Regis um menino no espaço escrita por Celso Innocente


Capítulo 6
Recordando.




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Ao passar pela sala do computador, parei sobre a porta e como a sala estava vazia, resolvi entrar. Lentamente me aproximei daquela gigantesca máquina e curioso, comecei a olhar as dezenas de botões, que ela possuía. Rud me dissera, que através dele, em um sistema muito avançado, o senhor Frene, me observava na Terra, então, me sentindo curioso a, talvez ver meus pais e amigos. Olhando botão por botão, vi um com um símbolo tipo seta, que parecia ser “ligar”. Apertei-o e várias luzinhas se ascenderam. Uma voz perguntou-me:

— O que desejas?

Assustado, olhei para todos os lados e não vendo ninguém, retruquei:

— Quem está aí?

— A máquina! Você se assustou?

Olhei para o computador e percebi que foi ele quem falou comigo:

— Como faço pra ver a Terra? — Perguntei-lhe.

— Primeiro você aperta o botão te-sete (T-7), depois levanta a alavanca número três até o número Cento e dezesseis...

— O que você está fazendo aqui Regis? — Interrom-peu o senhor Frene, que acabara de chegar.

Perdendo a atenção no que o computador me explica-ra, olhei assustado para o recém chegado e após uma pequena pausa, disse:

— Eu queria ver a Terra!

— Quem lhe disse que você conseguiria isso, através do computador? —- Desligou-o.

— O senhor Rud! Ele me disse que o senhor me observava na Terra, desde que nasci!

— É o Rud, é?

— Por favor, senhor Frene! Explique melhor!

— Você já comeu alguma coisa depois que chegou aqui?

— Não!

— Então deve estar faminto! Vamos comer alguma coisa, depois eu te explico.

— Não tenho fome! Por favor, me explique agora!

— Já que você insiste! Sente-se!

Sentei-me na poltrona. Ele se dirigiu ao armário de tapes e começou a escolher. Após alguns segundos, apanhou um deles, abriu sua caixa e percebi que na verdade era uma minúscula caixa dourada, não maior do que uma caixa de fósforos. Inseriu-o em um compartimento, por baixo do computador, depois voltou-se para mim, dizendo:

— Há uns quinze anos, por nossa televisão, surgiu algo muito comovente: Um famoso produtor de Orington, criou um documentário de como seria nossa vida, caso tivéssemos uma criança para completá-la. Ele criou em computador algumas crianças, meninos e meninas, com imagens tão próximas da realidade, que todo mundo se apaixonou por aquelas crianças. O programa foi muito bonito, copiado por todos e reprisado várias vezes; mas eram só imagens mortas... ilusão de ótica. Então finalmente, depois de várias reuniões com mais de mil pessoas aqui em Malderran, trouxemos para discussão esse problema da falta de uma criança, para alegrar nosso mundo.

— Para alegrar seu mundo?

— Sim! A criança é tudo para o ser humano: a beleza, a esperança, a simplicidade, o carinho, o amor... o ensinamento. Enfim, tudo! Um lugar, assim como o nosso, sem crianças, não tem como ter felicidade!

— O senhor está enganado!

— Por quê?

— Na Terra, as pessoas vivem dizendo, que as crianças só servem pra atrapalhar e criar problemas pros adultos.

— Eles falam! Mas na verdade, sofreriam como nós, caso não tivesse um rostinho infantil em suas vidas!

— Então o senhor acha que a criança é muito importante?

— Não há dúvidas! Nós somos imortais e não temos doenças, mas sentimos uma doença diferente: uma doença aqui no peito, devido a falta do sorriso de criança, pra nos alegrar. Por isso Regis, você é muito importante pra nós! Um sorriso seu vale milhões de seus dólares!

Dei um leve sorriso e insinuei:

— No Brasil é Cruzeiro[1]!

Depois sério tornei a perguntar:

— Então por que existem milhares de crianças aban-donadas na Terra e milhares são abor... Mortas pela mãe?

— Porque o humano terráqueo, na verdade é desumano! Se nós pudéssemos ter todas estas crianças abandonadas ou que pretendessem abortar, seríamos muito felizes!

— Por que tem mãe que quer abortar o filho?

— Porque se engravidou sem querer! Entre aspas! Diversões irresponsáveis noturnas, levando-as muitas vezes a acordar nua e bêbada, no leito do apartamento de um estranho, em uma falsa noite de amor!

— E por que os médicos fazem?

— Monstros! Que juraram cuidar da vida! Ao invés disso, as tiram sem piedade! Vão todos pro inferno, sem chance de perdão; tanto os médicos, como as malditas mães.

— O senhor ficou nervoso! — Insinuei meio assustado.

— Fiquei nervoso não! Revoltado!

— Mas senhor Frene: se aqui não nascem mais crianças, é porque Deus assim quer! O senhor não acha que está desobedecendo a Ele, me trazendo pra viver aqui?

— Você é muito esperto Regis! — Riu ele. — Mas Deus é muito bom e naturalmente, nos concederia esta alegria! Não é Ele quem não quer que aqui não tenha crianças! Foi erro da natureza!

— Mas Deus controla a natureza!

— Não! — Negou ele. — A natureza controla a natureza!

— Deus disse a Moisés, pra não adorarmos ídolos e o senhor está me fazendo de ídolo! Não acha que está pecando?

— Como você sabe estas coisas? Você é muito inteligente! Sabia?

— Sobre Moisés, aprendi em minha aula de catecismo e também vi o filme “Os dez mandamentos”. Enquanto Moisés foi receber de Deus a pedra com Seus mandamentos Sagrados, o povo construiu um bezerro de ouro e passou a ido... idola...

— Idolatrá-lo! — Completou o homem. — Mas quem disse que estou te fazendo de ídolo? Pra mim você é como um filho!

— No caso, me sinto com bilhões de pais. Se um dia, todos resolverem me bater... Mas deixe pra lá. Quando o senhor resolveu arranjar uma criança há quinze anos, o que mais aconteceu?

Criamos este aparelho, super potente: colocamos satélites invisíveis, próximos à Terra, com poderosas câmeras e finalmente, após um ano de trabalho, começamos a observá-la. Foi quando você nasceu...

— Por que escolheram a mim, entre tantas crianças que nascem todos os dias? O que tenho de especial?

— Nada! Escolher você foi apenas um acaso! Quando nosso sistema estava pronto, decidimos colocá-lo em prática! Resumindo, você foi o primeiro bebê recém-nascido que apareceu em nossa tela.

— Que azar o meu! — Reclamei.

Apertou um botão no computador e na tela, em imagem bem definida, como se fosse real, apareceu um menino recém-nascido, pelado:

— Quem é? — Perguntei-lhe.

— Você! Quando nasceu!

— Mas o senhor disse que foi há quinze anos! Eu só tenho nove!

— Pois é! Nove anos na Terra, significa quatorze anos aqui! Mais um ano que demoramos pra criar o sistema, é quinze.

— Quer dizer que o ano aqui passa mais depressa?

— Sim... O ano aqui é de noventa e nove dias dos nossos; duzentos e trinta e quatro dias e dezesseis horas se fosse da Terra... A partir de então, ficou decidido que você seria o nosso menino! Muitos queriam que o buscássemos logo! Mas a maioria preferiu esperar você crescer até a idade de hoje. Nesse tempo, passamos a te observar na Terra, por toda parte que você andava. Com isto, passamos a te proteger também!

— Me proteger!?

— Foi o que eu disse!

— Se o senhor me protegesse, eu nunca teria apanhado de papai e mamãe!

— Claro que apanhava! Não podíamos interferir na sua educação! Tínhamos que aceitar seu livre arbítrio!

— Livre o quê? — Fiz careta.

— Livre arbítrio é um modo de que Deus deixou para que o ser humano tenha o direito de fazer o que quiser, sem que Ele, Deus interfira em sua decisão, seja ela boa ou má.

— E o senhor se acha como Deus?

— Eu não! — Negou o senhor Frene, surpreso.

— Não interferia na decisão de mamãe me bater...

— Não tinha esse direito! Alem do mais, seus pais precisavam educar você, à maneira deles!

— Então o senhor acha justo que se maltratem crianças?

— Não! Sou completamente contra se espancar ou explorar uma criança indefesa! Mas seus pais eram donos de você!

— Ninguém é dono de mim!

— Alem do mais, você nunca apanhou tanto assim! Salvo algumas palmadinhas...

— Umas varadinhas... — Emendei.

Apertou um botão do computador, desligando-o. Apertou outro botão e finalmente mais um.

— Veja isto! — Disse ele.

Eu, com cinco meses de vida dormia na cama de mamãe. Lentamente, comecei a rolar sobre ela e em seguida, caindo ao chão. Comecei a chorar e a vomitar muito. Papai e mamãe correram a me socorrer...

— Você tinha acabado de se amamentar — Explicou o senhor Frene. — Poderia ter batido a cabeça e morrido. Porém, ao sentir o perigo, aqui de Suster, através deste botão, — Me mostrou o botão ípsilon três do computador. — Te protegi, fazendo-o cair de bruços.

— Quando criança, eu era bonitinho! — Ri.

— Quando criança você é bonitinho! — Afirmou ele.

— Não sou mais criança! — Neguei irônico. — Já tenho quatorze anos!

— Pois é! Adulto aqui, só depois dos dois mil anos! — Caçoou ele.

— Tudo isso?

— Sem brincadeira!

— Mostre mais!

— Quando você tinha nove anos, um dia, uma cobra quase te picou e você nem viu. Fomos nós quem te salvamos da morte certa!

— Mas eu tenho nove anos agora!

— Nove anos pra nós! Na Terra, eram cinco, quase seis! Vou lhe mostrar.

Apertou o botão desligar, depois o botão avance e em seguida, ligar. Comecei a aparecer na tela: ainda morava no sítio e fui passear com mamãe e os três irmãos menores, na casa de uma amiga; no caminho, próximo ao riacho todo de pedra, encontrei nossa gatinha, que estava desaparecida há alguns dias; peguei-a, levando-a para casa às pressas e colocando-a na tuia cheia de algodão. Sem que tivesse visto, quase pisei e também quase bati a mão direita, sobre uma cobra jaracuçu, que dormia. Ali, deixei a gatinha e voltei correndo até onde mamãe me esperava.

— Quando você quase bateu a mão na cobra: — Contou o senhor Frene. — Empurrei sua mão, te salvando a vida.

— Salvando a vida?!

— Claro! A cobra se assustaria e o bote seria certeiro, te picando ferozmente! Você iria chorar, gritar, perder a respiração, paralisar todo seu sistema imunológico, desmaiar e morrer ali, sem que ninguém notasse; pois em sua casa não havia ninguém: alem de sua mãe ter saído com vocês crianças, seu pai e seus irmãos mais velhos estavam na lavoura do algodão.

— É verdade! Lembro-me desse dia: a cobra picou a gatinha e ela morreu depois. Deu trabalho pra que papai matasse a malvada. Obrigado por me salvar!

— Lembra do dia em que você caiu do bebedouro na escola?

— O senhor viu?

— Claro! Vamos ver!

Adiantou o tape e me mostrou algo acontecido a menos de um ano: Eu estava com oito anos de idade na Terra. Na escola, era hora do recreio; fui subir no bebedouro de água, que estava a pouco mais de um metro do chão molhado, pela própria água que corria. Ao tentar subir, escorreguei e caí, sujando o uniforme e ferindo o braço, de raspão. Dali, abandonando a ideia e sem ser socorrido por ninguém, principalmente adulto, inspetor de alunos ou não, fui à outra torneira, me lavar.

— Você poderia ter quebrado o braço! — O alegou.

— O senhor me salvou?

— É uma grande falha da escola! Onde se viu, um local só de crianças, as torneiras de água potável ficar a dois metros de altura e as crianças precisarem subir numa marquise a mais de um metro do chão! E ainda por cima, todo molhado!

— As crianças até gostam! — Ri. — Menos eu! Naquele dia!

— Lembra-se de quando por engano, você tentou entrar no banheiro das meninas?

— Por favor, me mostre: eu gostei!

— Gostou é? Safado!

Mostrou-me:

Eu contava sete anos de vida na Terra e era aluno recente no Marcos Trench. Teria acabado de me mudar para a cidade. Assim que saí para o recreio escolar, com a bexiga querendo jogar xixi pelo ladrão, corri imediatamente para esvaziá-la; mas sem perceber, ou talvez sem estar familiarizado com a monstruosidade da nova escola, em se comparando com a pequenina de onde viera, contendo apenas uma sala de aula, acabei em por engano, adentrar ao banheiro das meninas. Quando me dei conta, quatro ou cinco garotas me agarraram e me arrastaram para a diretoria. Embora, implorasse para que me deixassem em paz, elas negavam, dizendo que eu queria vê-las sem roupas. Já atravessávamos o corredor na entrada do prédio escolar, seguindo através das salas de aula, quando de repente, todas ao mesmo tempo, resolveram me deixar livre.

— Elas iriam te levar pro diretor. Ele te chamaria de moleque sem vergonha e te bateria!

— E como bateria!

— Eu fiz com que elas te deixassem em paz!

— Elas disseram que eu queria vê-las sem roupa! Acha! Credo!

— Não foi isso? — Ironizou o senhor Frene.

— Êpa! Tá pensando o quê?

— Estou brincando! Sei que você é um menininho inocente.

— Já que o senhor me protegia sempre, como não me protegeu, quando o Vinicius me beliscou e eu nervoso, resolvi descontar!

— Daí a professora te colocou de castigo?...

— É! Vai dizer que o senhor me salvou de alguma coisa!

— Quer ver?

Mexeu na máquina e me mostrou:

Tinha oito anos e cursava a segunda série; sentava no final da sala, próximo à janela e à frente de Vinicius, um menino moreno, de minha idade, cabelos encaracolados, super atrasado e que me provocar era sua atividade predileta. Naquele dia, enquanto eu trabalhava, ele resolveu me beliscar. Na hora, com os nervos explodindo, virei-me para trás, pronto a revidar; mas a professora viu e só gritou:

— Regis!

Assim que olhei, ela me ordenou:

— Já de castigo, aqui no canto!

Assustado, permaneci sentado e calado por algum tempo, esperando que ela me perdoasse. Mas isso não aconteceu. A safada da professora só viu minha atitude de mau menino, a safadeza do outro ela nunca via. Acabei ficando de castigo, na frente, em exposição para todo mundo, onde, principalmente as meninas, me olhavam com risinho na cara; até que, para piorar minha vergonha, entraram em nossa sala, uma moça e um rapaz, que eram médicos imunologistas e vinham examinar nossos braços, a respeito de uma vacina, que havíamos tomado, dois dias antes. Após examinarem a todos meus colegas, vieram até mim e a moça pediu educadamente:

— Deixe-me ver seu bracinho!

Triste e com a maior vergonha de minha vida, tentei recusar; mas a professora ordenou:

— Regis deixe a moça ver seu braço!

Obedeci à mestra. Assim que a moça e o rapaz se retiraram, ela me chamou até sua mesa e pediu:

— Deixe-me ver seu braço.

Não sei por quê! Ela não é médica!

Após me reexaminar, me mandou sentar.

— Foi o único castigo o qual você sofreu na escola até hoje. Não é verdade? — Perguntou-me o senhor Frene.

— Graças a Deus! — Aleguei. — Por que o senhor deixou acontecer?

— Às vezes é divertido, pregar uma peça em quem a gente gosta!

— Não foi divertido pra mim! — Neguei bravo. — Senti muita vergonha!

— Principalmente por causa de Beth! Não é?

— Por causa de todos!

De repente, uma voz vinda de uma caixa, no alto da parede, chamou nossa atenção:

— Senhor Frene, o carro já está à sua disposição na portaria. A audiência ocorrerá em meia hora.

— É verdade Regis! — Afirmou ele, enquanto o alto-falante repetia o aviso. — Você dará entrevista na tevê, as vinte e cinco horas.

— E o que eu vou falar?

— O que te perguntarem! Vamos! No caminho a gente conversa mais.

[1] O Cruzeiro vigorou no Brasil de 15 de maio de 1970 até 27 de fevereiro de 1986, quando foi substituído pelo Cruzado. O Real foi criado em Julho de 1994.


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