A cidade estava quieta, o que era comum naquele horário, afinal, já passava das três da manhã. Mesmo com o vento frio que soprava, um garoto ainda estava sentado em um dos bancos do Parque Central da cidade.

Uma garrafa de uísque barato estava caída ao seu lado, e lágrimas caíam pelo rosto do rapaz. Calmamente ele pegou uma foto do bolso esquerdo do jeans que usava. Nela, uma linda garota sorria despreocupada, enquanto o vento jogava seus cabelos castanhos pra trás.

O garoto mirava a foto com um olhar triste. Como se aquilo trouxesse más lembranças.

– Ana... - sussurrou o rapaz, enquanto mais lágrimas rolavam pelo seu rosto.

Olhou para foto por mais dois minutos. Depois guardou a foto em seu bolso, deu um gole no uísque que sobrou na garrafa e levantou do banco. Começou a caminhar com a cabeça baixa, ainda enxugando os olhos.

Longe dali, uma moto fazia manobras evasivas em uma estrada, por sorte não havia nenhum motorista desavisado dirigindo por ali. O motociclista andava em alta velocidade, sem nem olhar para trás.

Aos poucos, a moto reduz a velocidade, até que para no meio da estrada. Então o motociclista tira o capacete vermelho que cobria seu rosto, revelando um rosto feminino, com lábios volumosos e olhos verdes intensos. Seu cabelo era de um vermelho vivo, e vinha até os ombros.

Usava uma camisa branca sob uma jaqueta de couro negra, assim como sua calça e botas de cano longo. Na sua coxa direita, uma pistola calibre 9mm brilhava sobre a luz da lua. Ela pegou a arma devagar e a apontou pra frente, como se esperasse alguém para atirar.

– Apareça logo, seu covarde! - gritou a moça, mas nenhuma resposta chegou. Ela parecia cansada e suava um pouco apesar do frio.

Ela permanecia em posição, apenas esperava a oportunidade de sua presa aparecer.

De repente, o silêncio da noite foi interrompido por um farfalhar de asas, parecia um bando de morcegos prontos para atacar. Mas a criatura que a atacou era bem maior que um morcego, sem falar que mais feio.

O monstro tinha um par de asas nas costas, garras e presas bem afiadas e um corpo humano que parecia ter sido queimado.

Ele atacou a moça sem titubear, jogando-a ao chão. Mas ela era rápida, mal havia caído e já se levantava atirando na criatura, que desviava habilidosamente das balas.

– Merda... - disse a moça pra si mesma.

– Você acha que pode me matar? - disse o monstro com uma voz horrível, parecia milhares de cobras sibilando ao mesmo tempo. Mas sem aviso, seu corpo começou a mudar, sua pele começou a voltar para o lugar, e as asas e presas haviam sumido. No lugar da estranha criatura, um homem surgiu, usava um terno totalmente negro, sapatos bem engraxados e uma gravata vermelha.

A garota continuava com a arma em punho, parecia estar cheia de vontade de meter uma bala no meio da testa do sujeito.

– Ah que isso meu bem, isso é realmente necessário? - perguntou o homem, que aparentava ter uns 40 anos.

– É quando se trata de demônios. - retrucou a moça sem medo.

– Que pena. A gente formaria um belo casal sabia?

– Só daqui a mil anos, Eligor. - disse ela com um sorriso sarcástico no rosto.

– Estarei esperando, Liliam. - mal terminou de falar, Eligor atacou se transformando novamente na besta de antes.

Liliam atirou, mas nenhuma bala sequer encostou no demônio. Eligor conseguiu agarrar jaqueta de Liliam pelo ombro e alçou voo. Com a força da impulsão do monstro, sua arma caiu na estrada.

Liliam não tinha nenhuma arma reserva para usar, então tentou usar a força bruta para tentar se libertar.

– Não adianta lutar, Liliam. Você irá para o inferno comigo. - disse o demônio novamente com aquela voz monstruosa.

A garota não disse nada, apenas tentava, em vão, se soltar das garras da besta. Foi então que lembrou que sempre carregava um canivete em seu bolso.

Por sorte, Eligor resolveu dar um rasante perto de uma rua, então Liliam se aproveitou e perfurou a garra que a prendia. A besta soltou um grito de dor e a soltou, fazendo com que a garota caísse, mas ela era habilidosa e conseguiu cair em segurança.

Já Eligor caiu em cima de um carro estacionado no acostamento, fazendo seu alarme tocar loucamente.

– Sua maldita... - disse a besta ofegante. - Você irá pagar.

Mais uma vez o monstro investiu, como havia perdido sua arma, Liliam só podia desviar e correr. Depois de algum tempo, ela percebeu o quão longe foram. Estavam a mais ou menos um quilometro e meio de onde sua moto e arma estavam.

– Você não pode escapar de mim!! - dizia Eligor, seguido de uma risada.

Depois de algum tempo, chegaram a um beco sem saída. Liliam se viu sem chances de fugir da besta. A garota suava e seu cabelo estava despenteado.

Eligor sorria com a chance de matar a garota. Um silêncio mortal se instalou no beco, mas aos poucos, o som de passos tomou o local, eram lentos e descompassados.

Eligor, que estava de frente para Liliam se virou para ver quem poderia ser. Um garoto de cabeça baixa andava devagar, sem olhar para trás, ele parecia estar bêbado, vestia uma jaqueta azul sobre uma camisa branca e jeans surrados. Mesmo estando naquela situação, ele parou e olhoupara beco.

Eligor sorriu e disse:

– Oba, mais um humano veio para o jantar.

– Não!! - gritou Liliam - Hei você!! Saia logo daqui!!!

O garoto permaneceu parado, apenas observando. Por fim ele sussurrou:

– Eu apenas... a queria de volta... Ana...

Eligor gargalhou como se não houvesse amanhã.

– Uma alma afundada em solidão. Hoje é meu dia de sorte.

Sem pensar duas vezes, o demônio partiu pra cima do homem, usando sua garra para cortar o abdômen do garoto. O mesmo caiu no chão, sangrando e gemendo de dor.

Mas antes de dar o golpe final, Eligor ouviu Liliam sussurrando algo.

– Mas o q...

Não deu nem tempo de Eligor terminar de falar, uma luz branca tomou conta do beco. Aquela luz era forte de mais, até mesmo Liliam estava com os olhos fechados.

Aos poucos ela foi diminuindo, e quando se foi totalmente, um homem havia aparecido no local, estava sem camisa, usava a parte de baixo de uma túnica verde claro que cobria suas pernas e exibia um belo físico. Na sua mão esquerda havia uma espada brilhante.

– Não ouse tocar nesse humano novamente, demônio sujo. - falou o homem com a voz firme

– E quem é você para querer mandar em mim? - perguntou Eligor.

O homem misterioso fechou os olhos e respirou fundo. De repente ouviu-se o som de pele se rasgando, e par de asas brancas apareceram nas costas do homem.

– Meu nome é Rafael.

Eligor logo mudou sua expressão, parecia muito mais assustado agora, ele não esperava que um arcanjo viesse pessoalmente detê-lo.

– Agora, morra alma pecadora!! - gritou o arcanjo enquanto sua lâmina cortava a carne de Eligor. Uma espécie de sangue negro jorrou da ferida, manchando a espada.

O corpo dividido caiu ao chão, e logo se transformou em cinzas. O anjo olhou para o humano caído sangrando na entrada do beco.

– Liliam, você pode me explicar o que aconteceu aqui? - disse Rafael, sem mudar o semblante sério.

– Perdão Mestre. Perdi o controle da situação. - respondeu a garota de cabeça baixa.

– Um humano ferido por um demônio. - começou Rafael. - Liliam, você é a única que sobreviveu a isso. Você sabe o que fazer agora.

– Não me diga que...

– Sim, vamos levar esse homem a presença de Miguel. Se ele sobreviver, ainda restarão esperanças.

Liliam parecia ser contrária da ideia, mas por fim concordou.

– Vou voltar ao meu posto. - falou o arcanjo. - Na próxima vez, acabe com o demônio com suas próprias mãos.

– Claro! Peço desculpas pela minha fraqueza mestre!

Rafael nem ligou para o que a garota disse. Apenas fez sinal para que ela se aproximasse, assim que chegaram perto do garoto, a mesma luz branca que trouxe Rafael, envolveu os três, que sumiram logo em seguida.

O silêncio voltou a reinar no local. Tudo estava novamente em seu lugar. Obeco estava novamente em silêncio, sem sinal de que anjos ou demônios estiveram ali.