Opostos escrita por Mari


Capítulo 30
02x4. Desejos e Estrelas.


Notas iniciais do capítulo

D I S T A N T E S - Opostos pt. II



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Era uma enorme mansão, há alguns metros do local onde eram as corridas ilegais. Desço do carro já com o gatilho destravado, prestando atenção em qualquer barulho que ouvisse, temendo que algo ruim acontecesse. Não que eu me importasse comigo, era treinada bem o suficiente para fazer algo diante de qualquer situação, já meu pai não, ele mal sabia atirar em algo.

Pelo menos é o que eu acho, mal sei mais sobre a vida dele. Não depois das coisas completamente desconexas que ele disse a mim. E mesmo cheia de dúvidas, fiquei calada, e não perguntei nada. Camille estava em perigo, não era hora de deixar minha curiosidade acima das obrigações.

Entro vagarosamente pedindo que meu pai ficasse um pouco afastado de mim. A mansão era maior por dentro do que parecia sendo vista do lado de fora, papel de parede desgastado, janelas de vidro quebradas, portas com maçanetas que demonstravam arrombamento. Duas escadas que levavam ao andar de cima... Encaro meu pai que parecia absorver algo parecido com lembranças. Realmente era estranho o fato de ter tanta certeza de que é esse o local onde Camille estava. Mas quem sou eu para duvidar?

Só queria que ela estivesse viva. Subo as escadas em desespero, havia vários quartos, mas um deles se destacava, pois a porta era blindada e estava fechada. Abro devagar dando de cara com minha irmã sentada no chão sujo, os braços amarrados para trás com uma força desnecessária e a boca coberta por um pano. O rosto inchado demonstrando um choro recente. Solto a arma, correndo até ela, lhe abraçando da forma que jamais fiz antes, demonstrando o quanto me importava com ela mesmo que, no último ano, não fosse o que realmente parecia.

— Camille... Oh meu Deus! Você está bem. – Sussurrei baixinho.

Meu pai entra correndo e assim que a vê naquele estado, trata de me ajudar a tirar as cordas que a amarravam. Um choro agudo atravessa todo o quarto quando tiramos o pano dobrado que cobria seus lábios e ela nos abraça mais uma vez como se necessitasse daquilo. Eu não sei sobre ela... Mas aquilo era algo que eu definitivamente necessitava. O soluço agudo e baixinho em meu ouvido só aumentava o meu ódio por Santiago. Então meu pai se afasta e encara a porta e eu solto Camille por alguns segundos a tempo de ver Andrew, segurando o gatilho e parado no batente da porta. Minha irmã se posiciona atrás de mim, suas mãos ainda me segurando com força e eu respiro fundo, jamais deixaria que algo acontecesse com ela. Andrew então aponta a arma para meu pai e meus pés travam no chão. Antes que eu pudesse raciocinar sobre o que estava prestes a acontecer... Meu pai corre em direção ao homem, nunca o vi tão nervoso. Ambos brigavam pela posse da arma quando finalmente obriguei meus pés a andarem até eles, o barulho do disparo faz com que eu e Camille arregalássemos os olhos. Encaro Andrew por alguns segundos, acreditando que meu pai havia conseguido atingi-lo, mas o sorriso torto e diabólico em seu rosto só demonstrou o contrário. Engulo em seco. Rapidamente eu sentia todo o meu corpo se contorcer de dor por dentro enquanto via meu pai caindo, corro desesperada até ele, segurando sua cabeça antes que a mesma tocasse o chão e observo sua camiseta ensanguentada. Encaro Andrew com um ódio mortal e ele simplesmente sai dali, como se nada tivesse acontecido. Eu iria me levantar, eu iria torturá-lo de todas as formas existentes no mundo, eu iria...

— Sophie... – Meu pai sussurra com dificuldade engolindo em seco e eu sinto lágrimas saírem por todo o meu rosto, deixando à velha Sophie, ingênua e covarde invadir todo o meu sistema nervoso. – Eu... Eu sinto...

— Eu sei... – Murmuro fungando e assentido variadas vezes. – Eu também. Eu também sinto muito pai... Por favor, olhe para mim. Você vai ficar bem, ok? Eu vou dar um jeito...

Camille se aproxima segurando o choro com todas as forças possíveis. Encaro-a em desespero como se esperasse que ela fizesse alguma coisa, mas era lógico que ela estava tão assustada quanto eu. Encaro o rosto de meu pai mais uma vez e ponho minha mão sobre a sua.

— Sophie... – Camille sussurra e eu sabia o que ela iria dizer, mas eu não queria. Eu não iria aceitar aquilo como se eu não pudesse fazer nada.

— Não. – Grito jogando meu celular em suas mãos. – Liga para a ambulância Camille... Liga para a ambulância agora.

Ela pega o celular assentindo, suas mãos tremendo, discando os números com rapidez quando a ouço chorar alto enquanto dizia nossa localização e o estado de meu pai.

— Eu sinto muito pai... Eu sinto tanto. – Digo ainda acariciando seus cabelos, ele tentar sorrir, mas a dor parecia ser lancinante. Puxo-o para mais perto e encaro o teto por alguns segundos, tentando pensar em alguma outra coisa. Mas no meio de toda a escuridão que havia em meu consciente, eu só conseguia pensar nele. E do quanto ele era importante para mim e eu não queria perdê-lo.

Eu estava correndo, o sorriso nos lábios quando de repente eu tropeço, sinto um dor em meu joelho e grito de imediato o nome de meu pai, que rapidamente aparece me pegando no colo e sussurrando um “Vai ficar tudo bem, pequena”.

Mas agora aquilo era impossível. Ele mal conseguia mover os lábios e mesmo se dissesse aquilo um milhão de vezes saberia que estaria mentindo somente para me ver feliz mesmo que por alguns segundos. Porque é isso que os pais fazem, é nisso que os pais se dedicam... Fazer uma criança feliz. E era assim que eu me sentia... Uma criança boba e chorona que só precisava do pai para contar alguma de suas velhas piadas idiotas.

— Pai para onde as pessoas vão quando morrem? – Pergunto mesmo que a aquilo não tivesse nenhum sentido. Estávamos sentados na igreja, observando estátuas de santos e comendo um pequeno sanduíche.

— As pessoas, quando morrem... É complicado dizer. Há muitos questionamentos sobre isso. Cabe a você acreditar nelas ou não. Gosto daquela sobre a estrela... – Dou uma risada alta sendo acompanhada por ele. – É sério. Sei que isso geralmente é o que dizem para uma criança acreditar que seus entes queridos foram para um lugar bom...

— Então... O senhor irá para esse lugar bom que tanto dizem existir. – Murmuro séria e meu pai para de beber o suco, depositando o copo em uma pequena mesa improvisada que geralmente fazíamos.

— Nossa... – Se espanta e eu o encaro, confusa.

— O quê?

— Quer que eu morra tão cedo assim... Para estar pensando nisso... – Dou uma risada, abraçando-o e apoiando minha cabeça no vão de seu pescoço.

— Nunca.- Sussurro baixinho mas ainda audível para ele, desejando mentalmente que aquilo realmente demore muito a acontecer.

Camille encarava a janela impaciente mesmo que não fizesse nem um minuto que ligamos para a ambulância. Eu agora sorria, encarando o rosto de meu pai tão sereno que em nenhum momento parou de me encarar, como eu havia lhe pedido.

— Estou me lembrando de quando te perguntei sobre onde às pessoas iriam quando morressem. – Digo sorrindo e ele fecha os olhos por alguns segundos, como se tentasse se lembrar daquele dia. Fazia bastante tempo que isso aconteceu, mas ainda me lembrava. Como se fosse ontem. Camille para de encarar a janela nos observando ali no chão. – Sabe o que pensei naquele dia pai? Que você demorasse muito tempo para morrer... Que você ainda pudesse ver a nossa formatura, nossos primeiros, e espero que único emprego. E confesso que na época pareceu um desejo idiota, mas não consigo parar de pensar nele. Porque agora, eu estou vendo a sua morte bem na minha frente e não é a visão mais linda do mundo, definitivamente. Me lembro também do dia que você disse que quando uma criança deseja algo é bem provável que se realize. Então aqui estou eu, uma pequena criança que chora feito idiota quando rala o joelho e sorri histericamente com qualquer piada sua mesmo que seja patética, desejando... Desejando muito... Que você continue vivo.

Rapidamente ouve-se o barulho da ambulância ao longe e eu respiro fundo enxugando algumas lágrimas.

Abro os olhos com o barulho do despertador, estranhando o fato de não me lembrar de ligá-lo já que era sábado. Sento no sofá esfregando os olhos e me deparando com milhões de balões espalhados pelo quarto, pregados com fita adesiva no chão. Sorri de imediato. Era meu aniversário e meu pai sempre tinha uma ideia diferente para essa data. Na última vez, eram fotos nossas espalhadas por todo o quarto. Levanto-me da cama, me infiltrando no meio de tantos balões a procura de meu pai, chamando seu nome baixinho em meio a uma risada quando finalmente o encontro, no batente da porta do quarto, segurando uma pequena caixa embrulhada.

— Pai... – Murmuro ainda sorrindo.

— Feliz aniversário. – Diz me entregando a caixinha e eu o encaro. – Vamos, abra, eu não sabia que presente dar para uma garota que acaba de fazer 14 anos, mas a vendedora disse que era fofo... E acho que isso é bom. - Retiro o laço que envolvia a pequena caixa com cuidado, abrindo-a e me deparando com uma linda pulseira com as iniciais S.H – Eu mandei gravar suas iniciais nele.

— Eu nem sei como agradecer... – Digo realmente encantada com o acessório.

— Eu sei: Sorria. – Então ele tira a câmera fotográfica do bolso e tira uma foto minha enquanto minha mãe subia as escadas com pequeno bolo, ao lado de Camille, cantando parabéns. E eu sorri.

Eu estava sentada no chão do corredor, meus braços agarrando meu corpo com força desnecessária e eu me sentia um lixo, as mãos ainda sujas de sangue. Camille se sentou na pequena cadeira ao lado de minha mãe, que chorava desesperadamente. Então o médico chegou.

— Sophie Hamswere? – Pergunta e eu me levanto encarando-o. – Podemos conversar? – Quando as palavras saíram de seus lábios, minha mãe chorou de soluçar e Camille passou a acompanhá-la e eu arqueio a sobrancelha assentindo. Entramos no elevador no final do corredor e ele aperta no botão do último andar.

Não trocamos uma palavra e eu estava ansiosa. Queria ouvir que meu pai estava bem e que ele queria nos ver. Quando as portas do elevador se abrem, vejo Anthony de costas encarando um corpo coberto por um lenço branco e eu empalideço. Minhas pernas caminham até ele bambas, sabendo exatamente o que aquilo significava. Ele se vira e me encara, e eu engulo o choro porque foi aquilo que ele me ensinara, então eu me lembro de seu treinamento idiota quando ele disse que Ethan estava morto.

— Anthony... – Ele se aproxima e eu dou um tapa em suas mãos as afastando, mas ele se aproxima novamente. – Não. Não. – Me debato tentando inutilmente me afastar de seu abraço, mas acabo cedendo porque eu precisava mais daquilo do que imaginava. – Por favor, me diz que isso é... Só mais uma mentira idiota sua... Por favor Anthony. – Grito deixando lágrimas e soluços saírem freneticamente.

Jolene

Abro os olhos com dificuldade por causa da claridade, e me levanto, colocando uma roupa e caminhando até a cozinha em silêncio quando vejo que Ethan conversa com alguém na lavanderia, provavelmente desejando que ninguém ouvisse sua conversa. Encosto na parede fria tentando ouvir a conversa.

Ethan, o enterro será amanhã, mas tem certeza que vai vir? Será um baque e tanto para ela...

— Ficarei afastado... Mas... Eu não voltei, para protegê-la, Adam. Andrew foi claro quando ameaçou machucá-la se eu não sumisse do mapa... E agora ele mata o pai de Sophie!

.. Ele disse que não machucaria ela fisicamente. Ainda assim não acho seguro você vir justo agora. As coisas esquentaram. Sophie irá caçar Andrew até no fim do mundo.

— E ela não será a única.

O que você...?

Ethan havia desligado o telefone e saído da lavanderia sem nem ao menos notar minha presença.

— Ethan... Espera. Eu vou com você... – Grito pegando um casaco e seguindo-o desesperadamente. Ele estava voltando para ela, mas eu não iria abrir mão dele. Não dessa forma, como se ele não significasse nada para mim.


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