou a razão no último segundo e desbloqueou o telefone, gemendo ao ler o nome na tela.

Matheus, a essa hora da tarde? Alguém me conta um jeito do meu dia ficar pior, por favor?

Por um momento, ele se debateu enquanto pensava se valia a pena se estressar lendo a mensagem, ou se deixava para lá — o pai já o estressava o suficiente, mesmo com sua simples presença no andar de baixo. No entanto, mesmo conversar com Matheus parecia bom diante do tédio mortal daquele dia. E com este pensamento deprimente, Davi resolveu ler a mensagem.

Não pense que eu estou satisfeito com isso... Mas me mandaram chamar você para encontrar a turma (Guilherme, Tábata, esses malas) na Savassi hoje. Oito horas da noite.”

Davi franziu as sobrancelhas. Hã?

Como assim? Quem mandou?”

A resposta demorou alguns minutos para chegar:

Tábata.”

“Você conhece a Tábata?”

“Ela é a minha prima, seria estranho se eu não conhecesse.” Davi revirou os olhos ao ler isso. “Ela mesma mandaria a mensagem, mas está ocupada demais me torturando com esse maldito barulho de desentupidor de pia para se lembrar do próprio celular. Sinceramente, Guilherme e Tábata se pegando é nojento.”

Uma risada alta preencheu o quarto, e pela primeira vez no dia, o terceiranista sentiu que seu humor melhorava. A cena que ele imaginou de Matheus sofrendo enquanto segurava vela era divertida.

Não lamento por você cara. Não mesmo. Diga ao Guilherme que ele está fazendo um bom trabalho e pergunte à Tábata onde eu preciso encontrar vocês. A Savassi é gigantesca, caso não saiba.”

Davi piscou enquanto a mensagem era enviada, sentindo-se muito mais animado; não teria de ficar em casa o dia inteiro e, de quebra, conseguira companhias legais para um passeio — era para sair pulando de felicidade. De fato, o garoto quase fez isso, mas preferiu se controlar e esperar pela resposta, que chegou quase vinte minutos depois.

Como você aguenta esse cara? Ele é muito mala.” Davi não podia dizer que discordava. “Tive que esperar quinze minutos para ele deixar Tábata respirar. Não quero que ele mate minha prima. Enfim, encontre-nos em frente ao Jolly Roger; Guilherme disse que você sabe onde é.”

Jolly Roger era um bar-discoteca que Guilherme e Davi costumavam freqüentar muito quando eram mais jovens, pois o barman não se importava de vender bebidas para menores de idade. Os dois haviam passado momentos muito divertidos lá, rindo da dança desengonçada de algumas pessoas, das decorações que Roger, o dono do bar, inventava para as datas comemorativas e dos casais que se pegavam na seção reservada.

Agora Guilherme era parte de um desses casais, e com um suspiro refrescante, Davi admitiu que a perspectiva de implicá-lo fez o dia parecer lindo e ensolarado. Como era bom ter amigos.

Sei sim. Estarei lá às oito horas, então.”

Matheus não respondeu, mas não importava também. Eram duas e cinco da tarde e ainda faltavam seis horas para o encontro, mas Davi tinha alguma coisa à que se agarrar — e de repente, tinha fome também. Lentamente, ele saiu debaixo das cobertas, tremendo quando o ar frio entrou em contato com sua pele, e passou a maquinar formas de chegar à cozinha sem ser pego no meio do caminho. Havia vários caminhos a se seguir e, enquanto vestia um casaco, o garoto admitiu que não importaria muito encontrar o pai em qualquer um deles: no atual estado de animação, Davi provavelmente apenas o cumprimentaria com um soco e continuaria sua vida normalmente.

Seu estômago roncou e ele definitivamente decidiu que faria uma visita às cozinheiras. Assobiando uma musiquinha que o pai odiava, saiu do quarto, e sua animação era tanta que o caminho para a cozinha foi feito em poucos segundos. Faltavam apenas seis horas, que poderiam ser a eternidade, mas que poderiam ser divertidas também. E ele decidiu que faria a segunda opção ser a realidade.

Afinal, o pai estava em casa... E quem seria melhor para infernizar?

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O único problema de infernizar o pai era o fato de que, uma vez irritado, Túlio se tornava mais insuportável do que já era: Davi teve de fazer malabarismos para sair de casa sem que o pai montasse em cima dele com seus discursos carregados de preconceito agreste. Todas as vezes que o garoto tencionava sair pela porta da frente, Túlio rolava seus olhos severos para ele, esperando qualquer movimento brusco, até o momento em que Davi finalmente desistiu e fugiu pelos fundos. O táxi que ele chamara o esperava na rua, o motorista levemente impaciente. O garoto sorriu de forma apaziguadora enquanto os dois arrancavam — pelas próximas horas, ele estaria livre, e não seria um taxista azedo que estragaria sua alegria.

A Savassi não era muito distante de onde ele morava. Um bairro que, à noite, era cheio de luzes e vida — o movimento era constante, com pessoas caminhando nas ruas, os bares sempre cheios e a música dos diversos estabelecimentos se misturando para formar uma única melodia. Davi sorriu enquanto o carro se embrenhava no bairro, as fachadas dos diversos bares passando rapidamente por seus olhos até ele finalmente chegar onde queria. O táxi parou, ele pagou rapidamente e desceu, checando o relógio.

Oito e dez. Eu sabia que não ia chegar na hora.

Não que fizesse muita diferença, mas ele gostava de ser pontual. Parado na calçada, o garoto dedicou um segundo para observar a fachada do Jolly Roger, ainda a mesma de anos atrás — anormalmente simples, sem luzes muito chamativas e com uma placa crua de madeira, onde o nome do bar podia ser lido — antes de sorrir e entrar. Era bom encontrar as coisas do mesmo jeito que elas sempre foram; a sensação de familiaridade deixava as coisas bem mais agradáveis.

O Jolly Roger era um bar pequeno, mas que tinha a seu favor o fato de ter dois andares. O segundo andar simulava uma mini boate, onde as coisas sempre ferviam por volta da meia-noite, e de alguma forma sempre estava cheio — Guilherme e Davi tinham estado ali várias vezes e nunca haviam encontrado a pista de dança vazia. Já o primeiro andar passava uma atmosfera mais íntima, onde os casais podiam se sentar juntos, as turmas de amigos podiam juntar mesas e beber e alguns solitários tinham a total liberdade de se sentarem no balcão e jogar conversa fora com o barman o quanto quisessem. Roger era um cara muito esperto — seu bar agradava a tipos diferentes de público e estava sempre faturando.

Enquanto caminhava pelas mesas do andar de baixo, procurando pelos amigos, Davi pensou que era realmente um milagre que os sons dos dois andares não se misturassem — a bruxaria de Roger era realmente potente. Ele nunca tinha se sentado no primeiro andar, porque o ambiente não lhe interessava e, distraído, tentando escutar os sons da pista de dança, passou direto pelos amigos.

—Até onde eu saiba, você vai se sentar com a gente. — disse Guilherme, zombeteiramente. —Mas se você quiser se sentar sozinho, não tem problema, não faz falta.

Davi se virou, avistando os amigos sentados em uma mesa ligeiramente escondida no canto, quase inteiramente cobertos pela sombra. Não surpreendia que não os tivesse visto.

—Não tenho culpa se vocês querem ficar invisíveis. — respondeu no mesmo tom, enquanto se aproximava e os cumprimentava. Guilherme riu em resposta enquanto Tábata, ao seu lado, acenou alegremente e Matheus, o componente restante do grupo, ergueu o queixo, parecendo ao mesmo tempo entediado e desgostoso. —São só vocês três? Eu achei que você tinha chamado uma turma, Guilherme.

—E eu chamei. Mas o Marcelo furou, as amigas da Tábata mudaram de ideia de última hora e o Tiago até agora não deu sinal de vida.

—Você chamou o Tiago? — Davi não podia acreditar nisso. —O Tiago?

—Claro! — o amigo riu. — O cara pode adorar um cachimbo, mas é gente boa quando está sóbrio. E ele está no Clube de Desenho junto comigo. Acho que ele não vai vir, mas eu tinha que chamar.

De fato, Tiago provavelmente não iria; seus finais de semana eram reservados para o fumo e para Isadora. O que significava que Davi tinha saído de um inferno terrível — sua casa, seu pai — para ir para um inferno ainda pior: uma mesa de bar onde Guilherme e Tábata se agarrariam o tempo inteiro ele teria apenas Matheus como companhia.

Ter o Matheus aqui é quase a mesma coisa de não ter ninguém aqui. Eu ando muito sortudo nos últimos tempos. Sinceramente, eu ando sortudo pra cacete nos últimos tempos.

Só havia uma solução aparente para aquele problema e ele a convocou erguendo a mão para chamar a atenção do garçom: iria beber.

—Você bebe? — perguntou Matheus, surpreso. Estava vestido como um típico cantor de punk rock, usando uma camisa da banda The Xx, o que seria engraçado se não casasse tão bem com sua beleza fria. —Isso é ilegal, não é?

—Não tão ilegal quanto isso aí deveria ser. — retrucou Davi, apontando para Guilherme e Tábata; os dois tinham começado a se beijar. —Sinceramente, se eu soubesse que viria tão pouca gente, não teria saído de casa.

Teria sim.

Guilherme e Tábata giraram as cabeças, e o tal barulho de desentupidor soou por um curto momento.

Ok, talvez não.

—Eu não tenho opção. Se eu quiser sair de casa, tenho que ir aonde Tábata puder me levar. — o segundanista suspirou, desanimado. —Era mais divertido quando ela era solteira.

—Você sempre pode beber.

—Eu sigo a lei. — ele soou como um velho de sessenta anos. —Não me responsabilizo pelas eventuais merdas que você fizer.

O garçom chegou, e ignorando-o completamente, o casal no canto pareceu se beijar de forma ainda mais profunda, com um gemido sufocado saindo de uma das duas gargantas — não fazia diferença, pois de tão juntos, eles pareciam um só. Matheus observou tudo com uma expressão horrorizada.

—Tem certeza? — Davi perguntou e, diante de uma afirmativa de Matheus, deu de ombros, se virando para o garçom. —Me traz um Campari, então.

Outro gemido sufocado vindo do casal.

—Ok, ok, ok! — o outro garoto pareceu ligeiramente desesperado. —Mudei de ideia.

—Dois Camparis, garçom! — Davi corrigiu-se, rindo, e o garçom se afastou. —Você não vai se arrepender, Matheus. Se você não puder resolver os seus problemas você mesmo, é só beber... A bebida é uma milagreira.

Matheus deu um pequeno sorriso e isso pareceu quebrar um pouco da tensão entre eles. Quando os Camparis chegaram, os dois estavam envolvidos em uma conversa cordial, principalmente relacionada ao xadrez. Discutiram movimentos, jogadas que gostavam e desgostavam, partidas marcantes que tinham jogado, a competitividade do campeonato de dezembro e, a partir de certo ponto, a bebida os deixou mais desinibidos. Matheus parou na primeira rodada de Campari, enquanto Davi engatou várias outras, mas quando Tiago apareceu no bar uma hora depois, o segundanista estava muito próximo de parecer uma pessoa agradável.

—Olá, Davi! — Tiago o cumprimentou, a voz pastosa e os olhos vermelhos denunciando que ele não estava completamente sóbrio. —Cadê o Guilherme? O cara me chama e não aparece?

—O Guilherme tá ali. — Davi apontou para a parede. O casal estava próximo de completar uma hora de amasso e nenhum dos dois parecia ter desanimado. —Pode se esquecer dele. Por hoje, sua companhia somos nós. Cadê a Isadora?

Era sempre estranho encontrar Tiago fora da escola sem a presença sólida de Isadora por perto. A garota era alta, larga, sóbria e sempre controlava os excessos do namorado.

—Jantar com a família. Não fui convidado. Tá na cara o porquê, né? — ele riu ao apontar para os próprios olhos avermelhados. —Você eu conheço, divido aquele muquifo contigo faz três anos.Mas quem é essa pessoa branca que nem um cadáver aí?

—Matheus. — Davi ria com o “branca que nem um cadáver”. —Este é Tiago, meu colega de quarto... Tiago, este é Matheus, meu... Colega.

Tiago riu, torpe, passando a mão pelo cabelo muito preto de Matheus, de maneira infantil e debochada.

—Prazer, Matheus.

—O prazer é... — pela primeira vez na noite, os olhos de Matheus saíram do marasmo frio de sempre, acordando para uma espécie de brilho. Durou apenas um segundo. No instante seguinte, o garoto parecia ter bebido novalgina, um mau humor tão repentino se instalando em suas feições que até mesmo Davi, já acostumado, se surpreendeu. —Todo meu.

Eu... Davi franziu as sobrancelhas, intrigado. Eu já vi esse olhar antes?

—Não parece nenhum prazer. — comentou Tiago, rindo enquanto se sentava. Na altura em que estava, mesmo dizer que odiava o garoto só o faria rir. —Mas ok, todo mundo tem direito de ficar azedo. VAMOS CONVERSAR DAVI!

Davi ainda estava intrigado, mas sem opções. Rendeu a conversa, enquanto as doses de Campari continuavam a vir e morrer; Tiago passou a acompanhá-lo na bebedeira. Mesmo chapado, o colega de quarto era uma pessoa fácil de conversar e logo os dois já tinham caído em assuntos banais e simples de desenvolver, enquanto Matheus, ao canto, só observava com uma expressão profundamente incomodada. Davi tentou incluí-lo algumas vezes na conversa, mas o garoto ficara irritadiço de repente, praticamente cuspindo espinhos, e depois de algumas deixas frustradas, o terceiranista acabou desistindo.

Eu já vi isso antes. Não era mais uma pergunta. Eu já vi esse compor... Comporta... Comportamento! Comportamento em algum lugar... Mas... O que será isso?

O pensamento não o largou em todos os drinques que bebeu após a chegada de Tiago. Davi lançava olhares furtivos para Matheus a todo o momento, tentando entender. O garoto, porém, ainda com a expressão mais infeliz que conseguia fazer, não reparava nele: olhava para a porta com um olhar equivalente ao que um sedento lançava para um copo de água. Estava desesperado.

Quando o relógio da parede bateu onze da noite, vários beijos apaixonados de Guilherme e Tábata e vários drinques esvaziados depois, Tiago se levantou de repente, definitivamente chapado. Olhando para os lados, ele jogou as mãos para o alto, contorcendo o corpo no que era suposto ser uma expressão convidativa — mas que com o álcool, parecia apenas cômica.

—VAMOS PARA A... A... A... A... PISTA DE DANÇA! — ele gritou, rindo ao se lembrar do nome. —VAMOS DANÇAR!

—VOCÊ ODEIA MÚSICA ELETRÔNICA, CARA!

—ODEIO NÃO! — ele tentou fazer uma expressão pensativa. —OK, ODEIO! VAMOS LÁ, VAMOS LÁ, VAMOS LÁ! VOCÊ TAMBÉM, MA... MARCOS! VOCÊ NÃO... NÃO BEBEU NE... NHUM CAMPARI!

De fato, Matheus não acompanhara os dois garotos nas rodadas de bebida; ainda estava com o primeiro e único Campari que bebera no início da noite. Davi reparou que, durante o tempo que o segundanista não encarava a porta com desespero, este estava encarando Tiago com o mais absoluto ódio, e pensou que talvez o Matheus não gostasse do colega de quarto por algum motivo. Aquilo poderia ser verdade se, quando Tiago encarara o segundanista para convidá-lo, ele não tivesse parecido tão sem jeito — e seus olhos não tivessem acendido aquele estranho brilho novamente — antes de ele virar as costas grosseiramente e se preparar para ir embora.

Definitivamente, eu conheço esse olhar. Maldita bebida... Não consigo pensar. De onde eu conheço esse olhar?

Davi queria descobrir. Mas nunca o faria se Matheus fosse embora.

—MATHEUS, POR QUE VOCÊ ESTÁ INDO, CARA!? — chamou, sentindo a própria voz soar estranhamente engrolada. — Se você não gosta do Tiago, é só não chegar perto dele! Masssssspooooooorque você não gostou dele?

O garoto se virou para encará-lo.

—Não vejo como isso possa ser... Da sua conta. — piscou. —Não... Tenho... Nada. Nada contra seu amigo. — e a expressão pareceu angustiada de repente. —Só quero ir embora. A Tábata vai querer me matar quando perceber que eu não estou aqui, então me deixa ir, ok?

—O que você precisa, amigo, é de uma gata... Para te deixar felizzz. — Davi se aproximou e jogou os braços por cima do ombro de Matheus. — VAMOS SUBIR!

O segundanista fez uma cara de absoluto desespero.

—Davi, colabore. Você está bêbado.

—E voxêextáchato. — Tiago deu a volta por Matheus e empurrou-o em direção às escadas. —Vamox, pequeno jovem! Anda!

O garoto parou e encarou os rostos de Davi e Tiago por um instante, em profunda agonia, antes de suspirar, se rendendo e se deixando ser conduzido escada acima. Parecia completamente derrotado.

No canto, Guilherme e Tábata ainda se pegavam — nenhum deles parecia atento ao que acontecia em volta. De fato, o amor era lindo, observou Davi enquanto também subia as escadas... Até o momento de pagar a conta. Mas ele não se importava nenhum pouco. Que os dois se matassem em cima da conta quilométrica que viria! Naquele momento, ele só queria se divertir.

E que Guilherme, pra variar, se ferrasse... Só um pouquinho.

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O segundo andar se assemelhava a uma pequena boate, com algumas luzes estroboscópicas, piso brilhante e um globo giratório no meio do teto. Como era um espaço pequeno, dava a impressão de estar cheio muito depressa, como de fato estava naquele momento: havia pouco espaço para movimentação, a massa de corpos de mexendo juntos no ritmo da música.

Davi fechou os olhos enquanto o próprio corpo se mexia, a dança fluindo naturalmente de seu interior — ele amava aquilo com a sua vida, a entrega febril de um monte de pessoas que ele não conhecia a uma única música. Naquele momento, todos eram amigos, todos eram iguais, não havia nenhum problema, não havia nada...

— De san gos daun! De estar cam au! Enau ai uanisrireen nau! — Tiago cantou, alegre e desimpedido. Davi não viu porque não acompanhá-lo. — Mai universo uilbe neva bi de seime! Ai glediiú queime! Ai glediiú queime!

Matheus os encarava com uma expressão horrorizada e, mais tarde, Davi admitiu que não podia tê-lo culpado. Mas naquele momento, a pronúncia de seu inglês soava ótima, tudo parecia lindo e Matheus parecia só mais um rabugento que não sabia aproveitar a vida: motivo pelo qual o terceiranista resolveu que fazer o mais novo se divertir era crucial.

—Canta, Matheus! Canta! Essa música é óxima! Dé Uantedi! Não conhessi?

—Não conheço nenhum “Dé Uantedi”. — ele parecia ter comido capim. —The Wanted sim, e é uma banda horrorosa. Davi... — ele pensou por um minuto. — Vai cantar, vai.

Xó xevoxê cantar com a genti! — Tiago vacilou, apoiando-se no ombro de Matheus para se firmar. —Olha, começou outra! Vamúcantá!

O segundanista fechou os olhos por um segundo, respirando fundo antes de abri-los com um ódio ferido nas íris e tirar a mão que estava em seu ombro com certa violência, empurrando Tiago para afastá-lo. O garoto arquejou, surpreso, mas antes que pudesse reagir, Matheus deu-lhe um soco rosto — e todo mundo em volta se calou, esperando pela briga.

—Tire a droga da mão de mim, ok? SAI DE PERTO DE MIM, SEU MALDITO BÊBADO! — ele gritou para Tiago, que acariciava a bochecha machucada como se não acreditasse. — E você também, Davi! Saiam de perto de mim! SAIAM DE PERTO DE MIM OS DOIS!

E se embrenhou na multidão, sumindo.

Durante um momento tenso, Davi e Tiago se encararam, surpresos e confusos, mas o álcool que consumiram os impediu de darem ao fato sua devida importância — logo estavam dançando e cantando novamente.

A festa fervia, mas os drinques que Tiago bebera rapidamente cobraram seu preço: ele começou a sentir tonturas e resolveu ir se sentar. Sozinho na pista de dança, Davi resolveu procurar por Matheus — se é que ele está aqui ainda — para se desculpar; um objetivo rapidamente frustrado quando ele encontrou uma garota muito bonita no canto da balada. Ela estava quieta, apenas observando, mas pareceu retribuir o interesse que Davi demonstrou e Matheus logo foi varrido de sua mente: o terceiranista podia ser uma pessoa muito preocupada e compreensiva, mas beijos eram algo que ele não recusava.

A garota o entreteve durante várias músicas com seus lábios macios e fáceis. Ela não parecia muito preocupada em engatar nenhuma conversa, tão envolvida no momento como ele, o que era bom, pois Davi se preocupava com as expectativas de seus ficantes — não queria machucá-los. E naquele momento, a melhor coisa do mundo era saber que existia alguém tão disposto como ele a ir apenas para o lado carnal da coisa, alguém que deslizava os lábios suavemente pelo seu pescoço, descendo para a linha da clavícula e fazendo-o revirar os olhos de prazer. Talvez, no final da noite, Davi perguntasse o nome da garota. Mas provavelmente não.

Ela ainda brincava com a língua em seu pescoço quando ele abriu os olhos, apenas distraidamente, e avistou Tiago. O garoto estava semidesmaiado em um canto, a lateral do rosto começando a arroxear, e parecia simplesmente deplorável — por um segundo,o terceiranista pensou que Isadora o mataria se o visse nesse estado. Mas não importava, porque a garota estava beijando Davi novamente e era bom. Ele fechou os olhos outra vez, se deixando levar por um longo e delicioso tempo.

Quando abriu os olhos novamente, ele já tinha perdido a noção do tempo: estava ali com aquela garota por horas ou minutos? Já havia passado da meia-noite? Seu pai provavelmente o mataria. Onde estava Matheus? Tábata e Guilherme ainda estavam lá embaixo? Essa desorientação o fez se desvencilhar da garota por alguns segundos, sorrindo para ela enquanto indicava o próprio nariz: preciso respirar, querida. Concordando, ela apenas encostou a cabeça no pescoço dele, também ofegante, e Davi aproveitou esse momento de descanso para olhar em volta.

Não precisou procurar muito para encontrar um rosto familiar: Tiago ainda estava recostado no mesmo lugar, mas não sozinho desta vez. Matheus estava parado à sua frente, observando-o com um misto de desprezo e alguma outra coisa enquanto parecia se decidir. No fim, o segundanista cutucou o bêbado semiacordado com o pé até que este reagisse e o ajudou a se levantar, levando-o passo por passo para fora.

Davi observou a interação com interesse até o momento em que Tiago parou e falou algo no ouvido de Matheus; o terceiranista, na distância que estava, não poderia saber, mas chutou que fosse um “obrigado”. E a estranha reação de Matheus — fechar os olhos, suspirar e abrí-los novamente, aquele brilho ao mesmo tempo febril e ledo nas íris — acendeu uma espécie de lâmpada na mente de Davi.

Isso parece... Interesse? Os lábios da garota voltaram a explorar seu pescoço, e ele fez o possível para ignorar os arrepios, sua mente trabalhando depressa. Isso é interesse! Mas... Matheus? Tiago? Matheus interessado no Tiago?Não pode ser...

A menina voltou a beijá-lo na boca e ele deixou a linha de pensamento para lá — estava bêbado, de álcool e êxtase. Mas mesmo em meio à névoa embriagada de prazer e bebida, Davi se preocupou em fazer um lembrete mental: iria voltar a pensar naquilo depois...

Era simplesmente algo intrigante demais para deixar para lá.


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Notas finais do capítulo

Esse aqui é um recado para a Moni, minha beta e a garota que recomendou meu capítulo.
MOOOOOONIIII, EU TE AAAAMO MOLIER! Sabe o que significa ter a sua beta recomendando seu capítulo? Isso significa que você é alguém MUITO foda! Eu estou me sentindo e isso não pode, eu ainda nem cheguei no décimo capítulo disso... E tenho duas recomendações!
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Só posso agradecer por terem confiado na minha história. Vou trabalhar para que ela fique cada vez melhor e espero que vocês continuem comigo.
Até o próximo capítulo. Beijos. :3