Foi em uma tarde de quarta-feira, quando ele precisou ir à biblioteca da Universidade para juntar material para sua pesquisa. Foi nesse dia que ele a viu e tudo começou.

A biblioteca are enorme e lotada dos mais variados livros, chamando a atenção de todos os gostos, mas mesmo assim não era tão cheia de gente e continuava agradavelmente silenciosa. Será que era porque a maioria das pessoas preferia ler em casa? Ou talvez porque a biblioteca era, de fato, muito grande?

Para ser sincero, ele nunca pensara muito no assunto e apesar de gostar muito do tal lugar, também nunca parara para admirar a coleção absurda de livros que existia.

O que realmente prendia a atenção do jovem naquele lugar era algo – ou melhor, alguém – que permanecia longe da vista de todos, nos fundos da biblioteca.

Parecia uma boneca, fosse por como pouco de movimentava ou pelo seu porte pequeno, tinha longos cabelos claros que se assemelhavam a nuvens pela forma e cor. Eram tão grandes que circundavam e escondiam seu pequeno corpo quase que completamente, as mãos que viravam as páginas do livro eram pequenas, delicadas e pareciam serem feitas de porcelana.

Ela tinha um enorme laço rosa preso em seu cabelo, usava sempre um fino casaco decorado com rosas. E seus olhos... Bom, ele não sabia que de cor eram, já que estavam sempre olhando para baixo, concentrados no livro que a cada dois dias parecia mudar.

O jovem mal piscava, um livro de pesquisa folgadamente preso pelos seus dedos e ameaçava cair a qualquer minuto. Por sorte, ele o segurou com mais força e o trouxe para perto, depois saiu rapidamente, com medo que pudesse assustar a jovem.

Seto sentou-se na mesa mais próxima e suspirou. Sinceramente, aquilo já havia virado rotina. Será que foi obra do destino que a prateleira com livros de pesquisa ficava na posição exata que dava um ângulo perfeito para admirar a pequena garota?

Ou era só ele que estava usando a biblioteca e suas pesquisas como desculpas para que pudesse “visitá-la”? Afinal, nunca, ninguém poderia fazer tantas pesquisas assim. A bibliotecária até lhe perguntara uma vez se não queria que ela colocassem uma cadeira ao lado da tal estante.

O jovem de cabelos negros passou seu dedo, distraidamente, nos contornos da capa. Uma mão dava apoio a seu rosto e seus olhos de cor marrom-esverdeados encaravam o nada, seus pensamentos de volta a garota dos fundos da biblioteca.

Ele não sabia se ela estudava na universidade, porque nunca a vira em nenhuma das aulas ou pelos corredores, muito menos fazendo algum trabalho ou pesquisa. Ela apenas lia, lia e lia. Era tão quieta e foi um milagre quando percebeu sua risada fraca ao ler uma das cenas de um dos seus livros. Sentira muita vontade de ir até ela ao vê-la chorar por causa de uma das cenas – talvez um dos seus personagens favoritos tivesse morrido? – para assim limpar as lágrimas que desciam por suas bochechas rosadas.

E por falar em livros... Seto tirou um pequeno papel do seu bolso e sorriu ao ler o nome que nele estava escrito, deixando o livro que pegara inicialmente de lado, ele levantou e dirigiu-se para outra prateleira. Seu dedo indicador deslizava pelas lombadas a procura do título escrito no pedaço de papel.

Algumas semanas depois que a conhecera, acabou pegando o habito de espiar a capa dos livros que ela já havia terminado de ler e por pura curiosidade, começou a anotar seus nomes para que tivesse a chance de ler depois.

E uma coisa ele tinha de admitir, a garota com cabelos de nuvem tinha um gosto incrível. Desde que começar com esse hábito, todos os livros que foram “recomendados” por ela eram simplesmente incríveis. A história, a escrita, tudo. Ele mesmo já se pegou chorando em algumas partes e já se perguntara se ela chorou por causa das mesmas.

Lendo certas cenas, ele finalmente entendeu as adoráveis expressões que ela soltava, uma hora surpresa, outrora assustada e na maioria delas, feliz. Sim, ela tinha um gosto excelente e fez seu gosto por leitura aumentar ainda mais.

Mas... Apesar de ser agradável aquela relação indireta, Seto começou a se sentir inquieto, ele queria mais.

Queria falar com ela.

Ele não tinha ideia de como, no entanto. Afinal, se ela se escondia aos fundos da biblioteca, era porque não queria ser incomodada, certo? Provavelmente. Porém, ele não podia deixar se pensar que parecia ser muito solitário. Então, e se ela só estivesse ali por que não tinha ninguém para lhe fazer companhia?

Foi movido por esse pensamento que o jovem se encontrava na mesma posição, perto da estante com livros de pesquisa. Seus olhos marrom-esverdeados fitavam a pequena e não pareciam querer se desviar. Foi então que ele respirou fundo...

E caminhou até ela.

-.. Com licença? – Ele se inclinou, há alguns passos de distância dela. A garota primeiro tremeu e então olhou para cima rapidamente, seus olhos o encaravam com surpresa.

Rosa. Rosa era a cor dos seus olhos, um dos mistérios que mais o incomodava. Eram brilhantes, delicados e passavam uma sensação aconchegante e naquela hora, possuíam uma pontada de insegurança.

-Ah... Oi, meu nome é Seto. Tudo bem? – Decidiu perguntar, sentindo seu coração bater mais rápido que o normal.

A garota assentiu levemente, ainda com uma expressão surpresa.

-Qual o seu nome..? – Ele arriscou perguntar e reparou que a jovem se aninhara para mais perto do seu longo cabelo, como se protegesse.

Silêncio se seguiu e ele se arrependeu de ter perguntado. De ter até tido coragem de ir até ela.

-... Mary.

E no segundo seguinte, todo o arrependimento se dissipara como poeira ao vento por aquela voz, tão doce e com uma melodia própria, mesmo que só usava por tão pouco tempo.

-Muito prazer, Mary. – Ele se curvou um pouco e viu ela, desajeitadamente, fazer o mesmo, os dedos grudados no livro que antes estava lendo.

Bem, era agora ou nunca.

-Bom... – Ele começou. – Você se importa se eu ler aqui com você?

Mais silêncio, os grandes olhos rosados piscaram mais um par de vezes até que a dona deles fizesse que “não” rapidamente com a cabeça. Ele sorriu e andou mais alguns passos, para se sentar ao lado dela. Nem muito perto, mas também nem muito longe.

-Boa leitura. – Ele sorriu para ela e voltou sua atenção para o livro. Pelo canto do olho a viu assentir mais uma vez e voltar sua atenção para o seu livro, vez ou outra olhando para ele de novo.

E desde aquele dia, todas as idas até à biblioteca tornaram-se cada vez melhores.