A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 9
Capítulo IX




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Sherlock chegou pontualmente às nove e meia, trazendo uma cesta de flores.

— Você está linda. Deve ter descansado bastante.

Ela sorriu contente por não demonstrar que tinha ido dormir tarde, depois de um encontro com Magnussen. Havia recebido dele uma caneta muito interessante. Aparentemente, era uma esferográfica folheada a ouro e as iniciais de Sherlock (SH) gravadas. Mas dentro dela estava escondido um minúsculo microfone de longo alcance. Molly não tinha perguntado sobre quem iria ficar na escuta, isso não lhe dizia respeito. Sua tarefa seria apenas esperar uma oportunidade adequada para dar o objeto de presente.

— Não vim com meu chofer hoje. Você se importa?

— Não, claro que não. — Ela tentou mostrar-se à vontade, mas sua voz falhou um pouco ao imaginar que passaria o dia todo com Sherlock, completamente sozinha.

Quando saíram do prédio, para grande surpresa de Molly, uma Ferrari vermelha, de linhas arrojadas, os aguardava na porta. Ela então percebeu que conhecia esse carro. Era o mesmo que tinha ficado estacionado embaixo da sua janela há algumas noites, com um homem sentado ao volante e fumando enquanto esperava. Será que ele estava vigiando para ver se Lestrade iria passar a noite no apartamento?

— Esse carro é seu?

— Sim. Você gosta de carro esporte?

— Muito.

Sherlock lhe abriu a porta e foi sentar-se à direção. O automóvel era novo, com estofamento de couro.

— Ele corre muito? — perguntou Molly.

— Alcança duzentos e cinquenta quilômetros. Mas aqui o limite é de cento e vinte quilômetros, lembra?

— E você nunca sente vontade de infringir a lei?

— Só pelo prazer de ir contra, não. Mas se surgisse algo realmente importante e não houvesse outro jeito… eu não hesitaria.

Olhando de relance para o decidido perfil de Sherlock, ela virou a cabeça. Tinha feito uma pergunta bastante inocente, sem segundas intenções, mas a resposta obtida lhe dava outra visão do caráter daquele homem.

— E você? — ele perguntou.

— Não, mas com uma máquina desta eu ficaria tentada — ela respondeu com um tom divertido.

— Você dirige?

— Sim, mas nunca tive um carro só meu.

— Guiava o carro de sua tia?

Molly quase perguntou a respeito de que tia ele estava querendo saber, mas interrompeu-se a tempo e fez um sinal negativo com a cabeça.

— Ela também não tinha um carro próprio. Mas sempre alugávamos um quando estávamos no exterior ou no campo.

— E em que lugares vocês moraram?

Ela repetiu as cidades e países que havia ensaiado com Charles e depois mudou o rumo da conversa, pedindo a Sherlock que falasse um pouco sobre si mesmo. O passado dele, como era de se esperar, revelava uma formação aristocrática, com escolas particulares, um curso de economia em Oxford e depois o mundo das altas finanças.

— E você tem família?

— Uma irmã casada e dois sobrinhos. Moram em Yorkshire e a gente se vê algumas vezes por ano, no Natal e ocasiões do gênero. Eu não aguento muito essas formalidades.

— Você não é do tipo familiar? — perguntou Molly, sorrindo.

— Não sei, nunca experimentei. O que não suporto são pessoas formais. — Fez uma pausa e continuou — E você? Ainda não sentiu a tentação de se casar?

— O casamento é uma instituição — ela respondeu, num tom atrevido. — Precisa disso para viver? Parece até uma forma de prisão.

Sherlock riu bem-humorado.

— Você tem lido muitos livros feministas. Só quis dizer que por enquanto os planos de casamento são secundários.

— Para mim, o fato de estar em Londres e ter um apartamento basta para viver bem. — Isso não era mentira. As lembranças das várias temporadas em cidades do interior ou no exterior, dos lugares feios e desconfortáveis onde havia morado, ainda estavam muito vivas. — Acho que viajei o suficiente na minha vida — disse com sinceridade.

— E os seus namorados? — perguntou Sherlock, num tom formal. — Não teve vontade de casar com algum deles?

— Nunca fiquei bastante tempo num só lugar para descobrir isso. E você? Sem dúvida tem muita experiência com mulheres.

— Você acha? — ele falou com um sorriso.

— Não acho, tenho certeza. Você nunca pensou em se casar? - Sherlock não respondeu de imediato. O silêncio começou a pesar entre eles até que finalmente respondeu, laconicamente:

— Uma vez. Há muito tempo.

— E o que aconteceu?

— Ela morreu num carro como este, meu carro… Saiu para um passeio e não voltou. É por isso que nunca vou deixar você dirigir. Não adianta pedir.

— Eu não ia pedir.

— Oh, ia sim. Está louca para pôr as mãos nele.

Ele estava certo. Na verdade, Molly daria tudo para sentir como era comandar aquele motor poderoso. Mas isso não fazia parte do seu papel. Fingindo aborrecimento, disse:

— Se eu quisesse mesmo guiar um carro desses, sairia amanhã mesmo para comprar um.

— Ah, sim, tinha esquecido. — Sherlock deu aquele sorriso irônico que ela já conhecia bem e depois mudou de assunto.

Chegaram à feira de antiguidades, perto de Oxford, logo depois das onze e passaram algumas horas agradáveis visitando as barraquinhas. Ao pararem para admirar uma caixinha de tartaruga com entalhes de prata, no mesmo instante ele a comprou de presente para Molly.

— Mas eu não posso aceitar!

— Que bobagem. Vai servir para guardar parte da sua coleção de joias. — A atitude dela o deixou meio surpreso e isso serviu como um alerta.

Com certeza, nos círculos que frequentava, era comum as mulheres ganharem presentes caríssimos sem nenhum motivo especial.

Almoçaram num restaurante à beira do Tamisa. Apesar de estar um pouco frio, várias embarcações cruzavam o rio, com seus ocupantes aproveitando o sol do meio-dia.

— Você sabe velejar? — perguntou Sherlock, enquanto ela observava as evoluções de um barquinho.

— Um pouco. Tive um namorado que era fanático por barcos. Possuía um da classe Mirror e costumava levá-lo para a costa nos fins de semana. Era muito divertido.

— E o que aconteceu ao namorado?

Ele falou em tom casual, mas algo na sua voz fez Molly perceber que tinha respondido sem pensar. O relato era verdadeiro, fazia parte da sua experiência pessoal, e por esse motivo não se adequava ao papel que estava representando.

— Acho que gostei mais dos passeios do que do namorado. — E acrescentou, para consertar — Na época éramos muito jovens, eu não devia ter mais do que dezesseis anos. E você, gosta de barcos?

— Sim. Tenho um iate, mas não consigo tempo suficiente para aproveitá-lo, no máximo algumas semanas no verão.

— E onde ele fica? No litoral?

— Não. Tenho um lugar permanente na marina de Monte Carlo. Gosto de velejar em águas quentes.

Ela engoliu em seco, lembrando-se que havia visto fotos e programas de tv sobre aquele lugar. Perto dos iates fantásticos que enfeitavam a marina de Monte Carlo, o veleiro do seu namorado, que aliás, ficava guardado numa carreta puxada por um carro velho, não passava de um canoa.

Depois do almoço, ele a levou para visitar o Palácio de Blenheim, antiga residência do duque de Marlborough, onde dispensou os serviços de um guia e passou ele mesmo a apontar as peças de interesse, fazendo um histórico sobre a casa.

— Como sabe tanto sobre este palácio? — perguntou Molly, impressionada.

— Não sou nenhum gênio — explicou Sherlock, com uma risadinha. — Quando estava estudando, vinha aqui com tanta freqüência que conheço o lugar até de ponta-cabeça.

Depois da visita, foram para a cidade de Oxford, e ele a deixou ainda mais impressionada com os casos que sabia a respeito dos locais históricos. Subiram à torre de High Street para ter uma visão geral do lugar.

_ Aquela é a minha antiga escola, Christ Church — ele explicou. — A torre que fica na entrada é chamada de Tom Tower.

Foram até a torre, onde conversaram um pouco com o porteiro, que reconheceu Sherlock imediatamente. Atravessar o arco de entrada foi como passar para outro mundo. Todo o barulho e a agitação da cidade foram deixados para trás, dando lugar a um clima de tranqüilidade que convidava à reflexão e ao estudo. Ele mostrou a capela, a biblioteca e o pequeno museu a Molly e durante o trajeto, cruzaram com várias pessoas que o haviam conhecido nos tempos de estudante. Todos, de professores a inspetores, o cumprimentaram com muitos sorrisos e demonstrações de amizade, parecendo extremamente satisfeitos em vê-lo.

— Não temos visto você com a frequência que gostaríamos — um velho mestre disse. — Venham tomar uma xícara de chá comigo.

Foram tomar chá no apartamento que o catedrático ocupava e enquanto ele e Sherlock conversavam sobre assuntos específicos, Molly ficou observando da janela os alunos que estavam no pátio. Achava aquele mundo completamente novo, lamentando não ter continuado seus estudos.

Despediram-se do anfitrião e voltaram à cidade pela estrada que margeava o rio. As águas estavam avermelhadas, refletindo o crepúsculo. Depois de algum tempo de caminhada em completo silêncio, Sherlock se aproximou de Molly, passando-lhe o braço pelos ombros e disse, num tom alegre:

— Uma moeda pelos seus pensamentos.

— O quê?

— Você parecia estar muito longe. Desculpe, deve ter achado a visita à escola muito chata.

— Oh, claro que não. Muito pelo contrário. De fato, estava pensando nela. Gostaria de poder ser parte de… tudo isso…

— Você não freqüentou a universidade?

— Não. Eu demorei muito a me decidir e, além disso… — Molly se interrompeu antes de dizer que àquela altura já havia optado pela carreira teatral. — Bem, estava sempre viajando de um lado para o outro.

Por sorte, ele não continuou o assunto e sugeriu que voltassem para o carro.

Jantaram num pequeno restaurante no campo, gracioso e tranquilo, mantendo o estilo rústico das residências do interior. Sherlock não parecia ter pressa de voltar a Londres. Pediu sobremesa, café e licores e já era bem tarde quando entraram novamente na rodovia. A noite estava clara e o céu estrelado.

— Quer ouvir um pouco de música? — ele perguntou.

— Sim. — Ela escolheu uma musica e se recostou no banco, agradecendo por não ter que continuar a conversar, mas isso lhe deu tempo para se preocupar com o que iria acontecer quando estivessem de volta ao apartamento.

Não estava habituada a ter esse tipo de preocupação. Geralmente sentia-se perfeitamente capaz de lidar com qualquer homem ou situação que surgisse. Mas Sherlock era diferente, nunca havia encontrado alguém assim, autoritário, frio, e ao mesmo tempo tão quente e perturbador. Tentou analisá-lo, juntando os fatos que conhecia, mas só conseguiu descobrir que estava ficando cada vez mais confusa. Sabia que ele era desprezível pelo que tinha feito a Sarah Magnussen, que agia de forma implacável quando algo se interpunha no seu caminho… Estava bem claro que todos os meios eram válidos para aquele homem conseguir o que queria, até mesmo infringir a lei se fosse necessário. Mas havia uma nota discordante em algum lugar. Molly repassou todos os acontecimentos do dia até lembrar o modo respeitoso como todos o tinham recebido na faculdade, ficando lisonjeados com a presença dele. Isso realmente mudava um pouco as coisas. Entretanto, era possível que Sherlock só houvesse mudado de personalidade ao sair para enfrentar o mundo competitivo dos negócios. Ou talvez tivesse sido muito afetado pela morte da noiva. Quem poderia saber?

Molly procurou observá-lo, disfarçadamente. A brasa do cigarro a fez lembrar as noites em que ele tinha ficado vigiando do lado de fora do prédio e isso bastou para que ela estremecesse de medo. Não importava o passado de Sherlock Holmes, agora ele era perigoso.

Resignada, ficou olhando para a estrada à sua frente, iluminada pelos faróis poderosos da Ferrari. Não, a situação estava bem clara. A única confusão que havia era entre seu corpo e sua mente. Molly tinha consciência de que deveria desprezar aquele homem e ao mesmo tempo ansiava pelo impacto daquele corpo junto ao seu. Também estava claro que só ele a levaria ao clímax, despertando-lhe o desejo e a loucura ao menor toque. Realmente, nunca havia interpretado um papel tão difícil. Até quando seria capaz de dar vida ao seu personagem?


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