A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 6
Capítulo VI




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Charles tinha conseguido dois ingressos e ela levou um velho amigo como acompanhante. Greg Lestrade chegou às oito horas. Também fazia teatro, era um homem bonito, alto. Tinha trinta anos, mas parecia mais velho por causa do bigode que usava. No momento estava desempregado e tinha ficado muito satisfeito com a ideia de acompanhar Molly. Poderiam terminar a noite num restaurante elegante e ele jantaria por conta da amiga, que por sinal também lhe havia arranjado roupas próprias para a ocasião.

Lestrade vestia um smokingmuito elegante, alugado junto com o longo de seda verde-esmeralda e o casaco de pelesque Molly escolhera para si mesma. O vestido tinha um caimento perfeito, valorizava sua altura e as curvas bem proporcionadas. As mangas eram compridas e havia uma gola drapeada que podia ser usada como capuz, que poderia ser usado para esconder-lhe os cabelos.

Chegando ao teatro, ela ficou desapontada por não ver Sherlock. No camarote, procurou sutilmente olhar para todos os lados, mas não havia o menor sinal dele. Quando as luzes se apagaram, recostou-se na poltrona com um pequeno suspiro. Talvez tivesse algum compromisso importante para aquela noite, mas Molly ficara com a impressão de que Sherlock era do tipo que não via obstáculos quando se interessava por alguma mulher.

Como ela, Lestrade também não entendia muito de ópera. Estavam mais acostumados aos diálogos entre personagens como forma de expressão dramática. Quando isso era cantado, o sentido nem sempre ficava muito claro. Depois de meia hora, ele murmurou aborrecido — Vamos ter de ficar até o fim desta droga?

— Psiu! — Para sua surpresa, Molly descobriu que estava apreciando o espetáculo. — Claro que vamos ficar.

Lestrade resmungou alguma coisa e se acomodou melhor na poltrona. Um pouco mais tarde, ela sorriu ao perceber que o amigo tinha pegado no sono, para só acordar na hora do intervalo. Foram tomar um drink no bar, que ainda não estava muito cheio. Assim conseguiram dois bancos altos, na frente do balcão. Lestrade era espirituoso e a fez rir com histórias sobre sua última turnê pelo país. Terminou com uma piada, imitando um diretor de cena que tinha um sotaque bem carregado.

— Oh, você é impossível! — ela comentou sorrindo e se virou para pegar o copo. Ao fazer isso, olhou de relance para o espelho atrás do bar e seu coração deu um salto. Sherlock Holmes estava a poucos metros, encostado num pilar, meio perdido no meio das outras pessoas. Tomando cuidado para não ser vista, voltou-se novamente para Lestrade, tomou um gole da bebida e disse baixinho — Aquele homem… ele está aqui.

— Certo. — Lestrade, como que recebendo uma deixa, começou a representar seu papel. Inclinando-se, pegou a mão de Molly e olhando-a com admiração, perguntou: — Quem é ele?

— Aquele alto, encostado no pilar.

— Certo, já vi. Está olhando para cá — respondeu Lestrade, como se estivesse falando palavras de carinho.

Depois, num gesto delicado, afastou o capuz que ela usava, deixando os cabelos caírem soltos, como uma cascata avermelhada.

Molly lançou um olhar para o espelho e percebeu que sua vítima não tirava os olhos dela, com uma verdadeira expressão de choque no rosto aristocrático. Mas isso durou pouco. Sherlock logo se recobrou, voltando a assumir a atitude displicente de antes.

Era preciso tomar cuidado para não olhar mais para ele durante o intervalo e Lestrade continuou bancando o apaixonado até a campainha tocar. Terminaram de beber e voltaram ao camarote. Não viram mais qualquer sinal de Sherlock nos corredores ou na plateia. Mas no final do espetáculo, quando voltava da chapelaria do teatro, já vestida com o casaco de peles, indo ao encontro de seu acompanhante, ela foi cercada.

— Boa noite — ele falava num tom casual. — É a Srta Hooper, não?

— Sim, sou. — Conteve o nervosismo e continuou — Desculpe, só fiquei surpresa por encontrá-lo de novo tão inesperadamente, hã… Sr. Holmes.

— Também gosta de ópera? — Ele demorou o olhar naqueles cabelos avermelhados, talvez tentando descobrir se eram mesmo naturais.

Por sorte, foi salva de responder à pergunta pela chegada de Lestrade. Ele lhe passou o braço em volta dos ombros numa atitude de posse e olhou para o outro homem — Tudo bem, Molly?

— Claro, quero que se conheçam. Sr. Holmes, este é Greg Lestrade. — Foi preciso deixar de abraçá-la para cumprimentar Sherlock.

Ambos estavam impecáveis nos seus trajes de noite e ela se ela sentiu-se pequena perto deles.

— Fiquei conhecendo o Sr. Holmes esta manhã, na Sotheby's. Ele me deu alguns conselhos sobre o bracelete que comprei. — Levantou o braço direito, com a pulseira de prata.

— Ficou… muito bonita. — Sherlock continuava a encará-la até Molly desviar o olhar, o coração batendo apressado. Ele virou-se para Lestrade. — Você gosta das óperas de Mozart?

Ainda bem que Lestrade era um ator de talento. Deu uma risadinha e arrematou.

— Para falar a verdade, morro de tédio. Só vim para fazer companhia a Molly, que não queria perder o espetáculo.

— Ficou satisfeita? — Sherlock se dirigiu a ela.

— Oh, sim — respondeu com sinceridade.

— Logo vão apresentar A Flauta Mágica. Tenho certeza de que também vai gostar.

— Vou fazer o possível para não perder. — Ela sorriu, inclinou a cabeça num cumprimento de despedida e procurou se afastar com Lestrade. Mas Sherlock foi atrás, acompanhando-os pelo saguão. Ao chegarem à entrada, convidou:

— Meu carro está lá fora. Vocês aceitam jantar comigo?

— Obrigado, mas já temos uma mesa reservada — respondeu Lestrade afetando tensão, um perfeito namorado ciumento. Hesitou por um instante. — Vou chamar um táxi.

Ela esperou que Sherlock repetisse o convite, mas ele continuou em silêncio enquanto Lestrade se afastava. Quando o viu sumir de vista, ele perguntou abruptamente — Quando vou ver você de novo?

Molly soltou uma pequena exclamação de surpresa. Estava com os olhos fixos no rosto dele e teve uma sensação estranha, como se sua intimidade começasse a ser invadida. Balançou a cabeça.

— Sinto muito, Sr. Holmes, mas…

— Por favor, me chame de Sherlock.

— Está bem… Sherlock. Mas como pode ver, estou saindo com Lestrade.

— É noiva dele?

— Bem, não, mas…

— Então está livre para sair comigo.

— Estaria… se quisesse.

— E não quer? — Sherlock se aproximou, estudando-a mais detalhadamente e se demorando nos lábios. Ele parecia poderoso e ameaçador.

Molly engoliu em seco, quase assustada com a carga de arrogância e magnetismo que emanava daquele homem de gestos seguros. Recuou involuntariamente, sentindo-se grata por conhecer a história da filha de Charles. Precisaria tomar muito cuidado, era fácil demais se deixar envolver por alguém como Sherlock Holmes. Com a expressão mais fria que conseguiu manter, balançou a cabeça de novo.

— Não, acho que não quero. — E foi se encontrar com Lestrade na calçada.

Alguns minutos depois, quando pegavam um táxi, viram Sherlock entrando num Rolls-Royce prateado, conduzido por seu motorista particular.

–--

No dia seguinte, pela manhã, ao atender ao telefone, Molly não se surpreendeu em ouvir a voz daquele homem. Não deveria ser nada difícil para ele descobrir um número de telefone. Mesmo assim, fingiu espanto e perguntou:

— Como conseguiu o meu número?

— Tenho meus meios. Quer jantar comigo hoje?

— Não, já tenho um compromisso.

— Amanhã, então?

— Não. Olhe, já disse que estou saindo com Lestrade e…

— Ele é seu amante?

— Que pergunta! Isso não é da sua conta e…

— Pelo contrário — ele a interrompeu suavemente. — Essa história está começando a me interessar.

Apesar das várias recusas de Molly, os telefonemas continuaram. Fora isso, ela passou a receber flores. Nada de grandes buquês ou coisas muito caras como orquídeas, eram na maioria delicadíssimas cestinhas com arranjos de margaridas e violetas.

Para desespero de Charles, que chegou mesmo a implorar que aceitasse sair com Sherlock, essa fase de indiferença ainda levou umas duas semanas como já estava previsto. Molly sabia a importância do seu papel e continuou firme até que finalmente aceitou ir assistir A Flauta Mágicana companhia de Sherlock.

— Mas só vou sair com você esta vez — avisou. — E só porque Lestrade não suporta ópera.

— Certo — ele respondeu com suavidade.

Depois de desligar, ela deu um suspiro. O jogo havia começado.


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