Tudo se Ajeita, menos a Morte escrita por Kam_ted


Capítulo 9
Capítulo 9




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Caio viajou a Resende ainda na publicação do livro Estranhos Estrangeiros, ficou duas semanas a passeio na cidade.

Cazuza almoçou descontraído com Frejat, Maurício, Guto na casa nova de Dé e Bebel. À noite se reuniu com os produtores e Zeca anunciou um show no Circo Voador. Animou-se com a ideia de se apresentar novamente nos palcos e, mais satisfeito ainda, de voltar ao Circo Voador, reencontrar pessoas que lá conheceu na sua época de teatro.

No bar Tio Sam, onde também era uma boate, encontrou velhos parceiros de noitadas, de confusões, álcool e drogas.

Maneco falava agitado, contando fatos, do mês que passou na "jaula"; de madrugada já dividia cigarros de maconha com os outros. Acompanhado de whisky, entre fuçama, beijava avidamente Bete, uma ruiva de cabelos enrolados com um laço colorido amarrado na frontal da cabeça, vestia-se feito hippie, calça boca-de-sino e blusas de cores berrantes, mas o que interessava mais naquela jovem de cabelos de fogo era o cheiro remoto de flores. A boca de hortelã misturado a álcool não se ajustava a sua boca e ele tentava encaixar de alguma forma aqueles lábios no seu espaço - porque queria, porque retrocedia algo - , como quem força uma peça de tamanho maior no espaço, que por erro milimétrico, é menor. Seus olhos eram estranhamente verdes. Mais tarde, sóbrio, reconhecendo a verdadeira cor dos olhos dela, se perguntaria se o que vira era efeito da maconha. Uma psicodelia de cores se desenhava no orifício. Verde lodo se moldando a íris; rachaduras cinzentas transpassavam feito pingos d'água escorrendo na janela; um laranja oscilando ao amarelo avermelhado queimava no fundo. Uma mata verde densa queimando de calor e desespero.

Amanheceu na casa do Arnaldo com Bette e outras pessoas visivelmente exaustas. Bette estava com olheiras, bebia suco de laranja com vodka. Arnaldo ofereceu chá verde. Aceitou.

Sentia-se mal, o peito não trabalhava direito, sabia que respirava o essencial para manter-se acordado mas o oxigênio não penetrava profundamente nos pulmões. Recusou o cigarro oferecido e se afastou daquela fumaça que impertinentemente se apossava do seu ar.

Dos fundos da casa, situada numa colina, via-se o horizonte azul, o mar se encontrando com o céu, tonalidades diferentes. Não sabia onde estava e ficou a comtemplar a paisagem. Estava na sombra dos cinamomos, o ar voltava a circular calmo, os pulmões se encheram completos.

- Preciso parar de fumar. Falou para si.

- Precisa mesmo. Somos fumantes mas temos a consciência do mal que faz. Bette chegava na sua túnica branca, os cachos definidos, soltos.

- Achei que tivesse falado baixo. Bette sorriu. - Você parece um um anjo. Cazuza falou fitando-a nos olhos.

- Você está distante, Cazuza. Ontem, hoje...

Cazuza, Arnaldo e Bette conversavam, ironizavam a política do início dos anos 80, a ditadura.

-... grande merda de repressores hipócritas e cuzões... nosso povo vai às ruas com a cara pintada e com a coragem. Eles se escondem, sabem que serão apedrejados se estiverem sozinhos nas ruas.

Quando o sol já baixava, os raios alaranjados se confundindo com os cabelos da Bette, Cazuza começou:

No coração da cidade Descendendo a liberdade Eu quero ser uma flor Nos teus cabelos de fogo Quero estar no poder Eu quero estar perto do fogo

Bette registrou, Arnaldo procedeu. No final, compuseram uma música, perceberam.

Perto do fogo

Perto do fogo Como faziam os hippies Perto do fogo Como na Idade Média Eu quero queimar minha erva Eu quero tá perto do fogo

Quando tudo explodir Mas não vai explodir nada Vão ficar os homens se olhando Dizendo: "O momento está chegando" 2000, é ano 2000 E não vai mudar nada E não vai mudar nada

Perto do fogo Eu queria tá perto do fogo No umbigo d’um furacão E no peito, um gavião

Perto do fogo Eu quero tá perto do fogo No umbigo de um furacão E no peito, um gavião

No coração da cidade Descendendo a liberdade Eu quero ser uma flor Nos teus cabelos de fogo Quero estar no poder Eu quero estar perto do fogo

- Vai para meu próximo CD. E brindaram.


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Notas finais do capítulo

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Música de autoria do Cazuza e Rita Lee.



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